Ju 611 virando paginas

Page 1

3 Congresso Interno

Foto: Antonio Scarpinetti

de Iniciação Científica reúne 1,3 mil trabalhos

Jornal daUnicamp www.unicamp.br/ju

Campinas, 20 de outubro a 2 de novembro de 2014 - ANO XXVIII - Nº 611 - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

MALA DIRETA POSTAL BÁSICA 9912297446/12-DR/SPI UNICAMP-DGA

CORREIOS

FECHAMENTO AUTORIZADO PODE SER ABERTO PELA ECT

Foto: Divulgação

EÇA DEFINITIVO

Eça de Queiroz (à direita) com Carlos Mayer

6 e7

O livro Eça de Queiroz: Uma Biografia, do arquiteto e historiador Alfredo Campos Matos, detalha as relações do escritor português com o Brasil, dos laços de parentesco à interlocução com intelectuais, com ênfase nas polêmicas travadas com Machado de Assis. A biografia, que acaba de ser lançada pela Editora da Unicamp e Ateliê Editorial, vem sendo considerada definitiva por críticos e estudiosos. Em resenha, Wilton José Marques, professor da UFSCar, observa que a obra “é, sem sombra de dúvidas, uma contribuição importante que veio para ficar, integrando-se à categoria de textos fundamentais da bibliografia queiroziana”.

4 5

‘Startups’ impulsionam bioindústria americana Camponesas lideram frente antitransgênicos

8 9

Primeiros socorros para a comunidade Engenheiro analisa os aquíferos de Cubatão

11 12

Crescimento de Paulínia alimenta especulação A tradição em Jacob do Bandolim


2

Campinas, 20 de outubro a 2 de novembro de 2014

Fungos e leveduras extraídos

de folhas e frutos podem

ser convertidos em enzimas Foto: Antonio Scarpinetti

Pesquisa demonstra potencial para aplicações em vários setores da indústria, de alimentos a cosméticos ISABEL GARDENAL bel@unicamp.br

m estudo de mestrado da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA), a bióloga Érica Benjamim da Silva conseguiu isolar novas linhagens de fungos filamentosos e leveduras a partir de amostras de folhas, frutos e sementes, presentes nas regiões de Mata Atlântica e amazônica. Essas linhagens mostraram potencial para a produção de enzimas com aplicações na indústria de alimentos, farmacêutica, de biocombustíveis, cosméticos, agroquímicos e oleoquímicos. Érica integra o grupo de pesquisa da professora Gabriela Alves Macedo, sua orientadora. Intitulado “Bioprospecção de fungos e leveduras silvestres de distintos biomas do Estado de São Paulo visando a produção de enzimas, vitaminas de interesse industrial e compostos bioativos”, o estudo faz parte do Programa Biota Fapesp. Nesse trabalho, a autora avaliou a capacidade que micro-organismos silvestres têm de produzir tanase e lipase, enzimas de interesse, empregando um processo de fermentação [em estado sólido] com farelo de trigo. O isolamento e estudo dessas linhagens nos biomas brasileiros, afirma ela, pode facilitar novos estudos para aplicação em processos tecnológicos. Os micro-organismos considerados promissores foram depositados na Coleção de Micro-Organismos do Laboratório de Bioquímica de Alimentos da Unicamp e na Coleção Brasileira de Micro-Organismos de Ambiente e Indústria (CBMAI), e poderão ser acessados por pesquisadores.

Mata Atlântica, no Litoral Norte de São Paulo, onde a bióloga desenvolveu parte das pesquisas: folhas, frutos e sementes como matéria-prima

De acordo com Érica, o número de espécies hoje conhecidas é pequeno, se comparado às estimativas da diversidade total de fungos. Elas variavam de 1,5 milhão de espécies em 2004 a 5,1 milhões em 2011. No presente estudo, foram obtidas 26 linhagens positivas para lipase e 105 para tanase, dentre elas linhagens pertencentes aos gêneros Aspergillus, Paecilomyces sp. e Colletotrichum sp., que poderão ser consultadas em estudos de otimização de produção, de determinação dos mecanismos de ação e de aplicação. “Essa pesquisa se reveste de grande importância, uma vez que a bioprospecção de micro-organismos nativos é essencial para o avanço do setor biotecnológico brasileiro”, diz. “E o uso de resíduos agroindustriais como o farelo de trigo, para a obtenção de produtos de alto valor agregado, como as enzimas, pode aumentar a viabilidade econômica e diminuir os problemas de deposição de resíduos no ambiente.” A pesquisadora explica que as enzimas são, em geral, proteínas com a capacidade de catalisar reações químicas. Sem a sua presença, essas reações aconteceriam a uma velocidade muito baixa. Presentes naturalFotos: Divulgação

