Ju 609 virando paginas

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Foto: Divulgação

Os estragos da soja no TO

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Pesquisa da geógrafa Debora Assumpção e Lima revela que a expansão da soja, no Estado do Tocantins, degrada o meio ambiente, causa especulação imobiliária rural, e expulsa pequenos produtores de suas antigas áreas de moradia e produção.

Jornal daUnicamp www.unicamp.br/ju

Campinas, 6 a 12 de outubro de 2014 - ANO XXVIII - Nº 609 - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

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O outro

global

Dissertação de mestrado de Danilo Arnaut, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFHC), mostra como o atual estágio da globalização, que é impulsionado pelo avanço tecnológico, vem alterando o conceito de fronteira e redefinindo o papel do Estado. Para o autor da pesquisa, o fenômeno estimula a diversidade e a empatia coletiva. “Podemos falar num outro global. Essa percepção trespassa fronteiras estatais e culturais”.

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Faixas deixadas por manifestantes contra reunião de cúpula do G8 realizada na França, em 2011

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Livro reúne grandes nomes da proteômica Exercícios combinados e obesos de meia idade

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Minhocas ‘fogem’ de solo contaminado Programa de tevê ‘sacraliza’ a ciência

Por um índice que meça o bem-estar Cientistas franceses saem em passeata Terrenos disponíveis e segregação urbana

TELESCÓPIO

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Campinas, 6 a 12 de outubro de 2014

TELESCÓPIO

CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br

Metas de biodiversidade não serão atingidas

Medindo o bem-estar humano

A maioria das metas de preservação da biodiversidade para 2020, pactuadas durante a Convenção de Nagoya, realizada no Japão em 2010 e conhecidas como “Metas de Aichi”, não será atingida, diz avaliação publicada na revista Science. Os autores do trabalho reuniram uma série de 55 indicadores cientificamente sólidos, relacionados a 16 das 20 metas, e concluíram que os avanços necessários em termos de investimento e mudança legislativa não vêm ocorrendo. Em alguns casos, como no controle de espécies invasoras e poluição, a situação vem piorando. “Mantidas as trajetórias atuais, a despeito das respostas de política pública e gerenciamento cada vez mais rápidas à crise de biodiversidade, é improvável que o impacto desses esforços se reflita em melhora das tendências para o estado da biodiversidade até 2020”, escrevem.

Um artigo de opinião publicado na revista Science aponta a importância de se criarem métricas confiáveis para avaliar o bem-estar subjetivo das pessoas. Os autores, ligados à Universidade Princeton e à Universidade do Sul da Califórnia, lembram que uma comissão de estudos sobre performance econômica e progresso social, nomeada pelo então presidente francês Nicolas Sarkozy, em 2009, já havia sugerido a criação de um índice de bem-estar que fosse usado de modo complementar ao PIB. O artigo na Science aponta as dificuldades de criação de um indicador de tipo – entre elas, a questão de como garantir que resultados obtidos em diferentes culturas possam ser comparáveis entre si – mas afirma que importantes progressos vêm sendo feitos para superar os obstáculos.

Contra a meta para o aquecimento global A meta mais comumente usada para auferir o progresso no controle da mudança climática – a de manter o aquecimento global abaixo dos 2º C acima dos níveis préindustriais – não deveria mais ser usada, porque é cientificamente inadequada e, politicamente, permite que governos pareçam estar fazendo algo de concreto sobre a crise climática sem, na verdade, realizar nada, escrevem dois pesquisadores americanos na revista Nature. De acordo com os autores, o estresse produzido pela atividade humana no clima seria melhor mensurado pela adoção de uma série de outros indicadores, como o conteúdo de calor dos oceanos ou a concentração direta de gases do efeito estufa na atmosfera.

Vulcanismo na Lua A região lunar de Oceanus Preocellarum – literalmente, “Oceano das Tormentas”, onde pousou a missão tripulada Apollo 12, em 1969 – não foi criada por um gigantesco impacto, como se imaginava, mas foi produzida por intensa atividade vulcânica, diz estudo publicado na revista Nature. De acordo com os autores do trabalho, que se valeram de dados sobre variações da gravidade lunar levantados pela sonda Grail, da Nasa, uma série de anomalias detectadas nas margens de Procellarum podem ser explicadas como vestígios de canais e ravinas de um sistema de escoamento de lava. Os “mares” e “oceanos” da Lua são planícies de terreno mais escuro, visíveis da Terra, e que povos da antiguidade confundiram com mares reais. Os pesquisadores comparam os processos que podem ter dado forma ao Oceano das Tormentas aos que vêm sendo observados em Encelado, uma das luas de Saturno. Em Encelado, no entanto, o líquido envolvido não é magma, mas a água de um oceano subterrâneo. Foto: Divulgação/Nasa

Sombra do astronauta Charles “Pete” Conrad, da Apollo 12, sobre o terreno de Oceanus Procellarum, na Lua

Turbinas e morcegos Turbinas de energia eólica são especialmente perigosas para morcegos que fazem ninho em árvores, e um estudo publicado no periódico PNAS sugere que a causa é a semelhança entre as correntes de ar nas proximidades das turbinas, em certas condições, e as que existem perto de árvores altas, onde esses mamíferos encontram os insetos que usam como alimento e fazem seus ninhos. Os autores do trabalho, vinculados a instituições dos Estados Unidos, usaram câmeras infravermelhas para observar o comportamento dos morcegos à noite na vizinhança das turbinas. “Morcegos que vivem em árvores podem responder a correntes de ar que fluem na direção do vento, a partir de árvores, enquanto buscam ninhos (...) e insetos noturnos que podem se acumular nesses fluxos. Mortes de morcegos de árvores nas turbinas podem ser consequências de comportamentos que evoluíram para fornecer vantagens adaptativas quando provocados por árvores altas”, mas que se tornaram prejudiciais com a aparição das turbinas, diz o texto.

Opinião e linguagem Pesquisas de opinião usadas para levantar dados em disciplinas ligadas à sociologia ou psicologia podem estar revelando mais sobre os hábitos de linguagem dos respondentes do que sobre as variáveis em estudo, diz artigo publicado no periódico PLoS ONE. Os autores, de instituições dos Estados Unidos, Noruega e Malásia, criaram um algoritmo para prever, usando como único critério a semelhança semântica entre as questões, quais as respostas que seriam dadas a questionários do tipo usado em pesquisas sobre comportamento organizacional. O algoritmo semântico foi capaz de prever de 60% a 86% dos dados apurados. “Muitas disciplinas da ciência social obtêm dados por meio de pesquisas. O foco de interesse costuma ser como diferentes variáveis se relacionam, permitindo a exploração de relações como as entre liderança, motivação e resultados”, diz o artigo. Segundo os autores, o algoritmo foi capaz de prever corretamente “até mesmo a relação entre as variáveis independentes e as supostamente dependentes”, o que “levanta a preocupação sobre a natureza empírica dos dados coletados por meio de algumas pesquisas, se os resultados já estão dados, a priori, pelo modo como as perguntas são feitas”.

Cientistas franceses fazem passeata Mais de 3.000 cientistas, funcionários de instituições de ensino e de pesquisa franceses, além de populares, iniciaram, no fim de setembro, uma caminhada de três semanas em defesa da educação e da ciência, informam agências de notícia internacionais. Os manifestantes esperam chegar a Paris em 17 de outubro, para formar uma multidão diante da Assembleia Nacional. Eles exigem um investimento de € 10 bilhões (R$ 31 bilhões) para a contratação de 3.000 novos cientistas e funcionários ao ano, pelos próximos dez anos, além de um aumento de 8% no orçamento nacional para ciência.

Segundo o serviço noticioso Nature News, da revista britânica Nature, é muito difícil que as exigências venham a ser atendidas. O governo francês passa por dificuldades orçamentárias e está enfrentando problemas para se manter dentro do limite de déficit estipulado pela União Europeia.

EUA lançam diretriz para organismos perigosos Pesquisadores que trabalham com financiamento federal do governo dos Estados Unidos terão de alertar as autoridades caso desenvolvam pesquisas potencialmente perigosas com pelo menos um de 15 organismos, incluindo antraz, peste, gripe aviária, varíola e gripe espanhola de 1918. As pesquisas consideradas perigosas são as chamadas de “duplo uso”, que além de ter valor científico também poderiam se converter em armas, caso caiam em mãos erradas. O novo regulamento para o trabalho com esses patógenos foi divulgado em 24 de setembro, mas entra em vigor dentro de um ano: a partir daí, as instituições terão de submeter relatórios mensais de progresso a respeito dos trabalhos considerados sensíveis. Segundo o serviço ScienceInsider, da revista Science, levantamentos realizados a partir de 2012 revelaram “duas centenas” de trabalhos com esses 15 organismos, dos quais “apenas um punhado” teria a possibilidade de “duplo uso”.

Segregação urbana Um modelo matemático apresentado no periódico PNAS por pesquisadores da Universidade Duke sugere que a segregação – em linhas étnicas, religiosas, etc. – da população urbana tende a se tornar mais provável à medida que a densidade de ocupação dos terrenos disponíveis em cada bairro aumenta. No modelo, os autores definiram dois grupos étnicos abstratos, os “azuis” e os “vermelhos”, compostos cada um por um mesmo número de famílias, e deram a essas famílias um limiar de tolerância, de modo que elas estariam dispostas a se mudar a partir do momento em que o número de vizinhos da outra “raça” superasse o limite definido. De acordo com nota distribuída pela universidade, a simulação mostrou que as duas etnias eram perfeitamente capazes de conviver pacificamente em bairros mistos, exceto quando a taxa de ocupação dos terrenos disponíveis no bairro superasse um teto, que pode ser tão baixo quanto 25%. A partir desse ponto, um rápido processo de segregação tinha início. Os autores evitam especular sobre a causa dessa ligação entre densidade e segregacionismo, e lembram que seu modelo ainda é bastante simples, já que o número de vermelhos e de azuis é igual e a taxa de intolerância é sempre a mesma e constante para todas as famílias.

Férias O Telescópio sai de férias nesta semana. A coluna retorna na edição de 17 de novembro.

UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas Reitor José Tadeu Jorge Coordenador-Geral Alvaro Penteado Crósta Pró-reitora de Desenvolvimento Universitário Teresa Dib Zambon Atvars Pró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários João Frederico da Costa Azevedo Meyer Pró-reitora de Pesquisa Gláucia Maria Pastore Pró-reitora de Pós-Graduação Raquel Meneguello Pró-reitor de Graduação Luís Alberto Magna Chefe de Gabinete Paulo Cesar Montagner

Elaborado pela Assessoria de Imprensa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Periodicidade semanal. Correspondência e sugestões Cidade Universitária “Zeferino Vaz”, CEP 13081-970, Campinas-SP. Telefones (019) 3521-5108, 3521-5109, 3521-5111. Site http://www.unicamp.br/ju e-mail leitorju@reitoria.unicamp.br. Twitter http://twitter.com/jornaldaunicamp Assessor Chefe Clayton Levy Editor Álvaro Kassab Chefia de reportagem Raquel do Carmo Santos Reportagem Carlos Orsi, Carmo Gallo Netto, Isabel Gardenal, Luiz Sugimoto, Manuel Alves Filho, Patrícia Lauretti e Silvio Anunciação Fotos Antoninho Perri e Antonio Scarpinetti Editor de Arte Luis Paulo Silva Editoração André da Silva Vieira Vida Acadêmica Hélio Costa Júnior Atendimento à imprensa Ronei Thezolin, Gabriela Villen, Valerio Freire Paiva e Eliane Fonseca Serviços técnicos Dulcinéa Bordignon e Diana Melo Impressão Triunfal Gráfica e Editora: (018) 3322-5775 Publicidade JCPR Publicidade e Propaganda: (019) 3383-2918. Assine o jornal on line: www.unicamp.br/assineju


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Quando tudo nos diz respeito Foto: Joel Silva/Folhapress

Dissertação demonstra como processo de globalização redefine noção de fronteira e o papel do Estado

Manifestação na Líbia, em 2011: para o autor do estudo, os conflitos espalhados pelo mundo passam a ser tema de interesse global

CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br

globalização não é uma força uniformizante das culturas ou uma ideologia imposta pelo capitalismo global, mas um processo que emerge do avanço tecnológico e que, embora traga desafios, vem estimulado a vivência da diversidade e a emergência de uma empatia global, na qual pessoas de credos e culturas diferentes podem ver-se como membros de uma humanidade comum, acredita o pesquisador Danilo Arnaut, autor da dissertação de mestrado “A inteligência do mundo: sobre a cognição de processos globais em Octavio Ianni e Ulrich Beck”, defendida no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFHC) da Unicamp e orientada pelo professor Renato Ortiz. “O uso de uma burca, em certas partes do mundo, e os conflitos que isso porventura implique, passam a ser um tema de interesse global, algo que está presente, em maior ou menor medida, na nossa sociabilidade cotidiana”, exemplificou ele, em entrevista ao Jornal da Unicamp. “Podemos ver isso como uma novidade histórica. Afinal, diferentemente do que acontecia até o século 19, conseguimos nos vislumbrar numa situação próxima à daquela pessoa”. Ele cita, em contraste, as Exposições Universais do século retrasado, como a realizada em 1867 em Paris, onde “pessoas iam para assistir à diferença, como num zoológico humano”. “Hoje, egípcios, tunisianos, líbios, marroquinos, argelinos, omanianos etc., nos movimentos da chamada Primavera Árabe, não são percebidos assim”, exemplifica. “Quando vemos uma imagem deles, no jornal, na televisão ou mesmo no Facebook, conseguimos visualizar aquelas pessoas como próximas de nós e perceber que aqueles movimentos, aparentemente locais, também nos dizem respeito. Nesse sentido, podemos falar num outro global. Essa percepção trespassa fronteiras estatais e culturais”. “Tenho a impressão de que este é um passo fantástico na história da humanidade. Sim, isso anuncia a construção de uma humanidade, que é um sonho filosófico e historiográfico há muito tempo”.

PROCESSOS

Arnaut trata a globalização como processos que ocorrem sem controle ou direção consciente de uma pessoa ou grupo. “Parece frutífero abordar a globalização também como um fenômeno, ou seja, uma coisa que se apresenta a nós, à qual não podemos controlar. Por isso, é muito difícil dizer ‘sou antiglobalização’ ou ‘sou a favor’. Esta postura é ingênua: a globalização está aí, dá-se. São processos históricos, que acontecem a despeito da nossa vontade individual, e mesmo da coletiva. Não há uma sociedade que produza a globalização”. O pesquisador lembra que, quando os estudos sobre globalização começaram a ganhar fôlego e volume, na década de 1990 do século passado, havia a ideia de que o fenômeno poderia ser entendido como uma ideologia. Segundo Arnaut, esta abordagem mostrouse equivocada. “Autores muito importantes para a sociologia, como Pierre Bourdieu, achavam que a globalização era uma ideologia neoliberal. Como ele, outros estudiosos que eram considerados referências na época não perceberam de fato a efetividade dos processos de globalização”, disse. “Por isso tentei observar que a globalização pode ser mais adequadamente estudada como um fenômeno, ou enquanto processos de globalização. Tacitamente, estou rejeitando a ideia de que seja uma ideologia. Não se trata de um ‘plano’ de alguém, nem de uma falsa consciência da realidade. A globalização se dá, e no plano da realidade efetiva (para retomar a distinção hegeliana entre Realität e Wirklichkeit); ela ocorre e as pessoas dão-se conta disso, aos poucos ou de repente”.

