App faz apuração paralela de votos
Foto: Marcelo Camargo/ Ag. Brasil
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Aplicativo para smartphones desenvolvido pelo professor Diego Aranha, do Instituto de Computação, vai permitir que os eleitores fiscalizem, pela primeira vez no país, os resultados das eleições. O app fotografa os boletins emitidos pelas urnas eletrônicas, enviando as imagens para um servidor capaz de fazer totalização paralela à oficial.
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Campinas, 22 a 28 de setembro de 2014 - ANO XXVIII - Nº 607 - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA
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FECHAMENTO AUTORIZADO PODE SER ABERTO PELA ECT Foto: Humberto Dutra
A ERA DAS FORMIGAS A extinção maciça de espécies, sobretudo das dispersoras de sementes, vem abrindo espaço para uma grande expansão do papel ecológico desempenhado pelas formigas, apontam pesquisas coordenadas pelo professor Paulo Sérgio Oliveira, do Instituto de Biologia. Segundo o pesquisador, que acaba de publicar uma nota na Science sobre o tema, a perda da biodiversidade coloca as formigas como grandes herdeiras das interações entre plantas e animais.
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Planejamento familiar salva vidas e evita abortos Equipamento consegue inativar bactérias na água
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A deficiência de vitamina A em gestantes adolescentes Profissional circense investe na formação
Seremos 12 bilhões em 2100, prevê ONU Chimpanzé é violento e solidário, dizem estudos Psicopatas não querem nada com o romantismo
TELESCÓPIO
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Campinas, 22 a 28 de setembro de 2014
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CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br
Foto: Sarah Brosnan and the Keeling Center for Comparative Medicine and Research
12 bilhões de pessoas em 2100 A população da Terra, hoje em 7 bilhões de pessoas, não deve mais estabilizar-se a partir de 2050, como previam projeções publicadas nos últimos anos. Ao contrário, há 80% de chance de que o total de habitantes do planeta chegue a algo entre 9,6 bilhões e 12,3 bilhões até o fim do século, de acordo com estudo realizado pela ONU e publicado na revista Science. A maior parte da expansão populacional ocorrerá na África, em parte por conta das taxas de fertilidade do continente, que já são elevadas e que vêm declinando mais devagar que o esperado. O artigo que descreve a nova projeção afirma, ainda, que a despeito do crescimento populacional, a proporção entre jovens e idosos ainda deve cair de modo significativo, mesmo nos países de maioria jovem. O acesso a anticoncepcionais na África ainda é limitado, diz nota divulgada pela Science, e a queda na taxa de mortalidade por HIV também contribui para a expansão da população do continente. Os autores sugerem que um modo de moderar o crescimento populacional é investir na educação das meninas e na distribuição de anticoncepcionais, ambas medidas que, sabe-se, tendem a reduzir o número de filhos por mulher.
Canadá censura cientista O temor do governo canadense de hostilizar a indústria do petróleo está criando uma situação kafkiana para pesquisadores que trabalham em órgãos do Estado, sugere jornal canadense The Chronicle Herald, que repercutiu no site ScienceInsider, vinculado à revista Science. De acordo com o jornal, uma solicitação de entrevista com um pesquisador ligado ao governo, sobre a disseminação de uma espécie nociva de alga nos rios do país, acabou “atolada” entre 16 assessores de imprensa, que trocaram mais de 100 páginas de e-mail a respeito de que tipo de resposta o cientista seria autorizado a dar à imprensa. No fim, a reportagem saiu sem ouvir o pesquisador, já que a liberação oficial não veio a tempo. A causa do bloqueio parece ter sido a informação de que a disseminação das algas está ligada a “fatores de mudança climática”.
Chimpanzés assassinos Violência e assassinato de outros membros da mesma espécie são comportamentos naturais entre chimpanzés, e não o resultado desequilíbrios causados pela interferência humana com esses animais, diz artigo publicado na revista Nature. Os autores, um grupo internacional que inclui pesquisadores dos EUA, Japão, Reino Unido, Tanzânia, Alemanha e Suíça, revisaram 50 anos de dados sobre “crimes” cometidos entre chimpanzés e bonobos, encontrando 152 mortes causadas por membros da primeira espécie e um assassinato por bonobo. Análise estatística mostrou que machos são tanto os principais agressores quanto as principais vítimas; que mais da metade das mortes ocorreram em conflitos entre membros de diferentes comunidades; e que os agressores geralmente só atacam quando estão em maior número. Nenhuma correlação com atividade ou presença humana foi encontrada.
Água em meteorito marciano Uma vesícula encontrada no interior do meteorito Nakhla, de origem marciana, mostra que a rocha já conteve água em seu planeta de origem, diz artigo publicado no periódico Astrobiology. O trabalho é fruto de uma cooperação entre pesquisadores da Grécia e do Reino Unido. Os autores especulam que a água no interior do meteorito pode ter sido aquecida pela energia liberada num impacto de asteroide. Segundo nota da Universidade de Manchester, o resultado é importante porque representa mais um sinal de que “abaixo da superfície, Marte oferece todas as condições para que a vida tenha se formado e evoluído”. O Nakhla é um meteorito famoso, que caiu em 1911 no Egito. Há uma história, não comprovada, de que parte do bólido atingiu um cachorro ao cair, matando o animal.
Chimpanzés são capazes de violência e de solidariedade
Chimpanzés solidários Animais de várias espécies são capazes de reagir contra “injustiças de primeira ordem” – quando são prejudicados na divisão das recompensas de uma tarefa – mas, até onde se sabe, apenas seres humanos e chimpanzés reagem a “injustiças de segunda ordem”, rejeitando recompensas excessivas, quando obtidas às custas de um parceiro prejudicado, diz artigo publicado na revista Science. Os autores do trabalho, Sarah Brosnan e Frans de Waal, sugerem que a sensibilidade a “injustiças de segunda ordem” revela a capacidade de antecipar conflitos, e de agir no presente para evitá-los: ao protestar contra o prejuízo do outro, o indivíduo tenta protegerse contra prejuízos futuros. “Muitos dos cálculos e reações emocionais básicas subjacentes a nosso senso de justiça parecem enraizados em nossa natureza primata”, diz o artigo.
O grande experimento transgênico Nos últimos 19 anos, a proporção da ração animal consumida pelo gado e pelas aves de corte nos Estados Unidos que é composta por material geneticamente modificado passou de 0% para mais de 90%, com bilhões de animais alimentados a cada ano. Um estudo publicado no periódico Journal of Animal Science comparou os registros sobre saúde do gado e dos frangos antes e depois da introdução dos transgênicos, e não encontrou nenhuma diferença relevante. Como explica o médico Steve Novella – que não participou da realização do estudo – em seu blog Neurologica, pecuaristas e criadores de frango mantêm registros dos animais nascidos com defeitos congênitos e das doenças que acometem sua produção, o que faz com que a criação comercial forneça uma boa população para avaliar eventuais efeitos nocivos dos transgênicos. O longo período de uso desses alimentos, e o enorme número de animais individuais alimentados, também aumenta a confiança nas conclusões. De acordo com o artigo que descreve o estudo, todos os indicadores de saúde dos animais melhoraram ao longo das últimas duas décadas. A melhoria não pode ser atribuída aos transgênicos – houve avanços em várias tecnologias relacionadas à saúde animal – mas o fato de nenhum novo problema ter surgido parece significativo.
Novella conclui seu comentário ao artigo afirmando que “para sustentar a posição de que organismos geneticamente modificados não foram adequadamente testados, ou de que são perigosos ou arriscados, é preciso ser muito seletivo com os dados, escolhendo alguns poucos estudos de baixa qualidade científica, ou simplesmente ignorar a ciência”.
Bebida alcoólica pré-histórica Uma nova ferramenta de análise bioquímica permitiu a detecção de traços de uma bebida alcoólica, fermentada do agave, o mesmo tipo de planta cujo destilado produz a tequila, em restos de cerâmica mexicanos pré-históricos, diz artigo publicado no periódico PNAS. Como os componentes das bebidas alcoólicas se dissolvem facilmente na água, é difícil encontrar indícios diretos de sua presença em fragmentos de potes antigos, escrevem os autores do novo estudo. Para contornar essa dificuldade, eles buscaram marcadores químicos de uma bactéria, Zymomonas mobilis, envolvida na fermentação alcoólica. Essa estratégia revelou o consumo de pulque, um fermentado de agave, na região mexicana de Teotihuacán em épocas pré-históricas. Até a realização do estudo, o uso de pulque no período pré-colombiano era deduzido apenas a partir de pinturas em murais.
Perigo nos trópicos A mudança climática pode abrir novas fronteiras para a agricultura nas altas latitudes do hemisfério norte, mas as regiões tropicais perderão fertilidade, diz artigo publicado no periódico PLoS ONE. A mudança poderá abrir terras para a agricultura na China, Rússia e Canadá, mas tornará mais difícil obter boa produtividade na América do Sul, na África Central e em partes da Ásia. O trabalho é de autoria de Florian Zabel, da Universidade Ludwig Maximilians, na Alemanha.
Tubarões salvos Uma agência de proteção ambiental da Austrália desautorizou a abertura de uma temporada de caça aos tubarões, citando preocupação com o impacto ambiental da medida, informa o serviço Nature News, da revista Nature. Uma série de ataques de tubarão a banhistas em praias no Estado de Austrália Ocidental havia levado as autoridades locais a cogitar medidas para reduzir a população do predador, mas o serviço de proteção do meio ambiente manifestou-se contrário à proposta.
Escolhido local de pouso histórico em cometa
Psicopatas não são românticos
A Agência Espacial Europeia (ESA) anunciou na última semana a escolha do local de pouso de sua sonda Rosetta, que vai descer no cometa 67P/Churyumov–Gerasimenko no início de novembro. O local de pouso, chamado “Ponto J”, fica na cabeça do cometa, uma estrutura que tem 4 km de diâmetro em seu trecho mais largo. A sonda vai lançar ali um robô chamado Philae, que realizará as primeiras análises in situ de um núcleo de cometa, depois de fixar-se no local por meio de um arpão.
Psicopatas não são apenas incapazes de formar laços amorosos baseados em romantismo e comprometimento – eles também não querem relações assim, diz artigo publicado no periódico Journal of Personality. De acordo com a principal autora do estudo, Beth Visser, psicopatas não só fantasiam mais com encontros sexuais sem compromisso com desconhecidos, como também agem mais para realizar essas fantasias do que pessoas capazes de um nível normal de empatia.
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Campinas, 22 a 28 de setembro de 2014
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br
s eleitores brasileiros terão a oportunidade de fiscalizar, pela primeira vez na história, a totalização dos resultados de uma eleição no país, graças a um projeto denominado Você Fiscal, idealizado pelo professor Diego Aranha, do Instituto de Computação (IC) da Unicamp. O docente desenvolveu um aplicativo para smartphones que permite fotografar os boletins emitidos pelas urnas eletrônicas e remeter as imagens para um servidor, que promoverá uma totalização paralela à oficial. “Vamos comparar os nossos resultados com os da Justiça Eleitoral. Se não houver falhas ou fraude nessa etapa da eleição, os dados terão que bater”, explica Aranha. O Você Fiscal será testado em situação real já no primeiro turno das eleições de 2014, marcado para o próximo dia 5 de outubro, oportunidade em que o eleitor votará para as funções de deputado estadual, deputado federal, senador, governador e presidente da República. Aranha, que é especialista em criptografia e segurança computacional, conta que a iniciativa é, em certa medida, uma consequência de um teste de segurança que realizou no sistema de votação eletrônica brasileiro em 2012. Na ocasião, coordenou uma equipe da Universidade de Brasília (UnB) que identificou algumas vulnerabilidades, principalmente em relação à preservação do sigilo do voto. Como a totalização é a única fase na qual a sociedade pode fiscalizar, visto que o código fonte do sistema de votação não é aberto, o docente do IC resolveu criar um aplicativo para facilitar essa tarefa. O projeto foi todo bancado por meio de financiamento coletivo, através do site Catarse. “Em somente seis horas nós atingimos a meta inicial que era de R$ 30 mil. Ao todo, arrecadamos 65 mil, o que demonstra o interesse das pessoas por esse assunto”, afirma Aranha. Segundo ele, a fiscalização será exercida por voluntários espalhados por todo o Brasil. A única exigência é que o interessado possua um smartphone com sistema Android. Para exercer a fiscalização, ele terá que baixar gratuitamente o aplicativo na loja Google Play. O passo seguinte é se dirigir até uma ou mais seções eleitorais ao final da votação e fotografar os boletins gerados pelas urnas eletrônicas, que devem ser expostos publicamente, conforme determina a legislação. O documento tem o formato de uma fita, semelhante ao cupom fiscal emitido pelos supermercados. Depois, basta clicar em enviar, que as imagens serão transferidas para um servidor. Um programa fará o tratamento das fotografias e o reconhecimento dos caracteres, com o objetivo de extrair as informações fornecidas pelas urnas eletrônicas. O último passo é a soma dos votos. “Se os resultados da totalização paralela forem estatisticamente compatíveis com os da totalização oficial, isso será sinal de que não ocorreram falhas ou fraude nessa etapa da eleição. Se os números não forem correspondentes, será indício de que algo indesejável aconteceu”, diz o docente do IC. Aranha faz questão de advertir que o intuito do Você Fiscal não é contestar ou colocar as eleições em xeque. “A nossa intenção é oferecer uma ferramenta tecnológica que estimule o exercício da transparência e da participação dos cidadãos”, assegura. O professor conta que tem divulgado essas e outras informações no site do projeto [www. vocefiscal.org], nas redes sociais e por meio de entrevistas que tem concedido a diferentes veículos de comunicação. “Nós já dispomos de aproximadamente 10 mil e-mails cadastrados. Através desses canais, temos orientado as pessoas a como proceder do dia da eleição. O principal cuidado agora é evitar que as fotos dos boletins de urna fiquem fora de foco”, acrescenta. O professor da Unicamp adianta que a ideia é receber as transmissões das imagens até a 0h do dia 5 de outubro. O resultado da totalização paralela deverá sair em poucas horas, mas isso dependerá do volume de imagens recebido. O dado será posteriormente confrontado com o resultado oficial do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a ser divulgado três dias após o encerramento do primeiro turno. Questionado se tem conhecimento de alguma iniciativa parecida com a sua em outro país, Aranha responde que não, mas observa que isso pode ser explicado pelo fato de que somente o Brasil adota um sistema de votação eletrônica que não emite um comprovante físico do voto. “Somente aqui o registro é exclusivamente eletrônico”, esclarece. Em outros países, o eleitor é normalmente capaz de verificar o funcionamento correto e honesto do sistema de votação enquanto vota.
