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Campinas, 8 a 14 de setembro de 2014 - ANO XXVIII - Nº 605 - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

MALA DIRETA POSTAL BÁSICA 9912297446/12-DR/SPI UNICAMP-DGA

CORREIOS

FECHAMENTO AUTORIZADO PODE SER ABERTO PELA ECT Foto: Anroninho Perri

LEUCEMIA

O cerco a células resistentes a quimioterápicos 3

O biólogo Renato Milani desenvolveu metodologia que permite mapear, por meio de ferramentas da bioinformática, proteínas que podem deixar células cancerígenas resistentes a quimioterápicos. De um conjunto de mais de 4 mil, Milani filtrou cerca de 150 possíveis alvos de ação terapêutica em casos de leucemia. A pesquisa integra tese de doutorado orientada por Eduardo Galenbeck e coorientada por Carmen Veríssima Ferreira-Halder, professores do Instituto de Biologia.

A professora Carmen Veríssima Ferreira-Halder, coorientadora da tese, em laboratório do Instituto de Biologia, onde foi desenvolvida a pesquisa

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‘Produção enxuta’ abate trabalhador Um software para criança com deficiência visual A microgravidade e o tratamento da cárie

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Pesquisa alerta para riscos em barragens Cana irrigada com esgoto doméstico A poesia que resiste na periferia de São Paulo

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Impasses fundiários no semiárido nordestino

Um dinossauro gigante na Patagônia argentina Novas formas de vida no mar da Austrália Plantas no escritório aumentam a produtividade

TELESCÓPIO

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Campinas, 8 a 14 de setembro de 2014

TELESCÓPIO

CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br

Dieta e mudança climática

Genoma do café

Otimizando o uso do táxi

Cevada tibetana

O carbono emitido na produção de alimentos para consumo humano deve superar as metas de liberação de gases causadores do efeito estufa até 2050, diz artigo publicado no periódico Nature Climate Change. “Estudos recentes mostram que as tendências atuais de aumento da produtividade não bastarão para atender à demanda global de alimentos prevista para 2050, e sugerem que uma expansão maior da área agrícola será necessária”, escrevem os autores, da Universidade de Cambridge. “No entanto, a agricultura é o principal motor da perda de biodiversidade e um grande contribuinte da poluição e da mudança climática, logo uma maior expansão é indesejável”. Se o ritmo atual de crescimento da demanda e da produção se mantiver, em 2050 as áreas cultivadas terão crescido 42% e o uso de fertilizante terá subido em 45%, tendo como base os níveis de 2009. Cerca de 10% das florestas tropicais terão desaparecido. Para evitar esse cenário, os autores propõem uma “mitigação pelo lado da demanda”, com redução do desperdício de alimentos e do consumo global de carne, cuja produção é considerada ineficiente e prejudicial ao meio. “Não se trata de uma defesa do vegetarianismo radical”, disse, em nota, um dos autores do trabalho, Keith Richards. “É uma defesa do consumo de carne de forma sensata, como parte de uma dieta saudável e equilibrada”.

O sequenciamento do genoma do café é apresentado na edição da última semana da revista Science. Mais especificamente, os autores oferecem uma primeira versão do genoma da planta Coffea canefora, o café robusta, que responde por 30% da produção mundial. Além de realizar o sequenciamento, os autores do trabalho compararam sequências de proteínas do café às do tomate, da parreira e da planta Arabidopsis. As análises revelaram adaptações para a produção de cafeína e resistência a doenças. O trabalho envolveu pesquisadores de várias partes do mundo, incluindo França, China, Estados Unidos e Brasil.

O uso de ferramentas de informática para administrar rotas e viagens pode transformar o compartilhamento de táxis numa opção viável e confortável de transporte urbano, com redução de até 40% na duração global das corridas e uma queda na poluição, na emissão de CO2 e na tarifa cobrada de cada passageiro individual, diz artigo publicado no periódico PNAS. Os autores, ligados ao MIT, à Universidade Cornell e ao Instituto de Informática e Telemática do Conselho Nacional de Pesquisa da Itália, simularam os efeitos da aplicação de um modelo matemático de redes de compartilhamento sobre 150 milhões de viagens de táxi realizadas na cidade de Nova York. “Nossas simulações revelam o vasto potencial de um novo sistema de táxi, no qual as viagens são rotineiramente compartilhadas, mantendo o desconforto para os passageiros no mínimo, em termos de aumento do tempo de viagem”, escrevem.

A cevada foi domesticada duas vezes, uma no Oriente Médio e outra no Tibete, mostra comparação dos genomas da cevada comum (Hordeum vulgare) e da cevada silvestre (Hordeum spontaneum), publicada no periódico PNAS. O artigo que descreve o trabalho, de autoria de pesquisadores da China, Austrália, Japão e Israel, lembra que a região do Crescente Fértil, no Oriente Médio, costuma ser reconhecida como o local de domesticação da cevada, que teria ocorrido há cerca de 10 mil anos. Mas a ideia de uma origem geográfica única para esse cereal ainda é contestada, dizem os autores, contestação que ganha força com os novos resultados. “A distribuição natural da cevada silvestre vai do Oriente Médio à Ásia Central e ao Platô Tibetano”, escrevem. A análise genética publicada na PNAS indica que a cevada, tal como cultivada hoje, tem cromossomos originários de regiões diversas. “Essas descobertas avançam nossa compreensão da disseminação da cultura agrária, e devem interessar a geneticistas evolucionários e a criadores de plantas”.

A medida do céu imensurável

Crianças ganham a capacidade de pensar estrategicamente – prevendo as consequências de seus atos e antecipando o comportamento de outras pessoas – por volta dos sete anos, sugere estudo publicado no periódico PNAS. Os autores envolveram crianças de três a nove anos em dois jogos simples de estratégia, e notaram que, a partir dos seis anos e meio, os comportamentos adotados por elas convergiam para o que seria racionalmente esperado de um competidor adulto. “A partir dos sete anos, as crianças começam a pensar na interação estratégica em termos de longo prazo”, escrevem os autores.

Dinossauro gigante argentino O esqueleto de um dinossauro que, quando vivo, deveria medir 26 metros e pesar mais de 59 toneladas foi descoberto na Patagônia argentina, informa artigo publicado no periódico online Scientific Reports, ligado ao grupo Nature. O esqueleto, que representa uma espécie de titanossauro até então desconhecida e que recebeu o nome Dreadnoughtus schrani, está 43% completo, e inclui tanto um fêmur quanto um osso da para dianteira, o que permitiu estimar a massa do animal. De acordo com o autor da descoberta, Kenneth Lacovara, da Universidade Drexel (EUA), há sinais de que esse titanossauro ainda não havia atingido o tamanho adulto antes de morrer.

Foto: Mark A. Klingler/Carnegie Museum of Natural History/Reprodução

A Via Láctea, galáxia que abriga nosso sistema solar, faz parte de um superaglomerado composto por outras 100.000 galáxias, contendo cem milhões de bilhões de estrelas, num diâmetro de 500 milhões de anos-luz, revela artigo publicado na edição mais recente da revista Nature, onde essa região do espaço é mapeada pela primeira vez. O superaglomerado foi batizado de Laniakea, palavra havaiana que significa “céu imensurável”. Nota divulgada pela Universidade do Havaí, instituição onde atua o principal autor do artigo, Brent Tully, explica que as galáxias se espalham pelo universo em grupos – a Via Láctea integra o chamado Grupo Local –, que por sua vez compõem aglomerados. Esses aglomerados se dispõem em filamentos, “como pérolas num colar”, diz a Nature, e na intersecção dos filamentos surgem os superaglomerados. Medindo o movimento das galáxias pelo universo, a equipe liderada por Tully encontrou diferenças no modo como as galáxias fluem em conjunto no espaço, descobrindo áreas onde os fluxos divergem, “como água num divisor de águas”, escrevem os pesquisadores. Esses divisores foram usados para delimitar Laniakea.

Estratégia infantil

Novas formas de vida Pesquisadores dinamarqueses anunciam, no periódico online de livre acesso PLoS ONE, a descoberta de duas criaturas marinhas que integram uma família até agora desconhecida da árvore da vida. “Família” é um nível de classificação taxonômica, abaixo de ordem e acima de gênero. Os seres humanos, por exemplo, pertencem à família Hominidae, que inclui ainda chimpanzés, gorilas e orangotangos. Os organismos descritos na PLoS ONE foram chamados de Dendrogramma enigmatica e Dendrogramma discoides, e classificados na nova família Dendrogrammatidae. Têm a aparência de cogumelos, mas são animais. Foram encontrados no mar da Austrália, entre 400 metros e um quilômetro de profundidade. Por meio de nota, um dos autores da descoberta, Jørgen Olesen, disse que os “novos animais do fundo do mar não puderam ser classificados em nenhum grupo conhecido. Duas espécies foram reconhecidas, e a evidência disponível sugere que representam um ramo antigo da árvore da vida, com semelhanças com a fauna extinta edicarana, de 600 milhões de anos atrás”.

Varredura de segurança O governo dos Estados Unidos determinou a realização de uma ampla varredura de segurança em seus laboratórios, designando setembro como o Mês Nacional de Proteção da Biossegurança. Em julho, a descoberta de uma amostra de varíola em uma geladeira de um laboratório dos Institutos Nacionais de saúde (NIH, na sigla em inglês) havia causado apreensão entre as autoridades, informa nota publicada no site da revista Nature. O protocolo da varredura pede que os responsáveis pelos laboratórios verifiquem, numa amostra aleatória de seus receptáculos e recipientes, “se seu conteúdo corresponde ao esperado”. Qualquer material sem rótulo ou etiqueta terá de ser jogado fora, e atenção especial deverá ser dada não só a agentes patogênicos, mas também a venenos e explosivos.

Plantas no escritório Ilustração de um titanossauro Dreadnoughtus schrani, espécie descoberta na Argentina

Funcionários em escritórios onde há vasos de plantas são até 15% mais produtivos que trabalhadores colocados nos chamados ambientes “lean”, de decoração reduzida e sem distrações visuais não relacionadas ao trabalho. A conclusão vem de três experimentos de campo realizados no Reino Unido e na Holanda, descritos no periódico Journal of Experimental Psychology: Applied. Nos testes, conduzidos em três diferentes empresas, funcionários foram designados para trabalhar em ambientes “lean” ou com plantas. “Um padrão consistente emergiu”, escrevem os autores. “Trabalhadores em espaços verdes tiveram uma atitude mais positiva quanto ao trabalho (...) enriquecer um ambiente ‘lean’ com plantas serviu para aumentar de modo significativo a satisfação, a percepção de concentração e a percepção de qualidade do ar”. Os autores citam, como uma das motivações para o estudo, uma declaração do primeiro-ministro britânico, David Cameron, de que os gastos do governo com flores e plantas para escritório eram um desperdício de dinheiro público.

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Elaborado pela Assessoria de Imprensa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Periodicidade semanal. Correspondência e sugestões Cidade Universitária “Zeferino Vaz”, CEP 13081-970, Campinas-SP. Telefones (019) 3521-5108, 3521-5109, 3521-5111. Site http://www.unicamp.br/ju e-mail leitorju@reitoria.unicamp.br. Twitter http://twitter.com/jornaldaunicamp Assessor Chefe Clayton Levy Editor Álvaro Kassab Chefia de reportagem Raquel do Carmo Santos Reportagem Carlos Orsi, Carmo Gallo Netto, Isabel Gardenal, Luiz Sugimoto, Manuel Alves Filho, Patrícia Lauretti e Silvio Anunciação Fotos Antoninho Perri e Antonio Scarpinetti Editor de Arte Luis Paulo Silva Editoração André da Silva Vieira Vida Acadêmica Hélio Costa Júnior Atendimento à imprensa Ronei Thezolin, Gabriela Villen, Valerio Freire Paiva e Eliane Fonseca Serviços técnicos Dulcinéa Bordignon e Diana Melo Impressão Triunfal Gráfica e Editora: (018) 3322-5775 Publicidade JCPR Publicidade e Propaganda: (019) 3383-2918. Assine o jornal on line: www.unicamp.br/assineju


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Mapeamento busca causas da resistência a quimioterápicos Metodologia seleciona potenciais alvos terapêuticos em casos de leucemia Fotos: Antoninho Perri

CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br

resistência às drogas da quimioterapia é uma das principais causas de fracasso no tratamento do câncer, o que faz com que identificar e entender as distinções entre células resistentes e células suscetíveis seja um importante objetivo da pesquisa biomédica. Tese de doutorado defendida no Instituto de Biologia (IB) da Unicamp apresenta uma metodologia que permite filtrar, dentre milhares de diferenças constatadas experimentalmente, as que têm mais chance de participar do processo de resistência e que poderão, no futuro, ser alvo de intervenção terapêutica. Em seu trabalho, o pesquisador Renato Milani partiu de um conjunto de mais de quatro mil proteínas, definido por meio de espectrometria de massa no Instituto Max Planck de Bioquímica da Alemanha, que apresentam características diversas em células de leucemia comuns e em células resistentes, e reduziu a lista a cerca de 150. “Tínhamos uma lista com milhares de proteínas e precisávamos identificar quais tinham maior probabilidade de estarem relacionadas ao processo de resistência”, disse Milani, em entrevista ao Jornal da Unicamp. “É possível que algumas das alterações identificadas no conjunto não tenham relação direta com o processo de resistência”. A tese de Milani foi orientada pelo professor Eduardo Galenbeck, com coorientação de Carmen Veríssima Ferreira-Halder. O pesquisador acredita que “o maior mérito do trabalho é o desenvolvimento de uma metodologia capaz de mapear, nessa lista de proteínas alteradas, quais têm maior probabilidade de ter relação com o processo de resistência”. Da centena de proteínas da relação final, Milani conseguiu caracterizar cerca de 30 em laboratório, confirmando o envolvimento de 60% a 70% delas na resistência à quimioterapia, uma taxa de validação superior à obtida com o uso de critérios menos sofisticados, como a mera seleção das moléculas que se apresentam mais alteradas.