Os processos de globalização, disse ele, envolvem dinâmicas sociais, econômicas, políticas, culturais, jurídicas, ecológicas, entre outras, que se dão em escala global. “Um exemplo disso são as famílias planetárias, famílias que se constituem numa situação de globalização: é possível que você viva aqui e namore alguém que reside na Indonésia ou no Japão, e que vocês construam uma relação complexa e duradoura, por conta dessa conectividade possibilitada através de meios tecnológicos. A questão é que, note-se, isso transcende a tecnologia”. Mesmo rejeitando a ideia de que a globalização seria fruto de uma conspiração capitalista ou uma imposição da ideologia neoliberal, Arnaut vê relações entre o fenômeno e o desenvolvimento tecnológico atrelado ao capital. “Eu tendo a pensar que as condições de possibilidade da globalização guardam relações com o desenvolvimento tecnológico”, afirmou. “As possibilidades de conexão de que dispomos hoje, os meios de transporte, as redes mundiais etc., tudo isso possibilitou os desenvolvimentos que vieram depois disso. E esses desenvolvimentos têm a ver com capital, mas também com cultura, e outras coisas. Então, nesse sentido, creio que ser possível afirmar que haja uma relação de causalidade – conquanto não de determinação – entre uma coisa e outra”. Sendo um conjunto de processos, a globalização não está concluída, e nem ocorre de modo uniforme. “Às vezes, principalmente através de certos discursos midiáticos, interesses de mercado ou mesmo de uma literatura acadêmica menos cuidadosa, acabamos por ter a impressão de que o mundo se globalizou, e pronto. Mas não é bem assim. Tratam-se de processos não lineares, de modo que a globalização não se dá do mesmo modo no mundo inteiro: pode-se dizer que ela é mais evidente em certos pontos do planeta. Assim, em São Paulo, Nova Iorque ou Pequim, por exemplo, são muito mais visíveis os processos de globalização, do que em cidades menos cosmopolitas”.

SOCIEDADE GLOBAL

A despeito do surgimento de famílias globais e da visão do “outro global”, Arnaut diz que ainda é muito cedo para se falar numa sociedade mundial. “Há uma certa corrente na sociologia que entende a sociedade como um sistema que se constitui a partir de comunicação eficiente de sentido. Se as gentes têm essa possibilidade de se comunicar de maneira eficiente mundo afora, isso é entendido como se a sociedade estivesse se expandindo. Essa foi uma tônica do debate por muito tempo: a existência de uma sociedade global em emergência”. Hoje, no entanto, a questão não é mais vista dessa forma: “Podemos captar boa parte dos problemas da ideia de uma sociedade global na esfera da política. Nós não temos uma esfera pública que se reproduza planetariamente. Não há uma jurisdição global, por exemplo. Ao menos por ora. Nesse sentido, é arriscado falar em sociedade global. Mas o insight é interessante: essa expansão de possibilidades é bastante profícua para alimentar a inteligência de diversas questões contemporâneas”. A globalização enfraquece o Estado nacional, que deixa de ser “o emblema da sociedade”, mas não necessariamente destrói identidades que, de modo tradicional, podem ser vistas como nacionais, ou mesmo provincianas. Ao contrário, disse o pesquisador, essas identidades passam a poder reivindicar uma legitimidade global. Arnaut cita os exemplos hipotéticos de um grupo de capoeira ou de um terreiro de umbanda no Japão. “São identidades culturais que se reivindicam, digamos assim, como existentes e como uma unidade coerente em qualquer ponto do espaço. Hoje é possível ir à Alemanha ou ao Japão e lá ter uma performance com capoeiristas do Pelourinho – mas, note-se, será muito possivelmente a capoeira de uma determinada comunidade ou grupo, que está lá, e reivindica um lugar para si”. Foto: Antoninho Perri

Enquanto, por um lado, essas identidades “provincianas” se reivindicam universais, por outro elas não se misturam totalmente, nem se diluem: “Não se descaracterizam necessariamente. E essa passagem do provinciano, do local, para o que podemos chamar de transnacional, trespassa o Estado nacional. O Estado-nação não determina mais isso. É importante notar que quando o grupo de capoeira do exemplo vai para a Alemanha, ou à Rússia, ou a outra parte, ele não vai apenas como um grupo de capoeira brasileira, mas pretende levar a capoeira de uma tal cidade, ou região específicas. É claro que alguém vai dizer: ‘é brasileiro’; mas o Estado brasileiro e mesmo o caráter nacional não necessariamente lhe definem, nem lhe (des)autorizam”. Em termos de direitos humanos, o olhar global tem o potencial de minorar o poder de Estados nacionais em oprimir suas próprias populações. “Num contexto global, numa espécie de política interna mundial, os Estados têm cada vez mais que se reportar a uma comunidade internacional, uma comunidade política planetária e justificar, cada vez mais, certos atos”, disse o pesquisador. “Então, relativismos do tipo ‘é assim que funciona aqui’ tornam-se mais difíceis de justificar. É claro que muita coisa é feita às escondidas e mesmo à revelia dessa alteridade global, mas é preciso notar que a legitimação das ações do Estado não se dá mais por si só”.

GUERRA

Ao mesmo tempo em que a globalização traz à tona a possibilidade de maior convivência na diversidade e universalização dos direitos humanos, o pesquisador vê vários riscos no processo. “A realização da humanidade é, nesses termos, uma coisa belíssima”, disse. “Mas temos um mundo que está em guerra constantemente, cotidianamente, globalmente. E a guerra hoje é vivenciada por todos, mesmo por quem não se vê em campos de batalha. Damo-nos conta, aos poucos ou subitamente, de que há riscos efetivamente globais”. Hoje, lembra ele, guerras são travadas não apenas entre Estados, mas também entre indivíduos, ou ainda são movidas por indivíduos contra Estados, e vice-versa. “O terrorismo, aliás, pode ser visto desta maneira. No atentado às Torres Gêmeas, por exemplo, há indivíduos que ousam desafiar Estados, e os desafiam”. “Com efeito, a esperança é um esforço. E o otimismo é mais o fruto de uma luta cotidiana que de uma evidência”.

Publicação Dissertação: “A inteligência do mundo: sobre a cognição de processos globais em Octavio Ianni e Ulrich Beck” Autor: Danilo Arnaut Orientador: Renato Ortiz Unidade: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFHC) O pesquisador Danilo Arnaut: “Tenho a impressão de que este é um passo fantástico na história da humanidade”


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Livro compila protocolos em

Foto: Antoninho Perri

proteômica Publicação organizada por professor do IB reúne autores de todo o mundo

Jornal da Unicamp – Em 2012, o senhor publicou um editorial da revista Proteomics no qual afirmava que o Brasil reunia uma série de condições para ser o país do futuro na área da proteômica. A edição deste livro é, em alguma medida, reflexo desse contexto? Daniel Martins-de-Souza – Creio que sim. Eu fui convidado para editar este livro, que é uma compilação de diferentes trabalhos em proteômica, no momento em que estava voltando ao Brasil depois de permanecer seis anos no exterior. Penso que o convite veio ao encontro do que a gente previa sobre o crescimento da proteômica no Brasil. A gente tem visto esse avanço, por exemplo, através do financiamento de vários projetos de pesquisa e da consolidação e criação de novos laboratórios dedicados a essa área do conhecimento no país. Penso que estamos em pé de igualdade para competir com as grandes potências nessa área. JU – Em dois anos já foi possível identificar esses progressos? Martins-de-Souza – Na verdade, um dos fatores que contribuiu bastante para essa evolução foi que, após a publicação da edição especial da revista Proteomics intitulada “Proteomics in Brazil”, contando somente com artigos de grupos brasileiros, nós promovemos em dezembro de 2012 um encontro com pesquisadores em proteômica de todo o país. Na ocasião, fundamos a Sociedade Brasileira de Proteômica (BrProt). Com o surgimento da entidade, houve um fortalecimento ainda maior das pesquisas em âmbito local. Em dezembro próximo nós faremos um segundo encontro, que será realizado conjuntamente com o Encontro Pan-Americano de Proteômica Humano. O evento reunirá especialistas do mundo todo. Isso é uma mostra da força que o Brasil adquiriu na área. JU – Como surgiu o convite para editar o livro? Martins-de-Souza – O livro pertence a uma série intitulada Methods in Molecular Biology, que é publicado pela editora Springer. Este livro é a edição 1.156. Ou seja, é uma publicação bastante tradicional na área da biologia molecular. Cada edição aborda um tema diferente, mas sempre tendo como pano de fundo a biologia molecular. O convite surgiu porque eu encontrei o editor-chefe desta edição, o cientista norte-americano John Walker, em um evento científico na Alemanha. Tendo lido meu editorial na Proteomics, Walker perguntou se eu não tinha interesse em fazer uma edição que fosse uma referência de tudo o que se faz atualmente em proteômica baseada em espectrometria de massa. JU – O senhor teve total liberdade para convidar os autores? Martins-de-Souza – Sim, total liberdade. O que eu procurei fazer foi convidar os líderes de pesquisa em proteômica no mundo, dos mais diferentes países. Primeiramente, dividi o livro em algumas seções que contêm capítulos sobre um determinado assunto. O resultado é uma compilação bastante abrangente, que conta com a visão e a experiência de cientistas de diferentes locais e instituições. Nesse sentido, há abordagens referentes às técnicas utilizadas em proteômica para identificação e quantificação de proteomas, à importância da bioinformática, entre outros temas, sempre associados à espectrometria de massas. Quanto à nacionalidade dos autores, nós temos brasileiros, norte-americanos, israelenses, espanhóis, alemães, sul-coreanos, britânicos, finlandeses, noruegueses, canadenses etc. Ao todo, são 28 capítulos.

O professor Daniel Martins-de-Souza: “Uma das preocupações que tivemos ao delinear o livro foi construir capítulos que fossem acessíveis a um público que tivesse um mínimo de compreensão sobre o assunto”

MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br

epois de seis anos na Europa, onde fez um pós-doutorado no Instituto Max Planck (Alemanha), outro na Universidade de Cambridge (Inglaterra) e liderou um grupo de pesquisa na Universidade de Munique (Alemanha), o biólogo Daniel Martins-de-Souza retornou ao Brasil para ocupar a posição de professor no Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, onde se graduou e se doutorou. No IB, o biólogo tem se dedicado à instalação do primeiro laboratório de neuroproteômica da América Latina. Um dos interesses do cientista é investigar os fatores que concorrem para o desenvolvimento da esquizofrenia e depressão. Enquanto cria as condições para que o laboratório esteja totalmente operacional, o que deverá ocorrer a partir de novembro próximo, Martins-de-Souza também aproveita para divulgar o lançamento de um novo volume da série “Methods in Molecular Biology”, publicado pela editora Springer, da qual foi o organizador. Intitulada “Shotgun Proteomics”, a obra faz uma compilação de diferentes protocolos em proteômica, cujos autores estão entre os mais destacados pesquisadores da área em todo o mundo. Na entrevista que segue, o docente da Unicamp fala sobre a importância do livro, destaca o avanço da proteômica e reafirma o que disse em editorial publicado pela revista Proteomics, em 2012: o Brasil é o país do futuro nesta área do conhecimento.

JU – Foi muito difícil mobilizar tantos cientistas de tantos países diferentes? Martins-de-Souza – Foi desafiador. Para chegar a esses autores, eu tive que convidar aproximadamente 65 deles. Nem todos, obviamente, puderam atender ao convite por causa de compromissos já assumidos. Ainda assim, fiquei feliz porque temos no livro autoridades reconhecidas internacionalmente por seus trabalhos na área da proteômica. JU – Entre a ideia e a impressão do livro, quanto tempo foi necessário? Martins-de-Souza – Foi preciso quase dois anos para concluir o projeto. Primeiro, eu tive que fazer a divisão das grandes áreas do livro para depois fazer os convites. Conforme os protocolos iam chegando, eu lia cada um deles e, eventualmente, pedia uma ou outra explicação adicional ao autor. E cada protocolo foi ainda avaliado por revisores externos. Foi um longo processo. JU – O livro se destina a um público formado somente por pesquisadores da área ou é acessível também ao aluno de graduação interessado no tema? Martins-de-Souza – Uma das preocupações que tivemos ao delinear o livro foi justamente construir capítulos que fossem acessíveis a um público que tivesse um mínimo de compreensão sobre o assunto em pauta. No caso desta edição, o leitor não precisa saber muito sobre espectrometria de massas. Se a pessoa tiver acesso aos reagentes necessários, ela poderá executar um experimento e eventualmente se associar a quem tem um espectrômetro de massas. Os capítulos apresentam um passo a passo que ajuda na execução dos experimentos. Então, um aluno de graduação é perfeitamente capaz de seguir os protocolos propostos, sem grandes dificuldades. Além disso, os capítulos também trazem notas que explicam com mais detalhe um ou outro aspecto mais complexo. JU – O livro já foi lançado oficialmente? Martins-de-Souza – Sim, a editora Springer fez um lançamento oficial em seu website e tem apresentado esta edição em alguns eventos científicos. No ASMS [encontro da sociedade americana de espectrometria de massas], tanto a venda quanto a repercussão foram muito boas, segundo a Springer. O livro também pode ser comprado e acessado por via digital, tanto pelo site da Springer quanto via PubMed.

JU – Duas perguntas inescapáveis em termos de divulgação científica: o que é e qual a aplicação da proteômica? Martins-de-Souza – A proteômica é a ciência que estuda o proteoma. E o proteoma pode ser definido de forma simplificada como o complemento proteico do genoma. O termo proteoma foi cunhado há pouco menos de 20 anos. A proteômica emergiu a partir do momento em que se teve em mãos dados sobre o genoma, mais especificamente o genoma humano. Foi quando os pesquisadores ficaram mais interessados em estudar o que o genoma produz. A informação genética contida no genoma é expressa a partir da produção de uma proteína. A ideia da proteômica é entender quais proteínas estão sendo produzidas por um organismo, tecido ou célula e dessa forma compreender os processos moleculares contidos nesse organismo. JU – No seu caso em particular, essa busca por entendimento está relacionada aos fatores envolvidos no desenvolvimento da esquizofrenia, é isso? Martins-de-Souza – Sim, aqui no Laboratório de Neuroproteômica do IB estudamos doenças psiquiátricas, dentre elas a esquizofrenia. Um tipo de análise que a gente faz é comparar as proteínas produzidas no cérebro de um paciente com esquizofrenia com as produzidas por uma pessoa que não apresenta a doença. Ao quantificar essas proteínas, a gente consegue entender como a doença funciona molecularmente. A proteômica também tem sido muito utilizada para identificar biomarcadores. Um exemplo de um trabalho que temos aqui é a comparação das proteínas do sangue de um paciente que respondeu bem ao tratamento de esquizofrenia com as proteínas presentes no sangue de um paciente que não respondeu bem à terapia com antipsicóticos. Dessa forma, nós podemos identificar proteínas que podem predizer se alguém tem disposição ou não de responder bem a uma dada medicação. JU – Em última análise, esse conhecimento pode ajudar na prescrição de um medicamento “personalizado”, voltado especificamente ao problema de uma dada pessoa? Martins-de-Souza – Exatamente. A proteômica também é uma ferramenta muito útil àquilo que os especialistas classificam de medicina translacional. O objetivo, nesse caso, é o desenvolvimento de produtos e processos que possam ser aplicados clinicamente.