Urnas passam por inspeção no Tribunal Superior Eleitoral: conforme o docente da Unicamp, o sistema de votação eletrônica do país apresenta vulnerabilidades
De olho no resultado Docente cria aplicativo para que a sociedade fiscalize a totalização dos votos nas próximas eleições Foto: Antoninho Perri
O professor Diego Aranha: “Vamos comparar os nossos resultados com os da Justiça Eleitoral. Se não houver falhas ou fraude nessa etapa da eleição, os dados terão que bater”
Aranha revela que o aplicativo conta com um recurso capaz de identificar possíveis tentativas de “sabotagem” ao projeto. “Sempre há o risco de alguém tirar fotos do boletim de urna e manipulá-las, de modo a oferecer resultados diferentes do real, numa tentativa de desqualificar o Você Fiscal. Por isso utilizamos uma ferramenta para detectar esse tipo de procedimento. Mesmo que esse eventual fraudador seja sofisticado, nós temos como nos prevenir contra ele”, avisa. Outro cuidado adotado, prossegue o docente, foi ter deixado o código fonte do aplicativo aberto, ou seja, qualquer pessoa pode inspecioná-lo. “Assim, a sociedade tem como fiscalizar a fiscalização”, resume.
VULNERABILIDADES
Como dito no início do texto, o primeiro contato de Diego Aranha com o sistema eletrônico de votação adotado no Brasil ocorreu em 2012, quando ele integrou uma equipe da UnB que participou de uma espécie de “desafio de segurança” proposto pelo TSE. “Foi minha primeira tarefa como docente daquela universidade”, recorda. Também participaram do desafio grupos de outras instituições de ensino e pesquisa, além de órgãos governamentais. Cada uma das equipes propôs um projeto a ser executado, que teve que ser previamente aprovado pelo TSE. No caso do grupo da UnB, o objetivo foi realizar ataques tanto ao sigilo do voto
quanto à integridade dos resultados de uma eleição simulada. Como o prazo foi muito curto, Aranha e seus companheiros de equipe só tiveram tempo de cumprir o primeiro propósito. “Tivemos somente cinco horas para analisar o código fonte do sistema, mas esse período foi suficiente para identificar algumas vulnerabilidades. A primeira delas foi encontrada nos primeiros cinco minutos de testes”, relata o professor da Unicamp. Segundo Aranha, os testes consistiram em atacar o sigilo do voto em várias eleições simuladas, com a participação de até 475 eleitores fictícios. Nelas, os votos eram dados em dois candidatos: vereador e prefeito. “Nosso ataque se baseou num registro digital cuja função é embaralhar os votos. O objetivo, em tese, é impossibilitar que alguém descubra a ordem em que os votos foram inseridos. Em apenas cinco minutos nós identificamos o modo como as posições aleatórias na listas eram sorteadas. O recurso adotado pelo TSE mostrou-se extremamente inseguro. Nós conseguimos ordenar as posições e descobrir em quem cada um dos eleitores fictícios votou, com certeza matemática”, garante. O especialista em criptografia e segurança computacional considera esse tipo de vulnerabilidade muito sério. “Além desse fato não ser bom para a democracia, vamos considerar, por hipótese, que um desses coronéis da política tenha acesso à informação
de como cada eleitor da sua base eleitoral votou. Isso certamente geraria um enorme problema para eventuais infiéis”. Outra característica “preocupante” do sistema, como classifica o professor do IC, é que a urna eletrônica grava o horário em que cada eleitor votou. Isso permite que, no caso de um ataque malicioso, o fraudador descubra em quem uma figura ilustre votou, como o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), visto que o próprio órgão costuma divulgar antecipadamente onde e quando o ministro comparecerá à seção eleitoral. De acordo com Aranha, ao ser informado dessas vulnerabilidades, o TSE prometeu que corrigiria as falhas para as próximas eleições, mas ninguém além dos técnicos do Tribunal ou fiscais de partido teve acesso ao código fonte do sistema para comprovar se as providências foram de fato tomadas. “Esperamos que sim”, pondera o docente. Em relação à integridade dos votos, a principal vulnerabilidade observada por Aranha e sua equipe foi que os segredos criptográficos encontravam-se armazenados diretamente no código fonte do software de votação. Ademais, prossegue o docente do IC, o TSE usa o mesmo segredo para as 500 mil urnas eletrônicas que utiliza. Para dimensionar a gravidade dessas falhas, Aranha se vale de uma analogia. “Isso equivale a usar a mesma chave para abrir 500 mil portas diferentes e, como se não bastasse, guardar essa chave debaixo do tapete, facilitando o acesso de um possível invasor”. Embora sérias, essas vulnerabilidades são perfeitamente corrigíveis, conforme Aranha. O especialista assegura que o Brasil dispõe de conhecimento e tecnologias para isso. “Para que as pessoas tenham ideia, eu costumo colocar esse problema de ataque ao sigilo do voto nas provas que aplico para meus alunos de graduação. Cerca de 80% deles acertam a questão. Isso está em qualquer livrotexto. Não dá para colocar a proteção junto daquilo que você pretende proteger. É como escolher a própria data de nascimento como a senha do banco”, compara. Aranha adianta que os resultados da fiscalização do primeiro turno – e do segundo, se ele ocorrer – das eleições de 2014 serão publicados em uma revista acadêmica, uma vez que eles vão se constituir em estudo de caso. “É uma experiência que pode servir tanto ao âmbito doméstico, como na fiscalização do processo de escolha de um reitor, quanto externo, no caso da fiscalização de pleitos eleitorais em outros países”. O docente informa que está tentando montar um grupo de pesquisa em votação eletrônica na Unicamp. “No Brasil, temos poucos pesquisadores que trabalham com o tema. Queremos contribuir para que o país produza mais conhecimento nesta área”, finaliza.
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Campinas, 22 a 28 de setembro de 2014
Formigas ganham importância
com extinção maciça de espécies Insetos assumem protagonismo como herdeiros das interações entre plantas e animais Foto: Marco Pizo
CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br
perda de biodiversidade causada pela ação humana, principalmente entre aves, mamíferos e anfíbios, está abrindo espaço para uma grande expansão do papel ecológico desempenhado pelas formigas, sugere nota publicada, no início de setembro, pela revista Science e que tem entre seus autores o pesquisador Paulo Sérgio Oliveira, do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp. A nota, publicada com um título que evoca um trecho bíblico – “Fauna in Decline: Meek Shall Inherit” (“Declínio da Fauna: Os Humildes Herdarão”) – diz que “muitas das espécies de vertebrados que têm sido extirpadas localmente ou se encontram em declínio são herbívoras, dispersoras de sementes ou granívoras. Portanto, à medida que o Antropoceno avança, invertebrados – e, notavelmente, as formigas – serão os herdeiros prospectivos dessas interações entre plantas e animais”. “Granívoras” são espécies que consomem grãos e sementes, e “Antropoceno” é o nome informal dado à Era Geológica atual, marcada pela ação humana sobre o meio. “Eles pegaram aquele segmento bíblico para chamar atenção dos leitores da Science para a nota. Ou seja, os pequenininhos, os modestos e os humildes herdarão as interações com as plantas”, disse Oliveira ao Jornal da Unicamp. “A gente levou um susto quando viu o título bíblico, porque não era o que havíamos sugerido”. A nota dos brasileiros foi escrita em comentário ao artigo “Defaunation in the Antropocene” (“Defaunação no Antropoceno”), de autoria de uma equipe internacional de pesquisadores. Publicado em edição especial da Science sobre a extinção em massa de animais, o trabalho constata que “vivemos em meio a uma onda global de perda de biodiversidade impulsionada pelo homem (...) impactos humanos na biodiversidade animal são uma forma pouco reconhecida de mudança ambiental global”. Entre os vertebrados terrestres, 322 espécies se extinguiram desde 1500, e as populações das espécies sobreviventes encontram-se em declínio. “Esses declínios terão um efeito cascata no funcionamento dos ecossistemas e no bem-estar humano”, adverte o artigo, que tem como principal autor Rodolfo Dirzo, da Universidade Stanford.
BIOMASSA O comentário dos brasileiros lembra que as formigas, em geral, sofrem menos com as perturbações causadas pela atividade humana, são extremamente abundantes e interagem com várias outras espécies de insetos, plantas e vertebrados. “Vamos imaginar, se a gente entrasse na Amazônia, e eu falasse: qual a bicharada mais comum que vem na cabeça da gente quando a gente entra numa floresta tropical? Se você for perguntar a qualquer pessoa na rua, elas vão ter a tendência, como qualquer um de nós, de pensar em macaco, onça, bicho-preguiça, cobra, tucano, porque é isso que chama a atenção de qualquer pessoa quando pensa na floresta, porque são os bichos grandes”, disse Oliveira. “Mas, ao contrário do que a nossa intuição visual nos diz, se a gente pegasse todos os bichos que a gente encontra na floresta Amazônica e colocasse numa bolsa, pegasse essa bolsa e colocasse numa balança, a maior parte do peso da bolsa é de bichinho pequeno, que não é vertebrado. Então, isso significa o quê? Que grande parte da energia da floresta que não está sob a forma de planta, está sob a forma de bichinho pequeno, e não sob a forma de bichos grandes que a gente tende a valorizar. As formigas e cupins, por exemplo, são insetos sociais (vivem em colônias de dezenas a milhões de indivíduos) e representam conjuntamente cerca de 30% da biomassa animal da floresta Amazônica”.
Formiga ao lado de polpa de fruta: “limpeza” deixa semente livre da infestação por fungos no chão úmido da mata, facilitando a germinação
Foto: Antonio Scarpinetti
FRUTOS
O pesquisador explica que cerca de 90% dos arbustos e das árvores em ecossistemas tropicais dependem da interação com animais para dispersar suas sementes. “Essas árvores têm frutos atrativos, de polpa carnosa, gostosa, nutritiva e visualmente chamativa”, que atraem animais como aves e macacos. Esses animais removem o fruto da copa e, de alguma forma, fazem com que cheguem ao chão, dispersando as sementes. “Com esses bichos desaparecendo, a dispersão de sementes fica comprometida. Porque, quem vai arrancar os frutos da copa das árvores? Aí entram os bichinhos pequenos”. Estudos realizados pelo grupo de Oliveira na Unicamp mostram que, uma vez no solo, as sementes passam por um processo de dispersão secundária, realizado pelas formigas. “O que a formiga está interessada é na parte carnosa do fruto, que ela utilizar para alimentar as irmãs que ainda estão sob a forma de larvas, lá dentro do formigueiro”. Ao remover os restos de polpa, as formigas deixam a semente limpa, protegendo-a da infestação por fungos no chão úmido da mata e facilitando a germinação. Mesmo formigas carnívoras, explicou o pesquisador, cumprem uma função na dispersão de sementes. “Essas formigas gostam de trazer para casa proteína e gordura. Saem para caçar cupim, lagarta, outras formigas”, disse ele. “Só que muitos frutos, que são dispersos por macacos, passarinhos, têm a polpa rica em gordura e proteína. Isso faz com que as formigas carnívoras se interessem por eles, porque é muito melhor pegar um fruto que não vai brigar com você na hora de ser capturado”. “A gente descobriu que essa interação de formigas carnívoras com frutos ricos em proteína e gordura é muito comum no cerrado e na mata atlântica”, afirmou. “Enfim, acontece que uma quantidade muito grande de frutos chega ao chão da floresta, e uma quantidade muito grande de espécies de formigas interage, no chão da floresta, com essa grande quantidade de frutos”. Outra descoberta do grupo de Oliveira foi de que, ao levar a semente para a vizinhança do formigueiro, os insetos aumentam a chance de germinação e de crescimento da planta jovem, visto que o solo próximo ao ninho é uma “ilha de nutrientes”. “Quando um passarinho pega um fruto e leva para longe, você não sabe onde ele vai largar a semente. Ela pode cair num lugar onde a planta não vai para a frente. É muito imprevisível o destino dessa semente”, disse o pesquisador. “Acontece que sempre que uma formiga acha um alimento, ela o leva para um destino certo, que é o ninho. Então, se o passarinho ou macaco pode levar a semente para mais longe, o que é muito bom para a planta, porque ela pode colonizar outros lugares, a formiga oferece outra vanta-
O professor Paulo Sérgio Oliveira, do Instituto de Biologia: estudos mostram que as formigas promovem o processo de dispersão secundária de sementes no solo
gem: embora leve a semente para perto, ela leva para um lugar onde o solo é mais rico, uma ilha de nutrientes, onde a planta jovem tem mais chance de crescer”.
NOVO PAPEL
Com o progressivo desaparecimento dos animais que fazem a dispersão primária das sementes, o papel das formigas na ecologia das árvores tende a ganhar mais importância, afirma a nota na Science. “Se os frutos deixam de ser coletados na copa e carregados para longe, mais deles cairão no chão junto à árvore e ficarão disponíveis para as formigas”, disse Oliveira. “Com esses bichos maiores ficando cada vez mais raros, a quantidade de fruto que é removida da copa para algum lugar por aves ou mamíferos vai ficando progressivamente menor. Assim, a proporção do que chega ao chão vai ficando progressivamente maior. É esse o nosso ponto da nota”. “Em um hectare de Floresta Amazônica, você vai contar 8 milhões de formigas no solo. Então, imagina 8 milhões de bichinhos num quadrado de um hectare (100 m x 100 m), saindo de casa para trazer comida para casa”, ressaltou. Esse novo protagonismo das formigas trará consequências. “Acho que o impacto disso afeta muito mais a gente do que imaginamos”, disse o pesquisador. “Sumindo a bicharada grande, vamos começar a notar, no nosso dia a dia, coisas que a gente não percebia. Sem a bicharada grande, as sementes não vão poder mais ser levadas para longe. Então, a capacidade de regeneração das florestas começa a ser reduzida, porque os frutos vão ter uma distância de dispersão muito menor”. Além disso, lembra ele, muitos dos animais que comem frutos e dispersam semen-
tes também comem insetos. Com o desaparecimento desses vertebrados, infestações de insetos, como mosquitos, podem se tornar mais comuns. “E a bicharada grande também poliniza plantas. Sumir com beija-flores, por exemplo, significa reduzir frutos. Flores que não são polinizadas não produzem frutos”.