APRENDIZADO DE MÁQUINA A pesquisa de Milani envolveu ferramentas de bioinformática, incluindo algoritmos de aprendizado de máquina. Na Unicamp, foi desenvolvido um software específico para minerar bancos de dados internacionais, em busca de informações préexistentes sobre as proteínas estudadas. “A metodologia envolveu dois parâmetros principais: o computacional e o experimental. Neste último, usamos informação proveniente do proteoma e do fosfoproteoma dessas linhagens, com o objetivo de identificar diferenças significativas na expressão e fosforilação das proteínas”, disse ele, explicando que “proteoma” é o conjunto de proteínas presentes numa célula num dado momento, enquanto o “fosfoproteoma” é o conjunto de proteínas modificadas por um processo chamado fosforilação, capaz de alterar a atividade da molécula. “Criamos, então, um subconjunto a partir dos dados experimentais, o que comumente é feito e não depende de nenhuma abordagem computacional, mas que já se sabia não ser uma abordagem bem-sucedida na validação em laboratório”, afirmou. “Para contornarmos o problema, cruzamos esse subconjunto experimental com um conjunto obtido de forma completamente independente: de forma computacional”. O software foi alimentado com duas listas iniciais de proteínas, levantadas na literatura – as que sabidamente estão relacionadas à resistência à quimioterapia em leucemia e as que sabidamente não estão envolvidas nesse processo. “Esse algoritmo é capaz de identificar algumas características presentes nas proteínas desses dois conjuntos”, disse Milani. “Então, definidos

Renato Milani, autor da tese desenvolvida no Instituto de Biologia: 150 células identificadas em um conjunto de mais de 4 mil

Os professores Eduardo Galenbeck, orientador, e Carmen Veríssima FerreiraHalder, coorientadora

os parâmetros de cada conjunto, é possível classificar uma determinada proteína como pertencente a um deles, de acordo com suas próprias características”. A partir dos parâmetros das proteínas conhecidas, o sistema classifica as que ainda se encontram sob análise. “A partir daí, o sistema estabeleceu um ranking de probabilidades”, explicou Milani. “Obtivemos uma lista de proteínas com maior probabilidade de ter relação com o processo de resistência, de forma completamente independente do conjunto de dados inicial”. Em seguida, o pesquisador cruzou as moléculas que estavam no topo do ranking de probabilidades com o conjunto de proteínas suspeitas, obtido por critério experimental. “E foi aí que surgiram aquelas aproximadamente 100 proteínas que levamos para validação em laboratório”, disse. “Acabei conseguindo validar uma fração delas, e várias mostraram resultados satisfatórios em experimentos no laboratório, apresentando variação significativa na célula resistente em relação à não resistente”.

REDES Depois da filtragem da relação inicial de mais de quatro mil proteínas e do cruzamento das moléculas selecionadas pelo computador com a lista de proteínas obtida experimentalmente, o pesquisador buscou levantar as interações entre as proteínas identificadas. “Surgiu a seguinte questão: as proteínas identificadas são capazes de agir no processo de resistência de forma independente umas das outras, ou estão relacionadas de algum modo?” Um software foi utilizado para desenhar as redes de interação das mais de cem proteínas selecionadas. “Era possível conhe-

cer, por exemplo, a rede de interações de uma proteína A e a rede de uma proteína B. E, se fosse o caso, que A está na rede de B, e vice-versa. Também pude pesquisar as redes em um nível superior: verificar se havia alguma proteína C, fora da lista de proteínas selecionadas, capaz de interagir tanto com A quanto com B”.

MINERAÇÃO ONLINE Para levantar o que já se sabia, na literatura científica, sobre as proteínas investigadas, foi criado um programa para buscar essas informações em bancos de dados. “Esse software, que foi desenvolvido durante o trabalho, faz uma mineração na literatura”, explicou Milani. “Há informações, em diversos bancos de dados, sobre o efeito que a fosforilação tem numa determinada proteína. A incorporação dessas informações para todas as proteínas do conjunto permitiria identificar rapidamente o efeito que a fosforilação tem em uma determinada proteína presente no fosfoproteoma. É algo que acaba chamando a atenção para essa proteína nos estudos subsequentes”. Milani destacou que houve uma preocupação em levar em conta a qualidade e a confiabilidade da informação levantada pelo software nos bancos de dados internacionais. “Basicamente, nos bancos de dados disponíveis para pesquisadores, há dois tipos de dado: os que foram obtidos a partir de validações experimentais, referenciadas na literatura, e informações obtidas por meio de simulações computacionais”, disse. “Por exemplo, existe hoje uma quantidade muito grande de proteínas cuja função é inferida através de similaridade com outras proteínas: para uma proteína com função desconhecida, é possível avaliar computa-

cionalmente que ela possui 70% de similaridade com outra cuja função é conhecida. Dependendo da região da proteína onde ocorre maior similaridade, é possível supor que tenham funções semelhantes”. Nos bancos de dados mais sérios, disse ele, a distinção entre os dois métodos é feita de forma clara, e isso foi levado em conta na tese, com a preferência pelos dados referenciados. Milani destaca a importância do uso de ferramentas computacionais na pesquisa biológica. “A bioinformática tenta facilitar o estudo de grandes quantidades de dados biológicos. Acho que esse é o maior mérito dessa ciência multidisciplinar, já que envolve biologia, matemática, física, estatística e computação. São diversas disciplinas interagindo para gerar um conhecimento que só tende a facilitar a vida, por exemplo, do biólogo de bancada”, disse. “Acabei desempenhando os dois papéis: estava lá no computador e fui para a bancada. E senti na pele a dificuldade de trabalhar com uma grande quantidade de dados: mesmo com um direcionamento, ao invés de quatro mil proteínas para testar agora são pouco mais de cem, ainda assim não é um estudo trivial. Mas, com certeza, foi facilitado pelas ferramentas de bioinformática”. O pesquisador adverte, no entanto, que sempre é preciso contar com um cientista humano para interpretar os resultados da informática. “Tive a oportunidade de ministrar alguns minicursos para as disciplinas de graduação do curso de Ciências Biológicas do IB, com o objetivo de trazer ferramentas de bioinformática para que os alunos tivessem contato e soubessem não só como utilizar as ferramentas, mas também como interpretar os resultados”, disse. “Sempre digo: o computador sempre retorna alguma informação, mas cabe ao pesquisador, ao biólogo, que está avaliando esses dados, ser capaz de investigar e determinar se a informação é correta ou não, e por quê”. “Sempre tento incutir isso neles”, acrescentou o pesquisador. “Porque já vi muita gente usando o software de maneira indiscriminada, falando: ‘a solução está lá, basta colocar os dados que o software dá a resposta’. Não é bem assim. Sempre digo que o lado biológico é muito importante. O computador é um facilitador, mas não é a solução de todos os nossos problemas”. A bioinformática, disse ele, ajuda muito a definir o foco da pesquisa, mas não dispensa o trabalho de laboratório.

FUTURO A seleção de proteínas feita pelo sistema usado na tese de Milani aponta caminhos para a pesquisa da resistência a quimioterápicos em casos de leucemia, mas ainda é cedo para falar em novos fármacos ou estratégias terapêuticas derivados do estudo. “Este trabalho é um primeiro passo na compreensão do mecanismo de resistência”, disse ele. “Ainda é cedo para falar, por exemplo, em novos fármacos, mas a pesquisa precisa começar em algum lugar. É como se estivéssemos no escuro, tateando sem saber direito para onde seguir. Com o auxílio das ferramentas de bioinformática, fomos capazes de apontar uma pequena luz lá no fundo, indicando um caminho. Agora, é preciso perseguir o caminho para ver se essa luz aumenta”.

Publicação Tese: “Mapeamento de vias de sinalização envolvidas na resistência a quimioterápicos em células leucêmicas: uma abordagem computacional” Autor: Renato Milani Orientador: Eduardo Galembeck Coorientadora: Carmen Veríssima Ferreira-Halder Unidade: Instituto de Biologia (IB)


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Os riscos da ‘produção enxuta’ para a saúde dos trabalhadores MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br

o Brasil, os trabalhadores do setor metalúrgico pertencentes ao mercado de trabalho formal celetista se afastaram mais do trabalho para tratamento de saúde por doenças psíquicas que os profissionais da educação, ainda que estes também apresentem níveis elevados de adoecimentos. A constatação, que surpreendeu até mesmo a autora principal da pesquisa, a economista, socióloga e sanitarista Eunice Stenger, faz parte da tese de doutorado que ela defendeu junto ao Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, sob orientação do professor Heleno R. Corrêa Filho. O estudo, que teve como recorte temporal o período de 2000 a 2011, deu origem a três artigos científicos. “O achado principal surpreendeu porque sempre esperamos mais adoecimentos psíquicos para trabalhadores de setores mais intelectuais. Entretanto, a pesquisa mostra maior prevalência de problemas psíquicos entre os trabalhadores da metalurgia, que tradicionalmente apresentavam mais problemas músculo- esqueléticos. A explicação para isso parece estar nas mudanças organizacionais que intensificaram o processo de trabalho e aumentaram o estresse no setor da metalurgia neste início de século”, analisa Eunice. A autora da tese destaca ainda que os professores, nos relatos da bibliografia médica internacional, compõem uma das categorias de trabalhadores que mais têm adoecimentos psíquicos. Para desenvolver a tese, Eunice combinou dois métodos de trabalho. Inicialmente, ela fez um estudo de caso, que deu origem a um primeiro artigo qualitativo. Este abordou exclusivamente uma das fábricas de uma empresa multinacional de autopeças. Depois, a pesquisadora partiu para um estudo epidemiológico ecológico, comparando os dois grupos de trabalhadores, com foco nos afastamentos do trabalho por razões de saúde. Ambos os grupos foram estudados a partir das respectivas CNAEs [Classificação Nacional de Atividades Econômicas]. O primeiro método foi um estudo de caso qualitativo. Nele, a autora recorreu ao exame da documentação que compõe um processo judicial do Ministério Público do Trabalho (MPT) contra a empresa. Conforme Eunice, as condições de trabalho acusam riscos psicossociais aos trabalhadores, decorrentes da introdução de um novo modelo de gestão, conhecido como “Lean Production” e também como “Lean-Manufacturing” ou “Produção Enxuta”. No formato brasileiro, tal modelo organizacional expõe os trabalhadores a longas jornadas e a uma maior instabilidade no emprego. “Isso sem falar em outros fatores de pressão psicossocial, como a elevada rotatividade no emprego e a exposição a ruídos”, acrescenta a autora da tese. Eunice observa que antes de realizar este estudo, ela havia feito outro, no final dos anos 90. Naquela oportunidade, ela entrevistou operários, gerentes e dirigentes sindicais. As informações obtidas foram posteriormente confrontadas com os adoecimentos relatados pelos peritos do MPT. “Essa metodologia criou oportunidade inédita de confrontar observação direta das causas dos adoecimentos com a visão de resultados posteriores sobre o trabalho e a saúde dos trabalhadores”, afirma a pesquisadora. O questionamento fundamental presente na investigação, diz, girou em torno do modelo organizacional que representa riscos psicossociais, gerador de adoecimentos, inclusive psíquicos. Nos processos judiciais, relata Eunice, a empresa foi questionada pelo uso abusivo de longas jornadas e trabalho sem descanso semanal. Questões como o ritmo das atividades e o nível de ruído no local de trabalho também foram consideradas pelos peritos do MPT. A segunda abordagem metodológica empregada pela pesquisadora, que deu origem a outros dois artigos científicos, consistiu numa análise quantitativa, em âmbito nacional, das CNAES da metalurgia e do ensino. Para isso, ela recorreu aos dados da Guia de Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência Social (GFIP), pertencente à Previdência Social, que pela primeira vez foi cedida para a academia.

Segundo estudo da FCM, profissionais da metalurgia estão entre as categorias mais afetadas pelas mudanças organizacionais Fotos: Antonio Scarpinetti

Os dados nacionais de pagamentos de benefícios para Licenças para Tratamento de Saúde (LTS), de acordo com Eunice, foram utilizados para calcular a incidência anual de licença médica por grupos de doenças - definidos pela Classificação Internacional de Doenças (CID 10). Na pesquisa foram calculadas prevalências, o numerador corresponde aos trabalhadores doentes e o denominador a todos os trabalhadores formais registrados em cada categoria de atividade econômica, segundo a GFIP. Assim, os numeradores foram extraídos dos diagnósticos que motivaram as licenças, classificadas pela CID 10 no Sistema Único de Benefícios (SUB) do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Já os denominadores foram retirados do GFIP, cobrindo o período de 2000 a 2011. Eunice enfatiza que nos artigos quantitativos foi apresentado um estudo ecológico descritivo que permitiu traçar as tendências das doenças mais prevalentes. “Precisa ficar

claro que, conforme os dados apurados ao longo das investigações, as lesões externas é que foram a principal causa de afastamentos entre trabalhadores da metalurgia – variando de 125,4 a 221,6 afastamentos para cada 10.000 trabalhadores afastados com vínculo celetista”, informa a autora da tese. A segunda causa de afastamentos foram os distúrbios musculoesqueléticos, com 85,5 a 207,1 benefícios por 10.000 trabalhadores. Os transtornos mentais aparecem em terceiro lugar como causa de afastamentos por doenças entre metalúrgicos - foram de 19,8 a 58,8 casos para cada grupo de 10.000 trabalhadores. Entre os professores, a taxa foi de 11,5 a 38,9 afastamentos para cada grupo de 10.000 trabalhadores. O câncer apareceu como a única doença com incidência mais alta de LTS entre os trabalhadores da educação, o que é explicado pelo fato de a categoria contar com um elevado número de mulheres, nas quais o câncer de mama tem importante prevalência. A

Para Eunice Stenger, autora do estudo, é papel do governo e dos sindicatos permanecerem alertas, no sentido de exigir uma prevenção adequada para adoecimentos que exercem pressão sobre o sistema de Previdência Social

autora da tese conclui que a possibilidade de trabalhar com a GFIP trouxe mais luz para a linha de pesquisa em Saúde do Trabalhador. Ela lamenta, porém, não ter tido autorização para publicar os dados relativos aos adoecimentos psíquicos encontrados no estudo de caso. “É necessário quebrar o segredo estabelecido por empresas e órgãos de governo sobre as doenças e acidentes do trabalho sob a alegação de direitos comerciais e ameaças à individualidade. São argumentos que simplesmente não estão respaldados pela Constituição Brasileira”. Na opinião da pesquisadora, é papel do governo e dos sindicatos permanecerem alertas, no sentido de exigir uma prevenção adequada para adoecimentos que exercem pressão sobre o sistema de Previdência Social. Eunice sublinha que sua pesquisa revitaliza o uso dos estudos ecológicos, que se mostram apropriados para a análise de agrupamentos de trabalhadores. “Além da experimentação biológica e a experimentação animal, a epidemiologia é a terceira e indispensável técnica de estudo sobre os grandes problemas de saúde pública, graças aos dados sobre as condições sanitárias (morbimortalidade) e à análise de riscos. Ela é o fundamento de evidência para a medicina”, sustenta. No caso dos estudos em Saúde do Trabalhador, acrescenta, a epidemiologia ganha à medida que os estudos ecológicos são diversificados. “É necessário quebrar o paradigma do nexo causal individual, que expressa a recusa de profissionais e pesquisadores em reconhecer que somente grupos coletivos de trabalhadores podem revelar frequências modificadas de adoecimentos e acidentes na forma de cálculos de risco epidemiológico sobre grupos humanos. Não faz sentido obrigar os trabalhadores solitários a ‘provar’ que estejam expostos ou doentes”, finaliza.