Fungos isolados no trabalho: abrindo frentes para novos estudos

mente nos seres vivos, na área de alimentos, elas auxiliam, por exemplo, no amadurecimento de frutas, amaciamento de carnes após o abate de um animal ou na germinação de sementes. As amostras de folhas, frutos e sementes, das quais foram isoladas as linhagens de fungos, conta a mestranda, foram coletadas na serapilheira – camada formada pela deposição de matéria orgânica morta que reveste o solo ou o sedimento aquático, e que é a principal via de retorno de nutrientes ao solo.

setor, critica Érica. Deste modo, o emprego de enzimas provindas de micro-organismos nativos seria essencial para o desenvolvimento do setor biotecnológico nacional, ressalta. O solo é constituído por compostos que são fontes de energia e de carbono para os micro-organismos. Para utilizá-los, as espécies sintetizam e secretam diversas enzimas. Tendo em vista que muitos desses compostos são de interesse industrial, uma vez que aumentam a qualidade do produto e seu potencial valor agregado, uma boa iniciativa é isolá-los e selecionar fungos do solo com potencial de produtividade, como as enzimas tanase e lipase, para uso no setor industrial. A expectativa da pesquisadora é que os micro-organismos isolados nesse trabalho possam ser adotados em outros estudos que avaliem a aplicação das enzimas em diversos processos. Aprofundar os estudos de caracterização bioquímica, avaliando possíveis inibidores ou ativadores das enzimas é uma sugestão de Érica para investigações futuras. O Laboratório de Bioquímica de Alimentos da FEA, comenta Érica, tem larga experiência no isolamento e seleção de micro-organismos para produção de enzimas e compostos bioativos. Estas linhagens têm sido mantidas em uma coleção composta por fungos e leveduras, coletadas de diversas regiões do Brasil e da América Latina. Participaram do grupo de pesquisa da bióloga os alunos de pós-graduação André Ohara, Paula Menezes e Cínthia Fernandes, que contribuíram para o resultado final do seu trabalho.

LIPASE E TANASE A aplicação industrial mais relevante das lipases é como aditivo em detergentes. Elas também têm sido aproveitadas na resolução de fármacos quirais, modificação de gorduras, síntese de substituintes da manteiga de cacau, produção de biocombustíveis, cosméticos, agroquímicos, oleoquímicos e realçadores de sabor. Por outro lado, a aplicação da outra enzima – a tanase – ainda se mostra reduzida, devido ao alto custo de produção e à carência de conhecimento a seu respeito, apesar de ter um enorme potencial na indústria farmacêutica e de alimentos, e no tratamento de resíduos. A técnica que Érica colocou em execução, que é a de fermentação em estado sólido com farelo de trigo, simula o habitat natural de grande parte dos micro-organismos, sendo um bom método para o cultivo e produção de biomoléculas de alto valor agregado. Além disso, a utilização de resíduos agroindustriais de baixo custo, como o farelo de trigo, pode aumentar a viabilidade econômica do processo e minimizar os problemas relacionados à contaminação do ambiente. Segundo a pesquisadora, já existem muitos estudos acerca do tema, mas ainda prossegue a grande necessidade de encontrar lipases e tanases com diferentes propriedades e características, e que também apresentem maior atividade enzimática. Mesmo considerando o Brasil um país com enorme biodiversidade e potencial para produzir biocatalisadores, ainda há uma grande dependência tecnológica nesse

Publicação Dissertação: “Isolamento e seleção de fungos silvestres com potencial para produção das enzimas lipase e tanase extracelulares” Autora: Érica Benjamim da Silva Orientadora: Gabriela Alves Macedo Unidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA)

Érica Benjamim da Silva, autora da pesquisa: é pequeno o número de espécies hoje conhecidas

UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas Reitor José Tadeu Jorge Coordenador-Geral Alvaro Penteado Crósta Pró-reitora de Desenvolvimento Universitário Teresa Dib Zambon Atvars Pró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários João Frederico da Costa Azevedo Meyer Pró-reitora de Pesquisa Gláucia Maria Pastore Pró-reitora de Pós-Graduação Raquel Meneguello Pró-reitor de Graduação Luís Alberto Magna Chefe de Gabinete Paulo Cesar Montagner

Elaborado pela Assessoria de Imprensa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Periodicidade semanal. Correspondência e sugestões Cidade Universitária “Zeferino Vaz”, CEP 13081-970, Campinas-SP. Telefones (019) 3521-5108, 3521-5109, 3521-5111. Site http://www.unicamp.br/ju e-mail leitorju@reitoria.unicamp.br. Twitter http://twitter.com/jornaldaunicamp Assessor Chefe Clayton Levy Editor Álvaro Kassab Chefia de reportagem Raquel do Carmo Santos Reportagem Carlos Orsi, Carmo Gallo Netto, Isabel Gardenal, Luiz Sugimoto, Manuel Alves Filho, Patrícia Lauretti e Silvio Anunciação Fotos Antoninho Perri e Antonio Scarpinetti Editor de Arte Luis Paulo Silva Editoração André da Silva Vieira Vida Acadêmica Hélio Costa Júnior Atendimento à imprensa Ronei Thezolin, Gabriela Villen, Valerio Freire Paiva e Eliane Fonseca Serviços técnicos Dulcinéa Bordignon e Diana Melo Impressão Triunfal Gráfica e Editora: (018) 3322-5775 Publicidade JCPR Publicidade e Propaganda: (019) 3383-2918. Assine o jornal on line: www.unicamp.br/assineju


Campinas, 20 de outubro a 2 de novembro de 2014

3

No embrião da pesquisa 22ª edição do Congresso de Iniciação Científica vai reunir 1.348 projetos entre os dias 22 e 24 Foto: Antonio Scarpinetti

ISABEL GARDENAL bel@unicamp.br

Unicamp responde por 15% da pesquisa acadêmica do Brasil. Uma parte dela é desenvolvida durante a iniciação científica. O resultado é a contribuição que a Universidade dá para a sociedade. São tecnologias; metodologias; novos medicamentos, materiais e produtos; otimização de processos; inovações; e várias descobertas em todas as áreas do conhecimento. É para tornar públicas essas pesquisas que a Unicamp promoverá no próximo dia 22 o seu XXII Congresso Interno de Iniciação Científica. O evento, que já é tradicional no calendário institucional, acontece no Centro de Convenções até o dia 24 deste mês, com organização da Pró-Reitoria de Pesquisa (PRP). A abertura está prevista para as 13h30. Além de ser um dos congressos da Unicamp que reúne maior número de trabalhos, também é um dos que mais gera investigações de qualidade. Por reconhecer o mérito das suas pesquisas, a Universidade já estuda a possibilidade de tornar o evento internacional. É o que planejam a professora Gláucia Maria Pastore, titular da pasta da PRP, e o professor Fernando Coelho, coordenador do congresso. “Essa é a nossa expectativa para dar uma maior visibilidade aos trabalhos aqui produzidos”, reforça a pró-reitora. Nesta vigésima segunda edição, Fernando Coelho conta que são 1.485 alunos inscritos, 1.348 projetos, em média 1.200 visitantes por dia, 39 docentes que compõem o comitê interno de avaliação, 28 docentes de outras instituições que compõem o comitê externo do CNPq e 500 doutorandos e pós-doutorandos inscritos para atuar como avaliadores. O coordenador ressalva uma pequena diferença entre o número de projetos e o número de alunos. Ele explica que no grupo de alunos do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica para o Ensino Médio (PIBIC-EM) um único projeto pode ter vários alunos envolvidos. O coordenador comenta que os comitês que julgarão os trabalhos terão a difícil tarefa de avaliá-los. Isso porque, no conjunto, a sua qualidade é muito boa. Um comitê interno escolherá os melhores em cada uma das áreas do conhecimento. Depois, 28 docentes de outras instituições também avaliarão os préselecionados. O objetivo é premiar os projetos de maior mérito, relata ele. O prêmio será dado aos autores dos 20 melhores trabalhos, que receberão importância em dinheiro, no valor de R$ 3 mil, e participarão de evento da Sociedade Brasileira para o Progresso para a Ciência (SBPC). Na opinião de Fernando Coelho, o XXII Congresso é um encontro que rende bons frutos porque está trazendo o trabalho de alunos de iniciação científica, descortinando a pesquisa em sua forma embrionária. Mas esse incentivo, garante ele, não é suficiente para transformar esse jovem em cientista. O aluno tem que se esforçar para buscar o conhecimento. Além disso, é fundamental que o projeto tenha um propósito: sinalize soluções para algum problema de pesquisa.