RESISTÊNCIA
Formigas também são mais resistentes às agressões humanas ao meio ambiente que outros insetos, como abelhas e borboletas. Em alguns casos, elas até mesmo prosperam após a intervenção do homem, com consequências para os ecossistemas. “A saúva, por exemplo, é uma formiga que corta folhas para levar para o formigueiro, onde cultiva um fungo como alimento. Mas o bicho-preguiça também come folha, alguns macacos também comem folha, a anta come folha”, explicou Oliveira. “Então, vários desses vertebrados, além de comerem frutos na copa das árvores, também comem folhas. Com eles desaparecendo, quem que tende a ser o principal herbívoro das florestas? A saúva”. Ele prossegue: “O papel delas como herbívoras, então, vai ficando progressivamente maior. E qual a importância disso? Se as saúvas vão ficando cada vez mais importantes nos lugares de onde os vertebrados vão sumindo, elas podem afetar quais plantas vão prosperar, ou não, na floresta. Se a saúva ficar muito importante, as plantas de que elas mais gostam vão começar a desaparecer, com o risco de alterar a composição da floresta”. A nota dos brasileiros na Science teve como principal autor o pesquisador Alexander Vicente Christianini. Atualmente na UFSCarSorocaba, Christianini foi orientado, em seu doutorado, por Oliveira, na Unicamp.
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Campinas, 22 a 28 de setembro de 2014
Caism salvou vidas e reduziu
abortos provocados, diz artigo CARMO GALLO NETTO carmo@reitoria.unicamp.br
rtigo publicado em agosto no periódico inglês Human Reproduction apresenta vários aspectos da evolução da mulher brasileira nos últimos 30 anos e mostra como o trabalho desenvolvido no Ambulatório de Planejamento Familiar do Hospital da Mulher Prof. Dr. José Aristodemo Pinotti (Caism) tem ajudado a salvar vidas maternas e infantis e contribuído para a redução de abortos provocados. A pesquisa, coordenada pelo médico Luis Bahamondes, professor titular do Departamento de Ginecologia da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, recebeu apoio da Fapesp e contou com a participação de três bolsistas de iniciação científica do curso de medicina, uma pesquisadora, uma estatística, uma enfermeira e dois docentes. O coordenador do projeto lembra que a Organização Mundial da Saúde (OMS) tem um indicador denominado Disability-adjusted life years (DALY) que mede os benefícios, em termos de saúde, incorporados à sociedade durante certo tempo, pela adoção de iniciativas de caráter coletivo. Seria o caso, por exemplo, de determinar a contribuição social da vacina da poliomielite. A instituição inglesa Marie Stopes Internacional adotou esse indicador para avaliar a contribuição da provisão de contraceptivos em uma determinada sociedade. O planejamento familiar (PF) evita a gravidez não planejada e consequentemente o aborto provocado que, sendo ilegal no Brasil, pode causar sofrimentos, infertilidade futura e até morte, em decorrência de procedimentos empregados e condições em que são realizados. Também contribui para a diminuição de mortes maternas, que apresentam grandes variações no Brasil, dependendo de regiões e Estados, sendo menor no Sul/Sudeste e maior no Norte/ Nordeste, mas sempre superiores ao esperado pela OMS. A provisão de anticoncepcionais espaça os nascimentos e contribui também para a diminuição do índice de mortes infantis. Na pesquisa foram levantadas informações de 50 mil fichas disponíveis no Ambulatório de PF, que abarcam o período de primeiro de janeiro de 1980 a 31 de dezembro de 2012, perfazendo dados acumulados em 32 anos. Esse banco foi empregado para avaliar a eficácia contraceptiva, mas para o emprego no DALY foram selecionados apenas os dados dos últimos 10 anos, que corresponde ao intervalo para o qual o programa da instituição inglesa está preparado. Para o estudo foram consideradas apenas as mulheres que utilizaram quatro métodos anticonceptivos de altíssima eficácia: o dispositivo intrauterino (DIU, TCu380A), com efeito de 10 anos; o sistema intrauterino liberador de levonorgestrel (SIU-LNG), que dispõe de um cilindro liberador de hormônio, com duração de cinco anos; o implante subdérmico, aplicado sob a pele, trocado a cada três anos; e o injetável trimestral acetato de medroxiprogesterona de deposito (AMPD). Os três primeiros são considerados métodos de longa duração (Long Acting Reversible Contraceptives) e dispensam a preocupação diária com a pílula ou com a troca periódica do adesivo ou do anel vaginal. Já o injetável trimestral, de altíssima eficácia, oferece a vantagem de uma sobrevida depois de vencidos os 90 dias, além de exigir o consumo de apenas quatro ampolas anuais. Esses métodos foram escolhidos, explica Bahamondes, pela alta eficácia e por permitirem a utilização do modelo computacional para chegar a resultados mais confiáveis. O trabalho possibilitou, através de um modelo matemático, estimar quantos abortos, mortes de mulheres e infantis puderem ser evitados em um intervalo de 10 anos. Isso é possível porque quando acionado para o Brasil o programa incorpora automaticamente uma série de informações disponibilizadas pela OMS, pelo Ministério da Saúde e por censos demográficos, entre outros. A essas informações foram incor-
Fotos: Antoninho Perri
Pesquisa destaca efeitos do planejamento familiar e evolução da mulher brasileira poradas então os levantamentos dos arquivos do Caism referentes ao número de mulheres e ao tempo que utilizaram cada um dos métodos anticonceptivos selecionados. Dos resultados obtidos no processamento o docente destaca: “Estimamos que em apenas 10 anos foram evitadas entre 60 e 37 mortes maternas, variação explicada pela queda progressiva desse tipo de óbito no país; entre 424 a 315 mortes infantis, igualmente em decréscimo; entre 853 e 634 mortes combinadas maternas e infantis; e entre 1.412 a 1.056 abortos provocados, em um universo de 20.800 mulheres”. Para ele, os dados comprovam que um programa barato como o do PF é capaz de poupar mortes e sofrimentos, de contribuir para a diminuição de abortos provocados que, por não serem legais, são realizados muitas vezes precariamente. Diante disso, ele se confessa “profundamente orgulhoso pelo trabalho da equipe que, através de um serviço universitário que funciona há mais de 30 anos, possibilita que mulheres recebam um atendimento de qualidade, gratuito e de inegável alcance social”. Além disso, o pesquisador enfatiza que o artigo “Estimated disability-adjusted life years averted by long-term provision of long acting contraceptive methods in a Brazilian clinic” mostra também a mobilidade da mulher na sociedade brasileira ao longo de 30 anos. Assim é que as mulheres que procuravam o Caism nos anos 80 eram mais jovens das que o fazem atualmente, porque estas dispõem de anticoncepcionais na rede pública. Antes 52% delas tinham de 1 a 4 anos de escolaridade, que em 2010 passou a ser de 9 a 12 anos para 55% delas. Se antes 89% das mulheres que procuravam o Centro tinham entre 1 a 4 filhos, hoje 62% das que chegam possuem de 1 a 2 filhos. Os dados comprovam que as mulheres procuram os serviços de anticoncepção com maior idade, possuem melhor escolaridade e estão tendo menos filhos. Para o professor, “embora os diversos governos creditem a mobilidade social aos períodos de suas administrações, ela vem ocorrendo naturalmente ao longo do tempo”.
CRÍTICAS O Ambulatório de PF do Caism recebe cerca de 70 mulheres todas as manhãs, das quais cerca de 10 o procuram pela primeira vez e o restante para controles periódicos ou anuais. Por que tanta procura? Porque, segundo o docente, essas mulheres, embora disponham muitas vezes de postos de saúde próximos de casa, não encontram na rede pública esse tipo de atendimento. Para ele, esse quadro decorre da falta de interesse dos governos federal, estaduais
Pacientes em uma das salas do Caism: trabalho de referência na área de planejamento familiar
e municipais que, embora enalteçam o PF, não cumprem seus papeis. Ele defende o programa pelos benefícios sociais que traz a baixo custo, pois o preço de um DIU com cobre não é maior de R$10,00 e oferece proteção por 10 anos. O implante e o SIULNG, que são caros, devem custar em torno de R$500,00 a R$600,00, oferecem proteção por três a cinco anos, respectivamente, que corresponde a um valor mensal muito pequeno. Bastaria que os administradores públicos investissem em capacitação de pessoal, bom atendimento e os serviços oferecessem esses anticonceptivos. Entretanto, segundo o pesquisador, os governantes estão acomodados porque as estatísticas mostram que 82% das mulheres brasileiras entre 15 e 49 anos, casadas ou com alguma união, utilizam anticonceptivos, comprados em farmácias ou obtidos em postos de saúde, em que pese pouco práticos e de menor eficácia, caso da pílula, que apresenta índice de falhas de 8% a 12%, enquanto os anticonceptivos de alta eficácia podem falhar em uma entre 10 mil mulheres. Em vista disso, ele se pergunta: por que então não investirem em métodos de longa duração, que oferecem alto desempenho anticonceptivo, altas taxas de continuação, reversibilidade, uso por muitos anos e custos relativamente baixos? E responde: “Os governos não se movem porque as mulheres usam pílulas ou recorrem à laqueadura. Mas muitas delas ao optarem por esse
O médico e professor Luis Bahamondes, coordenador da pesquisa: “Os dados comprovam que um programa barato como o do PF é capaz de poupar mortes e sofrimentos”
recurso são levadas a enfrentar uma nova gravidez para poderem fazer uma cesariana que lhes permite receber uma laqueadura encoberta. O poder público acaba pagando por uma cesariana que não devia ser feita, a mulher tem uma criança que não fazia parte do plano familiar e ocorre ainda que uma porcentagem delas acaba optando pela reversão da laqueadura”.
REPERCUSSÕES A respeito da repercussão que o estudo possa ter no país o professor Behamondes se pergunta com ceticismo: “Alguma autoridade vai se interessar em conhecer o nosso trabalho?”. E responde: “Acho que não. Alguém do Ministério da Saúde, das secretarias de saúde estaduais e municipais ou do grupo de formuladores de programas dos candidatos a presidente vai lê-lo? Provavelmente não, porque é pequeno o interesse por parte das autoridades em implantar programas efetivos de PF”. Ele diz que continua realizando pesquisas e divulgando os resultados porque gosta, acredita nas contribuições que de alguma forma possam trazer e porque as publicações constituem um dos imperativos da vida acadêmica e são importantes para todos os seus participantes. Apesar da importância em nível nacional e internacional que atribui aos resultados recém-divulgados, ele não espera maiores impactos no Brasil, mas intui que a publicação atrairá a atenção de outros pesquisadores e acredita na sua repercussão em contexto mundial. Para ele, dentro de pouco tempo surgirão artigos mostrando estudos sobre o tema realizados em países em desenvolvimento. Mesmo diante desta visão crítica, diferentemente do que se possa inicialmente imaginar, o docente alinhava suas constatações com muita tranquilidade, acrescentando: “O Brasil tem 200 milhões de habitantes, cerca de 100 milhões de mulheres, aproximadamente 50 milhões delas em idade fértil e mais ou menos três milhões de grávidas. Sobram 47 milhões em condições de fertilidade, e nesse universo 40% encontram-se laqueadas. Então, próximo a 30 milhões de mulheres precisam usar anticoncepcionais reversíveis. Entretanto vendem-se no país, anualmente, 80 mil SIU-LNG e cinco mil implantes. Os dados mostram que o governo envida poucos esforços para adquirir métodos anticoncepcionais de alta eficácia. A questão é resolvida com pílulas e injetáveis”.
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Campinas, 22 a 28 de setembro de 2014
Jatos de alta velocidade inativam bactérias em águas residuais LUIZ SUGIMOTO sugimoto@reitoria.unicamp.br
m equipamento desenvolvido por pesquisadores da Unicamp visa contribuir para a inativação de bactérias em águas residuais da atividade industrial, da agricultura e do esgoto doméstico, que constituem grande preocupação em termos de saúde pública e comprometem os ecossistemas. De maneira simples, o equipamento propicia a formação de jatos de alta velocidade em um reservatório com água contaminada por uma bactéria, destruindo-a pela combinação de altas tensões e pela indução de reações químicas propiciadas pelo fenômeno da cavitação. “Avaliação de equipamento tipo jato cavitante para inativação de Escherichia coli empregando múltiplos jatos” é a dissertação de mestrado apresentada por Maiara Pereira Assis, sob orientação do professor José Gilberto Dalfré Filho e coorientação da professora Ana Inés Borri Genovez, na Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC). Jato cavitante vem de cavitação, fenômeno que Dalfré Filho vem estudando há 15 anos, sendo esta dissertação mais um dos resultados. “Iniciei as pesquisas no meu mestrado, em 1999, então para investigar o fenômeno em estruturas hidráulicas (barragens, vertedores, bacias de dissipação), que são feitas de concreto e onde normalmente se registram velocidades elevadas da água. Irregularidades no acabamento do concreto podem levar à formação de bolhas no líquido, que chamamos de cavitação. Assim como a ebulição cria bolhas devido ao aumento da temperatura, a cavitação também, embora a temperatura permaneça constante e a pressão decresça.” O professor da FEC explica que em vertedouros como da hidrelétrica de Itaipu, a água não utilizada para geração de energia é lançada em jatos numa fossa de dissipação. “Como a velocidade do jato é grande, a pressão pode cair mais facilmente a ponto de formar bolhas no escoamento. Havendo alguma mudança no escoamento, que leve a um aumento da pressão, essas bolhas implodem, resultando em ondas de pressão que se chocam contra a parede sólida: a intensidade e a repetição do fenômeno acarretam danos importantes, até com a remoção de muitos metros cúbicos de concreto.” Do mestrado ao doutorado, Dalfré Filho, orientado pela professora Ana Inés Borri Genovez, ocupou-se em montar um simulador de cavitação para determinar a erosão que o fenômeno provoca em concretos. “Na continuidade dos estudos, vislumbramos a utilização do equipamento de cavitação para a inativação de microrganismos presentes na água. Foi quando Maiara entrou no grupo, primeiro na iniciação científica, com pequenas modificações no simulador original. Agora no mestrado, ela desenvolveu um equipamento mais específico, atendendo a necessidades observadas em trabalhos anteriores para melhorar seu desempenho.”
DESTRUINDO A E. COLI
Segundo Maiara Assis, este equipamento é mais potente e a mudança essencial está no volume de líquido a ser tratado e na pressão, que são maiores, e na existência de múltiplos bocais, ao invés de apenas um. “Mantivemos como contaminante uma cepa não patogênica da bactéria Escherichia coli, que está presente no intestino de todo animal de sangue quente, sendo assim um indicador da contaminação fecal na água; a E. coli pode provocar doenças que são de veiculação hídrica.”