Publicação Tese: “Adoecimentos em trabalhadores da metalurgia e trabalhadores do ensino: múltiplas abordagens qualitativas e ecológicas” Autora: Eunice Stenger Orientador: Heleno R. Corrêa Filho Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)


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LUIZ SUGIMOTO sugimoto@reitoria.unicamp.br

geração de energia hidroelétrica requer um conjunto de estruturas e equipamentos hidráulicos, sendo que no Brasil muitas dessas estruturas estão envelhecendo e levantando discussões acerca da segurança das barragens. Além da ampliação do parque hidroenergético com a construção de novas barragens, existem tecnologias hoje em uso que foram desenvolvidas na década de 1970, quando o país não possuía um sistema tão complexo como o atual. “A questão da segurança de barragens é premente”, afirma o engenheiro Daniel Prenda de Oliveira Aguiar. “Todavia, não há fundamentação científica suficientemente desenvolvida para embasar a tomada de decisão por parte dos gestores de empreendimentos e dos órgãos públicos diante de situações de risco”. Daniel Aguiar é autor da dissertação de mestrado “Contribuição ao estudo do Índice de Segurança de Barragens – ISB”, orientada pelos professores José Gilberto Dalfré Filho e Ana Inés Borri Genovez e apresentada na Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp. “Na produção hidroenergética, vários tipos de riscos podem ser considerados, a exemplo dos riscos ambientais e tecnológicos – esses últimos decorrentes de falhas nas estruturas das barragens. O ISB classifica as barragens quanto à segurança e na pesquisa foi possível determinar 22 critérios importantes para a avaliação de riscos, com o objetivo de auxiliar na priorização de ações de manutenção periódica e preditiva.” Aguiar salienta que seu estudo se fundamenta e dá sequência a um trabalho de Mônica Zuffo, que em 2005 propôs, também na FEC, uma primeira metodologia para classificar as barragens no aspecto da segurança. “Muita coisa mudou de lá para cá, inclusive com a publicação da Política Nacional de Segurança em Barragens [Lei 12.334 de 2010, regulamentada em 2012], e por isso, eu e meus orientadores decidimos aprofundar a metodologia. Foram coletadas informações junto a 45 especialistas (engenheiros, geólogos e outros profissionais do setor) do Brasil e do exterior, que atribuíram pesos a cada critério, possibilitando organizá-los por ordem de importância.”

Por barragens mais seguras Estudo desenvolvido na FEC determina 22 critérios para a avaliação de riscos Foto: Divulgação

Barragem no rio Teton, EUA: erosão interna causou rompimento em 1976

Segundo o engenheiro, sua pesquisa inclui critérios novos e parâmetros da lei federal e das resoluções do Conselho Nacional de Recursos Hídricos, estabelecendo critérios gerais de classificação de barragens, e da Agência Nacional de Águas (ANA), que traz o Plano de Segurança de Barragens e regulamenta as inspeções regulares. “É preciso

ter em mente que a noção de segurança é bastante subjetiva. O ISB visa justamente reduzir a subjetividade, contendo critérios ponderados por pesos submetidos a tratamento estatístico.” Daniel Aguiar explica que o primeiro critério do índice, em ordem de importância, refere-se à presença de percolação e vazamen-

Um histórico de acidentes Daniel Aguiar incluiu em sua dissertação de mestrado um histórico de 16 acidentes em barragens ocorridos de 1864 até 1976, no Brasil e no mundo. São acidentes de maior ou menor gravidade, mas ressaltados por terem impulsionado o desenvolvimento tecnológico (métodos construtivos e de monitoramento) na época. Envolveram barragens grandes e

South Fork

Nos EUA, em 1853, ergueu-se a barragem de South Fork para controle de cheias e abastecimento de água. A estrutura foi abandonada pelo governo em favor da construção de rodovias na região e comprada por um clube de pesca e caça, que fez mudanças na estrutura sem conhecimento técnico: tubulações de drenagem para aliviar a pressão foram retiradas e nenhum vertedor foi previsto na reforma. Em 1889, uma grande onda de cheia fez com que o rio galgasse o barramento, provocando o rompimento do corpo da barragem. A onda atingiu a cidade, 22 quilômetros a jusante, matando 2.200 pessoas. (Kozlovac, 1995)

importantes, que se romperam devido a falhas de projeto ou na sua execução. Autores apontam entre os elementos mais críticos para a segurança em barragens, a capacidade de vazão insuficiente ou mau funcionamento dos órgãos de descarga de cheias (vertedores); avaliação deficiente do valor da vazão de projeto e incorreta utilização dos critérios de dimensio-

namento hidráulico; o não funcionamento das comportas; e causas relacionadas com as fundações (percolação e erosão interna). A principal causa de mortes advém da onda de cheia provocada pelo rápido esvaziamento do reservatório. Abaixo, alguns acidentes históricos no mundo, com danos e vítimas a jusante da barragem.

FISCALIZAÇÃO

O autor da dissertação informa que existem 13.736 barragens cadastradas pelos órgãos de fiscalização e segurança no Brasil, número que está longe de representar a realidade por haver quantidade bem maior na informalidade. “O Estado de São Paulo responde por 43% desse total cadastrado, com quase seis mil empreendimentos registrados pelo Departamento de Águas e Energia Elétrica [Daee], vindo depois o Rio Grande do Sul e Minas Gerais. A ANA coordena o trabalho de fiscalização, sendo responsável pelo Sistema Nacional de Informações de Segurança em Barragens, que foi criado pela Lei 12.334 e é alimentado com dados fornecidos por todos os órgãos estaduais referentes a barragens em construção, em operação e desativadas.” De acordo com Aguiar, entre os problemas que podem levar a rompimento da estrutura ou falha de funcionamento, está a falta de profissionais capacitados e de avaliações preventivas e periódicas. “Há inúmeras barragens abaixo de quinze metros de altura em pequenas propriedades rurais particulares, construídas para fins de abastecimento, irrigação ou recreação, nem sempre com um projeto fundamentado – estima-se que estas somem 65% das barragens construídas no mundo. Em grandes estruturas como de hidrelétricas, geridas por profissionais, o risco vem do orçamento ou do cronograma apertados para a conclusão das obras. Dois terços das barragens de porte da América Latina estão no Brasil, o que dificulta a fiscalização e gestão da segurança.” O autor espera que o Índice de Segurança de Barragens possa ser utilizado por órgãos de fiscalização e por gestores como “checklist” em programas internos de prevenção. “A periodicidade das vistorias depende do porte da barragem. Regulamentação da ANA determina que as inspeções sejam semestrais no caso de estruturas em más condições e com risco elevado de danos à jusante, ou então anuais, bianuais e mesmo a cada cinco ou dez anos. Existe ainda o plano de ação emergencial (PAE), que dá a diretriz de procedimentos para cada tipo de falha, desde o pequeno vazamento até o rompimento total da estrutura, e que é acionado em conjunto pela defesa civil, órgão de fiscalização e gestor da barreira.” Foto: Antoninho Perri

Dale Dyke

Um dos primeiros casos de rompimento da era moderna, a barragem de Dale Dyke foi construída em 1858 para atender à grande demanda por infraestrutura na Inglaterra da época da revolução industrial – a barreira de terra rompeu em 1864. Um trabalhador que passava pelo local, em dia de chuva forte, ouviu um “crack” ao longo da estrutura, onde se abriu uma fissura não maior que um dedo. Mas não houve tempo para esvaziar o reservatório e o rompimento causou uma enchente que resultou em mais de 250 mortes. Somente em 1978 concluiu-se que a causa foi a percolação de água através do núcleo impermeabilizante de areia, o que desestruturou o talude da represa. (Harrison, 1974)

Iruhaike

Saint Francis

A investigação geológica onde se pretende construir um barramento é fundamental e falhas podem ocorrer quando ela não é bem feita. Um exemplo está na barragem de Saint Francis (EUA), construída em 1926 e que rompeu dois anos depois. A estrutura em concreto, do tipo “gravidade arqueada”, possuía originalmente 56,4 metros de altura, mas em duas ocasiões foi alteada em três metros, sem nenhuma compensação na largura da base. A modificação da altura para aumentar o volume do reservatório deixou o barramento 11 % mais pesado. Em 1928 houve um grande deslizamento e 1,5 milhão de toneladas de xisto atingiram a estrutura de concreto, causando seu rompimento abrupto. A inundação matou pelo menos 420 pessoas, sendo que 179 corpos nunca foram encontrados. (Balbi, 2008 e Rogers, 2007)

Teton

tos na barragem, seguido de deformações e recalques e da existência de população a jusante (à frente da barragem) com potencial prejuízo material e de perda de vidas. “Percolação é o caminho que a água percorre pela estrutura (que pode ser um maciço de terra), problema normalmente evitado por um núcleo impermeabilizado no corpo da barragem. A altura da barragem também é importante, pois quanto mais alta, maior o volume de água contida e de atenção necessária.”

Um acidente amplamente documentado é da barragem no rio Teton (EUA). Terminada em 1975, seu enchimento continuou até o ano seguinte, quando se deu a ruptura. Era uma estrutura de terra com 93 metros de altura que se rompeu devido à erosão interna provocada pela percolação de água através do maciço. Não demorou mais de duas horas entre a detecção do problema e o rompimento, que causou uma cheia em que 11 pessoas morreram. O fenômeno é conhecido como “piping” ou erosão tubular regressiva, que difere da erosão superficial por ocorrer internamente ao maciço e contrário ao sentido do fluxo. (Arthur, 1976 e Azevedo, 2005)

Orós

Um caso no Brasil foi da barragem de Orós, no Ceará. Seu rompimento ocorreu enquanto estava sendo construída – de terra, em formato semicircular, com 54 metros de altura e 620 metros de comprimento. Em 25 de março de 1960, uma onda de cheia galgou a estrutura, inicialmente com uma lâmina de 30 centímetros acima da crista. Para tentar evitar a ruptura, um canal foi escavado à direita do maciço, mas ele rompeu no dia seguinte formando uma brecha de 200 metros de comprimento por 35 metros de altura. Forças do Exército tentaram evacuar as pessoas do Vale do Jaguaribe, localizado 75 quilômetros a jusante do barramento e que a enchente atingiu em 12 horas. As estimativas indicam até 1.000 mortos. (Balbi, 2008)

No Japão, a barragem de Iruhaike, construída em 1633 com a finalidade de armazenar água para irrigação dos campos de arroz, rompeu em 1868. Era de terra, com 28 metros de altura e 700 metros de largura. Colapsou devido a uma onda de cheia excepcional que varreu a região. Os relatos apontam entre 1.000 e 1.200 mortes. (Lemperiere, 1993)

China

O acidente catastrófico é representado pelo rompimento dos barramentos de Ban Qiao e Shimantan, na China. Ambas foram construídas em 1950, para beneficiar a população por períodos de 1000 e 500 anos, respectivamente, mas um evento natural com tempo de recorrência estimado de 2000 anos provocou seu transbordo em 1975. As inundações provocadas pelo galgamento das duas grandes barragens e de 62 menores teriam matado 230.000 pessoas – número controverso e exorbitante por levar em conta as vítimas indiretas das doenças e da fome. (Mccully, 2001)

O engenheiro Daniel Prenda de Oliveira Aguiar, autor da dissertação: “A questão da segurança de barragens é premente”

Publicação Dissertação: “Contribuição ao estudo do Índice de Segurança de Barragens – ISB” Autor: Daniel Prenda de Oliveira Aguiar Orientadores: José Gilberto Dalfré Filho e Ana Inés Borri Genovez Unidade: Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC)


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Impasses fundiários no semiárido Foto: Divulgação

LUIZ SUGIMOTO sugimoto@reitoria.unicamp.br

erminava a década de 1970 quando economistas ligados ao governo passaram a defender a implantação de uma Política Governamental Hídrica (PGH) no Nordeste semiárido, a fim de ampliar a oferta hídrica para instalação de uma agricultura moderna e diversificada. Isso ocorreu, por exemplo, na região do Vale do Açu, no estado do Rio Grande do Norte (RN). Segundo a literatura regional da época, esta intervenção governamental hídrica na economia teria contribuído para constituir, desenvolver e dinamizar os mercados de terras agrícolas (MTA), a ponto de transformar a terra agrícola em ativo de aplicação capitalista e/ou alvo de especulação. Tese de doutorado contrariando esta proposição foi defendida por Rogério Pires da Cruz, sob a orientação do professor Bastiaan Philip Reydon, junto ao Instituto de Economia (IE) da Unicamp. “Mercados de terras agrícolas no semiárido nordestino – Constituição, desenvolvimento e dinâmica recente” é o título do estudo de caso, que tem seu foco em dois mercados de terras agrícolas: Assú e São Rafael, onde aquela política do governo levou à construção da Barragem Armando Ribeiro Gonçalves (BARG), entre 1979 e 1983. Esta obra permitiu o surgimento do Perímetro Irrigado do Baixo Açu, base para a instalação de um setor produtor de fruticultura irrigada. Na tese, Rogério Cruz sustenta que a mercantilização da terra no Vale do Açu antecede à constituição de um mercado institucionalmente, que ocorreu em 1895 com a Lei de Terras estadual. Portanto, muito antes da intervenção governamental hídrica. “O desenvolvimento do mercado fundiário rural se fez inicialmente atrelado à expansão do algodão. Somente muito posteriormente teve um impulso originado pela Política Governamental Hídrica, que gerou expectativas especulativas e tornou a terra tanto alvo de produção agrícola, quanto objeto de especulação de capitais privados. De um lado, essa política desenvolveu e dinamizou o MTA; de outro, agravou a questão fundiária regional, através de aumento na concentração, ociosidade e especulação com terras agrícolas”, afirma. Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Rogério Cruz concedeu por e-mail a entrevista que segue e em que defende a efetivação do Imposto Territorial Rural como uma das soluções para a questão fundiária no semiárido nordestino. Jornal da Unicamp – Por que escolheu este tema para o projeto de doutorado? Já vinha se ocupando da questão fundiária no semiárido nordestino? Rogério Cruz – Antes do doutoramento no Unicamp, eu fiz parte do Núcleo Temático da Seca e do Semiárido (NUT/ Seca) da UFRN. É um grupo de pesquisa que, no final dos anos 1980, se propunha a estudar os impactos – econômicos, sociais, políticos e ambientais – decorrentes da construção da Barragem Armando Ribeiro Gonçalves na região do Vale do Açu. Sua construção teve início em 1979 e terminou em 1983. O objetivo era dar estabilidade à oferta hídrica para permitir a inserção de modernização agrícola naquela região, o que de fato ocorreu. Essa proposta hídrica e sua concretização geraram um período de debates intensos, dentro e fora da UFRN, antes, durante e depois da obra. De um lado, a construção da BARG criou problemas para os habitantes originários, à medida que desapropriou quase 30 mil hectares e destruiu perto de 570 imóveis, sobretudo em áreas de várzea do rio Piranhas Açu. Eram áreas aptas para a reprodução social das famílias, que em sua grande maioria vivia no município de São Rafael. Essa obra destruiu, pois, uma parte expressiva da agricultura familiar originária regional. De maneira concomitante, existiam outros estudos sobre os impactos da Política Governamental Hídrica (PGH), em diversos perímetros irrigados do semiárido do Nordeste, inclusive no Vale do Açu. Assim, no âmbito do Programa Nacional de Irrigação (Proine), o Instituto de Economia da Unicamp já tinha lançado um livro denominado “A irrigação e a problemática fundiária do Nordeste” (1989), que discutia os impactos das políticas de irrigação sobre a estrutura fundiária. Então, ao chegar à Unicamp, fiz um curso sobre Políticas Agrárias e de Terras, com o professor Bastiaan Reydon, que havia participado daquela pesquisa e que me estimulou a ampliar os estudos, especificamente sobre mercados de terras agrícolas (MTA). Esse curso foi importante para que eu pudesse discutir na tese de doutoramento tanto a formação histórica dos MTA naquela região, algo inédito na literatura, quanto ampliar o entendimento existente acerca da especulação, que se difundiu com a construção da BARG. JU – O senhor aponta um dinamismo “temporário” dos negócios com terras agrícolas. Cruz – Naquele contexto de intervenção governamental, observou-se que quando a barragem foi concluída cresceram as expectativas de valorização das terras, seja para pequenos poupadores, seja para investido-