JU – A espectrometria de massas é um recurso fundamental para as pesquisas na área, não? Martins-de-Souza – Sim. A espectrometria de massas, que é a base para a proteômica tratada no livro, é utilizada na grande maioria dos estudos da área. Toda a parte de identificação das proteínas é feita por espectrometria de massas. Provavelmente a proteômica é a ciência que mais evoluiu e mais tem evoluído em relação a qualquer outra ciência, muito em função dos avanços das técnicas em espectrometria de massas. Cada vez mais a gente consegue identificar mais proteínas. Há cinco anos, quando eu ainda estava na Alemanha, nós conseguíamos identificar cerca de mil proteínas no nosso tecido cerebral. Atualmente, conseguimos identificar perto de cinco mil. É um progresso muito rápido. JU – O senhor foi contratado em maio último como docente da Unicamp. Sua proposta foi criar na Universidade o primeiro laboratório de neuroproteômica da América Latina. Em que estágio está o projeto? Martins-de-Souza – De fato, fui contratado em maio. No momento, estamos na fase de adequação de espaços do laboratório e aguardando a chegada do espectrômetro de massas, que já foi embarcado e deverá chegar nos próximos dias. Nossa expectativa é de que o equipamento já esteja funcionando a partir de novembro. Por outro lado, temos outras técnicas que já estamos utilizando. Ainda não estamos a pleno vapor, mas estamos dando os primeiros passos. JU – E em termos de formação de equipe? Martins-de-Souza – Como você disse, a nossa expectativa é de que o laboratório se torne uma referência em neuroproteômica. Ele é o primeiro da América Latina. Nós contamos com financiamento da Fapesp [Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo], e certamente contaremos com uma estrutura muito competitiva comparada a de outros laboratórios espalhados pelo mundo. Atualmente, eu tenho uma aluna de iniciação científica e uma aluna de mestrado, além de dois alunos de doutorado, que devem começar as pesquisas a partir de março do ano que vem. O interessante é que estes dois estudantes de doutorado são estrangeiros: um é da Índia e outro de Cingapura. Conto também com uma pós-doc em tempo integral na Unicamp e outra que atua metade do tempo aqui e outra metade no Rio, desenvolvendo um projeto colaborativo com o professor Stevens Rehen, da UFRJ, que trabalha com células-tronco. JU – A sua trajetória incluiu seis anos de experiência na Europa, onde teve a oportunidade de estudar no Instituto Max Planck de Psiquiatria (Alemanha) e na Universidade de Cambridge (Reino Unido). Com base nessa vivência, como o senhor analisa esse movimento feito pelo Brasil em direção à internacionalização da sua ciência? Martins-de-Souza – Eu vejo como muito importante esse movimento. Um reflexo dessa iniciativa são os novos professores que têm ingressado aqui no IB, todos eles com alguma experiência no exterior. É importante que as pessoas saiam do país para aperfeiçoar a sua formação, mas é igualmente importante que elas voltem para poder compartilhar esse conhecimento adquirido com os que estão aqui. Isso não é uma crítica, pois a decisão e voltar ou não está vinculada a uma série de fatores. Outra coisa importante a se dizer é que enviar estudantes para o exterior é muito válido, mas igualmente válido é atrair pesquisadores e estudantes estrangeiros para as nossas universidades. Uma parte importante da internacionalização passa por essa iniciativa. O pesquisador ou estudante estrangeiro traz toda uma carga cultural e de conhecimento que normalmente é compartilhada com o restante da comunidade universitária.


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Soja degrada meio ambiente

e alimenta especulação no TO Foto: Divulgação

CARMO GALLO NETTO carmo@reitoria.unicamp.br

m dissertação de mestrado apresentada ao Instituto de Geociências (IG) da Unicamp, orientada pelo professor Vicente Eudes Lemos Alves, a geógrafa Debora Assumpção e Lima busca compreender as transformações do espaço agrário do Tocantins a partir da expansão do plantio de soja, que lidera a exportação agropecuária deste Estado, criado e desmembrado de Goiás em 1988 e com governo instalado em Palmas desde1990. Esta mais nova unidade da Federação, situada na região Norte do Brasil, na chamada Amazônia Legal, tem sua geografia dominada por dois rios, que a percorrem de sul a norte: o Tocantins e o Araguaia, este na divisa com Mato Grosso e Pará. A partir de sua criação, o Estado tem atraído agricultores modernos e empresas hegemônicas em vista da grande oferta de terras do Cerrado e do desenvolvimento logístico. Com efeito, as ações governamentais, desde a promulgação da constituição do Tocantins até a construção de infraestruturas, favorecem o avanço da moderna monocultura de grãos. O Projeto Agrícola Campos Lindos e o Programa de Desenvolvimentos dos Cerrados, desenvolvidos no município de Pedro Afonso, ratificam esse avanço e revelam também as precarizações das relações espaciais e a expulsão da agricultura camponesa. “Ela poderia garantir a diversidade agrícola, não apenas através da produção de víveres, mas também como forma de resistência às ordens hegemônicas do capital”, diz a autora. Para a pesquisadora, as mudanças ocorridas no espaço rural tocantinense envolvem importantes alterações na estrutura produtiva dessa fronteira agrícola, concretizadas pela presença de aparatos técnicos modernos e novos agentes socioeconômicos, que avançam rapidamente sobre os espaços dos camponeses, em decorrência da presença de grandes empresas, frequentemente conglomerados econômicos transnacionais. O avanço da monocultura modernizada da soja, que se tornou uma commodity altamente representativa na exportação do Estado, é acompanhado da degradação das relações espaciais como aumento expressivo da especulação imobiliária rural, expulsão de pequenos produtores de suas antigas áreas de moradia e produção, crescimento do trabalho precário. A pesquisa foi realizada no âmbito do projeto temático “A fronteira agrícola CentroNorte brasileira: regionalização, mobilidade do trabalho, modernização, propriedade da terra e processo de urbanização”, financiado pela Fapesp e coordenado por Vicente Eudes Lemos Alves. Esses estudos atêm-se a áreas que estão no contexto da moderna agricultura brasileira e examinam as condições que determinam a expansão dessa fronteira agrícola que abarca o oeste da Bahia, o sul do Piauí e Maranhão, e ainda o Tocantins.

OBJETIVOS

O objetivo do trabalho foi o de compreender a expansão do cultivo da soja no Brasil, mais especificamente no Tocantins, tentando entender quais áreas farão parte do processo de modernização agrícola e do avanço do plantio, que compõe cerca de 75% da exportação do Estado, seguido da pecuária (24%), restando apenas 1% para o abacaxi e outros produtos agrícolas de menor relevância. “Procurei entender o que está acontecendo nesse estado de clara vocação agropecuária desde sua recente constituição. A separação de Goiás teve como objetivo a entrada de alguns grupos financeiros com vistas à organização e modernização da agricultura local para atender o mercado internacional”, esclarece a autora. Com esse objetivo, o governo estadual promoveu políticas tanto de ocupação como de incentivos fiscais. Primeiro, até meados dos anos 1990, para a ocupação do vale do Araguaia, a oeste do Estado e, depois, para o fortalecimento de algumas políticas agrícolas mais localizadas, caso do Polo Agrícola de Campos Lindos, em que basicamente se ateve à desapropriação de terras para criação de lotes destinados ao plantio de grãos. Contextualizando, a pesquisadora lembra que o plano de desenvolvimento do Tocantins assemelha-se ao Projeto de Desenvolvimento do Cerrado (Prodecer), implementado no

Dissertação aponta problemas e transformações decorrentes da intensificação do plantio da cultura

Silos para armazenamento de soja no Estado de Tocantins: muitas mudanças na estrutura produtiva da fronteira agrícola

Foto: Antoninho Perri

A geógrafa Debora Assumpção e Lima: para autora do estudo, monopólios fomentam uma “lógica perversa” no campo

ano anterior no município de Pedro Afonso, conhecido hoje como a capital da soja tocantinense. Mantido pelo governo federal, o Prodecer foi implantado no final da década de 70 inicialmente em Minas Gerais e Goiás, avançou para o Mato Grasso, Mato Grosso do Sul, Bahia e chegou ao Tocantins e sul do Maranhão, acompanhando o movimento da ocupação das áreas centrais do Brasil, os investimentos estaduais e a criação de infraestruturas que facilitassem o escoamento da produção de commodities. Embora a pauta do projeto estivesse centrada principalmente na produção de grãos, o cultivo da soja acabou predominando nas regiões mencionadas. Paralelamente, constituíam objetivos do Projeto a ocupação de áreas pouco povoadas e o estabelecimento da interligação da região central do país com o Norte e Nordeste, através da Hidrovia Araguaia-Tocantins, da Ferrovia Norte-Sul e da Estrada de Ferro Carajás integrando-as ao sistema rodoviário convencional e à Companhia Ferroviária do Nordeste.

Publicação Dissertação: “A expansão da soja na fronteira agrícola moderna e as transformações do espaço agrário tocantinense” Autora: Débora Assumpção e Lima Orientador: Vicente Eudes Lemos Alves Unidade: Instituto de Geociências (IG) Financiamento: Fapesp

O grande estoque de terras baratas atraiu sulistas, conhecidos genericamente como gaúchos, que traziam o conhecimento de uma agricultura moderna, interessados ainda nas facilidades oferecidas pelo Estado, inclusive financiamento de equipamentos agrícolas. Esses migrantes acabam criando a Cooperativa Agroindustrial de Pedro Afonso, hoje a maior armazenadora de grãos do Estado. Em duas viagens de campo, realizadas em 2012 e 2013, a pesquisadora percorreu a rodovia Belém-Brasília ate o sul do Maranhão, mapeando algumas das infraestruturas ligadas ao circuito produtivo da soja, tais como concessionárias de equipamentos agrícolas, lojas de venda de insumos, prestadoras de serviços, abatedores, e manteve contato com sindicatos de trabalhadores e com movimentos ligados à agricultura camponesa. Visitou também a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), responsável por alguns silos do Estado, a vigilância sanitária, a cooperativa de Pedro Afonso, alguns projetos agrícolas mantidos pelo Estado, procurando relacionar o discurso à paisagem vivenciada. Essa paisagem envolve tudo que se encontra no quadro espacial do município: as atividades agropecuárias praticadas no Cerrado, os investimentos logísticos, as casas e construções, os arruamentos, os silos, os migrantes, as demandas por serviços etc. Entre os principais investimentos logísticos, ela destaca a rodovia Belém-Brasília, que já existia, e atualmente a Ferrovia Norte-Sul, que vai permitir a interligação entre os corredores do norte de Mato Grosso, a ferrovia de Carajás e um trecho da Transnordestina. Para ela, embora o complexo ferroviário ainda esteja incompleto, já se observa uma mudança nas rotas de escoamento da produção pelo porto de São Luís, mais próximo dos mercados europeu e chinês, embora o porto de Santos continue sendo o maior escoador do produto no Brasil. Outros investimentos logísticos, como o armazenamento, são na sua grande totalidade privados, incluindo-se neles inclusive a construção de estradas vicinais destinadas ao escoamento da produção. Ela constatou rápidas transformações na paisagem com a chegada de máquinas agrícolas altamente sofisticadas, da telefonia celular, a disponibilidade de agrônomos e pessoal técnico especializado e, em decorrência do grande desenvolvimento das cidades, a oferta de serviços que vão além da produção agropecuária. Ocorreram também alterações dos cultivos. Em Pedro Afonso não se planta para o consumo, a não ser alimentos altamente perecíveis, e grande parte dos produtos comercializados no Ceasa vêm de Goiás ou Belém. As poucas frutas lá produzidas são destinadas ao mercado nacional ou internacional, caso do abacaxi.

TENDÊNCIAS

Embora no contexto nacional o Tocantins não seja um grande produtor de soja, obser-

vam-se as mesmas tendências de ocupação que ocorreram em Mato Grosso, líder da produção do grão no país, e ganha corpo a homogeneidade da paisagem produtiva. A autora constata que “aí reside o maior interesse do estudo, pois se existe de fato um discurso, um ideário permeado pelas instituições que promovem o cultivo da soja para atrair cada vez mais investimentos, ao mesmo tempo se deve perguntar: que rumo está sendo dado ao Estado?”. Debora identificou alguns fatores que podem contribuir ou não para a expansão dessa monocultura. Ela constatou que nem todo o Estado recebe investimentos nessa direção e sim áreas específicas e bem selecionadas, que levam à criação de nós logísticos. Assim é que foram valorizadas e receberam investimentos áreas que possibilitam o aproveitamento de estruturas já existentes, como as que se encontram próximas à rodovia BelémBrasília, eixo que facilita o escoamento da produção. Identificam-se também manchas de desenvolvimento próximo ao rio Tocantins e outras vinculadas a contextos políticos ou a interesses locais. A pesquisadora procura fazer um alerta sobre o processo desenvolvimentista agroexportador adotado no Brasil. Para ela, esse modelo é preocupante porque conduz a cada vez maior concentração de terras, a monocultora e a uma estrutura fundiária baseada na agricultura moderna, cujos equipamentos são altamente especializados e atendem a demanda de apenas um cultivar. Somese a isso, o fato de o agricultor ter grande parte do valor da produção previamente comprometido com a aquisição de insumos – sementes, fertilizantes, defensivos agrícolas – e de equipamentos, fornecidos por empresas ligadas a umas poucas tradings – corporações multinacionais que dominam vários braços de uma ou de várias cadeias de produção. Além de comercializar os grãos no mercado internacional essas organizações estão vinculadas ao mercado financeiro, atuam no sistema de armazenamento, exploram minas que fornecem minerais utilizados em fertilizantes que também fabricam, produzem alimentos derivados. Hoje cerca de meia dúzia de tradings domina a cadeia de produção de soja no país, com destaque para a Bungue Alimentos, a mais atuante no Tocantins. Ela considera importante “refletir sobre esse avanço, pois a precarização das relações espaciais, as dinâmicas vinculadas a essas corporações e ao mercado internacional fragilizam a autonomia local, cada vez mais comprometida pelas dependências estabelecidas”. Em suma, conclui Débora, os monopólios atuam simultaneamente no controle da propriedade privada da terra, no processo produtivo no campo e no processamento industrial da produção agropecuária. As grandes empresas arrendam terras, controlam os preços das commodities, são proprietárias dos silos, financiam insumos e máquinas, criando uma lógica perversa no campo.