Publicação Dissertação: “Avaliação de equipamento tipo jato cavitante para inativação de Escherichia coli empregando múltiplos jatos” Autora: Maiara Pereira Assis Orientador: José Gilberto Dalfré Filho Coorientadora: Ana Inés Borri Genovez Unidade: Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC)
Fotos: Antonio Scarpinetti
Equipamento desenvolvido na FEC combina técnicas que combatem microrganismos A autora da dissertação informa que a nova configuração do equipamento foi testada e comparada com a configuração existente no Laboratório de Hidráulica e Mecânica dos Fluidos, na busca de uma eficiência ótima. “Testamos o equipamento com um tipo de contaminante, mas teoricamente ele pode ser aplicado em vários outros e, por exemplo, para complementar o tratamento da água potável. Não podemos afirmar que seu uso isolado permite tomar a água diretamente, pois para isso são necessários vários outros processos além da inativação da bactéria.” Um adendo de Maiara diz respeito à existência de outros trabalhos pelo mundo utilizando o mesmo método de cavitação para contaminantes diversos, incluindo aqueles que não são eliminados nos processos tradicionais para tornar a água potável, como desinfecção, coagulação, decantação, filtração, adição de produtos químicos, etc. “Nós corremos o risco de tomar água contendo substâncias como hormônios e fármacos. Testar o equipamento para esses contaminantes persistentes seria uma pesquisa desafiadora e interessante”. O orientador Gilberto Dalfré lembra dois outros trabalhos realizados no próprio laboratório da FEC, um deles publicado no congresso mundial da Associação Internacional de Engenharia Hidroambiental. “Esta pesquisa envolveu as capivaras (animais de sangue quente) que frequentam o lago da Unicamp. A água do lago foi testada no equipamento, com pressões baixas e, de forma muito tranquila, observamos a inativação dos microrganismos. Considerando que o líquido contaminado em laboratório para os testes no equipamento possui grande concentração de bactérias, em águas naturais o procedimento foi bem mais fácil.” Um segundo trabalho com o mesmo equipamento, conforme o professor, não focou a inativação de bactérias e sim a decomposição de compostos persistentes, no caso, o corante azul de metileno. “O processo deixou o líquido mais transparente, apesar de não ter eliminado completamente o azul – o que pediria um processo complementar sob a luz solar. Esta técnica poderia ser testada na água que é descartada em alguns tipos de indústrias que utilizam corantes no seu processo produtivo.”
INDÚSTRIA E COMUNIDADES
Dalfré descreve o equipamento como simples em termos de formato, havendo um reservatório em que acontece a cavitação, uma bomba de alta pressão e um sistema de tubulações. “No final da tubulação temos os bocais (estudamos vários tipos) que auxiliam no desenvolvimento da cavitação e, bem projetados e com as características apropriadas, acabam inativando os microrganismos presentes na água contaminada.” O professor esclarece que o equipamento, a princípio, seria somente parte de uma unidade de tratamento, pois no estágio atual de desenvolvimento não é possível a sua utilização para volumes tratados em estações de grande porte. “Ele serve para pequenos valores de vazão, como em plantas industriais e comunidades. À medida que a água residual entrasse nesta unidade de tratamento, recircularia durante determinado tempo dentro do reservatório de reação e passaria para um processo acoplado determinado conforme o objetivo: consumo, reuso ou descarte no rio.” Maiara Assis explica que o equipamento deve receber volumes por bateladas, uma vez que existe um ciclo a cumprir, não bastando passar o líquido pelo jato uma única vez. Nos ensaios feitos por ela, chegou-se a uma percentagem elevada de inativação com um ciclo de 45 minutos, tempo consideravelmente reduzido em comparação com outros processos semelhantes, implicando também em consumo mais eficiente de energia elétrica. Além disso, sendo um processo que não envolveu adição de cloro, evitou-se levar mais problemas aos corpos hídricos e ao ambiente, como ocorre, por exemplo, na inativação exclusivamente por cloro.
O equipamento, cuja configuração foi testada e comparada com a existente no Laboratório de Hidráulica e Mecânica dos Fluidos: mais potência e maior pressão
Uma substância complexa Maiara Assis incluiu em sua dissertação de mestrado informações da literatura que mostram como a água lançada na forma de esgoto doméstico e industrial em corpos hídricos representa uma ameaça à saúde pública. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o desafio para a saúde global é a prevenção contra doenças relacionadas à qualidade da água. Dois milhões de mortes anuais são atribuídas às más condições da água, de saneamento e de higiene no mundo. Autores consideram a água uma substância complexa, assim como as impurezas que se apresentam nas águas naturais, várias delas inócuas, outras pouco desejáveis e algumas extremamente perigosas. Entre as impurezas nocivas encontram-se vírus, bactérias, parasitas, substâncias tóxicas e até mesmo elementos radioativos, causando doenças relacionadas com a água. As formas de tratamento tradicionais para tornar a água potável muitas vezes também geram resíduos que são prejudiciais à saúde. Assim, os contaminantes previstos na legislação federal devem ser controlados, analisados e enquadrados em relação à potabilidade e em termos de lançamento de efluentes. Existem formas que vão das mais simples às mais complexas de tratamento. Uma estação
O professor José Gilberto Dalfré Filho, orientador, e Maiara Pereira Assis, autora do estudo: aplicabilidade em várias atividades
do tipo convencional compreende geralmente os seguintes processos de tratamento: desinfecção, coagulação, floculação, decantação, filtração, correção do pH, fluoretação, adição de produtos químicos auxiliares, reservação e distribuição. As etapas e tecnologias empregadas podem variar de uma estação de tratamento para outra. Além do processo convencional, em que a desinfecção da água é realizada por cloração, existem os tratamentos não convencionais, destacando-se: ozonização, sonólise, eletrólise, fotólise e membrana filtrante, que podem ser compostos de um processo único, ou interativos, gerando um efeito sinérgico com outros tipos de tratamento também alternativos. Autores apontam que o desinfetante químico mais utilizado para a produção de água potável é o cloro, líquido ou gasoso. Ele tem sido empregado como desinfetante primário na vasta maioria das estações que tratam água superficial ou subterrânea. Outros desinfetantes químicos são considerados alternativos, destacandose o hipoclorito de sódio ou de cálcio, o ozônio, o dióxido de cloro, o permanganato de potássio, a mistura ozônio-peróxido de hidrogênio, o íon ferrato, o ácido peracético e outros agentes em fase de pesquisa e desenvolvimento, como sais de prata e sais de cobre, entre outros.
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Campinas, 22 a 28 de setembro de 2014
Aos pés da Cordilheira Geógrafa analisa áreas verdes e ocupação territorial da capital chilena Fotos: Divulgação
LUIZ SUGIMOTO sugimoto@reitoria.unicamp.br
literatura científica traz um dado ideal para que a pessoa viva com um mínimo de qualidade ambiental: residir no raio máximo de 500 metros de uma área de vegetação (o índice de área verde por habitante). O dado foi lapidado pela geógrafa Mariana Ferreira Cisotto para sua tese de doutorado em análise ambiental e dinâmica territorial, “Cidade e natureza: o papel das áreas verdes na urbanização recente da província de Santiago do Chile”, orientada pelo professor Antonio Carlos Vitte e apresentada no Instituto de Geociências (IG) da Unicamp. Antes, no mestrado, a autora já havia dirigido o mesmo foco para Campinas, relacionando a distribuição das áreas verdes e o processo de urbanização do município paulista. Esta experiência acadêmica certamente contribuiu para que Mariana Cisotto, logo depois de defender o doutorado em março deste ano, fosse convidada para passar da teoria à prática, fazendo política pública na coordenação do setor de Áreas Verdes da Secretaria Municipal do Verde, Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. “A academia sempre dirige um olhar crítico sobre o planejamento urbano, mas como efetivar suas propostas? Uma preocupação que estou levando para dentro da Prefeitura de Campinas diz respeito à função social que as áreas verdes precisam exercer, pois em minhas pesquisas vejo quão desigual é a sua distribuição.” Na pesquisa de mestrado sobre o município campineiro, a geógrafa fez um resgate histórico dos principais planos urbanísticos, além de vasto trabalho empírico, identificando um padrão de ocupação urbana caracterizada como difusa e espraiada: seguindo os principais eixos viários indutores da expansão urbana, observa-se que os fragmentos naturais estão sendo incorporados como áreas verdes em condomínios (loteamentos fechados) dispersos no município. “Para não promovermos este isolamento, há que se priorizar plantios de reflorestamento e proteger patrimônios naturais por tombamento, que devem ser espacializados de modo a garantir seu uso público.” O acesso da população em geral a áreas de vegetação, ainda que mínimo e distante do ideal de 500 metros de raio da residência, é uma premissa que a estudiosa acadêmica tenta inserir nas metas de arborização da cidade. “Na APA de Campinas [área de proteção ambiental constituída na maior parte pelos distritos de Sousas e de Joaquim Egídio], por conta do relevo declivoso e das restrições à ocupação, temos suprido condições bastante adequadas. Mas em outras regiões que estão se urbanizando rápida e intensamente, como do rio Capivari e nas proximidades da expansão de Viracopos (ao sul), é preciso isolar algumas áreas de vegetação para garantir as condições naturais mínimas.” Mariana Cisotto realizou sua pesquisa empírica em dois patrimônios tombados de Campinas, o Bosque dos Jequitibás e a Mata de Santa Genebra: o primeiro incorporado à malha urbana no passado higienista e o segundo em fase de incorporação e já alterando a dinâmica fundiária. “Prestes Maia, quando fez o plano de melhorias urbanas em 1930, valorizou o entorno dos Bosques dos Jequitibás, dos Italianos e dos Alemães: para a população, morar perto dessas áreas verdes tinha grande significado no pós-febre amarela, pois elas representavam a garantia de um espaço limpo, onde se podia andar e respirar, sustentando forte status de qualidade ambiental.” Segundo a geógrafa, a diferença daquele processo de ocupação em relação ao período moderno, pós-revolução ambientalista, está no novo olhar para o meio ambiente, com a criação das unidades de conservação (UC). “Temos uma supervalorização da UC, com condomínios encravados na vegetação de Joaquim Egídio; e no entorno da Mata de Santa Genebra, que antes era uma fazenda, para onde se dirigiram moradores fugidos da valorização do Centro e que agora fogem novamente devido à valorização pela proximidade da UC. O fato é que as áreas verdes que restam em Campinas estão sendo incorporadas por novos loteamentos, como demonstrativo de qualidade de vida passível de ser comprada. Tendo enxergado quão crítica é a situação e qual é a tendência, como fazer para segurar esse tipo de urbanização? É a preocupação que carrego para o mundo do trabalho.”
O ‘FOGGY’ DE SANTIAGO Para o doutorado, Mariana Cisotto procurou entender como se dava este processo de expansão urbana em outra realidade, inicialmente com um projeto ambicioso de uma grande comparação de Campinas com outras regiões metropolitanas da América Latina. As especificidades de Santiago, porém, levaram a pesquisadora a se ater mais profundamente à capital chilena. “As principais especificidades estão na poluição, na escassez hídrica e na incidência de terremotos. Em termos de planejamento urbano, há uma preocupação bem antiga de criar espaços livres para o plantio de árvores que mantenham a umidade do ar e filtrem a poluição atmosférica.” A geógrafa explica que Santiago do Chile possui péssimos índices de qualidade do ar, isolada na bacia hidrográfica que fica entre a Cordilheira dos Andes e a Cordilheira Central. “A cidade está sob um ‘foggy’ de poluição [ou ‘smog’] que não dispersa e cujo filtro é a arborização. Outra preocupação é garantir espaços livres nos entremeios de prédios
Parques em Santiago do Chile: segundo a pesquisadora, “as áreas verdes na área central foram urbanizadas ainda no planejamento higienista, num padrão de ocupação concêntrico e mononuclear, e hoje são revitalizadas com a substituição dos casarões coloniais por condomínios verticais no entorno”
e residências para permitir a fuga dos moradores no caso de terremotos. Santiago possui muito mais espaços livres e parques do que Campinas, todos pensados historicamente.” A autora da tese constatou naquela capital a mesma tendência de urbanização que vê atualmente nas grandes cidades latino-americanas, inclusive nas brasileiras: com o adensamento da área contígua do centro histórico, ocorre a expansão dos anéis concêntricos que formam a estrutura viária da metrópole e levam a um crescimento disperso, com bolsões populacionais em regiões distantes. “São pequenos policentros que possuem identidade própria. Nessa lógica, vemos áreas verdes distantes umas das outras e que não suprem a demanda do restante da população – há uma incorporação da natureza de forma privatizada.” Adotando a série história de 2007 a 2011, Mariana Cisotto constatou um padrão de adensamento para o setor leste, onde está a Cordilheira dos Andes, que hoje é o principal atrativo para expansão urbana na região. “A Cordilheira ficou isolada durante muito tempo por causa do altíssimo custo de construção e da restrição a residências em cotas de maior altitude. Havia uma cota máxima que podia ser ocupada, mas a lei foi alterada, dando margem ao adensamento e permitindo construções inclusive nas cotas mais elevadas. O detalhe é que esses lotes, caríssimos, estão acima da linha do ‘foggy’ de poluição, permitindo uma mercantilização desta benesse da natureza, a qualidade do ar, além da presença do verde.”
GATED COMMUNITY
Chamou a atenção da geógrafa que o maior índice de áreas verdes estivesse justamente nessas cotas pré-andinas, quando a região onde se estabeleceu Santiago do Chile era constituída por uma vegetação bastante rarefeita, predominantemente por herbáceas. “Nas comunas como de Lo Barnechea, tudo é recriado com plantas exóticas adaptadas ao estresse hídrico e que remetem a paisagens frondosas; natural, apenas um capim dourado chamado ichu. Jardineiros são contratados para cuidar do paisagismo e não falta irrigação, até porque cada comuna recebe verba pública para esta manutenção, proporcional à sua importância política e econômica. Todas as casas têm acesso a uma área verde pública, onde as crianças correm soltas e em segurança, com uma guarita que impede o acesso de pessoas de fora.” Mariana Cisotto soube que o marketing imobiliário criando este novo produto associado ao exclusivismo surgiu na comuna de Lo Barnechea faz apenas oito anos. O discurso é a preocupação com a segurança das gated communities, mas incorporando os elementos e a dinâmica da natureza – e mesmo a liberdade em relação à tragédia, no caso dos terremotos. “Os gated communities são uma tendência no mundo inteiro.