res com maiores volumes de capital. Foi principalmente nesse momento que esses atores econômicos dinamizaram o mercado de terras agrícolas. E isso ocorreu num pequeno espaço de tempo. A literatura regional disponível afirmava que esse dinamismo dos negócios era resultado da ação governamental. Isso é verdade. Todavia, não necessariamente como algo permanente. Primeiro porque os negócios com terras ficaram limitados a uma grande empresa (Frunorte) que se instalou na região e que fez negócios pontuais, isto é, aproximadamente 5 mil hectares, negociados entre 1987 e 1992, que significou aproximadamente 40% do total de área negociada no Vale do Açu no período citado. Segundo, porque a economia pretérita da região, baseada no algodão, vivia em decadência, fato que contribuiu para que esses negócios apresentassem tendência de retração. Terceiro, porque o desenvolvimento da fruticultura irrigada foi fugaz no tempo; com isso, a dinamização do mercado tendeu a ser muito pequena. Por fim, a elevação de preços da terra que derivou daquela dinamização agrícola, não retrocedeu e as expectativas de valorização da terra se mantiveram. Isto é, as expectativas de comprar terra a preço barato para tentar vendê-las mais caro, num tempo futuro, mantiveram-se. Com isso, a rentabilidade da terra enquanto tendência se manteve, enfrentou retornos propiciados por outros tipos de investimento e, com isso, se transformou em alvo de uma especulação ampliada. Logo, se tornou um ativo. JU – Quais as fatias de terras que ficaram nas mãos de grandes proprietários locais, de grupos econômicos externos e de pequenos proprietários? Cruz – Em primeiro lugar, a terra agrícola no Vale do Açu já era fortemente concentrada em poucas mãos antes da emergência da barragem. Com a desapropriação de terras para compor essa obra, o problema se agravou em níveis diferenciados, ou seja, em São Rafael o impacto foi muito maior do que em Assú. O curioso nessa intervenção governamental é que a elevação da concentração, neste estudo de caso, não se deveu aos movimentos do mercado de terras, mas à atuação do governo. Além disso, observa-se que a terra da caatinga nordestina, além de concentrada, tende a ser ociosa. E não apenas pelas tão propaladas adversidades naturais - como é o caso da seca –, que existem e ainda condicionam negativamente o segmento produtivo. Ali, a terra está em desuso pela retração da economia algodoeira, e tornou-se mais do que apenas espaço físico para a reprodução da vida em sociedade. É também patrimônio, ou ainda, quando comercializada pode ampliar os capitais privados, de tal maneira que, diante das obras derivadas da PGH, a

Rogério Cruz, autor da tese: “A elite política local impediu a expansão do projeto público de irrigação”

terra tornou-se um ativo atrativo para reprodução do capital privado. Se ainda não são todas as terras, quando se procura cotá-las, o preço tende a subir. Em alguns casos, em proporções muito expressivas. Mais: com a construção da BARG, ao contrário do que afirma a literatura regional disponível, os dados cartoriais mostraram que não houve invasão de forasteiros comprando terras. Quem comprou e vendeu terras, em face das expectativas da construção da barragem, foram investidores locais de origem urbana. Assim, a terra naquela região semiárida, ao contrário da visão pura e simples de uma terra situada numa região seca e de aparência desoladora, pode se transformar em dinheiro, pois é objeto de especulação dos capitais privados locais. JU – A Política Governamental Hídrica foi implantada para contemplar a fruticultura de exportação? Esse tipo de cultura realmente fracassou? Cruz – Com a implantação da PGH e a decorrente construção da barragem, a elite política local impediu a expansão do projeto público de irrigação, que tinha sido proposto originalmente pelo governo federal. Deveria incluir parte dos desapropriados no perímetro e não o fez. Assim, quando venceu a proposta privatista da elite local de se instalar uma irrigação privada, vieram oportunidades de negócio e muitos segmentos comercializaram terra e ampliaram seus capitais. Todavia, de modo concomitante, houve exclusão da terra (com a desapropriação) e, ainda, aumentaram as barreiras para o acesso a ela, visto que ficou relativamente mais cara. O resultado: a PGH destruiu a economia agrícola de base familiar que havia, para construir um espaço de modernidade baseado na produção da fruticultura irrigada, mas que teve vida breve. Um dos exemplos está na vida breve que teve a empresa Frunorte, praticamente única instituição de porte a se instalar no Vale do Açu, em 1987, e que faliu em 1998. Mas do ponto de vista da economia regional, a falência da Frunorte foi praticamente compensada com a instalação de uma empresa multinacional produtora de banana no município

Publicação Tese: “Mercados de terras agrícolas no semiárido nordestino – Constituição, desenvolvimento e dinâmica recente” Autor: Rogério Pires da Cruz Orientador: Bastiaan Philip Reydon Unidade: Instituto de Economia (IE)

de Ipanguaçu, igualmente situado no Vale do Açu. Neste ponto, deve-se registrar que essas empresas instalaram o assalariamento no campo, algo muito expressivo para o desenvolvimento da economia mercantil e monetária local, pois o dinheiro e a terra já eram mercadorias. Esse foi o salto de qualidade que consolidou a economia capitalista na região. Todavia, o paradoxal nesta experiência é que a intervenção do governo fracassou onde as condições hídricas eram mais favoráveis (Assú) e foi exitosa onde o grau de organização social e comprometimento social com a geração de produção foi maior (município de Baraúna), apesar de, neste caso, haver maiores limitações de acesso à água. Esta é uma questão de pesquisa que precisa ser aprofundada em futuras investigações, até porque coloca em xeque a ideia de que a água é base para o desenvolvimento econômico. Pode até ser, mas sem toda a importância que o discurso oficial dá a ela. JU – O “coronelismo” no Rio Grande do Norte ainda é grande? Ou a entrada de grupos econômicos e de projetos governamentais está mudando o jogo de forças? Cruz – Falar em coronelismo, desde o ponto de vista fundiário, é falar (novamente) na terra concentrada e no poder econômico que daí pode decorrer. No caso do Vale do Açu, a hegemonia do poder local pertenceu e ainda pertence a uma família, que ali se instalou desde a época da Independência do Brasil e que chegou a ter apenas uma propriedade com aproximadamente 11 mil hectares. Isto é, a exemplo do que ocorreu na economia brasileira em geral, a terra nasceu e permaneceu concentrada naquela região até a atualidade. Recentemente, essa família vendeu essas terras para o governo federal, por suposto, em condições vantajosas. Logo, contribuiu para que a terra se firmasse na condição de um ativo – e o fez com endosso do Estado. Em suma, após a PGH observa-se que a terra continua concentrada, ociosa e objeto de especulação. Em face desse tipo de diagnóstico, nosso estudo aponta, dentre outras medidas, para efetivação do Imposto Territorial Rural, por parte da Receita Federal e com funcionários de Estado sem ligações familiares com a região. Por quê? Porque se evitaria intervenções do poder local na política fiscal e poderia haver uma elevação dos custos de manutenção da propriedade da terra, estimulando os proprietários a ofertá-la. Em razão disso, espera-se que o ITR estimule a queda dos preços e, consequentemente, facilite o acesso e uso da terra para produção agrícola. O fato é que, após mais de quatro séculos de história econômica, a questão da terra, também naquela região, continua atual.


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Software leva a matemática a crianças com deficiência visual Ferramenta oferecida gratuitamente torna o ensino mais lúdico nos primeiros anos de escola SILVIO ANUNCIAÇÃO silviojp@reitoria.unicamp.br

m software inédito e de utilização gratuita desenvolvido na Unicamp deve auxiliar crianças deficientes visuais no aprendizado da matemática. O MiniMatecaVox, voltado para crianças com idades de seis anos matriculadas no ensino fundamental, traz uma série de atividades elementares da matemática que podem tornar o seu ensino mais lúdico, agradável e motivador. As atividades contemplam tanto o ensino da matemática, como a inclusão digital e recreação, importantes para crianças em fase inicial escolar. O programa foi desenvolvido pelo tecnólogo em informática Henderson Tavares de Souza como parte de sua pesquisa de mestrado defendida recentemente junto ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC). Além de pesquisador da Unicamp, Henderson de Souza atua como professor de informática numa escola de ensino fundamental do município de Várzea Paulista, no interior do Estado de São Paulo. “Identificamos por meio de pesquisas na literatura científica e avaliações nas instituições de ensino regular e especializado que há uma carência muito grande na área de matemática para o aprendizado de crianças deficientes visuais. Surgiu então a nossa proposta de aprimorar o ensino da matemática para essas crianças. Existem muitas pesquisas e iniciativas voltadas para o ensino de deficientes visuais, mas a maioria delas é focada no ensino superior, para o desenvolvimento de atividades de matemática mais complexas”, justifica Henderson de Souza, graduado pela Faculdade Estadual de Tecnologia de Jundiaí. O software é um recurso tecnológico que irá agregar valor tanto na aprendizagem,

quanto na utilização de recursos computacionais, acrescenta. Além do desenvolvimento do programa, foi proposta uma metodologia de ensino para utilização dos recursos do sistema com abordagens diferenciadas. O objetivo é potencializar o uso do programa com o propósito de alcançar melhores resultados na aprendizagem da matemática. Além disso, de acordo com ele, o estudo também contribuirá para que novas políticas educacionais sejam desenvolvidas, auxiliando para que mais crianças cegas cresçam com igualdade de condições de acesso às informações disponíveis. “Um desafio e ao mesmo tempo uma motivação para a escolha do tema é a interdisciplinaridade envolvida na pesquisa. Tivemos que atuar em diferentes campos da ciência, como engenharia de computação, educação e tecnologia, áreas que devem estar em consonância com as particularidades dos indivíduos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem da matemática.”

SOFTWARE O tecnólogo em informática explica que o software é um programa simples, que executa, por meio de comando de voz, atividades elementares de matemática, como somatória, divisão, subtração e resolução de problemas. Ele ressalva que todas as atividades do aplicativo foram elaboradas utilizando vozes humanas, incluindo a de crianças na mesma idade, com o intuito de tornar a experiência do deficiente visual mais agradável e motivadora. Ainda segundo o estudioso da Unicamp, o programa foi estruturado em 20 aulas com uma média de duas horas por aula para contemplar parcialmente o programa de matemática do ano. Cada aula tem 15 atividades, perfazendo um total de 300 atividades. Para o desenvolvimento do programa foi utilizado o ambiente do Borland Delphi 7 para programação de alguns recursos, no sentido de aprimoramento da experiência do usuário. “O MiniMatecaVox é um aplicativo para ser utilizado como recurso suplementar nas aulas de matemática. Sua lógica de programação foi elaborada para que o aluno, em conjunto com o professor, seja capaz de realizar atividades em conformidade com as propostas presentes num livro didático recomendado pelo Ministério da Educação [MEC]”, esclarece Henderson de Souza, referindo-se a obra “Projeto e Prosa: alfabetização matemática”, da Editora Saraiva, incluído no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD).

CENÁRIO

A dissertação de Henderson de Souza aponta dados do Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) segundo os quais mais de 6,5 milhões de pessoas no país têm alguma deficiência visual. Deste total, 500 mil são cegos e 6 milhões têm grande dificuldade permanente de enxergar, baixa visão ou visão subnormal. Ainda conforme a pesquisa, estudiosos apontam que 80% das escolas brasileiras ainda dependem de recursos visuais para o ensino. “Isso se torna mais uma barreira à educação de crianças deficientes visuais, causando uma grande divergência aos avanços das tecnologias para o acesso dos deficientes, já que a integração entre ensino e sistemas de informação ainda está muito longe da ideal. Daí a necessidade de intervenção no ensino destas crianças logo nos primeiros anos de escolaridade”, avalia o pesquisador da Unicamp. O trabalho foi orientado pelo professor Luiz César Martini, do Departamento de Comunicações da FEEC. O docente da Unicamp tem se dedicado nas últimas décadas ao desenvolvimento de projetos pioneiros na área de inclusão digital para deficientes. Entre eles, estão aplicativos para áreas de matemática, física, química, desenho e música; recursos táteis para reconhecimento de objetos; e métodos de ensino para deficientes visuais e auditivos. Luiz César Martini teve sua atenção despertada para o tema, que se tornou uma linha de pesquisa em seu laboratório, após um acidente em 1995, que o deixou cego.