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Automatização racionaliza o uso da energia elétrica Engenheiro concebe método de gerenciamento do consumo e da geração local CARMO GALLO NETTO carmo@reitoria.unicamp.br

esmo sendo de vital importância para o desenvolvimento social e econômico, o Setor de Energia Elétrica (SEE) teve nos últimos 60 anos um tímido avanço tecnológico em relação às áreas de telecomunicações, transportes ou saúde. Além disso, crescentes conflitos decorrentes das necessidades de demanda da energia elétrica e das restrições ambientais ou regulatórias sinalizam para a necessidade de mudanças nesses serviços em vista das possibilidades de interligações e interações entre tecnologias que permitirão chegar à aplicação de Rede Inteligente (RI) no SEE. Nesse contexto, a conservação da energia elétrica (CE), a busca da eficiência energética (EE) e a eliminação do desperdício constituem objetivos de máxima importância. No entanto, as realizações nesse domínio são modestas em um país com o potencial do Brasil, apesar das diversas iniciativas tanto das empresas de energia elétrica, do governo e da academia, permanecendo ainda uma lacuna quanto ao entendimento da melhor forma de integrar o consumidor nesse contesto. Estas constatações motivaram o trabalho que deu origem à tese desenvolvida pelo mestre em engenharia elétrica Márcio Venício Pilar Alcântara, apresentado à Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Unicamp e orientada pelo professor Luiz Carlos Pereira da Silva. A ideia do estudo foi a de racionalizar de forma automatizada, a partir do gerenciamento do consumo e da geração local, o uso da energia elétrica em vista da possibilidade de atender parte da demanda através da CE. Para o autor, a tese apresenta um estudo da arte acerca de RI no Brasil e no mundo e sua aplicação na CE, elencando elementos sobre as novas tecnologias e suas aplicações e propondo uma plataforma unificada de CE com avaliação integrada. Dessa forma, diz ele, “do ponto de vista de gerenciamento do consumo/geração de energia seria possível racionalizar de forma automatizada o uso da energia elétrica e atender parte da demanda através da CE, medida que deveria ser adotada já hoje pelo SEE”. Ele defende a necessidade de que as iniciativas existentes no Brasil em termos de leis, regulações e planejamentos no âmbito da EE no SEE passem a levar em conta a aplicação de novas tecnologias de controle de carga e de microgeração e minigeração e que seja considerada em especial a possibilidade de inserção ampla de tecnologias de geração distribuída.

Na ilustração abaixo, um diagrama multidirecional do que seria, no futuro, uma Rede Inteligente 1] Central inteligente de operação do sistema na empresa de energia elétrica 2] Grandes usinas estado da arte em geração eficiente de energia 3] Residências automatizadas (consumidores e/ou fornecedores) 4] Subestações automatizadas 5] Comércio, indústria e governo automatizados (consumidores e/ou fornecedores) 6] Geração renovável de energia em pequena escala (microgeração e minigeração) 7] Geração distribuída tradicional 8] Armazenamento distribuído de energia 9] Geração distribuída renovável de energia 10] Equipamentos inteligentes e eficientes energeticamente 11] Veículo elétrico e híbrido plugável 12] Informação de consumo em tempo real 13] Programas de Integração pelo lado da demanda 14] Medidores eletrônicos inteligentes 15] Linhas de transmissão eficientes 16] Linhas de distribuição com automação e sensoriamento

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No desenvolvimento do estudo, o pesquisador considerou que antes de digitalizar a rede com o objetivo de conservar energia é preciso: redefinir o conceito de CE associado às tecnologia de RI; avaliar o potencial da CE no uso final de energia elétrica como forma de postergar investimentos de geração centralizada através do emprego de tecnologias de RI; prospectar a existência de ferramentas de simulação de sistemas de energia elétrica adequadas para análise dos impactos de uma RI; determinar qual seria o modelo regulatório adequado para envolver empresas de distribuição de energia e consumidores com vistas a implicações positivas nas equações de remuneração.

CONCEITOS E PARÂMETROS O pesquisador esclarece que conservar energia significa tornar o SEE o mais sustentável possível, da geração ao consumo, através da implementação de soluções renováveis em larga escala, principalmente com a utilização de sistemas de geração descentralizados, bem como do emprego de medidas de EE. Em outras palavras, enfatiza, “significa estimular cada vez mais, em conexão com o SEE, a produção local de energia restringindo os sistemas de geração centralizados, reduzindo perdas com distribuição e transmissão, e ainda promovendo massivamente melhorias nos envoltórios das edificações residenciais, comerciais, industriais, etc., com o objetivo de aproveitar ao máximo suas propriedades térmicas, e também incentivar e facilitar um programa sustentado de substituição de equipamentos por outros mais eficientes. A unificação Foto: Divulgação

Márcio Venício Pilar Alcântara, autor da tese: “A unificação do conceito de CE é obtida agrupando as várias possibilidades existentes”

Imagem: Divulgação

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do conceito de CE é obtida agrupando as várias possibilidades existentes, cada uma com seu potencial de redução de demanda e de geração de energia elétrica”. Como todas as medidas aplicadas têm consequências no conjunto da rede, esta é integrada. Uma Rede Inteligente (RI) é caracterizada por sua vez por um fluxo bidirecional de energia e informação, sendo possível o controle desde as usinas geradoras aos equipamentos dos consumidores. Na tese “Conservação de energia em rede inteligente” o pesquisador propõe uma plataforma unificada do conceito de conservação de energia com avaliação integrada de algumas medidas de conservação de energia como EE, recursos energéticos distribuídos, integração pelo lado da demanda, gerenciamento dinâmico de energia, microrredes e planta virtual de geração. A determinação da EE mostra quão eficiente é um processo, ou seja, que porcentagem de energia demandada é efetivamente consumida para realizar um serviço especifico. É o caso das lâmpadas incandescentes que consomem apenas cerca de 8% da energia recebida na geração de energia luminosa e dissipam 92% na forma de calor. A melhoria da eficiência energética leva ao aumento da produtividade na realização de serviços. Neste caso, o autor simulou os principais equipamentos, dispositivos e fatores envolvidos com a EE em edificações industriais e não industriais. Ao considerar os recursos energéticos distribuídos, ele os dividiu em três grupos: geração distribuída – que envolve geração local através de fontes alternativas ou renováveis como gás natural, biogás, eólica, células solares fotovoltaicas entre outras; armazenamento distribuído de energia – que utiliza, por exemplo, ar comprimido, reservatório de água, baterias químicas tradicionais, células combustíveis; e veículos elétricos e híbridos plugáveis – que eventualmente podem também fornecer energia para a rede. A integração pelo lado da demanda visa à promoção do uso eficiente e eficaz de energia elétrica. Ela pode ser aplicada através de preços alternativos, a exemplo das tarifas diferenciadas da telefonia por horário de uso; por incentivos diretos como pagar ao consumidor pelo desligamento de suas cargas em determinados horários; através da cooperação, como o apelo público à economia; ou ainda, pelo estabelecimento de códigos e padrões, como os de etiquetagem da EE de equipamentos. Por sua vez, o gerenciamento dinâmico de energia envolve a aplicação das três medidas de conservação de energia anteriores nas instalações de um consumidor indivi-

dual. Configuram-se as microrredes quando as unidades consumidoras coexistem em um mesmo condomínio geograficamente contínuo em que podem ter coordenados seus recursos de gerenciamento dinâmico de energia. Já na planta virtual de geração, ao contrário, as unidades consumidoras existem de forma esparsa geograficamente, dentro da área de concessão da mesma empresa de energia elétrica, e são gerenciadas virtualmente pela distribuidora, visando a conservação de energia de todo o sistema. O pesquisador considera que “a plataforma apresentada, que deve operar sobre uma RI, serve como um guia para classificação e hierarquização dessas possibilidades, tanto por parte das empresas de energia elétrica quanto governos e consumidores. Dessa forma, do ponto de vista de gerenciamento do consumo/geração de energia, seria possível racionalizar de forma automatizada o uso da energia elétrica e, nesse contexto, atender parte da demanda através da CE”. Do ponto de vista regulatório, alguns mecanismos de incentivo à implantação de RI e de programas de conservação de energia são também apresentados por ele, que mostra estruturas que permitem a devida apropriação de benefícios por todas as partes envolvidas.

IMPORTÂNCIA E RESULTADOS Márcio Venício apresentou dissertação de mestrado na Unicamp em 2005 e depois de experiências profissionais retornou para o doutorado após ter sido aprovado na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), onde ocupa o cargo de Especialista em Regulação de Serviços de Energia e atua na área de Pesquisa e Desenvolvimento e Eficiência Energética. O foco do seu trabalho está na regulação da Lei 9.991/2000, que obriga as empresas de energia a investirem 1% de sua receita operacional liquida em P&D e em EE, bem como acompanhar todos os projetos desenvolvidos dentro desse programa, procurando promover pesquisas e inovações na área de energia elétrica no Brasil, além da contribuição para a ampliação de ações que visem o aumento da EE por parte dos consumidores. Ao se propor ao trabalho, o autor procurou demonstrar que a CE pode fazer uso das tecnologias de RI, buscou novas formas de gerenciamento de energia, novos meios e metodologias para realizar medições e verificações, a melhora em modelagem de sistemas, desenvolvendo novas ferramentas para análise do desempenho de sistemas e processos de CE e também a microgeração e a virtualização da geração como redutoras do consumo de geração centralizada. Ele também se propôs a uma análise inicial do impacto com a migração do modelo regulatório atual de distribuição de energia elétrica, baseado em remuneração pelo aumento do consumo, para um modelo que considere o aumento da CE do consumidor. Para ele, as principais contribuições da tese são: a apresentação de extensa pesquisa bibliográfica relativa a CE, RI e seus aspectos relacionados, o que torna o trabalho pioneiro para futuras pesquisas no tema; a proposta de uma plataforma unificada do conceito de CE com avaliação de diversos parâmetros que servem como guia para classificação e hierarquização de suas possibilidades tanto para empresas de energia elétrica quanto para governo e consumidores; a apresentação de ferramenta de simulação de RI e de CE, oferecendo para o SEE a possibilidade de simulação anterior à implantação de projetos pilotos; o delineamento de alguns mecanismos de incentivo à implantação de RI e de programas de CE, mostrando estruturas que permitem a devida apropriação de benefícios. Na ilustração, um diagrama multidirecional do que seria no futuro uma RI, com energia e informação fluindo pela rede em todas as direções, das grandes usinas para os consumidores, das fontes renováveis para os consumidores, da geração residual para a rede, entre outras possibilidades.

Publicação Tese: “Conservação de energia em rede inteligente” Autor: Márcio Venício Pilar Alcântara Orientador: Luiz Carlos Pereira da Silva Unidade: Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC)


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Animais “fugiram” de terreno com ácido bórico durante testes na FEC ISABEL GARDENAL bel@unicamp.br

s minhocas são vistas até com uma certa repulsa pelos seres humanos, mas na verdade elas têm mais valor do que aparentam. Esses animais, que apresentam o corpo segmentado na forma de anéis (anelídeos), dão uma verdadeira lição ambiental às inquietações da ciência. Com seu hábito de fazerem escavações, para buscar abrigo e restos vegetais, a cada vez que se deslocam, revolvem a terra e acabam misturando-a ao húmus, deixando o terreno mais fértil. Com isso, também favorecem a circulação de ar por meio de túneis subterrâneos que criam, ajudando as espécies vegetais a respirarem melhor. Foi por isso e de tanto estudar os hábitos das minhocas, especialmente das conhecidas como vermelhas-da-califórnia, que o biólogo Fernando Pena Candello descobriu que esses animais de hábitos subterrâneos, e que têm íntima relação com a terra, possuem condições inclusive de mostrar que um determinado solo pode estar contaminado. Ele comprovou isso em dissertação de mestrado produzida na Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC). Nos testes, as minhocas responderam com fuga quando estavam diante de um solo contaminado com ácido bórico, substância tóxica de referência. Mas quando a substância foi especificamente a sulfadiazina, antimicrobiano de uso veterinário, não foi possível encontrar a concentração necessária para que esses pequenos animais entrassem em fuga. A descoberta surpreendeu os pesquisadores que tiveram acesso ao trabalho de Fernando, visto que o esperado não aconteceu; não de forma linear. Desta forma, a pesquisa aproveitou para discutir a existência de relações não convencionais em toxicologia. “Como a sulfadiazina é uma molécula complexa e assume diferentes cargas de acordo com o pH do meio, suas respostas divergem dos poluentes clássicos, contrariando a arraigada crença de que as relações concentração-resposta são lineares”, explica o mestrando. Em sua opinião, ainda é preciso relacionar esse teste a outros de toxicidade nos vários elos da cadeia alimentar: com algas, com bactérias, com organismos superiores, para se chegar a uma conclusão. Sua pesquisa também indicou que não é para todas as classes de substâncias que, a partir de uma dada concentração, acontece morte do organismo ou efeitos deletérios. Os fármacos veterinários utilizados para aumentar a produtividade agropecuária, explica ele, podem atingir o solo via excreção animal e podem causar impactos sobre os ecossistemas aquáticos e terrestres. A sulfadiazina, por exemplo, age como um antibiótico e é muito empregada para o tratamento e a prevenção de infecções. Em decorrência, ela pode aparecer nos estercos dos animais que ingeriram essa substância.

Minhocas ‘indicam’

solo contaminado, aponta estudo Fotos: Antonio Scarpinetti

Amostra de solo usada em experimento: descoberta deixou pesquisadores surpresos

ENSAIOS

Segundo o orientador da dissertação, o docente da FEC José Roberto Guimarães, a fuga é comum quando se coloca um composto potencialmente tóxico num dado meio e é exposto a alguns organismos. “Espera-se que, com alguma concentração – baixa, média ou alta –, eles fujam do local inóspito para outro mais favorável.” O biólogo procurou determinar uma concentração efetiva (CE50) a 50% de sulfadiazina, que geralmente consegue provocar efeito deletério a uma população. Foi então preparado um solo artificial para excluir interferência de microrganismos ou de outras substâncias. Em um recipiente, o pesquisador colocou de um lado uma amostra de solo contaminado e de outro uma amostra de solo não contaminado, para observar o comportamento das minhocas, conforme as condições do ambiente. Esse ensaio foi validado com o ácido bórico, e as minhocas fugiram do solo contaminado. O autor do estudo, que também foi coorientado pelo professor Edson Aparecido Abdul Nour, relata inclusive que os ensaios de fuga só funcionam devido ao próprio aparato sensorial que as minhocas têm, conhecidos como quimiorreceptores, que lhes permite procurar um ambiente mais adequado às suas condições de alimentação e de reprodução.