Os folders divulgam os loteamentos nas comunas mais ricas relacionando o status de morar nas cotas da altitude para ter uma vista de toda a cidade, dentro da ideologia da segurança, do contato com a natureza e distância da poluição. Existem residências onde contei oito ou nove carros na garagem.” No que se refere à expansão urbana em Santiago de forma geral, a pesquisadora identificou um padrão de condomínios horizontais de alto padrão, condomínios verticais de até três pavimentos (habitação popular) e prédios de apartamentos para classe média e alta. “As áreas verdes na área central foram urbanizadas ainda no planejamento higienista, num padrão de ocupação concêntrico e mononuclear, e hoje são revitalizadas com a substituição dos casarões coloniais por condomínios verticais no entorno. Nas comunas mais pobres ao sul da cidade, notamos que a urbanização dispersa e difusa impõe-se à malha urbana velha e precária, sem a presença de espaços de natureza.” Mariana Cisotto observa que o padrão de distribuição de áreas verdes em Santiago não é de pequenos parques que permeiam toda a malha urbana, mas sim de grandes parques na área central, distante das comunas com baixo índice de vegetação, fazendo com que as mais periféricas careçam de espaços de natureza. E, embora a sua preocupação do momento seja Campinas, a autora da tese tem sua sugestão para a capital chilena. “A preocupação deve ser em incorporar os topos de morros, por exemplo, como novos parques públicos urbanos, a fim de suprir o restante da população de um mínimo de natureza, ao invés da incorporação como bolsões exclusivos para loteamentos residenciais.” Foto: Antoninho Perri
Publicação Tese: “Cidade e natureza: o papel das áreas verdes na urbanização recente da província de Santiago do Chile” Autora: Mariana Ferreira Cisotto Orientador: Antonio Carlos Vitte Unidade: Instituto de Geociências (IG)
Mariana Ferreira Cisotto, autora da tese: “Santiago possui muito mais espaços livres e parques do que Campinas, todos pensados historicamente”
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Campinas, 22 a 28 de setembro de 2014
Estudo analisa resgate aeromédico SILVIO ANUNCIAÇÃO silviojp@reitoria.unicamp.br
s percepções do médico Ricardo Galesso Cardoso acabam de ser comprovadas, em dados, pela pesquisa de mestrado concluída em julho último por ele junto à Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, sob orientação do docente Gustavo Pereira Fraga. O profissional atende vítimas em estado grave no serviço de resgate aeromédico realizado por meio de helicópteros da Polícia Militar do Estado de São Paulo, na Região Metropolitana de Campinas (RMC) e capital. Apesar da gravidade das ocorrências, Ricardo Galesso observava, em muitas situações, que o número de atendimentos a pacientes não tão graves era também considerável. No estudo, que traça um perfil do resgate aeromédico na RMC e dos pacientes atendidos, o pesquisador conclui que, apesar de eficiente e relevante, o serviço pode ser aperfeiçoado, sobretudo no aspecto da triagem. Conforme a investigação, entre 20% e 30% das vítimas atendidas apresentaram gravidade média e baixa, gerando sobrecarga no serviço, considerado de alto custo e complexidade. Foram analisados prontuários e fichas médicas de 220 pacientes atendidos entre julho de 2010 e dezembro de 2012 no Hospital de Clinicas (HC) da Unicamp. Por outro lado, dos outros 70% com gravidade elevada, mais de 80% tiveram alta médica após o socorro e tratamento. O tempo médio para chegar ao local da ocorrência foi de 10 minutos, indicando também a eficiência e rapidez do regaste aeromédico. Ainda de acordo com dados da pesquisa, o tempo médio de atendimento na cena da ocorrência foi de 21 minutos, abaixo do observado em estudos sobre serviços de outros países. “A supertriagem indicada pela pesquisa, embora esteja na média dos serviços de outros países, demonstra a necessidade de se aperfeiçoarem os critérios de triagem e acionamento. É preciso também intensificar a capacitação e familiarização das equipes de emergência em relação a esses protocolos”, aponta o pesquisador da Unicamp, que também é responsável pela área de treinamentos do serviço, vinculado ao Grupo de Resgate e Atenção às Urgências e Emergências (GRAU) da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo.
A atividade funciona por meio de convênio entre a Secretaria de Saúde e a Secretaria de Segurança, envolvendo cerca de 150 profissionais da Polícia Militar, Corpo de Bombeiros, médicos e enfermeiros. Três helicópteros, dois na capital e um em Campinas, atendem aos chamados. A triagem é feita pelo Serviço de Emergência do Corpo de Bombeiros, que pode ser acionada, gratuitamente, por qualquer pessoa via telefone, no número 193. O resgate aeromédico na RMC é o primeiro a ser implantado em uma base no interior do Estado de São Paulo, informa Ricardo Galesso. Apesar de não ter um volume de atendimento elevado quando comparado aos serviços norte-americanos ou europeus, os resultados são semelhantes. Em alguns casos, inclusive, até melhores, como, por exemplo, àqueles relacionados aos índices de gravidades dos pacientes e ao tempo de resposta. O pesquisador da FCM situa que o resgate aeromédico é uma importante ferramenta nos sistemas de atendimento a traumatizados. “Esses serviços têm posição consolidada em muitos países, embora sejam poucos os estudos, até mesmo na literatura mundial. No Brasil, temos conhecimento de um único trabalho que analisou o serviço na região metropolitana de Recife. Portanto, esta pesquisa traça um perfil importante, abrindo perspectivas para responder questões que ainda permanecem em aberto acerca do real benefício desse recurso, e da melhor maneira de empregá-lo”, justifica.
TRIAGEM
O médico explica que os critérios de triagem para o acionamento de helicópteros são complexos e passíveis de erros. De acordo com ele podem ocorrer tanto supertriagens, como a identificada pela pesquisa, quanto subtriagens. Neste último caso, os pacientes com lesões graves são classificados como portadores de traumas leves, o que gera um aumento significativo na morbi-mortalidade. “Já a supertriagem ocorre quando vítimas com lesões menos graves são classificadas como tendo lesões de maior gravidade. Isso gera uma sobrecarga no serviço e consequentemente um aumento nos custos envolvidos. Ocorre também uma maior exposição, tanto dos pacientes, como das equipes de saúde, aumentando os riscos inerentes ao emprego de aeronaves nesse tipo de missão.”
Fotos: Antoninho Perri
Apesar de relevantes e eficientes, critérios de triagem podem ser aperfeiçoados, apontou pesquisa
O médico Ricardo Galesso Cardoso, autor da pesquisa: “Existem parâmetros subjetivos que não estão nos nossos relatórios”
Ricardo Galesso pondera, no entanto, que a supertriagem não pode ser analisada apenas pela ótica técnica, uma vez que, com gravidade alta ou baixa, há vidas à espera de socorro. “Existem parâmetros subjetivos que não estão nos nossos relatórios, mas que levamos em conta também. Por exemplo: o nível de assistência que o paciente de menor gravidade poderia ter se aquele helicóptero e aquela equipe não estivessem ali. Ele poderia não ter uma ambulância, um hospital de bom nível para se levado”, considera. Sobre a complexidade envolvendo a triagem, o médico cita resolução do Comitê de Trauma do Colégio Americano de Cirurgiões. O documento considera que uma taxa de subtriagem entre 5% e 10% é inevitável nestes tipos de serviço. A taxa de supertriagem considerada aceitável gira em torno de 30% a 50%. “Outros estudos demonstraram que os erros relacionados à supertriagem podem ser ainda maiores, em torno de 50% a 90%, podendo ocorrer tanto no acionamento de equipes terrestres como de aéreas”, pontua.
PERFIL
Jovens, homens e motociclistas. Este é o perfil mais frequente dos pacientes atendidos pelo serviço aeromédico da RMC. A descrição assemelha-se com o contexto de outros países, compara Ricardo Galesso. A sua pesquisa avaliou 220 casos. Destes, 173 (78,6%) eram do sexo masculino, com média de idade de 32 anos. O trauma por
Publicação Dissertação: “Resgate aeromédico a traumatizados na Região Metropolitana de Campinas-SP” Autor: Ricardo Galesso Cardoso Orientador: Gustavo Pereira Fraga Unidade: Faculdade de Ciências Medicas (FCM)
contusão foi o mais frequente, acometendo 207 (94,1%) vítimas, sendo que dessas, 66 (30,0%) sofreram acidentes envolvendo motocicletas, 51 (23,2%) envolveram-se em colisões automobilísticas, 32 (14,5%) foram vítimas de quedas de altura, 31 (14,1%) sofreram atropelamentos. Traumas penetrantes ocorreram em 13 casos (5,9%). O local das ocorrências foi, predominantemente, a cidade de Campinas, com 162 casos (73,6%). Os 58 pacientes restantes foram atendidos em outros municípios da região, com destaque para a cidade de Indaiatuba, com 12 casos (5,5% do total), Americana, com 7 ocorrências (3,2%) e Valinhos, com 6 casos (2,7%).
Tecnologia de ‘Libras em 3D’ é licenciada CAROLINA OCTAVIANO Especial para o JU
ecnologia que proporciona obter uma animação em tempo real de um modelo tridimensional computadorizado – um avatar –, por meio da qual se pode criar uma representação de um intérprete virtual da Linguagem Brasileira de Sinais (Libras), deve chegar em breve ao mercado, uma vez que acaba de ser licenciada em caráter não-exclusivo pela empresa Showcase PRO. O sistema, que além de ser acessado por deficientes auditivos tem aplicabilidade em outras áreas, foi desenvolvido por pesquisadores da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Unicamp, conforme noticiado na edição 526 do Jornal da Unicamp. “Refere-se a um sistema e método para gerar conteúdo na Língua Brasileira de Sinais (Libras) e apresentá-lo utilizando agente virtual. O agente virtual é um avatar modelado e animado utilizando técnicas de computação gráfica”, afirma o professor José Mario De Martino, que desenvolveu a tecnologia em parceria com Wanessa Machado do Amaral e que deu continuidade ao aprimoramento da tecnologia. Ambos contaram com o apoio dos pesquisadores Enzo Telles Poeta, Ângelo Benetti e Leandro Guertzenstein Angare e dos alunos Lucas Borges Moreira de Souza e Carolina Monteiro Ferreira. A tecnologia, que compreende um programa de computador e um método, teve sua patente depositada em outubro de
senvolve produtos e soluções para emissoras de televisão, sendo especializada em acessibilidade. Um produto inovador em linguagem de sinais se encaixa no nosso portfólio de produtos e soluções”, diz. Na opinião dele, embora a tecnologia ainda não esteja disponível no mercado e acessível ao público, há uma real possibilidade de mercado para ela. “Acreditamos que há espaço no mercado brasileiro, principalmente pela exigência e regulamentação da acessibilidade no setor audiovisual. O desenvolvimento ainda não começou porque estamos buscando financiamento junto a órgãos de fomento”, revela Peressinoto. De Martino conta ainda que a ideia inicial da tecnologia foi a de estabelecer um mecanismo ágil e flexível para geração de conteúdo em Língua Brasileira de Sinais, mas que, por se tratar de uma tecnologia versátil, apresenta outras áreas possíveis de aplicação. “Há várias aplicações para a tecnologia. Avaliamos que elas podem gerar produtos de interesse para o mercado, tais como a geração de legenda de libras para programação televisiva, tradução de materiais escritos (como livros, manuais, mensagens, etc) originalmente em português para Libras e tradução de conteúdo web para Libras”, elenca.
O professor José Mario De Martino e a pesquisadora Wanessa Machado do Amaral: múltiplas aplicações
2011 e foi licenciada com o apoio da Agência de Inovação Inova Unicamp, que ofereceu suporte para o pedido de patente e também para o licenciamento. “A Inova auxiliou oferecendo suporte técnico e jurídico para a confecção do pedido de patente. Adicionalmente, a Inova intermediou solicitações e conduziu negociações envolvendo o licenciamento da tecnologia”, explica De Martino. Rafael Augusto Peressinoto, da ShowCase PRO, comenta que o auxílio da
Inova foi importante para viabilizar o licenciamento da tecnologia. “A Inova cuidou de todos os trâmites legais e administrativos para o licenciamento. A interação foi bem transparente e descomplicada”, completa. Peressinoto ressalta ainda que o interesse maior pelo licenciamento da tecnologia deu-se pelo estágio de desenvolvimento da tecnologia – patenteada e com prova de conceito – e por causa do viés inovador que ela representa. “A ShowCase PRO de-
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Pesquisa identifica deficiência de
vitamina A em gestantes adolescentes Fotos: Antonio Scarpinetti
Estudo mostra que 52% das mulheres apresentaram baixas concentrações do micronutriente no final da gravidez MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br
studo desenvolvido para a tese de doutorado da nutricionista Geânia de Sousa Paz Lima, defendida na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, identificou uma alta frequência de deficiência de vitamina A em um grupo constituído por 126 gestantes adolescentes do Estado do Piauí. De acordo com os dados da investigação, no final da gravidez 52% apresentaram baixas concentrações desse micronutriente no sangue, na forma de retinol sérico. A deficiência de vitamina A (DVA) no organismo da gestante pode comprometer o resultado do processo gravídico, contribuindo para o aborto espontâneo, prematuridade, baixo peso ao nascer, anemia, infecções, Síndrome Hipertensiva da Gravidez, sepse puerperal, estresse oxidativo, bem como pode concorrer para maior mortalidade materna e dos lactentes nos primeiros seis meses de vida. O trabalho foi orientado pela professora Sílvia de Barros Mazon. A pesquisa desenvolvida por Geânia foi executada no contexto de um projeto denominado Doutorado Interinstitucional (Dinter), estabelecido entre a Universidade Federal do Piauí (UFPI), onde ela é docente, e o Programa de Pós-graduação em Ciências Médicas da FCM, com financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), órgão ligado ao Ministério da Educação. De acordo com a professora Sílvia Mazon, este estudo, que avalia a frequência de DVA exclusivamente em gestantes adolescentes, é pioneiro no Brasil. “Existe uma carência de pesquisas envolvendo esse segmento da população, especialmente no que se refere à ingestão da vitamina A”, acrescenta Geânia. A autora da tese explica que utilizou três métodos diferentes para diagnosticar o risco de DVA nas gestantes adolescentes. O primeiro deles foi avaliar o consumo alimentar, por meio de três inquéritos recordatórios de 24 horas, aplicados em cada trimestre gestacional. Foi constatado que 64% das gestantes adolescentes tinham baixa ingestão desse nutriente. O segundo método foi investigar a presença de cegueira noturna, no início e final da gestação, utilizando entrevista padronizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A cegueira noturna é caracterizada pela dificuldade da pessoa em enxergar objetos, distinguir pessoas ou se locomover em ambientes com pouca iluminação. “O que nós apuramos foi que 13% das gestantes adolescentes apresentavam sintomas de cegueira noturna tanto no início quanto no final da gravidez. Apesar de os percentuais terem sido iguais, nós observamos que, das mulheres que iniciaram a pesquisa com cegueira noturna, somente 37% continuaram com esse tipo de queixa até o final da gravidez. Por outro lado, outras que não reclamaram do problema inicialmente, passaram a fazê-lo no final da gravidez. Ou seja, se uma parte significativa superou o problema, outra passou a apresentá-lo, o que explica a repetição do percentual”, detalha a nutricionista. O resultado é preocupante, conforme Geânia, porque os índices de cegueira noturna em outros estudos ao redor do mundo são inferiores aos encontrados - variam de 3,5% a 9,8%. O terceiro e último método empregado na pesquisa foi a quantificação das concentrações de retinol no sangue da mãe e
Segundo Geânia Lima, autora da tese, a deficiência de vitamina A no organismo da gestante pode comprometer o resultado da gravidez, contribuindo para o aborto espontâneo, prematuridade e até mesmo concorrer para a maior mortalidade materna e da criança nos primeiros seis meses de vida
no cordão umbilical. As coletas de sangue foram realizadas no início e no final da gestação, mas as análises bioquímicas só foram realizadas ao término das coletas de sangue de todas as gestantes participantes, para evitar viés metodológico. As análises bioquímicas foram realizadas no Laboratório de Lípides da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), por intermédio da professora Eliana Cotta de Faria, coorientadora do estudo. Os resultados apontaram que a taxa de gestantes com deficiência de vitamina A subiu de 35% no início para 52% no final da gravidez. “Esses dados comprovam que essa população realmente apresenta riscos de desenvolver problemas relacionados com a carência de vitamina A no organismo”, sustenta Geânia. No trabalho, a nutricionista verificou também as concentrações de retinol no sangue de cordão umbilical, para
inferir as concentrações desse nutriente nos recém-nascidos. “Nós constatamos que 95% dos bebês mostraram concentrações de retinol na faixa compatível com a deficiência de vitamina A, com indicação da existência de uma correlação entre as concentrações desse micronutriente nos organismos da mãe e da criança”, diz Geânia. Segundo a professora Sílvia Mazon, os resultados do estudo apontam para a necessidade da adoção de políticas públicas que favoreçam o diagnóstico precoce dessa deficiência nutricional, especialmente nesse grupo populacional. “Feito o diagnóstico precoce, o próprio sistema de atenção básica às gestantes adolescentes poderia adotar medidas corretivas, como a oferta de uma suplementação nutricional”, pondera. Conforme a autora da tese, esse tipo de cuidado já ocorre em relação à deficiência de ferro e ácido fólico ao longo da gravidez.