DOSVOX

De acordo com ele, o software desenvolvido por Henderson de Souza compõe um dos aplicativos do sistema operacional Dosvox, idealizado pelo professor Antônio Borges, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O Dosvox permite que deficientes visuais utilizem um computador pessoal para desempenhar uma série de tarefas, adquirindo independência no estudo e trabalho. Trata-se de um sistema que interage com o usuário por meio da voz. “Tenho desenvolvido com minha equipe programas variados que têm sido totalmente inéditos para utilização por parte dos deficientes visuais, inclusive na área de matemática. Deste desenvolvimento resultou uma parceria com o professor Borges, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que foi o criador do sistema Dosvox. Ao longo do tempo, percebi, no entanto, que estava surgindo

uma lacuna, que é justamente o aprendizado de matemática pelas criancinhas deficientes visuais”, situa o professor da Unicamp. “Existem programas muito sofisticados para deficientes visuais e estávamos deixando o início do problema sem atacar, que é justamente quando as crianças começam a se interessar pelas ciências, tanto exatas quanto humanas. E em relação à matemática, elas estavam totalmente desamparadas. Portanto, tivemos a preocupação de desenvolver uma iniciativa voltada às crianças do ensino fundamental”, completa. O orientador acrescenta que o sistema operacional é baseado em código fonte aberto, podendo ser alterado por qualquer usuário. O Dosvox possui mais de 80 aplicativos, tais como formatador para o sistema Braille, dicionários, caderno de telefones, agenda, jogos diversos, navegador de internet, correio eletrônico, leitor de telas, livros, entre outros. O software pode ser solicitado pela pelo e-mail: henderson.tavares@gmail.com . A pesquisa de mestrado foi aprovada pelo comitê de ética da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. Os resultados foram validados através da aplicação de uma avaliação no Instituto Jundiaiense Luiz Braille, que atua na integração social de deficientes visuais.

Publicações Artigo SOUZA, H. T. ; MARTINI, L. C . Aplicativo matemático para o ensino de crianças deficientes visuais. In: VII Congreso Iberoamericano de Tecnologías de Apoyo a la Discapacidad - ‘IBERDISCAP 2013’, 2013, Santo Domingo. Livro das Atas VII Congreso Iberoamericano de Tecnologías de Apoyo a la Discapacidad - Iberdiscap 2013., 2013. v. 1. p. 401-404.

Dissertação: “MiniMatecaVox: aplicativo de ensino matemático para crianças deficientes visuais em fase de alfabetização” Autor: Henderson Tavares de Souza Orientador: Luiz César Martini Unidade: Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) Foto: Antoninho Perri

O professor Luiz César Martini (à esq.), orientador, e Henderson Tavares de Souza, autor da dissertação: abordagens diferenciadas


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Método permite irrigação de cana com esgoto doméstico

Sistema economiza água e reduz consumo de adubo e emissão de gases do efeito estufa Fotos: Antonio Scarpinetti

CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br

sgoto doméstico tratado pode ser usado para irrigar plantações de cana-de-açúcar de modo a produzir benefícios ambientais e ganhos maiores para o produtor, mostram duas teses de doutorado defendidas na Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Unicamp. Entre as vantagens para o meio ambiente do uso de esgoto, estão a economia de água, da redução do consumo de adubo, da poluição e da emissão de gases do efeito estufa. “O sistema que usamos, gotejamento subsuperficial, também reduz o risco de contaminação” do agricultor ou das águas subterrâneas pelo esgoto, explicou ao Jornal da Unicamp o autor de uma das teses, Eduardo Augusto Agnellos Barbosa, que ao lado do autor do outro trabalho, Leonardo Nazário Silva dos Santos, acompanhou a reportagem numa visita ao local do experimento: uma área da Feagri onde foram montados uma pequena estação de tratamento de esgoto e os equipamentos necessários para levar o efluente ao campo plantado com cana. As pesquisas foram orientadas pelo professor Edson Eiji Matsura. “O esgoto é transportado por tubulações, não havendo contato do trabalhador rural com o líquido”, disse Eduardo. “E o gotejamento subsuperficial entrega a água diretamente no sistema radicular. É como se estivéssemos pondo a comida bem na boca da planta”, acrescentou. “Controlando corretamente a lâmina de irrigação e a profundidade de instalação do gotejador, não há perda do efluente”, acrescentou Leonardo. “O solo atua como um filtro natural desse efluente”, complementou. “E como a cana possui alta capacidade de absorção de nutrientes, acaba sendo um casamento perfeito”. Como todo o equipamento de irrigação, no campo plantado, é subterrâneo, o sistema também possibilita que os tratos culturais, inclusive a colheita, sejam mecanizados. Mesmo após as etapas de tratamento a que é submetida, a água do esgoto chega à raiz da planta carregada de nutrientes, especialmente o nitrogênio, que, se lançados nos rios, poderiam causar proliferação de algas, bactérias e levar à poluição. Aplicando o efluente na irrigação, não só se evita isso, como se reduz a necessidade de adubo das plantas, já que os nutrientes presentes no esgoto cumprem esse papel. Além disso, o equipamento de irrigação montado na Feagri permite complementar a necessidade nutricional da planta, caso o efluente não aporte a quantidade necessária.

APLICAÇÃO NO SOLO

Com a irrigação, o solo pode vir a representar “uma alternativa para a disposição do esgoto”, escreve Leonardo em sua tese. “A maior extração de nutrientes pela planta e posterior exportação do campo para as indústrias minimizam as perdas de nutrientes para o ambiente e os possíveis danos ambientais”. Na pesquisa de Leonardo, foram avaliadas duas profundidades de instalação do tubo gotejador, os atributos físicos e o desenvolvimento radicular da cana-de-açúcar submetida à aplicação de efluente. Observou-se que a instalação do tubo gotejador a 0,2 m de profundidade disponibilizou água na região de maior desenvolvimento radicular e reduziu as perdas do líquido. Os pesquisadores não observaram alterações no índice de qualidade do solo, pois os parâmetros sódico-salinos do solo irrigado com esgoto estavam dentro dos limites adequados

Vista da estação de tratamento (à esq.) e detalhes do sistema (abaixo): benefícios ambientais

para o cultivo da cana-de-açúcar. Além disso, os trabalhos mostraram que não houve alterações nas propriedades físicas do solo e limitações no desenvolvimento do sistema radicular da cana-de-açúcar. “No sistema convencional de plantio, há uma maior poluição das águas, por causa da disposição do adubo”, disse Eduardo. No plantio tradicional, os nutrientes são aplicados sobre o solo, e parte desse material pode acabar indo parar em rios e lagos, especialmente depois de chuvas. Ao evitar a adubação por cobertura, o sistema de gotejamento reduz a perda de nitrogênio por lixiviação – dissolução na água e erosão – do nitrato e volatilização do óxido nitroso, além de evitar a emissão de gases do efeito estufa. “A aplicação de esgoto traz um leve incremento na emissão de dióxido de carbono”, reconhece Eduardo. “Mas há uma boa redução do óxido nitroso, que é um potente gás do efeito estufa. No sistema tradicional, o nitrogênio é aplicado sobre o solo, todo de uma vez. Utilizando o gotejamento subsuperficial para aplicar o esgoto, o nitrogênio entra aos poucos durante o ciclo de cultivo, o que aumenta a eficiência da aplicação. No balanço entre as entradas e saídas de gases do efeito estufa, o saldo nos cultivos irrigados é maior que no plantio convencional”. Em sua tese, Eduardo mostra que, dos três métodos de cultivo testados – irrigação com esgoto, irrigação com água de reservatório e o tradicional, com adubação na superfície do solo – o que menos emite gases de efeito estufa é o de irrigação com água de reservatório e o maior emissor, o método com adubo aplicado em superfície. De acordo com a Agência de Proteção Ambiental (EPA) dos Estados Unidos, o óxido nitroso tem um potencial de aquecimento global 310 vezes maior que o do dióxido de carbono. Ainda segundo a EPA, 8% das emissões mundiais de gases causadores do efeito estufa são de óxido nitroso, ante quase 80% de dióxido de carbono. A tese de Eduardo também avaliou a chamada “pegada hídrica”, o consumo de água no cultivo da cana, e concluiu que a irrigação com esgoto apresenta a menor pegada. A questão do consumo de água também foi uma preocupação central na tese de Leonardo. Como ele escreve em seu trabalho, “a reutilização de água proveniente de estações de tratamento de esgoto apresenta-se como opção para reverter o quadro de escassez e, ainda, proporcionar benefícios sociais e ambientais, pois constitui num método que minimiza a poluição nos mananciais e possibilita a liberação de recursos hídricos de melhor qualidade para atividades mais nobres”, como o abastecimento de água potável.

PRODUTIVIDADE

Eduardo Augusto Agnellos Barbosa (à esq.) e Leonardo Nazário Silva dos Santos no canavial da Feagri: maior produtividade

Os pesquisadores lembram que estudos anteriores já haviam mostrado que a irrigação pode aumentar a produtividade da cana-de-açúcar. “O rendimento médio da produção de cana-de-açúcar no Brasil é baixo quando comparado aos resultados obtidos em pesquisas de cana-de-açúcar irrigada”, escreve Eduardo, em sua tese. Leonardo, por sua vez, cita autores para quem “a irrigação se torna uma prática essencial para manutenção e aumento da produtividade dos cultivos, principalmente de espécies com grande importância econômica como a cana-de-açúcar”. No experimento de irrigação com água de esgoto, foi constatada uma maior produtividade na comparação com o método tradicional de plantio. “Com a irrigação, consegue-se mais de 200 toneladas de cana por hectare”, disse Eduardo, citando que a produtividade média no Estado de São Paulo fica em torno de 80 toneladas por hectare. Em sua tese, ele cita um estudo realizado em Lins, no interior paulista, que encontrou “baixa contaminação com metais pesados no esgoto doméstico tratado e acréscimo de produtividade de aproximadamente 50% em relação ao cultivo tradicional”. Na área plantada na Unicamp para o experimento dos pesquisadores, é possível ver como as plantas de cana-de-açúcar irrigadas com esgoto são maiores – mais altas e mais grossas – do que as cultivadas pelo método tradicional. Na Feagri, a plantação não irrigada produziu 160 toneladas de cana por hectare, ante mais de 200 toneladas do cultivo irrigado.

SISTEMA

O esgoto usado no experimento realizado na Feagri foi o produzido na Unicamp, pela Faculdade de Engenharia Agrícola e algumas unidades próximas. “Incluindo banheiros, água da limpeza e resíduos dos diversos laboratórios existentes”, disse Eduardo. O tratamento do líquido passou por três etapas: decantação, reatores anaeróbicos – onde bactérias atacam o efluente – e um tanque de macrófitas, plantas que absorvem grandes quantidades de nutrientes da água. “É um sistema simples de tratamento, que pode ser utilizado em qualquer propriedade”, disse Leonardo. Também há um estágio de filtragem, mais adiante, antes que a água chegue às plantas, além de uma etapa na qual o efluente pode ser enriquecido com outros nutrientes, caso necessário. Com os resultados das duas teses, “a gente já consegue dizer que é um sistema viável, que pode e deve ser implementado” no Brasil, disse Eduardo. Mas adoção da tecnologia requer, além da avaliação da situação particular de cada produtor – se o esgoto gerado em sua propriedade é suficiente, se tem as características nutricionais adequadas – uma regulamentação para aplicação de esgoto na agricultura, destacam os autores. “Não temos uma lei específica para o uso do esgoto na agricultura”, explicou Eduardo. “Um dos nossos objetivos é estabelecer padrões para o uso desse efluente” que possam servir de subsídio para a legislação nacional, disse ele, lembrando que países como Estados Unidos, México e Israel já têm regras para o aproveitamento do esgoto na produção rural. Quanto ao futuro do pequeno canavial experimental da Feagri, o pesquisador disse que seria interessante instalar uma destilaria no local. “Não para fazer cachaça”, brinca, “mas etanol. Além de servir como laboratório para os estudantes interessados em agroindústria, não seria interessante abastecer os carros da universidade com álcool feito aqui, a partir de cana irrigada com esgoto?”

Publicações Tese: “Sustentabilidade ambiental da produção de cana-de-açúcar irrigada com esgoto doméstico tratado via gotejamento subsuperficial” Autor: Eduardo Augusto Agnellos Barbosa Tese: “Irrigação da cana-de-açúcar com esgoto tratado por gotejamento subsuperficial” Autor: Leonardo Nazário Silva dos Santos Orientador: Edson Eiji Matsura Unidade: Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri)


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Estudo investiga formação da cárie na microgravidade MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br

probabilidade de uma pessoa desenvolver cárie dentária no espaço é provavelmente bem maior que na Terra. A constatação é de um estudo conduzido pela dentista Simone Duarte, atual diretora do curso de Farmacologia da Faculdade de Odontologia da New York University (NYU), instituição dos Estados Unidos. Graduada e pós-graduada pela Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP), da Unicamp, a cientista comprovou por meio de testes laboratoriais que o biofilme oral [placa dental na qual as bactérias causadoras da cárie se organizam] tem uma massa duas vezes e meia maior quando formado em um ambiente com microgravidade simulada, comparado ao biofilme formado na gravidade terrestre. “Ainda não sabemos quais fatores contribuem para esse comportamento dos micro-organismos, mas o resultado do estudo nos fornece mais elementos para que continuemos buscando novos métodos de prevenção e tratamento da cárie”, afirma a pesquisadora. Simone esteve visitando a FOP no final de agosto. Ela mantém projetos em colaboração com professores e tem recebido estudantes da faculdade, bem como de outras instituições brasileiras, que participam de programas de intercâmbio com a NYU. “Desta vez, vim ao Brasil para participar de um evento científico na Universidade Federal do Ceará. Aproveitei a oportunidade me reunir com colegas da FOP e matar um pouco da saudade de Piracicaba, onde nasci”, conta. A cientista lembra que começou a pesquisar o biofilme oral ainda na graduação, quando fez iniciação científica sob a orientação do professor Pedro Luiz Rosalen. Atualmente, diz a dentista, a ciência tem um considerável conhecimento acerca do biofilme oral, mas ainda está desenvolvendo métodos eficientes para controlar a sua formação. Os procedimentos químicos, como a aplicação de antibióticos, não surtem bom efeito, pois as bactérias se mostram resistentes aos fármacos quando estão organizadas na placa. O método mecânico da escovação, embora seja o mais eficaz no momento, também não consegue remover totalmente o biofilme, que age como uma cola e fica preso aos dentes. “Por isso é

Pesquisa foi conduzida por dentista formada na FOP, hoje diretora do curso de Farmacologia da New York University importante que continuemos pesquisando novas abordagens. O estudo envolvendo a microgravidade nos trouxe informações relevantes sobre o comportamento do biofilme. É preciso conhecer bem o inimigo para poder derrotá-lo”, pondera Simone. A pesquisadora destaca que o biofilme não está presente somente na boca. Ele também pode ser encontrado no intestino e em outras partes do corpo, servindo de matriz para a proliferação de diversos micro-organismos, alguns deles patogênicos. Simone resolveu incluir a microgravidade em suas investigações depois de ler alguns artigos sobre o tema. De maneira geral, a literatura aponta que o organismo humano passa por transformações fora da atmosfera terrestre. No caso dos astronautas, os fluídos corporais são alterados, os músculos se atrofiam e as células envelhecem mais rapidamente. Além disso, também há evidências de que determinados micro-organismos tornam-se mais resistentes no espaço. “Entretanto, nenhum trabalho falava especificamente sobre o biofilme oral. Minha hipótese era de que essa matriz também se tornaria mais resistente num ambiente de microgravidade”, explica. Num dos artigos consultados, a dentista soube que um grupo internacional de pesquisadores havia investigado o comportamento de células humanas na microgravidade, com o auxílio de um equipamento que simulava em laboratório esse tipo de ambiente. Uma das integrantes da equipe era a médica Thais Russomano, especializada em medicina espacial e professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRGS).