CONTRIBUIÇÃO

O biólogo Fernando Pena Candello: “Como a sulfadiazina é uma molécula complexa, suas respostas divergem dos poluentes clássicos”

O professor José Roberto garante que esse trabalho, que pode refletir o comportamento das minhocas em seu ambiente natural, integra um projeto temático desenvolvido em parceria com as professoras do Instituto de Química (IQ) Susanne Rath e Anne Hélène Fostier. A ideia do projeto é analisar solos de várias localidades do Estado de São Paulo e vários compostos de uso veterinário, de modo a medir a sua toxicidade. “Estamos oferecendo uma contribuição social para a avaliação de potencial de toxicidade”, comenta José Roberto. “Afinal, temos mais que o dobro de gado do que seres humanos no Brasil, as aves são cinco vezes essa população, os peixes não dão nem para contar e os suínos são quase a população do país”, revela o docente. Todos esses organismos, ressalta, usam fármacos que são eliminados no solo sob a forma de urina e fezes. “Deste modo, o solo tem um potencial de contaminação que pode ser determinado mediante testes. Esse teste é apenas um deles.” No ambiente, embora sejam raros os efeitos tóxicos diretos das sulfonamidas aos inverte-

brados de solo, não se pode excluir a possibilidade de efeitos indiretos em razão das alterações na cadeia alimentar terrestre, no que os ensaios comportamentais podem contribuir como um sinal de alerta precoce de proteção ambiental, descreve José Roberto. Como parte do projeto temático, os pesquisadores deverão ir às fazendas para determinar, no solo, a concentração em que surge essa toxicidade. “Ela pode ser muito mais elevada do que foi no nosso estudo”, sugere o orientador, “isso porque quase 90% da droga ingerida pelo gado é eliminada na sua forma natural ou como subproduto, que muitas vezes são muito mais tóxicos”.

FÁRMACOS

Existem poucas informações sobre como esses fármacos se comportam no meio ambiente, mas é possível dizer que não são tão prejudiciais como os agrotóxicos, por exemplo, o que não elimina tal preocupação. “Conhecer a toxicidade da sulfadiazina ajuda a desvendar o comportamento dos antimicrobianos da classe das sulfonamidas em solo”, salienta José Roberto. Há, hoje, muitos estudos com minhocas, porém mais focados em letalidade. Agora este trabalho de Fernando envolve os primeiros ensaios padronizados de fuga com minhocas e antibióticos. Começaram com ensaios de letalidade, chamados agudos, e depois passaram aos ensaios crônicos, os quais investigam o efeito na reprodução do organismo, na geração de filhotes. Além disso, há testes de toxicidade disponíveis com vários organismos, entre eles bactérias e peixes na água, contudo há poucas pesquisas em solo, como foi a de Fernando. O ensaio de fuga foi normatizado em 2011 pela ABNT, tradução de uma norma ISO que se propõe a fazer uma triagem que dura apenas 48 horas. Esse ensaio permite detectar, ou não, se a minhoca apresenta repulsa àquele local. No Brasil, não se tem notícia de um outro ensaio de fuga envolvendo antimicrobianos. A criação das minhocas para testes de fuga exige cuidados, e o mestrando inclusive elaborou um substrato à base de restos vegetais e folhas secas para alimentá-las. De acordo com ele, em primeiro lugar é necessário ter um organismo saudável, em segundo ter mais dois meses de idade, depois ter entre 300 e 600 mg de massa corporal e depois ainda ter clitelo, indicando que as minhocas já chegaram à fase reprodutiva. No futuro, a proposta é pesquisar a própria minhoca com base em biologia celular e molecular. “Talvez o efeito da mobilidade não apresente uma evidência tão grande quanto um estudo mais profundo nas células”, acredita José Roberto, que é responsável pelo grupo de pesquisa de Química Sanitária e Ambiental.

Publicação Dissertação: “Comportamento de fuga de minhocas na presença do antimicrobiano sulfadiazina em solo” Autor: Fernando Pena Candello Orientador: José Roberto Guimarães Coorientador: Edson Aparecido Abdul Nour Unidade: Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC)


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A arquitetura de Vilanova Artigas e a construção da cidade moderna MÔNICA JUNQUEIRA DE CAMARGO junqueira.monica@uol.com.br

s estudos das últimas décadas sobre a arquitetura de João Vilanova Artigas vêm ampliando largamente a compreensão de seus trabalhos e reforçando cada vez mais a importância de sua contribuição à cultura arquitetônica. A investigação dos arquitetos-professores Leandro Medrano e Luiz Recamán traz uma leitura instigante da relação entre seus projetos residenciais dos anos 1940 a 1960 e a modernização da cidade de São Paulo, que muito provavelmente despertará acirrados debates, uma vez que aponta para as contradições existentes entre a arquitetura moderna e a conformação das cidades brasileiras. Entendendo como recuo aquilo que é defendido como um avanço, os autores problematizam algumas versões consensuais da obra de Artigas, no que diz respeito às especulações urbanas que seus projetos sugerem ou ao significado da ênfase construtiva de suas ousadias estruturais, que são assumidas como constituidoras da escola paulista. Esse é o legado de Artigas que ainda repercute na produção contemporânea. A trajetória traçada pelos autores tem início no desafio de enfrentar a condição territorial adversa aos princípios da cidade moderna, recuperando o conflito gerado entre a rua entendida como vazio da composição arquitetônica e como espaço público, e terá seu ápice na total dissociação entre o ambiente interno das casas e o território ao qual pertence. De uma produção mais ampla (vale lembrar que a maioria dos projetos concebidos até 1950 era de inspiração acadêmica) os autores selecionaram cinco como gênese do conceito do vazio enquanto elemento de superação da lógica de ocupação territorial e de centralidade do espaço doméstico, a saber: os projetos de suas duas residências (1942 e 1949), a Casa Czapski (1949), a Casa Heitor de Almeida em Santos (1949) e a Casa D’Estefani (1950). O vazio, segundo a leitura de Medrano e Recamán, é identificável a partir da implantação que nega o padrão e incorpora o resíduo territo-

SERVIÇO Obra: Vilanova Artigas - Habitação e cidade na modernização brasileira Autores: Leandro Medrano e Luiz Recamán Páginas: 160 Área de interesse: Arquitetura e urbanismo Preço: R$ 34,00 Editora da Unicamp

rial à composição arquitetônica, que em seguida se incorpora ao espaço doméstico como elo entre volumes e, depois, incorporado à unidade volumétrica, ganha gradualmente preponderância até assumir a condição de estruturador espacial do programa. Condição essa que inibe a expansão volumétrica, consequentemente sua reprodutibilidade, impedindo qualquer possibilidade de desdobramento para a constituição do espaço urbano. Nos projetos analisados na sequência: Casa Olga Baeta, Casa dos Triângulos, Casa Taques Bittencourt 2, são esclarecidas as estratégias arquitetô-

nicas que, atreladas ao conceito do vazio, sublimam o entorno indesejado, tanto pela ótica compositiva como construtiva: a opção pelo prisma, a eliminação da fachada, entendida como parte do processo de independência da unidade arquitetônica em relação ao mundo social, e a unificação dos diferentes elementos construtivos – estrutura, vedação, cobertura, piso etc. A objetividade estrutural do concreto – forte referência da escola paulista ainda hoje recorrente na produção contemporânea –, para os autores, não remete às questões tecnoconstrutiva e conceitual, e sim a uma operação retórica. A investigação conclui que a tipologia, criada a partir da trajetória projetual da unidade unifamiliar aberta a um vazio exterior ao enclausuramento definitivo do interior, era incompatível, devido às suas próprias premissas espaciais formais – o volume fechado – e ao desenvolvimento de novos padrões urbanos compatíveis com a modernização da cidade de São Paulo nos anos 1950. A formulação ideológica da grande cobertura apoiada em uma estrutura de desenho sofisticado a abrigar o espaço doméstico entendido como laboratório de processamento das questões não só do espaço e da cidade, mas da sociedade e de sua transformação não se desdobra em cidade: “da casa isolada não resulta hipótese urbana além da realidade a que se submete” (p. 109). O paradoxo, segundo os autores, torna-se mais evidente quando esse modelo é aplicado em propostas de áreas inteiramente novas, sem estrutura territorial predefinida, como no plano para Brasília, onde se reproduz em escala urbana esse ideal de espaço, ou no Conjunto Zezinho Magalhães, onde o espaço coletivo é o resíduo da multiplicação dos blocos. Ainda que essa tipologia residencial não seja compatível com a criação de um padrão urbano moderno, como demonstram Medrano e Recamán, é facilmente identificável que esta suscitou, a partir de então, a especulação do sentido de urbanidade sobretudo nas obras públicas, com resultados os mais variados. O atraso da construção civil brasileira que inviabilizaria a conformação da cidade moderna pode ser rebatido pela expressiva quantidade de arranha-céus construídos nas principais capitais brasileiras nas décadas de 1920 e 1930.

O edifício Louveira (1946) de Vilanova Artigas, comentado rapidamente em uma nota de rodapé (p. 31), seria um projeto interessantíssimo a ser explorado nessa análise, tanto do ponto de vista construtivo como compositivo da cidade brasileira moderna, uma vez que propõe, a partir da unidade habitacional, nova forma de ocupação territorial integrada ao espaço tradicional. Assim como o rebatimento desse legado de Artigas na produção contemporânea, ilustrado pelos autores pelo artigo de Roberto Segre publicado na revista AV Monografias n. 139, 2009, talvez não seja o melhor exemplo. Primeiro, porque na análise de Segre o arquiteto de referência à produção contemporânea é Paulo Mendes da Rocha, que, por sua vez, teria se alimentado na fonte do Artigas. A omissão de uma etapa do percurso desse legado arrefece a autonomia de Mendes da Rocha em relação às ideias do mestre, bem como a sua participação na constituição desse legado. Em segundo lugar, as obras analisadas concentram-se entre 1940 e 1960, excluindo a trajetória subsequente do próprio arquiteto, quando projetou a maior parte de suas obras públicas, aprofundando suas teorias em estreito debate com seus colegas, especialmente os mais jovens, com o panorama internacional com contexto sociopolítico que sofreu mudanças radicais. Vale lembrar que, nesse meio século que separa as obras comparadas, foram muitas as apropriações desse legado paulista que acabaram por anuviar seu significado, reduzindo-o, na maioria dos casos, a poucos estilemas, que o livro Vilanova Artigas: Habitação e cidade na modernização brasileira certamente ajudará a recuperar. Além de a leitura inédita que os autores promovem, per si, representar uma contribuição à crítica da arquitetura, o método de análise a partir do projeto traz ao debate outros elementos que a historiografia até então não considerou, ampliando as possibilidades de interpretação desse legado criteriosamente resgatado pelos autores. Mônica Junqueira de Camargo é arquiteta e professora-associada da FAUUSP na área de História da Arquitetura Moderna e Contemporânea.

Física é fundamental para a indústria, diz Eric Cornell Foto: Antonio Scarpinetti

CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br

xiste um espaço importante para a ciência fundamental, que vai além das aplicações mais óbvias da engenharia, na indústria e na inovação, disse Eric Cornell, ganhador do Prêmio Nobel de Física em 2001, que participou do Fórum de Física na Indústria, que aconteceu ao longo da última semana na Unicamp. Cornell ponderou que “existe uma grande sobreposição” entre física e engenharia, mas que o físico está preparado para ir mais fundo que o engenheiro em questões fundamentais. “A ideia desta conferência é que existe espaço para a física na inovação e na indústria”. “O engenheiro não costuma ser treinado para ver os limites fundamentais, para entender o trabalho que está fazendo no nível mais básico e para fazer melhorias nesse nível”, disse. “A física, por sua própria natureza, tenta entender coisas bem básicas, e buscar compreender os princípios por trás das coisas às vezes pode ser extremamente útil”. Cornell, que é pesquisador do Instituto JILA, localizado no campus da Universidade do Colorado em Boulder, dividiu o Nobel de Física de 2001 com Wolfgang Ketterle e Carl Wieman, pela produção de um novo estado da matéria, o condensado de Bose-Einstein. O material obtido tem uma temperatura extremamente baixa, de poucos bilionésimos de grau acima do zero absoluto. Cornell está, atualmente, envolvido em um experimento para gerar condensados de Bose-Einstein a bordo da Estação Espacial Internacional (ISS). O equipamento deve pas-

Eric Cornell, ganhador do Prêmio Nobel de Física em 2001: “A física, por sua própria natureza, tenta entender coisas bem básicas”

sar a operar no espaço em 2016. “Esperamos que a microgravidade vá nos ajudar a deixar os átomos ainda mais frios e menos densos do que conseguimos aqui na Terra”, explicou ele. “Para fazer um experimento com átomos gelados na Terra, é preciso sustentá-los contra a gravidade, e ao sustentá-los é inevitável que eles se espremam um pouco, e ao espremê-los nós os esquentamos”.

Cornell diz que a maior parte de seu trabalho diz respeito a física básica, mas que sua interação com a física aplicada e a indústria é grande. “Meu laboratório é um grande consumir de lasers”, contou. “E acabo treinando físicos que ficam muito bons com lasers, e alguns deles acabam indo trabalhar em empresas do setor óptico, que acabam me vendendo novos lasers”. Ele

também procura levar a abordagem da ciência fundamental para questões práticas, como a busca por energia renovável. “Tenho grandes interesses na área de ciência aplicada, mas meu modo de tratá-los é com uma abordagem matemática, básica, que às vezes pode ser útil”. Mesmo o condensado de Bose-Einstein já encontrou aplicações no “mundo real”, incluindo um novo tipo de laser. “Existe o laser, existe gente usando para navegação e sensoriamento remoto”, disse. “E também há a computação quântica. O condensado não é um computador quântico, em si, mas a computação quântica requer temperaturas muito baixas, então algumas pessoas veem o condensado de Bose-Einstein como o ‘gás freon’ dos computadores quânticos”. Sobre o Fórum realizado na Unicamp, Cornell disse que é importante levar esse tipo de evento aos países em desenvolvimento. “Países como o Brasil ou a Indonésia têm uma imensa necessidade de novas tecnologias, mas também são muito promissores, com seu grande número de jovens cientistas e engenheiros”. O tema do fórum, que ocorreu de 29 de setembro a 3 de outubro, foi “Capacitação em física industrial em economias emergentes”. O objetivo da iniciativa foi promover a aproximação entre cientistas e a indústria para atender às necessidades da sociedade relacionadas ao avanço tecnológico sustentável. O fórum foi uma iniciativa do IFGW, do Instituto Americano de Física (AIP) e do Centro Internacional de Física Teórica (ICTP), com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).