Entretanto, ação semelhante ainda não foi adotada no que tange à deficiência de vitamina A. “Atualmente, o Ministério da Saúde mantém um programa de suplementação desse micronutriente somente após o parto, que prevê a administração de uma dose de 200 mil unidades internacionais para todas as parturientes. Todavia, penso que intervenção semelhante a esta, em casos onde a DVA é endêmica, poderia ser feita ainda durante a gravidez, o que traria benefícios tanto para a mãe quanto para a criança. Não podemos esquecer que o Brasil é considerado um país cuja população apresenta risco para DVA”, considera a nutricionista. Nesse ponto, a autora da tese faz um adendo importante. De acordo com ela, se a carência de vitamina A faz mal à saúde, o excesso também faz. Por isso é importante que tanto o diagnóstico da deficiência quanto a indicação da suplementação nutricional sejam feitos de forma precisa. Igualmente importante, prossegue Geânia, é empreender esforços para que a população adote hábitos alimentares mais saudáveis. Ela lembra que especialmente os adolescentes têm comportamentos bastante irregulares quanto à alimentação. Eles costumam pular refeições, trocar refeições por lanches, além de consumir muitas frituras, refrigerantes e produtos industrializados. “Essas questões precisam ser tratadas desde cedo, ainda na pré-escola. Precisamos incentivar nossas crianças a terem uma dieta equilibrada e saudável”, defende Geânia. No entanto, apenas orientar não é suficiente. De acordo com a autora da tese, a teoria precisa vir acompanhada da prática, para que os objetivos possam ser alcançados. “Não adianta falar para a criança que ela precisa comer frutas, legumes, verduras e carnes magras, se no horário do lanche ela vai encontrar salgados e refrigerantes na cantina da sua escola”. Geânia completa a análise reforçando que a melhor alternativa para superar eventuais deficiências nutricionais da população está mesmo na mudança dos hábitos alimentares, algo que ela reconhece ser complexo e que leva tempo para ser efetivado. A nutricionista diz que a adoção de uma dieta mais equilibrada e nutritiva pode começar a ser praticada a partir da observação da chamada pirâmide alimentar, que está dividida em três grupos básicos de alimentos: energéticos (cerais, farinhas, massas, açúcar), construtores (leite e derivados, ovos, carnes) e reguladores (legumes, frutas e verduras). “Dito de maneira simplificada, é importante que as pessoas tenham em seu prato, nas três refeições diárias principais [desjejum, almoço e jantar], pelo menos um representante de cada um desses grupos. Também vale aquela dica simples de que quanto mais colorido for o prato, mais saudável ele será”, diz Geânia. Voltando ao tema específico da deficiência da vitamina A na população, a professora Silvia Mazon chama a atenção para um ponto relevante, ligado à absorção desse micronutriente pelo organismo. Geânia complementa informando que a vitamina A fornecida por fontes de origem animal é bem absorvida pelo organismo, a taxas que variam de 70% a 90%. Entretanto, o nível de absorção das fontes de origem vegetal é bem menor, oscilando entre 20% e 50%. “Existem nutrientes que melhoram a absorção e utilização da vitamina A no organismo, como óleos, proteínas e zinco. Por isso, não basta somente diversificar os alimentos. É preciso também saber promover o equilíbrio entre eles, de modo a aproveitar o máximo que podem proporcionar ao nosso organismo”, finaliza a autora da tese.
Publicação Tese: “Prevalência da deficiência de Vitamina A em gestantes adolescentes e seus recém-nascidos” Autora: Geânia de Sousa Paz Lima Orientadora: Sílvia de Barros Mazon Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM) Financiamento: Capes A professora Sílvia Mazon, orientadora: os resultados do estudo apontam para a necessidade da adoção de políticas públicas
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PAINEL DA SEMANA Nichos de mercado para o setor agroindustrial - A Pró-Reitoria de Pesquisa (PRP) e a Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Unicamp são parceiras da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, na promoção do I Workshop de Nichos de Mercado para o Setor Agroindustrial, que será realizado, no Centro de Convenções da universidade, em Campinas-SP, nos dias 23 e 24 de setembro próximo. Mais: http://www.unicamp.br/unicamp/eventos/2014/07/31/nichos-de-mercado-para-o-setor-agroindustrial Feagri recebe Fadi Fathallah - A Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Unicamp recebe, dia 22 de setembro, para palestra, o professor Fadi Fathallah, do Departamento de Engenharia Biológica e Agrícola (BAE) da University of California (Davis). Às 10 horas, no auditório da unidade, ele falará sobre as oportunidades para alunos estrangeiros de graduação e de pós-graduação naquela instituição. Fadi é engenheiro de produção, ergonomista e responsável pelo Laboratório de Biomecânica do BAE. Suas áreas principais de pesquisa e docência são ergonomia, biomecânica e avaliação e prevenção de distúrbios osteomusculares entre trabalhadores agrícolas. O evento está sob a responsabilidade do professor Roberto Funes Abraão, da área de Gestão de Sistemas na Agricultura e Desenvolvimento Rural da Feagri. Mais informações pelo telefone 19-3521-1043 ou e-mail cpg@feagri.unicamp.br Análise de discurso e psicanálise - O Laboratório de Estudos Urbanos (Labeurb) organiza entre os dias 23 e 25 de setembro, a partir das 9 horas, no auditório do Labeurb, a II Jornada Internacional de análise de discurso e psicanálise “Os nomes do sintoma” promovendo um espaço de discussão e encontro entre a Análise de Discurso, do domínio das Ciências da Linguagem, e a Psicanálise. A II JIAPD contará com conferências, mesas redondas e um minicurso e objetiva interrogar os processos de nomeação do sintoma, as novas formas patológicas, o excesso de medicalização e o mal-estar em nossa sociedade. Outras informações podem ser obtidas pelo telefone 19-3521-7945 ou site http://www.labeurb.unicamp.br/jiadp Experiências com o ambiente Moodle - Encontro que objetiva apresentar a experiência de uso do ambiente Moodle por professores da Unicamp nas atividades pedagógicas da Graduação acontece no dia 23 de setembro, às 9h30, no auditório do Centro de Computação (CCUEC) da Unicamp. Participam os docentes José Armando Valente, Rickson Coelho Mesquita, Marco Antonio Carvalho Filho, e Romilda Mochiuti. A organização é do Grupo Gestor de Tecnologias Educacionais (GGTE). Moodle é um Ambiente Virtual de Aprendizagem projetado para prover educadores e aprendizes de um sistema integrado simples, robusto e seguro. É usado em inúmeros países e idiomas e possuindo uma grande comunidade de adeptos.
É uma plataforma de licença gratuita, atualizada constantemente, flexível, customizável, permitindo larga escala de usuários. O desenvolvimento do Moodle é guiado por uma pedagogia sócio-construtivista. O conceito central de um curso no Moodle se fundamenta nos recursos de informação e nas diferentes atividades pedagógicas disponíveis pela plataforma. Mais informações no site http://ggte.unicamp.br/ggte/?q=node/40 ou telefone 19-3521-2183 Como ler e escrever na universidade? - O Setor de Orientação Educacional do Serviço de Apoio ao Estudante (SAE) da Unicamp organiza a palestra “Como ler e escrever na universidade?” com a professora Raquel Salek Fiad, do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL). Será no dia 23 de setembro, às 12h15, na sala CB02 do Ciclo Básico I. No encontro, a docente abordará as práticas de leitura e escrita na universidade, apresentando a diversidade de práticas e as possibilidades de aprendizagem. Mais informações: 193521-6539. Pesquisa e inovação no Brasil e na Alemanha - A Agência de Inovação Inova Unicamp e a Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha promovem, dia 24 de setembro, das 9 às 13 horas, no Auditório II da Agência para a Formação Profissional da Unicamp (AFPU), o evento “Inovação como motor de crescimento: Investimentos em know-how, pesquisa e inovação no Brasil e na Alemanha”. Mais informações: 19- 3521-2628. Condições de morte e vida no Brasil - O Núcleo de Estudos de População (Nepo) “Elza Berquó” organiza no dia 25 de setembro, às 9 horas, em seu auditório, o seminário “Condições da vida e da morte no Brasil: reflexões teóricas e metodológicas a partir dos inquéritos de saúde e sistemas de informação”. O evento está sob a organização do professor Everton Emanuel Campos de Lima (IFCH-Nepo). As inscrições podem ser feitas no dia do seminário, das 9 às 9h20. Mais informações: 19-3521-5900. Ações para o protagonismo do futebol brasileiro O Fórum Pensamento Estratégico (PENSES) organiza no dia 25 de setembro, o Fórum Ações para o Protagonismo do Futebol Brasileiro. O evento reunirá atletas, técnicos, preparadores físicos e demais profissionais do esporte, além de jornalistas, pesquisadores e professores das três universidades públicas paulistas, no Auditório da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, entre 8h30 e 17h. O evento é aberto ao público. Mais informações no site www. gr.unicamp.br/penses/forum_futebol O mundo rural no Brasil do século XXI - O Núcleo de Economia Agrícola e Ambiental (NEA) do Instituto de Economia (IE) da Unicamp organiza, dia 25 de setembro, às 8h45, no auditório da Faculdade de Educação (FE), o seminário “O mundo rural no Brasil do século XXI: entre as interpretações e a realidade”. O evento está sob a organização dos professores Antônio Márcio Buainain e Alexandre Gori Maia do IE. O objetivo principal do seminário é apresentar e debater visões sobre as transformações recentes do mundo rural brasileiro, tendo como base o livro “O mundo rural no Brasil do Século XXI”, editado por Antônio Márcio Buainain (IE/Unicamp), Eliseu Alves (Embrapa), José Maria da Silveira (IE/Unicamp) e Zander Navarro (Embrapa). O livro, pluralista em termos metodológicos e teóricos, reúne 37 capítulos de autoria de 51 cientistas sociais e especialistas ligados a mais de 20 instituições públicas e privadas, do Brasil e exterior. A motivação é enfrentar o descompasso entre muitas interpretações do mundo rural, ainda marcadas por fatos do passado, e a realidade, resultado de profundas transformações estruturais ocorridas nos últimos 30 anos. O seminário oferece mais uma oportunidade para refletir sobre alguns dos temas abordados no livro. Mais informações: 19-3521-5716. Palestras e seminário do Programa Ciência sem Fronteiras - A Vice-Reitoria Executiva de Relações Internacionais (Vreri) organiza na quinta-feira, 25 de setembro, às 12h15, no auditório da Biblioteca Central César Lattes (BC-CL), palestra com Université de Montréal, na qual serão fornecidas orientações, informações e esclarecimento de dúvidas acerca das oportunidades de intercâmbio no âmbito do Programa Ciência Sem Fronteiras. Na sexta (26), às 12h30, no mesmo local, será realizado o Seminário Ciência sem Fronteiras e a Nova Zelândia, também no âmbito do Programa Ciência Sem Fronteiras (CSF). Na mesma linha, dia 26, às 13h15, ocorre a palestra Por que Austrália? Mostra de trabalhos do Cotuca - O Colégio Técnico da Unicamp (Cotuca) organiza, dia 26 de setembro, das 9 às 18 horas, a IV Mostra de Trabalhos de Cursos Técnicos. O evento tem como público-alvo estudantes de ensino médio/técnico. O Cotuca está funcionando na Rua Jorge de Figueiredo Corrêa 735, no Parque
DESTAQUE
Taquaral, em Campinas-SP. Mais detalhes no link http://mostradetrabalhos.cotuca.unicamp.br/ Palestra da Vreri - No dia 26 de setembro, às 12 horas, no auditório da Biblioteca Central Cesar Lattes (BC-CL), a Vice-Reitoria Executiva de Relações Internacionais (Vreri) organiza palestras do Programa Ciência sem Fronteiras. Desta vez com as universidades de Caldo, LAE e LNZ. Mais informações: 19-3521-7145. 20 anos do Cenapad - Para comemorar os seus 20 anos de atividades, o Centro Nacional de Processamento de Alto Desempenho em São Paulo (Cenapad) com sede na Unicamp, realiza um workshop com usuários e administradores de sistemas computacionais de alto desempenho (PAD ou HPC). O objetivo é propiciar a atualização desses profissionais assim como estabelecer uma rede de relacionamentos e troca de conhecimentos entre os participantes. workshop, que é organizado pela Pró-Reitoria de Pesquisa (PRP), ocorre no dia 26 de setembro, às 9 horas, no auditório do Centro de Computação (CCUEC) da Unicamp. As inscrições podem ser feitas no link http://socrates.unicamp.br/seven/subscribe.php?ev ento=01000000018620140926. O auditório do CCUEC fica à rua Saturnino de Brito 45, no campus da Unicamp. Mais informações: 19-3521-5233.