Simone consultou Thaís, que lhe forneceu mais detalhes sobre a investigação envolvendo as células humanas. A dentista foi informada, por exemplo, que o aparelho que reproduz em laboratório o ambiente com microgravidade é uma espécie de biorreator. “O problema é que eu não queria pesquisar o comportamento de células isoladas, mas sim do biofilme”. O passo seguinte da pesquisadora foi tentar ter acesso ao equipamento, para saber se ele serviria aos seus propósitos. “Um colega nos Estados Unidos me disse que tinha um biorreator que não usava mais, mas que talvez precisasse de manutenção. Felizmente, o equipamento precisava apenas de algumas peças para voltar a funcionar. Comprei as peças e iniciei os testes”, recorda. A dentista utilizou, então, o mesmo substrato e a mesma bactéria para criar dois biofilmes, um mantido na microgravidade simulada e outro na gravidade terrestre. Em somente cinco dias, o primeiro apresentou uma massa duas vezes e meia maior que o primeiro. “O próximo passo da pesquisa será tentar entender porque os micro-organismos se tornam mais resistentes na microgravidade. Paralelamente, continuaremos investigando novos métodos de combate à placa. Na NYU, temos estudado o uso de luz e de produtos naturais, como a própolis, que possam ajudar a remover o biofilme de maneira mais eficaz”, revela.

ESCOLA PÚBLICA

Simone Duarte não se encaixa na imagem que a maioria das pessoas faz de um cientista. Acessível e sorridente, ela mais se parece com uma estudante de pós-graduação. A dentista cumpriu uma trajetória admirável até assumir a diretoria do Curso de Farmacologia da NYU. De família humilde e egressa de escola pública, ela realizou um sonho ao passar no vestibular para o curso de Odontologia da FOP. Durante a graduação, no entanto, o pai dela morreu e a situação financeira da família foi abalada. “A situação ficou muito difícil. Felizmente, obtive bolsas-auxílios concedidas pelo SAE [Serviço de Apoio ao Estudante], o que me ajudou a prosseguir com os estudos”, relata, em tom de agradecimento. O interesse de Simone pela pesquisa surgiu ainda na graduação, quando travou contato com métodos de investigação por

meio do programa de iniciação científica. Depois, fez mestrado e doutorado, ambos no Programa de Pós Graduação em Odontologia, área de Farmacologia, Anestesiologia e Terapêutica na FOP/Unicamp. Graças aos contatos feitos durante a pós-graduação, Simone foi convidada para fazer o pós-doutorado na University of Rochester, também nos Estados Unidos. “Nessa época, fiquei sabendo que a NYU estava recrutando um professor para a sua Faculdade de Odontologia, para substituir um docente que estava se aposentando. Enviei meus dados e fui chamada para uma entrevista. Felizmente, eu me encaixava perfeitamente no perfil que a instituição queria – alguém que fizesse pesquisa e que também ministrasse aulas”. Logo após ingressar na universidade norte-americana, Simone foi convidada a assumir a diretoria do curso de Farmacologia. “Penso que o convite se deveu à sólida formação que a Unicamp me proporcionou. Na FOP, a farmacologia é voltada às necessidades específicas da odontologia, o que não ocorre normalmente em outras universidades, nem mesmo do exterior. Nas demais instituições, a farmacologia atende às demandas de diversas áreas da saúde”, esclarece. Na posição que ocupa atualmente, a dentista diz estar tendo a oportunidade de receber muitos estudantes brasileiros, vários deles da FOP, para o cumprimento de estágios em seu laboratório na NYU. Os brasileiros, segundo ela, são vistos com bons olhos na universidade. “Além de apresentarem um bom nível de conhecimento, eles também são muito dedicados. Esse movimento que o Brasil vem fazendo para internacionalizar a sua ciência é muito positivo. Esse é o caminho. Atualmente, nós não participamos de projetos internacionais de pesquisa cientifica apenas para aprender. Em diversas áreas, nós também temos muito que ensinar aos nossos parceiros”, assegura. Sobre a possível assimetria entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento no que toca à infraestrutura de pesquisa, a dentista diz não ver grande diferença. “Penso que estamos em patamares bem parecidos. A maior disparidade talvez seja em relação à burocracia. Nos Estados Unidos, o pesquisador não perde tanto tempo preenchendo formulários quanto no Brasil. Com isso, ele pode dedicar mais horas ao trabalho no laboratório”. Foto: Antonio Scarpinetti

A dentista Simone Duarte: “O estudo envolvendo a microgravidade nos trouxe informações relevantes sobre o comportamento do biofilme. É preciso conhecer bem o inimigo para poder derrotá-lo”


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DESTAQUE

DO PORTAL

UPA reúne 42 mil estudantes do ensino médio na Unicamp Público chegou a 50 mil pessoas, sendo cerca de duas mil da Universidade Foto: Antoninho Perri

LUIZ SUGIMOTO sugimoto@reitoria.unicamp.br

utucaram o formigueiro, brincou um motorista a serviço da UPA 2014 – Unicamp de Portas Abertas, ao ver os milhares de estudantes do ensino médio enfileirados para tomar os ônibus internos com destino às unidades de ensino e pesquisa, ou mesmo se espalhando a pé pelo campus atrás das placas carregadas pelos monitores. Os inscritos passavam dos 42 mil, vindos de escolas de nove estados do país, em 570 ônibus, 50 microônibus e 40 vans. Considerando os que vieram por conta própria, muitos com a família que arrumou um programa para a bela manhã do último dia 30, o público certamente ultrapassaria 50 mil. Mais de duas mil pessoas, entre professores, graduandos, pós-graduandos e funcionários foram mobilizados para a recepção aos visitantes. “Mais uma vez a Unicamp abre suas portas para esse mar de jovens que querem conhecê-la nas suas múltiplas facetas – o ensino, a pesquisa e a extensão – que a colocam entre as 15 mais jovens do mundo, segundo avaliação internacional; e como a melhor do Brasil, segundo os indicadores acadêmicos”, disse o professor Alvaro Crósta, coordenadorgeral da Universidade e da UPA, momentos antes da cerimônia de abertura. “Queremos mostrar a eles o potencial da instituição enquanto formadora de recursos humanos de qualidade, prontos para atuar profissionalmente em suas áreas.” Alvaro Crósta comentou que, além dos visitantes de primeira viagem, existe um público antigo extremamente fiel, sobretudo de professores das redes pública e particular, que fazem questão de vir ao campus todos os anos. “São professores que eram alunos quando visitaram a UPA – que adotou esse

PAINEL DA SEMANA  Rodas Literárias - A Biblioteca Pública Prof. Ernesto Manoel Zink, localizada atrás da Prefeitura, no Centro de Campinas, receberá no dia 9 de setembro, às 15 horas, o Projeto Rodas Literárias. Ele está vinculado ao SAE Ação Cultural (Unicamp), eixo Educação, do segundo semestre de 2014. A atividade é gratuita e se estenderá até dezembro. Podem participar pessoas da faixa etária a partir de 15 anos. A organização é de Mozilene Neri. Mais detalhes sobre o projeto no site http:// srv-wb05.sae.unicamp.br/acaocultural/  Pagu 20 anos - Abertura de evento comemorativo aos 20 anos do Núcleo de Estudos do Gênero (Pagu) acontece no dia 9 de setembro, às 15 horas, no auditório do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH). Veja cartaz com a programação no link http://www.pagu. unicamp.br/sites/www.ifch.unicamp.br.pagu/files/20anospagucartaz.jpg. Mais detalhes: telefone 19-3521.1704 ou e-mail pagu@unicamp.br  Talento 2014 - A Feira de Recrutamento de Trainees e Estagiários da Unicamp acontece no dia 10 de setembro, no Ginásio Multidisciplinar da Unicamp (GMU). A Feira completa 15 anos e é organizada pelo Núcleo de Empresas Juniores da Unicamp. Sua primeira edição aconteceu em 1999. São esperadas mais de 65 empresas, de diversas áreas, que recrutarão estudantes de diferentes cursos, como engenharia, TI, comunicação, administração, economia, entre outros. Leia mais no link http:// www.unicamp.br/unicamp/eventos/2014/09/01/talento-unicamp  Governando as mudanças climáticas: riscos e respostas políticas - Tema será debatido por Fabiana Barbi, pós-doutoranda pelo Núcleo de Estudos de Planejamento Ambiental (Nepam), dia 10 de setembro, às 12h30, no auditório do Núcleo de Estudos de População (Nepo) “Elza Berquó”. O evento faz parte da série Tempo de Debate. Mais informações: 19-3521-0363.

Alvaro Crósta, coordenadorgeral da Unicamp, discursa na abertura da UPA 2014

formato há onze anos – e muitos upianos que agora trazem seus irmãos, representando várias gerações, o que nos orgulha muito. O que estamos mostrando hoje é uma universidade jovem, dinâmica e energética.” Endossando a afirmação do coordenadorgeral da UPA, Guiomar Siqueira, professora de química da Escola Estadual Wadih Jorge Maluf, de Sumaré (SP), assegurava que nunca perdeu uma edição do evento desde 2003. “Trouxe um grupo de dezesseis alunos interessados em visitar as áreas de química, medicina e engenharias. Gosto demais da UPA, pois acho que ajuda bastante os meninos

na escolha de uma profissão, dando-lhes a oportunidade de conhecer algo novo, em que sequer tinham pensado. Além disso, é tudo muito bem organizado.” As engenharias também eram o interesse de Nayane Ribeiro e um grupo de amigos vindos de Andradas (MG). “Conhecer uma universidade como a Unicamp é muito importante para nós jovens, que estamos pensando em nosso futuro”, afirmou a estudante, prestes a pegar o ônibus que levaria seu grupo para a área de exatas. Na grande tenda montada no estacionamento atrás da Biblioteca Central, já começava a cerimônia

de abertura, que seria seguida de uma apresentação da Orquestra Sinfônica da Unicamp e de outras atrações culturais. Logo, o campus estaria completamente tomado pelos alunos de ensino médio, que realmente pareciam saídos de um formigueiro para se entreter com as atividades preparadas pelas unidades de ensino e pesquisa, além de conhecer os programas de apoio oferecidos àqueles que sonham em ser mais um graduando da Unicamp. O sábado tinha muito mais gente do que a população que normalmente circula pela Universidade nos dias de semana.

 Feira de Educação do Japão - A Vice-Reitoria Executiva de Relações Internacionais (VRERI) organiza no dia 10 de setembro, às 13 horas, no auditório da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), a Feira de Educação do Japão. O evento contará com a participação de cinco universidades japonesas, as quais fornecerão orientações, informações e esclarecimentos de dúvidas acerca das oportunidades de estudos, por meio de intercâmbio - no âmbito do Programa Ciência Sem Fronteiras (CSF). Mais detalhes: telefone 19-3521-7145.  Fórum de Ciência, Tecnologia e Inovação - No dia 11 de setembro, das 9 às 17h30, no Centro de Convenções da Unicamp, acontece mais uma edição do Fórum Permanente de Ciência, Tecnologia e Inovação. Desta vez com a temática “O estado da arte das mudanças climáticas abordando aspectos políticos e da sociedade”. Inscrições, programação e outras informações no link http://www.foruns.unicamp.br/ foruns/projetocotuca/forum/htmls_descricoes_eventos/tecno68.html. O Fórum será transmitido (ao vivo) pela TV Unicamp.  Ensino de Geografia - O Grupo de Pesquisa Ateliê de Pesquisas e Práticas em Ensino de Geografia (APEGEO) e a AGB-Campinas organizam entre os dias 11 e 13 de setembro, nas dependências do Instituto de Geociências (IG), o IV Encontro Regional de Ensino de Geografia com o tema “Formação de professores de Geografia: políticas e práticas curriculares”. Acesse a programação no site http://agbcampinas.com.br/ encontroensino2014/programacao/. Mais informações pelo e-mail encontroensino@agbcampinas.com.br  Projeção M - A Mecatron, empresa júnior da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM), organiza no dia 11 de setembro, às 13h30, no auditório ID2 na unidade, a quinta edição do “Projeção M”, evento realizado para auxiliar os laboratórios de faculdades da Unicamp. Inscrições, programação e outras informações, no link http://www.projecaom.wix. com/evento-mecatron. Mais detalhes pelo telefone 19-3521-3205 ou email ogari.pacheco@meatron.org.br  Setembro Azul - A Faculdade de Educação (FE) da Unicamp realiza, dia 12 de setembro, das 8 às 18 horas, na Adunicamp, o 3º Setembro Azul, evento que terá como tema “Direitos humanos em questão: a universidade pública pode se fazer falar em LIBRAS?”. Mais informações no site http://www.fe.unicamp.br/setembro-azul/ ou telefone 19-3521-5564.  Encontro de alunos PAD/PED - A Pró-Reitoria de Graduação (PRG), a Pró-Reitoria de Pós-Graduação (PRPG) e o Espaço de Apoio ao Ensino e Aprendizagem (EA)² realizam no dia 12 de setembro, às 13h30, no Centro de Convenções da Unicamp, o X Encontro de alunos do Programa de Apoio Didático (PAD) e do Programa de Estágio Docente (PED). O encontro tem como objetivo preparar os alunos de graduação e pós-graduação para o exercício de suas atividades, nos referidos programas, para o segundo semestre de 2014. Para os alunos de Limeira (FT e FCA) e Piracicaba (FOP) haverá ônibus. O controle de frequência será registrado por meio do cartão de Identidade Estudantil. Mais informações pelo telefone 19-3521-7991ou e-mail ea2@reitoria.unicamp.br  Palestra com John Usher - A Vice-Reitoria Executiva de Relações Internacionais (Vreri) organiza palestra com palestra com John Usher, da Northumbria University. No evento serão fornecidas orientações, informações e esclarecimento de dúvidas acerca das oportunidades de intercâmbio no âmbito do Programa Ciência Sem Fronteiras. A palestra acontece na Sala da Congregação do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, dia 12 de setembro, das 12 às 13 horas.