Trabalhos expostos no Ginásio da Unicamp, na edição do ano passado do Congresso Interno de Iniciação Científica: comitê escolherá os melhores em cada uma das áreas do conhecimento

Os principais impactos desse programa, salienta, são a melhor preparação para a pósgraduação e o desenvolvimento do raciocínio lógico, da criatividade e do método no tratamento de novos problemas que esta experiência proporciona a esses estudantes. Nesta edição, a organização do evento designou como mote do congresso o dizer: ‘Venha participar do futuro da pesquisa da Unicamp’. “Essa escolha é apropriada porque de fato consideramos a iniciação científica o futuro da nossa pesquisa. E o tempo tem apontado isso”, sublinha o professor. Ele informa que o evento traz muitas novidades quanto à forma como foi organizado. No passado, os cadernos de resumos não permitiam que se incluíssem fotos, gráficos, tabelas, esquemas. Este ano, o caderno de resumos já permite que isso seja feito. Outra novidade: o sistema de inscrição foi totalmente eletrônico e o julgamento também o será. Uma vez que o aluno apresenta o seu trabalho, a sua presença será controlada eletronicamente. Depois ele entra na página da PRP e emite o seu certificado também eletronicamente. “Caminhamos para fazer desaparecer completamente o papel”, revela. Mais uma inovação no congresso é que foi feita uma campanha interna bastante exitosa em relação ao estímulo para que bolsistas de outras agências de fomento participem desse evento. O coordenador lembra que o congresso normalmente é obrigatório para os alunos financiados com bolsas CNPq e SAE, mas não para os alunos com bolsa Fapesp. Com essa campanha, veio o resultado. “O congresso do ano passado tinha 46 inscritos com bolsa Fapesp. Este ano tivemos 118. Foto: Antoninho Perri

Gláucia Maria Pastore, pró-reitora de Pesquisa, e o professor Fernando Coelho, coordenador do congresso: investigações de qualidade

Isso é altamente favorável porque contribui para aumentar ainda mais a qualidade dos trabalhos que serão apresentados”, julga Fernando Coelho. Nas edições anteriores, o congresso tinha outras atividades apenas no primeiro dia. Durante a abertura do evento um convidado externo apresentava um seminário sobre um tema geral. Neste ano, o formato mudou completamente, anuncia ele. Todos os dias haverá atividades. Estão programadas palestras com pesquisadores reconhecidos em diferentes áreas do conhecimento, que ministrarão temas transversais, ou seja, que interessam a todas as áreas do conhecimento. A palestra de abertura acontecerá no dia 22, às 13h30. O tema “Empreendedorismo” será abordado pelo docente da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Aluir Dias Purceno. Nesse primeiro dia, também haverá a participação da Agência de Inovação Inova Unicamp, que apresentará casos de sucesso da própria Universidade. Às 16 horas, será realizada uma exposição dos 474 painéis dos alunos das áreas de Artes e Tecnológicas. No segundo dia, uma mesa-redonda discutirá às 14 horas a produção e a divulgação científica e cultural, com a presença de Vera Regina Toledo Camargo, pesquisadora do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor). A seguir, serão expostos os 438 painéis dos alunos das áreas de Exatas e de Humanas. “O tema divulgação científica é muito importante porque uma parte dos resultados, do conhecimento que é gerado na Universidade, nem sempre é repassada para a sociedade. A linguagem para fazer essa passagem nem sempre é dominada. Então a ideia é que esse conhecimento consiga chegar ao grande público”, afirma o coordenador. No último dia, o pesquisador do Centro de Pesquisa da Petrobrás (Cenpes) Eduardo Falabella ministrará uma palestra às 14 horas, destacando a ética na pesquisa. A seguir, acontecerá a última exposição do evento, que mostrará os 436 painéis dos alunos da área de Biológicas. A intenção, ressalta Fernando Coelho, é permitir que um aluno de qualquer área possa ter contato com temas que também façam parte da sua formação humana e profissional. “Esse será um momento de reflexão sobre a qualidade do trabalho e a formação que a Universidade pode oferecer aos estudantes como seres humanos e como cidadãos, que é tão importante quanto formar cientistas.”