EVENTOS FUTUROS
Fórum de Física na indústria - De 28 de setembro a 3 de outubro a Unicamp vai sediar o Fórum de Física na Indústria (Industrial Physics Forum). O evento é organizado pelo Instituto Americano de Física (AIP) e pelo Centro Internacional de Física Teórica (ICTP) em parceria com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e com o braço Sul Americano do ICTP para Pesquisas Fundamentais (ICTP-SAIFR). O tema desta edição é “Capacitação em física industrial em economias emergentes”. O objetivo é promover a aproximação entre cientistas e indústria para atender às necessidades da sociedade relacionadas ao avanço tecnológico sustentável. O fórum é aberto a cientistas e estudantes de todos os países que são membros das Nações Unidas, da Unesco ou da AIEA. O idioma oficial será o inglês. Não há taxa de inscrição e uma ajuda financeira estará disponível para um número selecionado de candidatos. Alunos de doutorado e jovens doutores, tanto do Brasil como de outros países, receberão apoio financeiro da Fapesp para a viagem e hospedagem. A conferência ocorrerá na Faculdade de Ciências Médicas, à rua Tessália Vieira de Camargo, 126, no campus de Campinas. Mais detalhes em inglês e inscrições pelo site http:// www.aip.org/industry/ipf/2014/capacity-building-industrial-physicsdeveloping-emerging-economies Jornada de Psicanálise - O Grupo de Estudos de Psicanálise (GEPSI) da Unicamp realiza, de 29 de setembro a 1 de outubro, no Anfiteatro 1 da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), a I Jornada de Psicanálise com o tema “ A violência, o indivíduo e a sociedade”. Serão três noites de palestras e debates, sempre às 18h15, com especialistas no assunto. O evento é organizado pelos coordenadores do GEPSI e pelo professor Mário Eduardo Costa Pereira. A proposta da jornada é a de levantar a discussão sobre a violência no Brasil e seus impactos no indivíduo, na sociedade e consequentemente no sistema de saúde. No primeiro dia de evento, a professora Taniele Rui, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), fala sobre “Violência na atualidade”. No dia 30, o professor Mário Pereira, da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), aborda: “Intervenção psicanalítica para a vítima da violência”. “Perversão, perversidade e violência: visão psicanalítica” é o tema que será tratado pelo professor Roosevelt Cassorla (FCM), em 1º de outubro. Mais informações podem ser obtidas pelo e-mail jornadagepsi@gmail.com Juventude e Educação - A Faculdade de Educação (FE), por meio do Laboratório de Estudos sobre Violência, Imaginário e Juventude (Violar), encerra, dia 29 de setembro, às 14 horas, no Salão Nobre da FE, a programação do III Seminário Violar com a mesaredonda “Educação e criação de novas possibilidades de vida: diálogos com a Arte”. Mais detalhes: http://www.fe.unicamp.br/semviolar/ Nepam recebe Neil Silberman e Angela Labrador O Laboratório de Arqueologia Pública Paulo Duarte (LAP) do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam) da Unicamp recebe, dia
29 de setembro e em 10 de outubro, os arqueólogos Neil Silberman e Angela Labrador. Eles ministrarão um workshop sobre abordagem de valorização do patrimônio para o desenvolvimento sustentável. Inscrições e outras informações no site http://www.lapvirtual.org/ ou e-mail eventos.lapunicamp@gmail.com.
TESES DA SEMANA Ciências Médicas - “Caracterização da S-nitrosação da SIRT1 no músculo esquelético em modelo experimental de envelhecimento” (mestrado). Candidata: Luciene Lenhare. Orientador: professor Eduardo Rochete Ropelle. Dia 22 de setembro de 2014, às 13 horas, na sala de aula Laranja da Comissão de Pós-graduação da FCM. “Estudo longitudinal clínico e de imagem na Ataxia de Freidreich” (doutorado). Candidata: Cynthia Bonilha da Silva. Orientador: professor Marcondes Cavalcante França Jr. Dia 24 de setembro de 2014, às 13h30, no anfiteatro do Departamento de Neurologia da FCM. Educação Física - “Proposição e avaliação de um método para análise cinemática tridimensional da articulação femoropatelar a partir de marcadores externos” (mestrado). Candidata: Juliana Moreno Carmona Sobral. Orientador: professor Ricardo Machado Leite de Barros. Dia 24 de setembro de 2014, às 14 horas, no auditório da FEF. Engenharia Elétrica e de Computação - “Desenvolvimento de transistor de efeito de campo sensível a íon (isfet) para detecção de chumbo” (mestrado). Candidato: Rodrigo Reigota César. Orientador: professor Jacobus W. Swart. Dia 26 de setembro de 2014, às 14 horas, no auditório do Centro de Componentes Semicondutores da FEEC. Engenharia Mecânica - “Proposta de sistema embarcado para supervisão e controle de movimentos de um sistema de posicionamento com 3 GL” (mestrado). Candidato: Daniel Kubiak. Orientador: professor João Mauricio Rosario. Dia 26 de setembro de 2014, às 14 horas, no auditório DSI da FEM. Engenharia Química - “Determinação dos parâmetros de solubilidade de óleos vegetais, biodieseis, diesel e blendas biodieseldiesel” (doutorado). Candidato: Matheus Maciel Batista. Orientadora: professora Maria Alvina Krähenbühl. Dia 23 de setembro de 2014, às 14 horas, na sala de defesa de teses do bloco D da FEQ. Geociências - “Análise paleoambiental quartenária do écotono cerrado / mata atlântica no município de Mogi-Guaçu/SP” (doutorado). Candidata: Melina Mara de Souza. Orientadora: professora Frésia Soledad Ricardi Torres Branco. Dia 22 de setembro de 2014, às 14 horas, no auditório do IG. Matemática, Estatística e Computação Científica “Análise bayesiana de modelos de regressão para dados de proporções na presença de zeros e uns” (doutorado). Candidata: Diana Milena Galvis Soto. Orientador: professor Víctor Hugo Lachos Dávila. Dia 25 de setembro de 2014, às 14: horas, na sala 253 do Imecc. Química - “Aplicações de cromatografia gasosa bidimensional abrangente (GC×GC) no estudo de metabólitos voláteis de fungos sapróbios” (mestrado). Candidata: Paula Feliciano de Lima. Orientador: professor Fabio Augusto. Dia 25 de setembro de 2014, às 14 horas, no miniauditório do IQ. “Estudos relativos a biodiesel: (i) determinação de metóxido de sódio por termometria; (ii) influência do líquido da castanha de caju na estabilidade oxidativa de diferentes tipos de biodiesel”(Tese de doutorado). Candidato: Flavio Adriano Bastos. Orientador: professor Matthieu Tubino. Dia 26 de setembro de 2014, às 9 horas, na sala IQ14 do IQ. “Novos catalisadores bifuncionais para a reação de Morita-BaylisHillman” (doutorado). Candidata: Juliana Cristina Gomes. Orientador: professor Fernando Antonio Santos Coelho. Dia 26 de setembro de 2014, às 14 horas, no miniauditório do IQ. “5,8-dimetoxisoquinolina como intermediário sintético versátil: síntese total das caulibugulonas A, B, C e D e da isoeliptcina” (doutorado). Candidato: Fabrício Fredo Naciuk. Orientador: professor Paulo Cesar Muniz de Lacerda Miranda. Dia 26 de setembro de 2014, às 14 horas, no miniauditório do IQ.
DO PORTAL
Simtec supera expectativas uem pensava em assistir a um evento somente de funcionários, se enganou. O V Simtec (Simpósio de Profissionais da Unicamp) extrapolou neste ano as expectativas, com ampla participação de toda a comunidade universitária. Docentes, alunos e convidados estiveram no último dia 16 na abertura do simpósio no Ginásio Multidisciplinar (GMU) e no Centro de Convenções da Universidade, locais onde a programação foi realizada até o dia 18. Foram 1.800 inscritos, 241 pôsteres selecionados e 44 minicursos. Na edição anterior, foram 1.500 inscritos. Essa atividade já integra o calendário de eventos da Universidade e foi organizada pelo Grupo Gestor de Benefícios Sociais (GGBS), Diretoria Geral de Recursos Humanos (DGRH), Agência para a Formação Profissional (AFPU) e Centro de Saúde da Comunidade. O reitor José Tadeu Jorge, nas primeiras horas da tarde e sob os acordes do Quarteto de Cordas da Sinfônica da Unicamp, percorreu o Ginásio Multidisciplinar para conhecer de perto a produção recente dos funcionários. Tadeu Jorge visitou as exposições de pôsteres e de pintura (feitas pelos próprios funcionários), e também adentrou o espaço Espelho da Arte, uma exposição de fotografias que destacava a carreira da artista campineira Regina Duarte, que inclusive foi homenageada pela organização do Simtec. Em seguida, o reitor abriu oficialmente o Simpósio de Profissionais da Unicamp, ao lado dos pró-reitores de Extensão e Assuntos Comunitários, João Frederico Meyer; de Pesquisa, Gláucia Pastore; de Graduação,
Luis Alberto Magna; de Desenvolvimento Universitário, Teresa Dib Zambon Atvars; do assessor da presidência da Fapesp, Fernando Menezes; do chefe de Gabinete, Paulo Cesar Montagner; e do organizador do Simtec, Edison Lins. O reitor disse da satisfação de participar desse simpósio, que hoje, em sua opinião, dá mostras de sua consolidação na vida universitária. “Temos pouco mais de oito mil funcionários na Unicamp e cerca de 1.800 inscritos. É um número expressivo que merece registro, resultado da confiança que os funcionários depositam no evento.” Ele comentou que os pôsteres em geral abordavam soluções administrativas, meios de alcançar qualidade de vida, melhoria da formação, disseminação de conhecimento, inovação, todos eles pilares de sustentação da Universidade. “São temas de vários eixos temáticos que surpreendem pela contribuição dos funcionários, por isso me convenço de que a nossa proposta de gestão – Unicamp de Todos os Saberes – está mais atual do que nunca”, afirmou. “Com isso, a Unicamp cresce mais ainda.” O Simtec teve sua primeira edição em 1997. Foi retomado em 2008 e tem acontecido a cada dois anos. Ao antecipar a apresentação do professor Rubens Murillo Marques, que ministraria uma aula magna sobre o papel relevante dos funcionários na infância da Unicamp, Tadeu Jorge enfatizou que o projeto de criação da instituição foi bem à frente do seu tempo. “Os rumos foram ascendentes, mas as bases foram fundamentais. O professor Rubens Murillo foi uma das pessoas que mais contribuiu para isso, pelo estabelecimento do curso de Ciência da Computação, pela criação da
Foto: Antoninho Perri
O reitor José Tadeu Jorge (centro) na abertura do V Simtec: destacando a participação da comunidade universitária
câmara curricular e pela estrutura de suporte da graduação. “É uma honra tê-lo conosco. Pessoas como ele vestiram a camisa da Unicamp”, salientou. O professor Rubens Murillo, que chegou em 1967 à Unicamp, para coordenar o Instituto de Matemática, foi apresentado à plateia pelo pró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários, João Frederico Meyer, e introduzido ao púlpito pela cardiologista Patrícia Asfora. Começou dizendo que ele é o único remanescente daqueles que elaboraram os Estatutos da Unicamp. “Era um período de grande efervescência política. Foi um sonho que se tornou realidade”, contou. ‘’Sinto-me duplamente privilegiado por estar aqui: pela homenagem que me conferem e por poder reconhecer trabalho de todos vocês.”