 Fórum de Arte, Cultura e Lazer - Com o tema “Cultura e Extensão Universitária: um diálogo necessário”, a próxima edição do Fórum Permanente de Arte, Cultura e Lazer acontece no dia 15 de setembro, às 9 horas, no Centro de Convenções da Unicamp. A organização é do professor João Frederico da Costa Azevedo Meyer, Pró-Reitor de Extensão e Assuntos Comunitários da Unicamp. Inscrições, programação e outras informações na página eletrônica http://www.foruns.unicamp.br/foruns/ projetocotuca/forum/htmls_descricoes_eventos/arte62.html. O Fórum será transmitido (ao vivo) pela TV Unicamp.  XI Semana de Agricultura Orgânica de Campinas Evento será realizado entre 15 e 20 de setembro, na Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI), localizada na Avenida Brasil 2340, no Jardim Chapadão, em Campinas. A programação conta com uma série de mesas de discussão, oficinas e visitas técnicas sobre as temáticas da produção, consumo e políticas públicas voltadas à agricultura orgânica. A Semana será finalizada no Largo do Rosário, com uma feira de produtos orgânicos, onde serão realizadas oficinas, exposição de fotos, shows e orientação nutricional. Diversas parcerias institucionais e organizacionais organizam o evento, incluindo o Programa de Extensão em Agroecologia da Unicamp. Mais informações no link https://www.facebook.com/acidadeorganica ou telefone 19-3235-1566.  V Simpósio de Profissionais da Unicamp - Evento ocorre de 16 a 18 de setembro, no Centro de Convenções da Unicamp. Terá exposição de pôsteres de trabalhos realizados ou desenvolvidos por profissionais de todos os segmentos da Unicamp, palestras, minicursos, atividades de integração e de cultura. O Simtec teve sua primeira edição em 1997. Foi retomado em 2008 e faz parte da agenda institucional da Unicamp, sendo realizado a cada dois anos. O V Simtec é organizado pelo GGBS, através de uma Comissão designada pelo reitor. A DGRH, a AFPU e o CECOM, órgãos da linha de Recursos Humanos da Universidade, também fazem parte da produção do evento. Mais detalhes no site http://www.simtec.gr.unicamp.br/simtec_5/  Prêmio Santander Universidade Solidária - Alunos e professores da Unicamp que tenham interesse ou que já realizem projetos sociais de desenvolvimento sustentável com ênfase em geração de renda podem se inscrever para o Prêmio Santander – Universidade Solidária. Serão selecionados oito projetos. Cada projeto vencedor receberá R$100 mil para implementação, além de suporte técnico especializado. O apoio terá duração de dois anos e o repasse de recursos será feito em duas parcelas (R$ 50 mil por ano). Os inscritos poderão realizar curso on-line de empreendedorismo, certificado pela Babson College. As inscrições podem ser feitas até às 18 horas de 18 de setembro pelo site http://universidades.ciatech.com.br/premios/inscricao#tabs-3  Cristalografia biológica e métodos complementares - “A cristalografia, para mim, é paixão”, diz a professora Iris Torriani, recém-chegada de Paris, onde participou da cerimônia de abertura do Ano Internacional da Cristalografia (IYCr2014) na sede da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), que reconhece assim a importância de uma técnica que vem permeando praticamente todas as áreas do conhecimento. Em Campinas, a docente da Unicamp está ajudando na organização da Reunião de Cúpula da América Latina, que acontecerá no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) de 22 a 24 de setembro, sob o tema “Cristalografia biológica e métodos complementares”. Leia mais em http://www.unicamp.br/unicamp/noticias/2014/01/29/2014-o-ano-da-cristalografia  Nichos de mercado para o setor agroindustrial - A PróReitoria de Pesquisa (PRP) e a Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Unicamp são parceiras da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, na promoção do I Workshop de Nichos de Mercado para o Setor Agroindustrial, que será realizado, no Centro de Convenções da

universidade, em Campinas-SP, nos dias 23 e 24 de setembro próximo. Mais: http://www.unicamp.br/unicamp/eventos/2014/07/31/nichos-demercado-para-o-setor-agroindustrial  Análise de discurso e psicanálise - O Laboratório de Estudos Urbanos (Labeurb) organiza entre os dias 23 e 25 de setembro, a partir das 9 horas, no auditório do Labeurb, a II Jornada Internacional de análise de discurso e psicanálise “Os nomes do sintoma”, promovendo um espaço de discussão e encontro entre a Análise de Discurso, do domínio das Ciências da Linguagem, e a Psicanálise. A II JIAPD contará com conferências, mesas-redondas e um minicurso e objetiva interrogar os processos de nomeação do sintoma, as novas formas patológicas, o excesso de medicalização e o mal-estar em nossa sociedade. Outras informações podem ser obtidas pelo telefone 19-3521-7945 ou site http:// www.labeurb.unicamp.br/jiadp  Fórum de Física na indústria - De 28 de setembro a 3 de outubro a Unicamp vai sediar o Fórum de Física na Indústria (Industrial Physics Forum). O evento é organizado pelo Instituto Americano de Física (AIP) e pelo Centro Internacional de Física Teórica (ICTP) em parceria com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e com o braço Sul Americano do ICTP para Pesquisas Fundamentais (ICTP-SAIFR). O tema desta edição é “Capacitação em física industrial em economias emergentes”. O objetivo é promover a aproximação entre cientistas e indústria para atender às necessidades da sociedade relacionadas ao avanço tecnológico sustentável. O fórum é aberto a cientistas e estudantes de todos os países que são membros das Nações Unidas, da Unesco ou da AIEA. O idioma oficial será o inglês. Não há taxa de inscrição e uma ajuda financeira estará disponível para um número selecionado de candidatos. Alunos de doutorado e jovens doutores, tanto do Brasil como de outros países, receberão apoio financeiro da Fapesp para a viagem e hospedagem. A conferência ocorrerá na Faculdade de Ciências Médicas, à rua Tessália Vieira de Camargo, 126, no campus de Campinas. Mais detalhes em inglês e inscrições pelo site http://www.aip.org/industry/ipf/2014/capacity-building-industrial-physicsdeveloping-emerging-economies  Juventude e Educação - A Faculdade de Educação (FE), por meio do Laboratório de Estudos sobre Violência, Imaginário e Juventude (Violar), encerra, dia 29 de setembro, às 14 horas, no Salão Nobre da FE, a programação do III Seminário Violar com a mesa-redonda “Educação e criação de novas possibilidades de vida: diálogos com a Arte”. Mais detalhes: http://www.fe.unicamp.br/semviolar/

EVENTOS FUTUROS

TESES DA SEMANA  Engenharia Química - “Estudo da dinâmica de adsorção/dessorção de gás natural em carvão ativado em tanques de armazenamento” (doutorado). Candidato: Manoel Orlando Alvarez Méndez. Orientador: professor Antonio Carlos Luz Lisboa. Dia 8 de setembro de 2014, às 14 horas, na sala de defesa de teses da FEQ.  Matemática, Estatística e Computação Científica “Equações dispersivas: estabilidade orbital de ondas viajantes periódicas” (doutorado). Candidato: Thiago Pinguello de Andrade. Orientador: professor Ademir Pastor Ferreira. Dia 8 de setembro de 2014, às 14 horas, na sala 253 do Imecc.  Odontologia - “Estudo de fatores de cronicidade das disfunções temporomandibulares” (doutorado). Candidata: Maisa Soares Gui Demase. Orientadora: professora Celia Marisa Rizzatti Barbosa. Dia 9 de setembro de às 9 horas, na sala e seminários da morfologia da FOP.


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FEA obtém açúcar funcional Processo para a produção de FOS foi mais rápido que os métodos convencionais Foto: Antoninho Perri

frutose e outros açúcares. Esse substrato se mostrou uma ótima fonte alternativa para o bioprocesso, o qual apresentou o mesmo desempenho quando comparado às condições validadas com a sacarose”, pontua.

SILVIO ANUNCIAÇÃO silviojp@reitoria.unicamp.br

cientista de alimentos Juliana Bueno da Silva desenvolveu um processo mais rápido e diferenciado para a obtenção de um açúcar com propriedades funcionais, o frutooligossacarídeo (FOS). Este tipo de açúcar, que já é comercializado no país, foi sintetizado pela biotransformação. Neste processo, um microrganismo vivo e íntegro, imerso em uma solução com sacarose (açúcar), forma o FOS. Ao contrário dos métodos convencionais, como a reação enzimática, a biotransformação permite a produção direta do açúcar, eliminando a etapa da produção, separação e purificação das enzimas. “Este açúcar não é absorvido pelo organismo, pois não é hidrolisado pelas enzimas do trato digestivo e, apenas no intestino grosso, é fermentado pelas bifidobactérias ou lactobacilos, que são as bactérias benéficas presentes na microbiota intestinal. Por isso, há uma melhora no funcionamento do intestino. Além disso é um açúcar que não provoca cáries e possui baixo teor calórico. Ele tem outros apelos funcionais, como o aumento da síntese de vitaminas do complexo B, diminuição dos microrganismos patogênicos da flora e ação com propriedades anticâncer”, aponta a pesquisadora da Unicamp. O trabalho integrou tese de doutorado defendida por Juliana Bueno na Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA). Ela foi orientada pela professora Gláucia Maria Pastore, da FEA, e coorientada pelo docente Luiz Carlos Basso, da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, da USP. A pesquisadora também contou com a colaboração da professora Maria Isabel Rodrigues (FEA). Ela também participou, como parte do estudo, de um estágio em San Diego, EUA, no Departamento de Bioquímica e Biofísica da Universidade da Califórnia.

RENDIMENTO E RENTABILIDADE

Juliana Bueno da Silva, autora da tese: “O principal objetivo dos bioprocessos é estabelecer procedimentos não dispendiosos”

“Ao contrário dos processos convencionais, a biotransformação é feita em uma única etapa. Minha pesquisa consistiu em utilizar um microrganismo íntegro diretamente em soluções com altas concentrações de sacarose. Este microrganismo sobrevive e transforma a sacarose em FOS. A levedura utilizada no estudo permitiu que as etapas de produção e purificação da enzima fossem eliminadas, isso foi o nosso diferencial. Entre as vantagens estão o tempo de produção e, consequentemente, a possibilidade de se obter o FOS em larga escala. É um processo que poderia ser facilmente reprodutível em usinas de cana-de-açúcar, por exemplo”, conclui Juliana Bueno. A cientista de alimentos esclarece que a produção do açúcar funcional, pela biotransformação, foi realizada em solução aquosa com elevada concentração de sacarose. Esta solução exerce alta pressão osmótica sobre o microrganismo. Neste caso foi necessária a escolha de um microrganismo tolerante a esta pressão. “O Aureobasidium pullulans é uma levedura que foi isolada do favo de mel e que se enquadra neste tipo de processo, mostrando excelente produtividade e crescimento em meios com sacarose”, revela.

Ela informa ainda que utilizou o melaço, resíduo da agroindústria de açúcar, para promover o crescimento do microrganismo Aureobasidium pullulans, antes de inseri-lo na solução com sacarose. O melaço forneceu os nutrientes necessários para o processo de biotransformação, descartando a necessidade de realizar uma suplementação do meio com sais minerais e outros suplementos nutricionais. “A biotransformação da sacarose em frutooligossacarídeos, utilizando células íntegras, ainda é pouco explorada, uma vez que a maioria dos processos emprega enzimas como biocatalisadores em meios contendo altas concentrações de sacarose. Entretanto, existe a possibilidade de se utilizar microrganismos osmofílicos, capazes de sobreviver em meios ricos em açúcar. Eles se desenvolvem em altas concentrações de açúcar, além de possuírem características altamente desejadas para bioprocessos.” Juliana Bueno explica que também realizou um processo experimental, substituindo o açúcar convencional (sacarose) pelo xarope de cana-de-açúcar para promover a síntese do FOS. “O xarope possui altas concentrações de sacarose, algo em torno de 50%. A composição restante é constituída por glicose,

Aproximadamente 80% da sacarose disponível no meio foi transformada em frutoligossacarídeo. Este rendimento é compatível com os processos convencionais empregados para a produção de FOS, ressalta Juliana Bueno. Ela acrescenta que o emprego de microorganismos previamente selecionadas em um meio de sacarose, por meio da biotransformação, é uma alternativa aos processos de extração de fontes vegetais que vem se destacando nos últimos anos pela rentabilidade. “Além disso, há outras vantagens nos processos que utilizam microrganismos e células para a obtenção de novos produtos. Os cultivos microbianos não estão sujeitos às variações climáticas e à quantidade que está presente no ambiente. Outra vantagem está na utilização da biomassa ou resíduos da agroindústria como substratos para serem convertidos em materiais de maior valor agregado. Portanto, o principal objetivo dos bioprocessos é estabelecer procedimentos não dispendiosos e que apresentem altos rendimentos de produção.”