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Exercícios físicos combinados restauram funções de obesos Pesquisa desenvolvida na FEF abrangeu 24 voluntários de meia-idade ISABEL GARDENAL bel@unicamp.br

uarenta por cento da população nos Estados Unidos é obesa e, no Brasil, o percentual ultrapassa os 20%. Até 2025, estima-se que esse percentual poderá exceder os 25%, atingindo um contingente de 50 milhões de brasileiros. Problema de saúde pública, a obesidade, quando alcança indivíduos na meia-idade, eleva os riscos cardíacos, muito em função dos efeitos do envelhecimento. Deste modo, os obesos ainda têm que lidar com alterações do controle cardíaco (as quais podem aumentar o risco de doenças cardiovasculares – DCV) e com problemas no sistema circulatório: nos vasos sanguíneos e coração. Devido ao efeito preventivo dos exercícios físicos, tidos como uma estratégia primária para redução de tal risco, um estudo de doutorado da pesquisadora Valéria Bonganha, defendido na Faculdade de Educação Física (FEF), submeteu obesos grau 1 a um programa de 24 semanas de treinamento físico combinado, com exercícios aeróbios e de força. A pesquisa mostrou aumento da capacidade cardiorrespiratória (8,40%) e da força muscular (28,12%), diminuição significativa da pressão arterial diastólica (7,1%) e melhora da variabilidade da frequência cardíaca (79,10%) nos voluntários estudados. O trabalho de Valéria mostrou que o treinamento combinado é viável e traz bons resultados em curto prazo para o indivíduo que está desenvolvendo grau de obesidade. Ele pode restaurar funções tanto neuromuscular quanto cardiovascular, fazendo com que o indivíduo se sinta mais disposto, mais seguro para praticar exercícios e tenha maior adesão ao protocolo de exercícios proposto, que deve ser individualizado. O treinamento de força funcionou como complemento para o treino do obeso, e não como um possível risco, ao contrário do que se pensava. É que prevaleceu por um tempo a ideia de que a musculação não faz bem ao obeso. Na investigação, um tipo de treinamento complementou (potencializou) o outro, sem prejuízo ao indivíduo. Durante a intervenção, os voluntários foram orientados a manter os hábitos alimentares para assegurar que os achados seriam originários exclusivamente da prática de exercícios físicos. A educadora física avaliou os efeitos do exercício combinado sobre a saúde cardiovascular de homens obesos e sedentários de 40 a 60 anos. “Concluímos que os pesquisados tiveram melhora da variabilidade da frequência cardíaca em razão do treinamento proposto, e isso está diretamente ligado à melhora da saúde cardiovascular, diminuindo o risco cardiovascular após o treinamento, independentemente da alteração da dieta”, constata a autora do trabalho. Os dados foram coletados no Laboratório de Fisiologia do Exercício (Fisex) da faculdade, na sala de musculação e na pista de atletismo. Cerca de 200 voluntários chegaram à Unicamp através de chamadas na mídia e cartazes afixados em pontos estratégicos de Barão Geraldo e da Unicamp. O objetivo foi avaliar o efeito do exercício isolado sobre a saúde cardiovascular. A pesquisa, desenvolvida entre 2012 e 2013, encerrou com 24 voluntários. O trabalho revelou que os obesos já tinham alguma alteração no sistema nervoso autonômico que acabava interferindo na saúde cardiovascular. “Por isso eu procurei compreender o que o exercício físico mudaria nessa situação, mas sem restrição alimentar. Abordamos homens, por terem maior incidência de doença cardiovascular na meia-idade, sobretudo por causa do aumento do peso e por influência do envelhecimento, posto que ambos influenciam negativamente o sistema cardiovascular”, conta Valéria.

ACHADOS

A pesquisadora triou os voluntários e eles passaram por exame cardiológico e testes funcionais. Compareciam três vezes por semana (segundas, quartas e sextas-feiras) ao Fisex, para testes laboratoriais, e ao Laboratório Integrado de Ensino Pesquisa e Extensão (Labfef), para treinamento. Lá faziam meia hora de exercícios de musculação para o corpo todo e depois meia hora de caminhada e de corrida na pista de atletismo. As variáveis eram coletadas no laboratório e, assim, montava-se a prescrição do treinamento, que era periodizado para ver a evolução a cada semana. A carga sofria ajuste e tinha acompanhamento semanal para força e, depois de oito em oito semanas, para treino na pista (aeróbio). Era como se tivesse um personal para as necessidades e condições de cada um, a cada ponto do treino. O consumo máximo de oxigênio (VO2 máx – variável que mais reflete a capacidade aeróbia da pessoa) é medido durante exercício até a exaustão física na esteira (o quanto o organismo consegue captar oxigênio durante o esforço). Se o músculo do indivíduo estiver mais treinado, tem uma captação maior, consegue fazer mais esforço e estaciona numa capacidade de exaustão maior do que antes. “Esse achado foi significativo até porque o obeso dificilmente consegue fazer esforço com alta intensidade”, recorda Mara Patricia Traina Chacon Mikahil, docente da FEF e orientadora da tese.

VARIABILIDADE

A principal descoberta de Valéria foi que os obesos melhoraram a variabilidade da frequência cardíaca e, em consequência, a saúde cardiovascular. Quanto à qualidade de vida, apesar de não ter sido medida de maneira direta, todos relataram melhora da disposição no dia a dia e para o trabalho. Além disso, muitos ingressaram em outros programas de atividade física. Mara Patrícia expõe que a variabilidade da frequência cardíaca é uma ferramenta útil para estudar o comportamento do sistema cardiovascular, no repouso ou no exercício. É simples de monitorar seu funcionamento, medido por meio de um cardiofrequencímetro diferenciado), uma espécie de eletrocardiograma que capta o ritmo do coração batimento a batimento. A variabilidade está relacionada ao controle cardiovascular no organismo porque todas as reações que a pessoa vai tomar –

para viver, superar um esforço, se deslocar, passar por situações de estresse – são controladas pelo sistema nervoso autônomo. Durante o exercício, isso é de elevada importância, visto que atenua certas reações danosas, especialmente à atividade do sistema parassimpático (que permite ao organismo responder a situações de maior calma), e acentua um equilíbrio entre o sistema simpático (que permitem ao organismo responder a situações de estresse e alerta) e o parassimpático.

ESTADO ATUAL

O sobrepeso e a obesidade são um fenômeno mundial que já caracterizam uma epidemia. Anteriormente, o quadro era mais grave nos países desenvolvidos. Agora está se disseminando no mundo todo. Populações orientais como o Japão e outros países, antes consideradas exemplos a serem seguidos, e até associados aos altos índices de desnutrição, hoje já registram incidência de sobrepeso e de obesidade. Na opinião de Mara Patrícia, “isso vai na contramão dos avanços sobre o controle das doenças cardiovasculares dos últimos 50 anos, que ainda é o tipo de acometimento que mais ocorre no mundo. A obesidade acaba potencializando a sua gravidade porque muitas vezes antecede ou acompanha a DCV. E isso tem sido demonstrado por vários estudos epidemiológicos e por trabalhos experimentais em animais e em humanos. No Brasil, o sobrepeso já é observado na infância, e as crianças são consideradas, em muitos casos, obesas desnutridas, salienta a orientadora. O que mais agrava é que essa grande quantidade de gordura vai se juntando no organismo em determinada localização. Atualmente, se sabe que a obesidade mais visceral (mais na região abdominal) é a que traz mais riscos em termos de concentração de gordura. Na obesidade, lembra ela, contam muito os fatores genéticos, porém a maioria dos casos envolve os hábitos de vida e a quantidade de energia ingerida em relação ao que se gasta. Isso porque fica evidente a existência de um desbalanço energético. “No nosso país, o sobrepeso já caminha para a obesidade em quase 50% da população”, lamenta.

FOCO

A tese de Valéria deriva de uma série de outros projetos de pesquisa. O grupo de Pesquisa do Fisex, no processo de triagem de voluntários com peso corporal normal a

partir da meia-idade, verificou que estavam aparecendo muitas pessoas com sobrepeso e obesidade, alterados de colesterol e de pressão arterial. Depois desse projeto de 2010-2011, foi introduzido um novo grupo no estudo, coordenado pela sua pesquisadora Claudia Regina Cavaglieri (financiado pela Fapesp), que foi constituído por obesos grau 1, uma vez que se notou que caracterizava muito a população nessa faixa etária da população envelhecendo. Com isso, os estudos passaram a investigar a resposta dos organismos frente ao exercício físico. No momento, estão sendo testadas novas propostas de protocolos de exercícios: aeróbio, caminhada, corrida, força muscular, que trazem bons efeitos no combate ao sobrepeso e à obesidade. Tem sido preconizado, nos últimos dez anos, que também se use treinamento de força. “Estamos estudando a conjunção do aeróbio com força, as suas implicações e os resultados positivos que surtirão no envelhecimento”, relata Mara Patrícia. De acordo com essas investigações, tem havido aumento de força e de massa muscular em função do treino de força, de maneira que esse aumento é significativo nos grupos de meia-idade e de terceira idade. Também na parte cardiovascular têm sido notados resultados positivos, particularmente no treino aeróbio, pois existe uma sobrecarga cardiovascular menor. A docente explica que, quando a pessoa de peso normal se exercita, o organismo aciona vários mecanismos que, no sedentário, são deletérios ao sistema cardiovascular. Depois do treino, isso tudo é atenuado e melhora. Daí a importância dos dois tipos de exercícios, batizados de treinamento combinado – aeróbio e força muscular.

Publicação Tese: “Respostas cardiovasculares e autonômicas após treinamento concorrente em obesos de meia-idade” Autora: Valéria Bonganha Orientador: Mara Patrícia Traina Chacon Mikahil Unidade: Faculdade de Educação Física (FEF) Financiamento: Fapesp e CNPq Foto: Antoninho Perri

A autora da tese, Valéria Bonganha (à esquerda) e a orientadora, professora Mara Patrícia Traina Chacon Mikahil: melhora nos indicadores cardiovasculares


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PAINEL DA SEMANA  Fórum de Ciência, Tecnologia e Informação - Com o tema Inovação e racionalização nos processos construtivos, evento ocorre no dia 6 de outubro, às 9 horas, na Faculdade de Tecnologia da Unicamp. O fórum está sob a responsabilidade dos professores Mauro Menzori, Luisa Andreia Gachet Barbosa e Rosa Cristina Cecche Lintz. Inscrições, programação e outras informações no site http://www.foruns.unicamp.br/foruns/projetocotuca/forum/htmls_descricoes_eventos/tecno69.html  Mostra Unicamp de fotografia - A abertura oficial da Mostra Unicamp de Fotografia, que apresenta uma programação pensada e proposta por membros da comunidade universitária, acontece no dia 6 de outubro, às 16 horas, na Galeria de Arte do Espaço Cultural Casa do Lago (Rua Érico Veríssimo 1011), no campus da Unicamp. As atividades objetivam divulgar a produção e o conhecimento artístico, acadêmico e de extensão universitária na área de fotografia à comunidade interna e externa ao campus da Unicamp. O evento é organizado por Celso Palermo e Antonio Scarpinetti, funcionários da Unicamp. Mais detalhes no link http://www.iar.unicamp. br/mostra-unicamp-de-fotografia/ou telefone 19-3521-6571.

 Festa do livro - A Editora da Unicamp organiza, de 7 a 9 de outubro, das 10 às 21 horas, no pátio do Ciclo Básico II, a 21ª Festa do Livro. O evento, cujo objetivo é estimular a leitura e a formação de bibliotecas pessoais, acontece a cada dois anos. Para esta edição serão comerciali-zados mais de 480 títulos com descontos de 50% e 70%. A publicação “Mandarim”, do jornalista e escritor Eustáquio Gomes (in memoriam), pode ser adquirida com 70% de desconto (de R$ 30,00 por R$ 9,00). Mais informações: 19-3521-7235.  Fórum de Sociedade e Desenvolvimento - Com o tema “Pela sustentabilidade dos setores público e privado”, evento será realizado no dia 7 de outubro, às 13h30, no auditório UL12 da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA), em Limeira-SP. O objetivo do fórum é discutir o tema de sustentabilidade em especial seus aspectos jurídicos e de gestão enfatizando o desafio da sustentabilidade para um desenvolvimento socioeconômico com a preservação ambiental. O Fórum está sob a responsabilidade das professoras Luciana Cordeiro de Souza Fernandes e Muriel Gavira. Inscrições e outras informações na página eletrônica http://www.foruns.unicamp. br/foruns/projetocotuca/forum/htmls_descricoes_eventos/soc_e_desenv02.html  Palestra - O Laboratório de Políticas Públicas e Planejamento Educacional (Lapplane) da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp organiza, dia 7 de outubro, a palestra “Análise da gestão de Instituto Federal de Educação – desafios e oportunidades da expansão em rede”. Terá a participação da professora Diva Valério Novaes, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo. O evento é gratuito e ocorre às 14 horas, na sala de defesa de teses da Pós-graduação (1º andar, bloco A). Inscrições no link http://www. fe.unicamp.br/dform/gera.php?form=palestradiva  Publicação em periódicos internacionais - O Espaço da Escrita e o Sistema de Bibliotecas da Unicamp (SBU) organizam, dia 8 de outubro, às 8h30, no auditório da Biblioteca Central Cesar Lattes (BC-CL), workshop com a Editora Wiley para debater “Estratégias para publicação em periódicos internacionais” e “Éticas em Publicações”. Mais informações: 19-3521-6499.  Seminário Studium - A Revista Studium organiza nos dias 8, 15, 22 e 29 de outubro, sempre às 9h30, no auditório do Instituto de Artes (IA) da Unicamp, o III Seminário Studium. O evento ocorre paralelamente à Mostra Unicamp de Fotografia, com apoio e aporte do Grupo Gestor de Benefícios Sociais (GGBS). As inscrições podem ser feitas no local do evento. Consulte a programação no link http:// www.studium.iar.unicamp.br/seminario/III_sem_studium.pdf  Formação de professores na RMC - A Faculdade de Educação (FE) da Unicamp junto ao Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Públicas e Educação (GPPE/FE) realiza, dia 8 de outubro, às 14 horas, no salão nobre da FE, o seminário “Formação de Professores na Região Metropolitana de Campinas” com a participação do professor Vicente Rodriguez (FE-Unicamp). O evento é gratuito, sem a necessidade de inscrição prévia. Mais detalhes pelo telefone 19-3521-5564 ou e-mail eventofe@unicamp.br

DESTAQUE

 Homoerotismo em canção: a poesia mélica arcaica O Centro Cultural e o Centro de Estudos Clássicos, ambos do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL), promovem no dia 9 de outubro, palestra com a professora Giuliana Ragusa (FFLCH-USP). Às 14 horas, no Centro Cultural, ela fala sobre “Homoerotismo em canção: a poesia mélica arcaica”. A organização é do professor Paulo Sergio de Vasconcellos. Mais detalhes pelo telefone 19-3521-1520.  Seminários da FE - O Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação e Diferenciação Sociocultural (Gepedisc) da Faculdade de Educação (FE) e o Decise organizam, dia 9 de outubro, às 14 horas, na sala de defesa de teses da FE, o seminário “Estágio Supervisionado ou experiência de trabalho precário? Quem abordará o assunto será o professor José dos Santos Souza, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. No mesmo dia, o Grupo de Estudos e Pesquisa em Psicopedagogia (Gepesp), realiza, às 19 horas, no Salão Nobre da FE, o seminário “Motivação para ler, compreensão autorregulada da leitura e lição de casa”, com a professora Adriana Cristina Boulhoça Suehiro, da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Os eventos são abertos à participação do público e sem necessidade de inscrição prévia. Veja outros seminários programados pela Faculdade de Educação no site http://www.fe.unicamp.br/. Mais informações podem ser obtidas pelo telefone 19-3521-5564 ou e-mail eventofe@unicamp.br  Bioenergia - A Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA), o Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético (Nipe) e o Programa Integrado de Doutorado em Bioenergia promovem, entre 10 e 17 de outubro, a Escola São Paulo de Ciência Avançada (ESPCA) sobre “Presente e o Futuro da Bioenergia”. Apoiada pela Fapesp, a ESPCA oferece apoio para a organização de cursos de curta duração em pesquisa avançada nas diferentes áreas do conhecimento no Estado de São Paulo. Mais: http://agencia.fapesp.br/18938  Simpósio do Simpeja - Em 10 e 11 de outubro acontece na Unicamp a quinta edição do Simpósio do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação de Jovens e Adultos da FE-Unicamp (SIMPEJA), com o tema “Pedagogia do oprimido: abordagem crítica e humanizadora para a EJA”. Para conhecer a programação e saber como se inscrever acesse o site http://www.fe.unicamp.br/simpeja/  Caminhada fotográfica - O Núcleo de Fotógrafos Amadores da Unicamp (Nufau) organiza a 1ª Caminhada fotográfica da Unicamp, dia 11 de outubro, das 8h30 às 12h30. Inscrições podem ser feitas na página eletrônica http://caminhadafotograficacps.wordpress.com/ sobre/  Corrindo - O Grupo Gestor de Benefícios Sociais (GGBS) e a Faculdade de Educação Física (FEF) da Unicamp promovem, dia 12 de outubro, às 9 horas, na pista de atletismo da FEF, o evento “Corrindo”. Trata-se de uma corrida voltada ao público infantil que objetiva estimular e criar uma situação lúdica e prazerosa para que as crianças se movimentem e despertem para a atividade física. Podem participar crianças de 4 a 12 anos de idade. As inscrições podem ser feitas no link http://www.fef.unicamp.br/fef/pet. No dia da corrida os inscritos devem levar 1 Kg de alimento não perecível (menos sal) ou um brinquedo em bom estado de conservação.