Murillo revelou vários aspectos da Unicamp em seus primeiros anos e ressaltou a dificuldade de realizar o primeiro vestibular da Unicamp, que foi embargado por um juiz de Ourinhos, SP, às vésperas de acontecer. “A única possibilidade jurídica era cassar a liminar, o que veio a acontecer com a intervenção do Tribunal de Justiça de São Paulo. Ele também recordou outro episódio que gerou uma certa confusão que foi a implantação da câmara curricular. “Foi uma metodologia totalmente diferente e inovadora. Devido à extrema dedicação dos funcionários, conseguimos dar seguimento ao sistema que foi adotado”, afirmou o professor, que foi ovacionado e recebeu uma placa do funcionário emérito da Unicamp, Antonio Faggiani. (Isabel Gardenal)
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Campinas, 22 a 28 de setembro de 2014
por: Antônio Márcio Buainain, Alexandre Gori Maia e Zander Navarro
Tudo mudou no Brasil rural do século 21
vida social e econômica rural sofreu profundas transformações nos últimos 50 anos, fato que tem animado inúmeros estudos entre os cientistas sociais. Ainda assim, Buainain, Alves, Silveira e Navarro (2013) entendem que permanece um “distanciamento entre os processos concretos que demandam explicação e (...) parte significativa das interpretações da literatura (...). Trata-se de hiato entre teoria e realidade que contribui para a persistência de afirmações equivocadas, errôneas e ambíguas, que poderiam ter tido alguma validade para explicar realidades que já foram transformadas, mas que atualmente embaralham os debates sobre o mundo rural brasileiro.” No sentido de ampliar os debates sobre o assunto, em 2013 os autores publicaram o artigo “Sete teses sobre o mundo rural brasileiro” e, neste ano, organizaram o livro “O mundo rural no Brasil do século 21: a formação de um novo padrão agrário e agrícola”. Trata-se de extensa publicação, com 1.182 páginas, na qual 53 autores de diferentes instituições oferecem suas reflexões em 37 capítulos. É um livro plural, pois os pesquisadores examinaram a realidade desde vários pontos de vista, e desta maneira propõem diferentes interpretações sobre a vida social nas regiões rurais e a atividade econômica agropecuária. Não nos arriscamos a propor uma síntese de um trabalho tão denso, e convidamos os interessados a examiná-lo no endereço indicado ao final. Aqui apenas comentamos sobre dois temas que são discutidos no novo livro – o da produtividade e a dinâmica populacional. São processos centrais na evolução do meio rural. Tem sido impressionante o crescimento da produção agropecuária brasileira nas últimas décadas; mas é também marcante o rápido esvaziamento populacional do meio rural. Parecem processos contraditórios, mas ambos têm um mesmo fio condutor: o espetacular crescimento da produtividade, condição sine qua non e a principal âncora do desenvolvimento econômico sustentável. No passado, a produção dependia do binômio formado pela oferta quase ilimitada de mão de obra destreinada e barata e a abundância de terras quase sem valor e relativamente férteis. Nas últimas duas ou três décadas, contudo, o padrão de acumulação da agricultura sofreu uma mudança radical, deslocando o poder econômico e político associado à propriedade da terra para os detentores de capital, em suas várias modalidades. O movimento, antes baseado em acumulação patrimonial baseada na terra, passa a depender do poder e da acumulação de capital, em seu sentido amplo. Con-
tre as condições de vida das cidades e do forme diversos estudos, o crescimento da campo. Na vida rural falta praticamente produtividade total dos fatores ensejou a tudo: vias de acesso, boas escolas, postos redução de quase 10% no uso da terra e da de saúde e, sobretudo, faltam perspectivas mão de obra utilizada, entre 2000 e 2012. de crescimento pessoal. Os agricultores Por isto, no artigo de 2013 sustentou-se a familiares, usualmente idealizados como ideia de que “a partir do final da década de aqueles mais adaptados ao meio rural, em 1990, o desenvolvimento agrícola e agrário particular aqueles com melhores condipassou a experimentar uma nova, inédita ções de vida, investem na e irreversível dinâmica educação dos seus filhos, produtiva e econômica Fotos: Antonio Scarpinetti o que acaba estimulando social no Brasil – um vera migração. Trata-se de dadeiro divisor de águas um processo de seleção em nossa história rural.” negativo para o meio ruEsse novo padrão se ral, no qual migram os traduziu em profunda jovens mais talentosos, reestruturação tecnoprodutivos, mais empreprodutiva das principais endedores e com melhocadeias agroindustriais. res níveis educacionais, É um movimento positideixando para trás os vo, pois quase elimina a mais idosos e os mais utilização de mão de obra Antônio Márcio Buainain pobres. ocasional e temporária, quase sempre contratada É preciso enfatizar a em condições penosas de natureza bifronte do debaixíssima remuneração, senvolvimento agrícola e assim como a quase toagrário, outra das teses tal ausência de direitos levantadas por Buainain trabalhistas. Os maiores et. al. (2013), a qual se bolsões de pobreza rural manifesta nas diferenças estão localizados preciexistentes no território samente onde este probrasileiro. De um lado, cesso não prosperou, em regiões onde predomina especial no Nordeste e a moderna agricultura, Norte. São regiões onde baseada no uso intensivo Alexandre Gori Maia os produtores rurais não de capital, formalização Foto: Reprodução lograram elevar a produdas relações trabalhistas, tividade total dos fatores produtividade e rendie os trabalhadores contimentos mais elevados. nuam sujeitos a relações De outro lado, regiões de trabalho que não connas quais a agricultura dizem com os padrões não conseguiu acompamínimos de decência nhar o processo de inovadefinidos internacionalção, e que são marcadas mente. pela pobreza rural, por Mas o esvaziamento um mercado de trabalho não se explica apenas extremamente precário e Zander Navarro em função de variáveis pela incipiente dinâmica estritamente econômiprodutiva. São regiões cas, como a redução da que dependem fortemendemanda por mão de obra. Esta rarefação te de transferências de renda, desde o Fundo de Participação Municipal, Previdência demográfica vem se registrando mesmo Social e Bolsa Família, além das aposentaem regiões mais prósperas, não por falta dorias rurais. de oportunidades de trabalho, mas por que os jovens não querem mais permaAo contrário do que ainda se difunde, a necer no meio rural. No Brasil, nunca se agricultura já não conta com oferta abuninvestiu seriamente em desenvolvimento dante de mão de obra. Em muitas áreas a rural, e o resultado é um enorme fosso enescassez de trabalhadores é grave proble-
Link para o livro: https://www3.eco.unicamp.br/nea/images/arquivos/O_MUNDO_RURAL_2014.pdf
Foto: Antoninho Perri
ARTIGO
ma cuja superação vem exigindo novos esforços de mudanças tecnológicas e organizacionais. Correndo o risco da generalização, a típica família rural, que nos anos 90 caracterizava-se por um casal com dois filhos, agora se caracteriza por um casal com um filho em idade escolar. Se persistirem as tendências das últimas décadas, há ainda uma grande chance de este jovem alcançar melhores níveis de escolaridade que seus pais e obter um emprego melhor remunerado no setor de serviços urbano. Produzir neste novo ambiente, com baixíssima oferta de mão de obra, passa necessariamente pela elevação da produtividade, o que coloca desafios enormes, em especial para os pequenos produtores, descapitalizados e com baixa experiência em gestão da inovação. A produtividade é também fundamental para explicar a qualidade de vida das pessoas. Apesar dos ganhos observados no país, não houve uma conversão generalizada de melhores condições de trabalho em todas as atividades agropecuárias. Parcela expressiva dos produtores agrícolas ainda se encontra longe do eixo mais produtivo e rentável da agricultura brasileira. Dependem, sobretudo, de ações governamentais de financiamento e assistência à produção. Os produtores que não conseguem acompanhar o ritmo das inovações tendem ao empobrecimento e à marginalização. É certo que este novo padrão impõe exigências tecnológicas, organizacionais e de capital que não estão ao alcance de um grande número de produtores, e que por isto vão reduzindo suas chances de permanência na atividade. Não há mais, neste processo, o dualismo que marcava o meio rural no passado, no qual a riqueza dos latifúndios se alimentava da pobreza dos minifúndios. A pobreza e a exclusão se devem ao atraso, e não há nenhuma funcionalidade entre pobreza e acumulação nos segmentos mais dinâmicos, nem mesmo via mercado de trabalho, uma vez que os mecanismos de proteção romperam com a necessidade de se submeter ao trabalho aviltante para sobreviver. A dinâmica demográfica nas áreas rurais coloca sérias questões sobre a sustentabilidade da atividade agrícola no longo prazo, sobretudo para as mais vulneráveis pequenas unidades produtivas. A tendência é a da persistência dessa dinâmica, sobretudo no médio prazo, já que mudanças na dinâmica populacional costumam levar um tempo considerável para serem concretizadas. Antônio Márcio Buainain e Alexandre Gori Maia são professores do Instituto de Economia (IE) da Unicamp; Zander Navarro é pesquisador da Embrapa.
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Campinas, 22 a 28 de setembro de 2014
Tem diploma no circo Fotos: Álvaro Kassab/Antonio Scarpinetti
Rodrigo Mallet Duprat, autor da tese, durante apresentação em praça do distrito de Barão Geraldo, em Campinas, e na Unicamp: estudando a formação do profissional circense
PATRÍCIA LAURETTI patricia.lauretti@reitoria.unicamp.br
circo não é mais o mesmo, respeitável público. A tradição do picadeiro itinerante, da arte hereditária, vem se transformando não é de hoje. Uma das grandes mudanças foi a partir da segunda metade do século XX, quando os próprios artistas, preocupados com as exigências da educação formal de seus filhos, decidiram fixar residência. Muitos reduziram as viagens, mandaram as crianças para a casa de parentes e para uma escola fixa e assumiram um novo modo de vida. O circo não é mais o mesmo porque encontrou outros modos de organizar-se. Está agora muito além da estrutura de lona. Ocupa espaços nunca antes imaginados, entre os quais as academias esportivas, os projetos sociais, as oficinas culturais e até os hospitais. No Brasil, grande parte dessa transformação se deve aos próprios artistas que, preocupados ainda com a continuidade da arte circense, participaram da criação de escolas para a formação das novas gerações. Escolas e cursos abertos a quem se interessasse. De fato “os próprios artistas foram abrindo o ambiente para outras pessoas e facilitando esta via de mão dupla. O ‘circo novo’ de hoje estabelece-se a partir desta relação com o novo sujeito histórico”, afirma Rodrigo Mallet Duprat, autor da tese “Realidades e particularidades da formação do profissional circense no Brasil: rumo a uma formação técnica e superior”. Rodrigo investigou a formação do profissional de circo no Brasil e também em alguns países como Bélgica, França e Espanha. O objetivo do trabalho foi entender a pluralidade da formação do profissional de circo de hoje bem como sua atuação em outros âmbitos, para além do artístico/profissional. A pesquisa foi desenvolvida no programa de pósgraduação em Educação Física, na área de concentração “Educação Física e Sociedade”. Antes disso, no mestrado, o pesquisador, que também é artista, já havia estudado as atividades circenses na educação física escolar. Rodrigo entende que atualmente a atividade é exercida por diferentes profissionais como professores de teatro, artes ou educação física. A tese propõe formação continuada para que o profissional de circo seja habilitado e capacitado para atuar em todos os âmbitos, inclusive naqueles que ganharam maior espaço na sociedade brasileira nas últimas décadas, como os projetos de circo social. “Há no mercado profissionais híbridos, oriundos
de várias áreas de formação, inclusive no circo familiar. Mas, como falta um curso superior, muitos artistas que começaram nas artes circenses vão para outras áreas do conhecimento como ciências sociais, dança, teatro, educação física, história...É até bom existir essa amplitude só que aquele profissional poderia ter a possibilidade de se formar, fazer um curso superior de artes do circo”, defende o autor da tese. Ele explica que é possível no Brasil fazer apenas cursos preparatórios, de aperfeiçoamento ou profissionalizantes não reconhecidos pelo Ministério da Educação. Como os cursos que são oferecidos na principal escola no país, a Escola Nacional de Circo (ENC), no Rio de Janeiro (RJ). Com mais de 30 anos, é a única mantida diretamente pelo Ministério da Cultura por meio da Funarte – Fundação Nacional de Artes. Rodrigo avaliou a formação oferecida pela ENC, além do extinto Cefac - Centro de Formação Profissional em Artes Circenses, de São Paulo- SP, e três organizações não governamentais: Picadeiro Circo Escola (São Paulo – SP) Circo Laheto (Goiânia- GO) e o Programa de Formação do Artista de Circo (Profac) do circo Crescer e Viver (Rio de Janeiro – RJ). No exterior foram estudadas cinco instituições, sendo duas de nível preparatórioprofissionalizante: Escola de Circ Rogelio Rivel (Barcelona/Espanha), Carampa Escuela de Circo (Madri/Espanha) e três de nível superior: École Supérieure des Arts du Cirque – ESAC (Bruxelas/Bélgica), Centre National des Arts du Cirque – CNAC – (Châlons-en-Champagne /França) e University of Dance and Circus – DOCH (Estocolmo/Suécia). “A ideia foi estudar instituições nacionais e internacionais consolidadas visando oferecer subsídios para proposições específicas para a realidade brasileira. A pesquisa destaca uma enorme diversidade dos currículos e projetos pedagógicos e a participação de algumas dessas escolas na Federação Europeia de Escolas de Circo (Fedec), maior associação internacional do setor”. O Brasil ainda não está associado a nenhum órgão análogo, embora haja diversas associações nacionais (de artistas, de famílias, de projetos sociais, ...) o que dificulta a obtenção de dados estatísticos, como o número de instituições e de alunos, que permitiriam um olhar mais preciso do setor. Em cada escola ou curso foram observados a estrutura física, o funcionamento, número de professores e alunos, duração, etc. Rodrigo também realizou entrevistas com os responsáveis ou pelo curso ou pela instituição, para obter dados sobre a formação na arte secular.
APOIO E RECONHECIMENTO A principal diferença notada entre os cursos nacionais e os estrangeiros, revela o pesquisador, foi o reconhecimento e o aporte financeiro oferecidos às escolas. No Brasil, salvo a ENC, o financiamento pode até vir através das leis de incentivo à cultura, mas depois não há continuidade dos projetos e, por consequência, dificuldade na continuidade na formação dos profissionais. “Parece-nos que a formação disponível no Brasil tende expressivamente à formação mais básica dessa rede formativa, e que existem poucas escolas de formação profissionalizante. Assim, muitos entusiastas, egressos de projetos sociais e escolas especializadas e que pretendem seguir investindo e dedicando-se para se formar como artistas circenses, encontram grande dificuldade e quase nenhuma possibilidade de aprofundar seus conhecimentos”. Uma das iniciativas do governo brasileiro para melhorar este cenário foi, de acordo com o estudo, a constituição da Câmara Setorial do Circo, em 2005, que hoje é denominada de Colegiado. Nos últimos anos, os circenses passaram a ter representantes no Conselho Nacional da Cultura, onde se discute o Plano Nacional de Cultura (PNC) e ainda maior envolvimento e participação política na tentativa de conquistar direitos. Por outro lado, em 2011 o governo federal investiu na cultura o valor de R$ 298 milhões, dos quais 30% foram destinados aos fundos setoriais; 40% para o fortalecimento do Sistema Nacional de Cultura, e 30% destinados a ações consideradas prioritárias pelo Ministério da Cultura, completando in-
Publicação Tese: “Realidades e particularidades da formação do profissional circense no Brasil: rumo a uma formação técnica e superior” Autor: Rodrigo Mallet Duprat Orientador: Marco Antonio Coelho Bortoleto Unidade: Faculdade de Educação Física (FEF)
vestimentos nas universidades, em estudos, pesquisas e gestão cultural. Apenas uma pequena parcela desse montante chega aos fazedores de circo. A Escola Nacional de Circo oferece desde 1982 uma formação artística, entre 3 anos e meio e 4 anos, gratuitamente, e a partir de 2010, também oferece a Bolsa Funarte para formação em Artes Circenses. São escolhidos jovens entre 18 e 25 anos que participam de um curso básico de um ano em artes circenses. Em 2013, foi destinado R$ 1 milhão de reais para este programa e concedidas cinquenta bolsas de R$ 20 mil. Outras iniciativas de fomento destacadas na pesquisa vêm das secretarias estaduais como o Programa de Ação Cultural (ProAC) que destina recursos para atender demandas da produção artístico-cultural. No curso superior oferecido na Bélgica, por exemplo, os investimentos podem ser observados não apenas na estrutura, como salienta Rodrigo, mas na formação técnica. “O aluno dispõe de duas horas por dia com o mestre da sua especialidade, e o restante da formação com os outros professores”. Em situação inversa ao Brasil, naquele país não existem escolas de circo nos níveis de formação básica. O trabalho de doutorado ressalta outras experiências que servem como exemplo de integração e comunicação dos diferentes níveis de formação que resultam num sistema de progressão continuada, como ocorre na França e no Canadá. “Hoje pensamos em uma formação continuada, desde os primeiros contatos com as artes circenses na infância até o nível superior. O profissional de circo tem o primeiro contato, participa de projetos sociais, vive as artes circenses no lazer, até adquirir conhecimentos e optar por um curso técnico na área, para que, no futuro, possa escolher um curso superior que ele considere importante continuar”, pondera Rodrigo. Para o autor da tese, vislumbrar a formação circense como parte de um processo de educação formal, reconhecido pelo Estado, “não é negar as múltiplas formações existentes (da familiar às instituições não formais), mas sim expressar o desejo por uma formação reconhecida pelo Estado, pautada por discussões e estudos da atual e real situação brasileira, que busquem maior integração com as demandas da sociedade em sua contemporaneidade”.