Publicação Tese: “Síntese de frutooligossacarídeos pela biotransformação da sacarose por microrganismos osmofílicos” Autora: Juliana Bueno da Silva Orientadora: Gláucia Maria Pastore Coorientador: Luiz Carlos Basso Unidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) Financiamento: CNPq e Capes

Metodologia ensina a ‘engenheirar’ Para pesquisador, ambiente adequado é um forte motivador para o aprendizado

Foto: Divulgação

ISABEL GARDENAL bel@unicamp.br

ma metodologia para o ensino de engenharia elétrica acaba de ser desenvolvida pelo pesquisador Ivan Cardoso Monsão em sua tese de doutorado, defendida na Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (Feec). Essa ferramenta, que deve gerar um livro, já em fase de redação, busca complementar a formação dos estudantes para aprenderem a “engenheirar” antes de concluírem a sua formação na Universidade. Essa metodologia inclui a transmissão do conhecimento tácito (aquele adquirido ao longo da vida, pela experiência) de um profissional atuante na engenharia para os estudantes, a criação de um ambiente adequado (um laboratório paradidático) e a participação dos envolvidos em projetos reais. O conhecimento técnico é embasado em estudo dirigido e por meio da atuação de professores tutores voluntários em um papel consultivo (mentores/coaches), sob demanda, nas suas áreas de especialidade. Um modelo paradidático foi escolhido por conta da complexidade dos procedimentos convencionais como a reforma curricular, a criação de novas disciplinas ou modificações nas já existentes e requalificação dos professores, frisa o engenheiro eletricista. A ideia é simplificar tudo. Ivan relata que atuou profissionalmente em muitos projetos em engenharia que envolveram parcerias universidade-empresa,

(Senai) publicaram dois manifestos – um em 2006 chamado Inova Engenharia e outro em 2010 denominado Engenharia para o Desenvolvimento – apontando a necessidade de modernizar o ensino de engenharia e dar relevo às atividades práticas. Essa necessidade foi verificada também por outros países como os EUA, ao criar o Olin College em 1997 e o projeto CDIO (Conceive, Design, Implement, Operate) em 2000, este último liderado pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), a mais respeitada escola de engenharia do mundo. Em 2011 foi criado o laboratório de inovação de Harvard (iLab).

AUTONOMIA

O pesquisador Ivan Cardoso Monsão: transmissão do conhecimento tácito e participação em projetos reais

além do trabalho conjunto com professores, pesquisadores e estudantes. “Apesar de a Universidade ter em vista o ensino, a pesquisa e a extensão, observei que ela dá maior ênfase à pesquisa e menos às diferenças na formação, aos ambientes e metodologias de trabalho dos dois tipos de perfis necessários para desenvolver a tecnologia e a inovação: o pesquisador e o engenheiro”, comenta. Em sua opinião, esta ênfase na pesquisa faz surgir uma assimetria que se reflete diretamente na formação da maioria dos estudantes de engenharia que conclui a graduação com o perfil mais voltado à pesquisa e mais habituado a conviver no ambiente e com as metodologias de pesquisa. O doutorando diz que o estudante típico de engenharia realiza pelo menos um trabalho de iniciação científica, publica pelo menos um trabalho acadêmico e escreve um trabalho de graduação ou de conclusão de curso, cujo formato de redação, apresentação e avaliação é feito nos moldes de uma tese acadêmica. A Confederação Nacional da Indústria (CNI), o Instituto Evaldo Lodi (IEL) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial

A pesquisa de Ivan foi realizada entre 2006 e 2013 com resultados obtidos de trabalhos desenvolvidos no BiLab Business and Innovation Lab, idealizado e implantado por ele em uma universidade privada. Os resultados da pesquisa mostraram como alguns estudantes do segundo e do quarto semestres do curso de engenharia elétrica participaram de projetos reais (que tinham de ser entregues a clientes). “Eles foram capazes de resolver os problemas dos projetos contratados, que tinham um alto grau de complexidade, e mais: conseguiram criar ferramentas para resolvêlos de modo autônomo e começaram a fazer engenharia enquanto aprendiam”, garante. Ivan notou que a criação de um ambiente adequado (paralelo ao curso) é um forte motivador para o aprendizado, para que os estudantes possam atuar com engenheiros em projetos reais. Assim, eles não apenas absorvem o conhecimento tácito deste profissional, mas também entendem o que é a engenharia na prática (ainda dentro da universidade), aprendem a buscar o conhecimento por si mesmos e começam a assumir a responsabilidade pela sua formação. Outro aspecto é que a adaptação da metodologia utilizada no laboratório paradidático – sob a forma de seminários para turmas de uma disciplina curricular chamada Labora-

tório Integrado – mostrou uma evolução na qualidade dos trabalhos apresentados no fim do semestre, indicando que a adaptação da metodologia para a sala de aula também traz resultados positivos. “Este trabalho então contribui para chamar a atenção para o fato de que a maior parte do conhecimento prático está no próprio profissional”, considera Ivan. “E toda a informação teórica, necessária para a solução de problemas, está disponível em livros e na internet.” A metodologia de ensino atual, lamenta o pesquisador, ainda é expositiva e acompanhada de modo passivo pelos estudantes. O ambiente de ensino ainda é o mesmo da clássica sala de aula com quadro negro ou branco. Em sua opinião, a pesquisa básica é estratégica à manutenção de vantagens competitivas na indústria e, para isso, a formação de recursos humanos nesta área é imprescindível. “É preciso, porém, que a Universidade dê mais atenção à formação efetiva dos engenheiros, para que estejam aptos a transformar conhecimento obtido nas pesquisas em bens e serviços, e colaborar para minorar problemas locais”, salienta. Ivan obteve o seu título de mestre na área de Microeletrônica na Unicamp, onde trabalhou como pesquisador por oito anos no LED (Laboratório de Eletrônica e Dispositivos), ligado ao Departamento de Eletrônica e Microeletrônica (Demic) da Feec. Trabalhou em projetos de engenharia e biotecnologia na Alemanha, na Suíça e na China.

Publicação Tese: “Uma nova metodologia de ensino de engenharia elétrica usando um laboratório paradidático” Autor: Ivan Cardoso Monsão Orientador: José Antonio Siqueira Dias Unidade: Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (Feec)


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Campinas, 8 a 14 de setembro de 2014

Cânones da periferia Fotos: Divulgação

PATRÍCIA LAURETTI patricia.lauretti@reitoria.unicamp.br

ntre caixas de cerveja, algumas mesinhas, cadeiras de plástico e estantes de livros, a placa chama a atenção do cliente desavisado: “Silêncio! Respeite o nosso poeta do sarau!” E o bate-papo de fato termina, quando o espaço é tomado por uma atmosfera diferente, espécie de transe poético. Começa então o sarau literário Elo da Corrente, no bar do Santista, Rua Jurubim 788-A, bairro de Pirituba, periferia da capital paulista. É assim há sete anos. O poeta se inscreve e se apresenta. Às vezes um poema mesmo, outras uma música, às vezes nem uma coisa nem outra e, ainda assim, poesia. O Elo da Corrente não é único. Ao contrário, integra um movimento popular já bastante consolidado nas periferias do Brasil, especialmente em São Paulo. Os saraus literários ganharam mais popularidade a partir do reconhecimento da Cooperifa – Cooperativa Cultural da Periferia, um dos pioneiros. Na mesma época, início dos anos 2000, a revista Caros Amigos publicou três edições temáticas: a Caros Amigos Literatura Marginal, com uma coletânea de poemas e contos de escritores da periferia que também apresentavam o que seria literatura marginal, um termo que ainda hoje não é consenso, mas que se tornou popular, também entre os pesquisadores da área. O organizador do conteúdo das edições foi Ferréz, autor do livro Capão Pecado, um dos sucessos de crítica e venda da literatura marginal/periférica. Ferréz teria pensado no termo por inspiração dos poetas dos anos 1970, embora também faça citações à escritora Carolina Maria de Jesus, autora de Quarto de despejo, um clássico da literatura negra que foi traduzido para treze idiomas. Para Mariana Santos de Assis, autora da dissertação “A poesia das ruas, nas ruas e estantes: eventos de letramentos e multiletramentos nos saraus literários da periferia de São Paulo”, uma das várias diferenças entre uma geração e outra é que a primeira não tinha a intenção de participar do mercado editorial como a segunda. Eram marginais, não apenas em relação ao mercado, mas à ditadura militar. Hoje são periféricos os poetas dos saraus e, na proporção com os poetas dos anos 1970, não se identificam com o sistema da mesma maneira que os primeiros contestavam o regime autoritário. “Hoje também falaremos de literatura, porém abordaremos outro tipo de marginalidade, a literatura produzida e amplamente difundida nas periferias de São Paulo, a despeito do descaso das grandes mídias, do pouco ou nenhum reconhecimento das instituições escolares e acadêmicas e da indiferença da crítica, a periferia segue fazendo arte e agora brinca com a sagrada arte da palavra, as belas letras. A literatura tem sido mais um combustível para as lutas da periferia por seu espaço no centro”, escreve a autora da dissertação na introdução do trabalho.

Elo da Corrente, que funciona no bairro de Pirituba, em São Paulo: saraus ressoam a efervescência da periferia

Mariana prefere tratar a literatura do movimento como marginal/periférica, termo emprestado da tese de doutorado do docente Mário Augusto Medeiros da Silva, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH). Ela salienta que hoje não é possível precisar o número de saraus espalhados pela cidade de São Paulo. “Alguns dos que tive mais contato ao longo da pesquisa, também porque existem há mais tempo, o que lhes confere maior representatividade, são: Cooperifa, Sarau do Binho, Sarau da Brasa, Elo da Corrente, Suburbano Convicto e Perifatividade. E fora do Estado, o Sarau Bem Black em Salvador (BA) e o Griotagem (RJ)”. Da mesma forma, mensurar a produção cultural desses coletivos não é tarefa fácil. “Ao longo do meu trabalho de campo, em 2013, notei que, na maioria dos encontros, havia lançamentos de livros inéditos. Um ano antes, Michel Yakini, do Elo da Corrente, falava em cerca de 200 títulos lançados por autores da periferia, de forma independente”. Somente o selo editorial do Elo já publicou oito títulos de autores de Pirituba. Há inclusive uma livraria especializada em literatura marginal/periférica, a Suburbano Convicto, também em São Paulo. A popularidade da poesia e da literatura nas periferias se deve muito ao hip hop e ao rap, mas também tem relação com a literatura negra, negra/marginal e, no caso do sarau pesquisado por Mariana, a cultura nordestina. É comum que alguém tome o microfone para declamar escritores negros como Carlos de Assumpção, nome bastante presente nos encontros observados pela autora. Foto: Antonio Scarpinetti

Mariana Santos de Assis, autora da dissertação: “A literatura tem sido mais um combustível para as lutas da periferia por seu espaço no centro”

LETRAMENTO E

MULTILETRAMENTO Mariana escolheu apresentações de poetas no sarau literário Elo da Corrente para analisar as experiências de letramento e multiletramento, com base nos Novos Estudos do Letramento, letramentos digitais e, sobretudo, a proposta do chamado Grupo de Nova Londres para uma Pedagogia dos Multiletramentos. “O letramento é a ideia da língua escrita como uma prática social de linguagem. Para além da alfabetização, existem outras formas de lidar com a língua escrita, outras formas de leitura, por exemplo, e de interpretação de outros textos. Às vezes, até sem precisar necessariamente de alfabetização, as pessoas lidam com a língua escrita, porque é inevitável. É uma prática social”. Sobre multiletramentos, Mariana explica que “consideram além da língua escrita, outras semioses, outras linguagens como a música, a corporalidade, a performance e também a diversidade cultural, que, em determinados contextos, vai influenciar na construção de sentidos nas leituras que são feitas”. O objetivo da pesquisadora foi, a partir dessas perspectivas, entender como as apresentações constroem sentidos e também de que forma a poesia marginal/periférica pode contribuir para possíveis questionamentos sobre a teoria literária, a ideia de cânone, de qualidade literária e estética. E muito embora a pesquisadora considere a contribuição da escola formal na expansão da alfabetização e seu reflexo nas culturas da periferia, ela ressalta que não há justificativa que não seja sociológica para a ausência de determinados autores nos currículos escolares e espaços acadêmicos. “Um dos fatores determinantes para a expansão da literatura na periferia é a expansão do ensino público. Por mais que haja críticas à estrutura da escola, não dá pra negar que a poesia é um gênero canônico, do espaço escolar. Essa poesia chegou na periferia de alguma forma. Também por meio do rap e por meio do samba, mas a vontade de ter livros impressos como os poetas periféricos têm, vem também dos processos de alfabetização”. Não quer dizer que a oralidade foi abandonada, mas, cada vez mais, os artistas se aproximam do escrito, de uma poesia que tem métrica, estruturada e mais próxima do cânone, salienta Mariana. “Sem a expansão da alfabetização do ensino fundamental e médio talvez esse processo não tivesse chegado aonde chegou, ao ponto de ter livros impressos. Talvez eles continuassem fazendo poesia como as letras de samba lindíssimas e letras de rap altamente líricas, mas todo esse conjunto, a escola, os processos de alfabetização, a literatura negra, o movimento hip hop, a cultura do nordeste, as culturas orais compõem um caldo que vem sendo construído historicamente”.

APRESENTAÇÕES

De quatro encontros poéticos, Mariana destacou a apresentação de Osmar, um capoeirista que explicou, com o instrumento, a história de um toque de berimbau que é o de cavalaria. Quando a capoeira era proibida e a polícia se aproximava, o toque avisava para que as negras entrassem na roda e se iniciasse o samba de roda. Em seguida quem usou o microfone fez a relação do passado com a repressão da polícia ao baile funk e o próximo lembrou episódios relacionados ao rap. “Juntando com a música, foi uma aula de história, de sociologia. As coisas são muito de improviso e nesta sequência as pessoas puderam entender a repressão da cultura negra no Brasil”, diz Mariana. Em outra apresentação analisada, uma participante declamou um poema que falava do tambor e pediu um acompanhamento de instrumentos de percussão. “É esse processo de oralizar a escrita e incluir a música, por exemplo, que é um processo de multiletramento”. Uma terceira experiência que Mariana traz para a dissertação foram duas apresentações feitas pelo mesmo artista. “Primeiro ele apresentou um rap e depois uma poesia. Observei as posturas diferentes, atitudes totalmente diferentes. No poema, uma maneira de declamar que é mais delicada. Ele falava de moradores de rua. No rap fazia uma homenagem aos saraus, mas ainda assim, com a postura mais incisiva, mais forte. Porque são gêneros diferentes”. Em outro episódio um rapaz recitou um poema de Carlos Assumpção completamente modificado. “Quando ele muda o poema, constrói outro texto. Foi uma apresentação de 20 segundos, ele praticamente adaptou o poema para aquele espaço, fazendo algo como intervenção política ou espetáculo que são do processo de oralização.” A autora complementa que o texto oralizado traz algo de particular de quem o diz. “As novas tecnologias estão criando o Lautor – leitor autor que surge da nossa facilidade de intervir no texto do outro”, como sugere a docente Roxane Rojo, orientadora da pesquisa.

Publicação Dissertação: “A poesia das ruas, nas ruas e estantes: eventos de letramentos e multiletramentos nos saraus literários da periferia de São Paulo” Autora: Mariana Santos de Assis Orientadora: Roxane Rojo Unidade: Instituto de Estudos da Linguagem (IEL)


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