TESES DA SEMANA  Engenharia Elétrica e de Computação - “Reformatação curvilínea baseada em simplificação e costura de malhas” (mestrado). Candidato: Wallace Souza Loos. Orientador: professor Wu Shin-Ting. Dia 10 de outubro de 2014, às 9 horas, na sala PE12 do no prédio da Pós-graduação da FEEC.  Engenharia Química - “Estudo da influência da matéria-prima no processo de produção de etanol a partir de bagaço de cana” (mestrado). Candidata: Liliane Pires Andrade. Orientador: professor Rubens Maciel Filho. Dia 7 de outubro de 2014, às 14 horas, na sala de defesa de teses do bloco D da FEQ.  Matemática, Estatística e Computação Científica “Identidades polinomiais da álgebra de Grassmann em característica positiva” (mestrado). Candidato: Alex Sandro Faria Manuel. Orientador: professor Lucio Centrone. Dia 6 de outubro de 2014, às 15 horas, na sala 253 do Imecc. “Sobre questões de combinatória envolvendo os números de Fibonacci, Pell e Jacobsthal” (doutorado). Candidata: Kênia Cristina Pereira Silva. Orientador: professor José Plínio de Oliveira Santos. Dia 7 de outubro de 2014, às 14 horas, na sala 253 do Imecc.  Odontologia - “Avaliação epidemiológica e investigação de polimorfismos em genes do reparo do dna na fissura lábio-palatina não sindrômica” (doutorado). Candidata: Helenara Salvati Bertolossi Moreira. Orientador: professor Ricardo Della Coletta. Dia 10 de outubro de 2014, às 8h30, no anfiteatro 4 da FOP.  Química - “Simulação por dinâmica molecular de sistemas envolvendo o receptor ativador da proliferação de peroxissomos” (doutorado). Candidata: Clarisse Gravina Ricci. Orientador: professor Munir Salomão Skaf. Dia 6 de outubro de 2014, às 14 horas, no miniauditório do IQ. “A potencialidade do agente protetor do grupo amino na síntese de quitosana quimicamente modificada para o uso em sorção, liberação de fármaco e calorimetria” (doutorado). Candidata: Cintia dos Santos Oliveira. Orientador: professor Claudio Airoldi. Dia 9 de outubro de 2014, às 13h30, no miniauditório do IQ. “Síntese de filossilicatos de magnésio organofuncionalizados para captura de CO2” (doutorado). Candidata: Karine Oliveira Moura. Orientadora: professora Heloise de Oliveira Pastore. Dia 10 de outubro de 2014, às 14 horas, na sala IQ14 do IQ. “Desracemização de álcoois secundários por estereoinversão e redução de metilenocetonas por micro-organismos” (doutorado). Candidata: Tarcila Cazetta. Orientador: professor José Augusto Rosário Rodrigues. Dia 10 de outubro de 2014, às 14 horas, no miniauditório do IQ.

DO PORTAL

Vestibular chega a

Foto: Antoninho Perri

77 mil inscritos Comissão Permanente para os Vestibulares da Unicamp (Comvest) recebeu um número recorde de inscrições para o Vestibular Unicamp 2015: 77.128 inscritos. É o sexto ano consecutivo que a Unicamp registra crescimento do número de candidatos. Nos dois últimos processos (2013 e 2014), o Vestibular Unicamp teve 67.403 e 73.818 inscritos, respectivamente. No Vestibular Unicamp 2015, os candidatos disputarão 3.320 vagas distribuídas em 70 cursos de graduação da Unicamp. A relação candidatos por vaga (c/v) geral subiu de 21,3 no vestibular passado para 23,2 nesta edição. A tabela completa está na página eletrônica da Comvest, www.comvest. unicamp.br, assim como o total de inscritos por cidade de prova. Os locais de prova da primeira fase serão divulgados pela Comvest no dia 30 de outubro, também em sua página na internet. A primeira fase será realizada no dia 23 de novembro e a segunda fase acontecerá nos dias 11, 12 e 13 de janeiro de 2015. Antes da primeira fase, haverá provas de Habilidades Específicas para candidatos aos cursos de Música, no período de 25 a 29 de setembro. Para os demais cursos (Arquitetura e Urbanismo, Artes Cênicas, Artes Visuais e Dança), as provas de Habilidades Específicas ocorrerão no período de 19 a 22 de janeiro de 2015.

CONCORRÊNCIA

As dez carreiras mais concorridas no ano passado mantiveram as posições no Vestibular Unicamp 2015. Medicina ocupa a primeira colocação – como ocorre desde que a Unicamp desenvolveu seu vestibular próprio – com 22.415 candidatos, resultando em 204 candidatos por vaga. Em seguida, vêm as carreiras de Arquitetura e Urbanismo (115 c/v), Engenharia Civil (54 c/v), Comunicação Social-Midialogia (51 c/v), Engenharia Química – Integral (46 c/v), Ciências Biológicas

Inscritos

(Comparativo Vestibular 2014/Vestibular 2015)

27% 26,6%

2014

2015

Escola pública

17,4% 18,3%

2014

2015

Pretos, pardos e indígenas

– Integral (46 c/v), Engenharia de Produção (38 c/v), Geologia (33 c/v), Engenharia Mecânica (29 c/v) e História (27 c/v).

INCLUSÃO SOCIAL

Do total de inscritos para o Vestibular Unicamp 2015, a Comvest registrou praticamente o mesmo índice do ano passado de candidatos oriundos de escolas da rede pública de ensino: 26,6%. Já entre os candidatos autodeclarados pretos, pardos e indígenas (de acordo com a nomenclatura utilizada pelo IBGE), o percentual é um pouco superior ao do vestibular anterior: tendo chegado a 18,3% do total de inscritos este ano.

MUDANÇAS

No Estado de São Paulo, a Unicamp vai aplicar as provas de seu vestibular em quatro novas cidades (destacadas a seguir). Assim, a partir deste ano serão 20 cidades no Estado: Bauru, Campinas, Guarulhos, Jundiaí, Limeira, Mogi das Cruzes, Mogi Guaçu, Piracicaba, Presidente Prudente, Ribeirão Preto, Santo André, Santos, São Bernardo do Campo, São Carlos, São João da Boa Vista, São José do Rio Preto, São José dos Campos, São Paulo, Sorocaba e Sumaré. Fora do Estado de São Paulo, a única capital este ano a receber as provas do Vestibular Unicamp é Brasília. A partir deste ano, a Famerp (Faculdade de Medicina e Enfermagem de São José do Rio Preto) não participa mais do Vestibular Unicamp. A Comvest aplicará as provas para candidatos com deficiência também na cidade de São Paulo, e não apenas em Campinas, como até o ano passado. Em relação ao formato do Vestibular Unicamp 2015, a Comvest promoveu a adequação das provas. A prova de Redação será aplicada na segunda fase e a primeira fase, que antes tinha 48 questões de múltipla escolha, passará a ser composta por 90 questões de múltipla escolha, distribuídas da seguinte maneira: 14 questões de Língua Portuguesa e Literaturas de Língua Portuguesa, 14 questões de Matemática, 9 questões de História, 9 questões de Geografia, 1 questão de Filosofia, 1 questão de Sociologia, 10 questões de Física, 10 questões de Química, 10 questões de Biologia, 8 questões de Inglês, além de 4 questões interdisciplinares. Cada questão terá quatro alternativas. A duração da prova da primeira fase se mantém em cinco horas. Já a segunda fase do Vestibular Unicamp 2015 será realizada em três dias consecutivos, com duração de quatro horas a cada dia. (Juliana Sangion)

Candidatos durante prova do Vestibular Unicamp 2014

Calendário Vestibular Unicamp 2015 Inscrições e pagamento da taxa de inscrição

11/8 a 11/9/2014

Provas de Habilidades Específicas de Música

25 a 29/9/2014

1ª fase

23/11/2014

2ª fase

11, 12 e 13/1/2015

Provas de Habilidades Específicas Divulgação da 1ª chamada Matrícula da 1ª chamada (não presencial)

19 a 22/1/2015 2/2/2015 3 e 4/2/2015

Divulgação da 2ª chamada

6/2/2015

Matrícula da 2ª chamada (presencial)

11/2/2015

Início das aulas

25/2/2015


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Campinas, 6 a 12 de outubro de 2014

Tese mostra que universidade tem papel coadjuvante na preparação de técnicos

Formação de treinador de basquete é tema de estudo Fotos: Divulgação

ISABEL GARDENAL bel@unicamp.br

uma partida de basquete, não somente os jogadores são as peças-chaves do jogo. De maneira às vezes silenciosa, porém ativa, também atuam os treinadores. Se de um lado eles são festejados, de outro são responsabilizados pelos maus resultados do time. Entre as exigências que lhes são impetradas, está a passagem, obrigatória, pelos bancos universitários. Mas hoje eles fazem mais: buscam especialização e formação continuada. Mesmo assim, isso não tem sido suficiente, na opinião deles. É preciso mais. Segundo pesquisa de doutorado recente defendida na Faculdade de Educação Física (FEF), o desenvolvimento profissional dos treinadores, sobretudo os das categorias de base, envolve processos que ocorrem na prática, no terreno profissional. Foi o que apontou o estudo de Heitor de Andrade Rodrigues. “A universidade exerce apenas um papel coadjuvante na constituição dos saberes e das identidades.” Os treinadores, realça, ainda estão demasiadamente enraizados nas suas experiências profissionais com a modalidade. O contexto da aprendizagem informal é sugerido como fonte primária para atingir os conhecimentos que sustentam a prática dos treinadores, seja pela imersão na cultura esportiva e/ou pela prática reflexiva. Essa constatação acena para a necessidade de revisar e transformar o modelo de formação que tem sustentado os currículos dos cursos de Educação Física no Brasil, bem como a grande maioria dos cursos de treinadores oferecidos pelas entidades esportivas, já que boa parte deles reproduz o modelo universitário de formação. Esse modelo está estruturado com base na lógica disciplinar, voltada à produção e transmissão de conhecimentos científicos, os quais devem ser apropriados pelos alunos para serem aplicados aos problemas colocados pela prática. Heitor conta que duas questões principais nortearam a sua investigação: quais os desafios e as tensões enfrentados pelos treinadores de basquetebol das categorias de formação, e quais os saberes mobilizados ao longo do processo de constituição identitária. A pesquisa foi desenvolvida entre 2011 e 2013 no Estado de São Paulo, em cidades com tradição na formação de jovens atletas de basquetebol, entre elas Franca, Limeira, Rio Claro, Americana, Campinas, São Paulo e Osasco. Foram entrevistados 13 treinadores com reconhecida competência na formação de jovens atletas, em diferentes fases da carreira profissional, com base no critério de anos de experiência na profissão. Oito eram treinadores de equipes masculinas e cinco de equipes femininas.

FORMAÇÃO

De acordo com o doutorando, a porta de entrada de todos aqueles que desejam ser treinadores passa invariavelmente pelo ingresso no curso de Educação Física. Mas via de regra esse curso oferece apenas uma formação generalista, voltada a diversas áreas de atuação. A despeito de o curso universitário ser uma condição necessária para a atuação profissional dos treinadores, Heitor percebeu que o curso contribui de maneira superficial para a formação desse grupo de trabalhadores. Fato é que boa parte da formação dos treinadores se dá mesmo fora do ensino superior. “Foi exatamente nesse ponto que a pesquisa ganhou sentido, já que procuramos identificar na história de vida dos avaliados os episódios significativos que contribuíram para suas identidades e saberes”, relata. O doutorando explica que a realidade da atuação dos treinadores brasileiros nas categorias de base é coerente com a realidade do esporte brasileiro nesse nível de formação, ou seja, a grande maioria trabalha em condições precárias. São poucos os incentivos e oportunidades de educação continuada para esse profissional. “Além disso, falta uma política nacional de esporte que valorize essa profissão”, acredita.

Jogo entre equipes sub-19 de Franca e Bauru: estudo analisou formação de treinadores de categorias de base

No entanto, não dá para dizer que os cursos de Educação Física têm sido incapazes de preparar os alunos para assumirem a função de treinador, esclarece ele. “Parece mais apropriado reconhecer que o curso tem um papel limitado, contudo certamente fornece um conjunto de saberes relevantes à atuação profissional.” Conforme os resultados da tese, os treinadores constituem suas identidades e saberes nas experiências pessoal e profissional, as quais têm início na socialização pré-profissional, perpassam a socialização profissional no curso de Educação Física e adentram a socialização profissional durante a carreira. Trata-se de um processo de longo prazo, fruto de investimento pessoal e interações com os diversos sujeitos e instituições que cruzaram a vida de cada treinador. Os treinadores demonstraram, desde cedo, o desejo de fazer parte do basquetebol, o que ocorreu inicialmente como praticantes e espectadores da modalidade. Nesse período, a figura dos primeiros professores foi fundamental para o encantamento pelo esporte. O passo seguinte foi o investimento na vida de atleta, mediado pelos primeiros treinadores. “É um período marcado por experiências e lembranças positivas para a maioria dos treinadores”, conta. A aprendizagem ocorreu por imersão na cultura esportiva (aqui denominada de educação artesanal) ou processo formativo do aprendiz pelo mestre, revelando-lhe os segredos do ofício. Os treinadores contam que se apropriaram dos conhecimentos e valores da cultura do basquetebol no convívio com os antigos professores e treinadores, observando, ajudando ou trocando ideias. “Foi nessa fase que constituíram suas identidades e saberes de ofício, sustentando as crenças e as práticas sobre o treinamento.”

POLÍTICA

Sobre a política de formação, Heitor pontua que têm sido observadas algumas iniciativas pioneiras no país como a Escola Nacional de Treinadores de Basquetebol, apoiada pela Confederação Brasileira de Basketball, e a Academia Brasileira de Treinadores, criada pelo Comitê Olímpico Brasileiro, que merecem ser aperfeiçoadas e democratizadas, já que atingem uma classe seleta de treinadores. Na opinião do pesquisador, deveria haver um maior investimento nas categorias de base. Essa ideia já é consensual no contexto acadêmico, pois a formação de atletas é algo que acontece muito em longo prazo, sendo as categorias iniciais imprescindíveis ao êxito das categorias de maior projeção no esporte. “Daí a importância de valorizar e investir na formação do maior responsável por conduzir esse processo – o treinador”, sugere. O doutorando conta que hoje em dia é fácil de identificar um número significativo de pesquisas sobre os atletas do basquetebol, mas pouquíssimas sobre os treinadores, isso ao lançar um olhar mais atento à produção científica no campo do treinamento esportivo. Se considerados os treinadores das categorias de base, ou seja, aqueles responsáveis pela formação de jovens esportistas, o descompasso é ainda maior, visto que as pesquisas encontradas se situam mais no contexto internacional, descreve. “Este estudo consiste em dar visibilidade à profissão de treinador, destacar os limites do curso de Educação Física na formação de treinadores e perceber a importância do terreno profissional no processo de formação e desenvolvimento dos treinadores”, pontua. Merece também destaque a possibilidade de identificar treinadores com reconhecida competência e experiência no basquetebol que possam assumir os papéis de tutores e mentores de alunos e jovens treinadores, tra-

balhando em parceria com a universidade ou com as entidades esportivas. Ao escolher os treinadores como objeto desse estudo, não se trata de negar o protagonismo dos atletas no contexto esportivo, porém de destacar a necessidade de conhecer quem são os treinadores, quais são os conhecimentos necessários à sua atuação profissional, quais as demandas de sua prática e como é possível qualificar o seu trabalho.

RETOMADA

O basquetebol surgiu em 1891, nos Estados Unidos. Seu criador foi James Naismith, professor de Educação Física da Associação Cristã de Moços de Springfield, Estado de Massachusetts. Os Estados Unidos têm realizado um grande esforço para tornar esse esporte um produto global do capitalismo. E, não por acaso, existem jogadores de diferentes nacionalidades jogando a Liga NorteAmericana de Basquete (NBA). Recentemente, houve a final da NBA, principal liga de basquetebol profissional, e pela primeira vez na história um jogador brasileiro, Tiago Splitter, sagrou-se campeão, embora o Brasil já tenha uma tradição no basquetebol. “No masculino, somos bicampeões mundiais (1959 e 1963) e, no feminino, campeões (1994), sem contar outras conquistas em Jogos Olímpicos, como o vice-campeonato feminino em 1996 e a vitória masculina nos Jogos Pan-Americanos de Indianápolis, em 1987, quando fomos campeões diante da equipe dos Estados Unidos, um feito histórico”, dimensiona Heitor. Apesar dessa tradição, nos últimos 20 anos essa atividade perdeu o posto de segundo esporte na preferência dos brasileiros para o voleibol [o futebol é o primeiro]. “Mas existe um grande empenho para resgatar o prestígio do esporte no contexto nacional”, sublinha ele. Exemplo disso é o êxito das últimas edições da Liga Nacional de Basquetebol Masculino – o NBB (Novo Basquete Brasil). Heitor comenta que essas iniciativas, no entanto, não devem ficar restritas ao universo do basquetebol profissional masculino e merecem ser estendidas aos profissionais que atuam (treinadores, atletas, árbitros, gestores e demais membros da comissão técnica) no basquetebol feminino, sobretudo aqueles que dedicam a vida às categorias de base. “No fundo, há necessidade de valorização e profissionalização daqueles que se responsabilizam pela formação de jovens atletas, semelhante ao que tem sido feito no NBB”.

Publicação Tese: “Formação e desenvolvimento profissional do treinador: um estudo sobre os treinadores de basquetebol, suas identidades e saberes” Autor: Heitor de Andrade Rodrigues Orientador: Roberto Rodrigues Paes Unidade: Faculdade de Educação Física (FEF) Heitor de Andrade Rodrigues: autor da tese entrevistou 13 treinadores


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Campinas, 6 a 12 de outubro de 2014

Santa ciência

Pesquisa de doutorado sugere que programa televisivo “sacraliza” avanços científicos Fotos: Divulgação/Reprodução

LUIZ SUGIMOTO sugimoto@reitoria.unicamp.br

ormada em rádio e televisão pela Unimep (Universidade Metodista de Piracicaba), Daniella Rubbo Rodrigues Rondelli vem estudando a relação da imprensa com a ciência desde a graduação. Esse interesse se transformou em dissertação de mestrado e teve como desdobramento natural a tese de doutorado intitulada “As (in)certezas da ciência: uma análise das representações da ciência médica no programa Fantástico”, defendida sob a orientação da professora Maria José Rodrigues Faria Coracini, no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp. Daniella Rubbo partiu de uma hipótese simples: que apesar de a cultura logocêntrica ocidental contrapor ciência e religião como formas antagônicas de conceber o mundo, o discurso da mídia constrói representações de ciência que se aproximam das representações de religião. “O antagonismo na prática científica e religiosa é tomado como pressuposto não porque realmente existam diferenças que separem os dois campos, mas porque ambos têm a pretensão de deter a verdade.” Inicialmente, a autora da tese quis verificar como a mídia, principalmente a TV, trata a ciência de maneira meio mistificada, sacralizada. Ela observa que o “Fantástico” possui mais de 40 anos de história e por isso foi o programa escolhido para que procurasse entender as relações de poder entre mídia, ciência e público na contemporaneidade. “O recorte temporal foi de um ano, em que colhi 104 reportagens. Como são muitas as matérias de ciências, eu decidi por um recorte mais específico, trabalhando apenas com as de medicina, que têm grande repercussão e são as mais comentadas pelo público leigo.” Na leitura atenta das matérias, Daniella Rubbo verificou diversos pontos de aproximação entre medicina e religião, que agrupou em três grandes eixos: “ascese”, “promessa” e “sacralidade”, todos eles unidos pela necessidade de “fé”. “Chamo de ascese o eixo em que o médico é colocado como alguém que precisa fazer sacrifícios pessoais, doar algo de si próprio para exercer esta profissão. Há o eixo da promessa de uma vida melhor, desde que o espectador confie e se entregue às regras da medicina.

Captura de tela mostra Zeca Camargo, que foi apresentador do Fantástico, e a logomarca do quadro cujo foco é a saúde

E vemos a marca fortíssima da sacralização, quando até mesmo para o mais desesperançado a medicina promete a salvação, através de um novo procedimento médico e do avanço da ciência.” A radialista acrescenta que esses três eixos têm como exigência comum a fé irrestrita no conhecimento médico, o que representaria um quarto laço entre ciência Foto: Antonio Scarpinetti

A radialista Daniella Rubbo Rodrigues Rondelli: identificando pontos de aproximação entre medicina e religião

e religião. “Um aspecto curioso é que embora a construção desta visão de fé seja a marca do Fantástico, ao observarmos cientificamente o corpus da pesquisa, percebemos que o próprio médico acredita muito naquilo que está falando.”

HISTÓRICO O Fantástico foi ao ar pela primeira vez em agosto de 1973, mesmo ano de nascimento de Daniella Rubbo, coincidência que a levou à constatação de que toda a sua geração encontrou no discurso do programa as referências iniciais para a construção de um ideário sobre a ciência brasileira. “É difícil encontrar alguma edição em que a ciência não tenha sido abordada. E a tendência pela medicina está presente desde o primeiro programa, cuja pauta continha uma entrevista com o cirurgião plástico Ivo Pitanguy; uma matéria mostrando o momento em que o jogador Tostão recebia um laudo médico que o obrigava a abandonar o futebol; e uma reportagem sobre uma técnica de criogenia, desenvolvida nos Estados Unidos, com pretensão de congelar pacientes de doenças ainda sem cura para que, no futuro, fossem tratados.” Na tese, a autora retrocede aos tempos de Vargas, de JK e do golpe militar para oferecer um histórico sobre as circunstâncias e ações políticas e econômicas que

Um médico abnegado Das 104 reportagens do Fantástico que Daniella Rubbo gravou durante um ano, ela selecionou diversas para o CD que acompanha sua tese de doutorado, no intuito de mostrar momentos do programa em que aparece a divergência entre ciência e fé. Um colaborador fixo e que exerce grande influência sobre os telespectadores é o médico Dráuzio Varella que, na opinião da pesquisadora, ganha no programa uma imagem abnegada, competente e esforçada. “Sua figura remete à de um sacerdote oferecendo a salvação. Há uma matéria versando sobre pesquisas de novos medicamentos em que ele aparece num barco, atravessando o rio Amazonas, como um missionário que abandona todo o conforto da cidade e coloca muito de si para ir atrás dessas curas”. Daniella Rubbo acrescenta que a cena é do quadro “É bom pra quê?”, série limitada de reportagens produzidas sob o comando de Varella e que se propunha a discutir o uso de produtos caseiros, como plantas e chás, no tratamento de doenças. “O nome do quadro sugere que a reportagem promoverá uma reconciliação entre ciência e senso comum. Porém, essa reconciliação é aparente, já que o próprio apresentador veiculará a segurança do procedimento médico-científico – ‘Do tubo de ensaio ao balcão da farmácia’. Ou seja, as plantas só serão úteis e seguras se passarem pelo crivo da ciência.” Segundo a autora da tese, ainda que o Fantástico conceda espaço inclusive para manifestações de resistência à hegemonia do conhe-

Dráuzio Varella em episódio do quadro “É bom pra quê?”: para a pesquisadora, o médico “veicula a segurança do procedimento médico-científico”

cimento científico, seus dizeres acabam reafirmando a verdade científica em detrimento de outras possibilidades. “Esse viés do programa está presente na maior parte do material que analisamos, mas se faz particularmente importante quando tratamos da participação de Dráuzio Varella. Por ocupar a dupla função de médico e de comunicador (fazendo-se por vezes de repórter), tende a diminuir a tensão entre o poder exercido pela ciência e o exercido pela mídia, emprestando ao cientista a visibilidade da mídia e ao jornalista, a credibilidade da ciência.” Nem por isso, Daniella Rubbo deixou de identificar uma reportagem em que a promessa parece ser suplantada ou, pelo menos, sofre resistência das promessas religiosas. A pauta é sobre o milagre, reconhecido pela Igreja, que permitiu a beatificação de Irmã Dulce: foi atribuída à intercessão da religiosa a

recuperação de uma mulher após intensa hemorragia durante o parto, depois de passar por três cirurgias e acabar desacreditada pelos médicos. Um padre pediu socorro a Irmã Dulce, colando uma foto da santa sobre o frasco de soro. Na visão da pesquisadora, esta reportagem parece corroborar a ideia de que a religião tem um poder de interferir sobre a vida das pessoas, apontando, afinal, para a suposta dicotomia entre ciência e religião. “Depreendemos que, enquanto há espaço para a medicina, a religião fica apagada como forma de explicar e interferir no mundo, ganhando espaço apenas quando a primeira atinge seus limites. Por tal via, a religião estaria além, seria mais importante do que a própria medicina e, principalmente, seria incompatível com as verdades médicas.”

favoreceram a Rede Globo para que se tornasse o mais poderoso grupo de mídia do Brasil. “A década de 1960 vai ser marcada por grandes transformações políticas e sociais, que terão os meios de comunicação como um importante vetor na reconfiguração dos jogos de poder. Antigos grupos de mídia deram lugar a outros, mais alinhados com os interesses econômicos, políticos e militares do momento. Dentre esses interesses havia a necessidade de adaptar uma população tradicionalmente agrária e pouco alfabetizada ao novo contexto urbano-industrial.” Na visão da pesquisadora, a Globo desenhou seu modelo entre tradição e modernidade, ainda que isso resultasse em contradições como de ser a única emissora a ter um correspondente no Vaticano e, ao mesmo tempo, a primeira a retratar a vida de uma mulher divorciada. “O Fantástico falava da importância da ciência e das grandes descobertas até para que a população deixasse de acreditar tanto no padre e mais no médico. E cumpre até hoje esse papel, embora a condição da população e sua relação com a ciência fosse mudando. Só não muda o programa, um dos mais estáveis da rede e que teve seu horário alterado apenas em meia hora.” A radialista recorda que o programa sempre foi marcado por um caráter tradicional e respeitoso à religião católica, mas em muitos momentos escapa dessas premissas conservadoras. “Como exemplo, em 1978, o Fantástico exibiu uma gravação de Maria Bethânia cantando ‘Cálice’, canção de Chico Buarque e Gilberto Gil, ambos exilados pelo governo militar, e que ficou conhecida como um hino de resistência. Da mesma forma, ao longo de sua história podemos encontrar momentos em que o programa abre espaço para outras religiões, como em diversas matérias sobre o médium Chico Xavier ou curas por intermédio de intervenções espirituais.” Na visão de Daniella Rubbo, essas primeiras reportagens também exemplificam a vocação do Fantástico para tratar a ciência como um espetáculo que promete uma vida melhor, mais desejável e mais segura. “O próprio nome escolhido, ‘Fantástico: o show da vida’, aponta nessa direção. Uma marca ainda mais contundente desta inclinação é seu primeiro jingle, que funciona como uma espécie de declaração de intenções do programa. A composição é do músico Guto Graça Mello e do diretor José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o famoso Boni, homem forte da emissora e idealizador do programa”. A letra do tema de abertura do Fantástico está inserida na tese de Daniella Rubbo: Olhe bem preste atenção Nada na mão nessa também Nós temos mágica para fazer Assim é a vida, olhe pra ver Milhares de sonhos, só para sonhar Miragens que não se pode tocar Numa fração de um segundo Qualquer emoção agita o mundo Riso, criado por quem é mestre Sexo, sem ele o mundo não cresce Guerra para matar e morrer Amor que ensina a viver Foguetes no espaço num mundo infinito Provando que tudo não passa de um mito É Fantástico, da idade da pedra ao homem de plástico, o show da vida É fantástico

Publicação Tese: “As (in)certezas da ciência: uma análise das representações da ciência médica no programa Fantástico” Autora: Daniella Rubbo Rodrigues Rondelli Orientadora: Maria José Rodrigues Faria Coracini Unidade: Instituto de Estudos da Linguagem (IEL)


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