RELEVÂNCIA De acordo com Gláucia Pastore, a Unicamp possui uma forte atuação na iniciação científica e isso tem sido verificado por ou-

tras instituições do país que a consideram um modelo na pesquisa. “O fato de os trabalhos de iniciação científica terem tanta atenção na sua seleção e orientação propicia uma atmosfera favorável ao seu crescimento, porque os alunos que fazem suas primeiras pesquisas possivelmente se tornarão pósgraduandos. Com isso, a pesquisa avança porque conta com jovens quadros que replicam outros jovens quadros na instituição”, realça. Uma preocupação da PRP, assinala ela, foi buscar o aprimoramento do sistema para a seleção dos trabalhos, procurando entender como é a relação dos orientadores com os orientandos, e divulgar os conteúdos que estão sendo desenvolvidos na Universidade. “Algumas melhorias foram implementadas para que o aluno compreenda a importância que a Unicamp dá ao trabalho de iniciação científica, pois ele é a base para todas as linhas de pesquisa.” Para a pró-reitora de Pesquisa, o mais importante é o caráter de grupo que o aluno de iniciação deve assumir ao compor uma equipe com mestrandos e doutorandos. O sentimento de proatividade é muito positivo, opina, e permite que a pesquisa melhore ainda mais. “A Unicamp já é reconhecida como um celeiro de pesquisas.” A docente explica que muitos trabalhos inovadores têm inclusive a possibilidade de abrir novas linhas de pesquisa. “Dentro de uma equipe, o que geralmente acontece é que o aluno de iniciação científica entra como que num ‘treinamento’ e às vezes tem que acompanhar um projeto já em andamento. Esse projeto pode ser visto de uma outra forma pelo aluno de graduação. Assim, ele é uma espécie de agente de pesquisa, um pesquisador em formação”, define. Conforme a professora, um aluno que não ingressa na iniciação científica simplesmente cursa a graduação e não se desenvolve profissionalmente como poderia. “Isso porque a iniciação contribui com ele, conferindo-lhe atributos como objetividade e clareza, escrever de maneira a comunicar em ciência e trabalhar em equipe. Essas possibilidades de implemento na sua formação profissional são extremamente valiosas”, acredita. Desde o primeiro ano, os graduandos podem participar da iniciação científica, o que pode representar uma ampliação no número de pesquisadores da comunidade científica brasileira, afirma ela. Alguns alunos fazem até mais que uma. A iniciação científica busca proporcionar ao aluno, orientado por um pesquisador experiente, a aprendizagem de técnicas e do método científico, bem como estimular o pensar cientificamente e a criatividade pelo confronto direto com os problemas de pesquisa.


4

Campinas, 20 de outubro a 2 de novembro de 2014

Pesquisa mostra êxito de ‘startups’ da bioindústria nos Estados Unidos

Foto: Antoninho Perri

Dissertação ressalta papel que empresas exerceram na produção de biocombustíveis LUIZ SUGIMOTO sugimoto@reitoria.unicamp.br

s Estados Unidos ocupam hoje a liderança em biocombustíveis no mundo, tanto na produção como em desenvolvimento científico e tecnológico. Superaram o Brasil, que de ator principal agora se mantém em evidência enquanto mercado consumidor, mas não mais por estar na vanguarda. Mostrar como a estrutura de financiamento e a criação de laboratórios públicos nos EUA contribuíram para o surgimento de startups especializadas no processamento integrado da biomassa – e o importante papel que estas empresas exercem na viabilização de biocombustíveis e bioprodutos – é o objetivo da dissertação de mestrado de Mariane Santos Françoso. A pesquisa intitulada “O surgimento das startups da bioindústria nos Estados Unidos: o papel do financiamento e dos laboratórios públicos” foi orientada pelo professor Sérgio Robles Reis de Queiroz e apresentada no âmbito do Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) do Instituto de Geociências (IG). “Há uma série de políticas coordenadas para incentivar o processamento de biomassa, que visam desde criar um mercado de consumo para o produto, até uma estrutura de financiamento e de laboratórios públicos para despertar o interesse de startups na área”, explica a autora. Segundo Mariane Françoso, montou-se um sistema de inovação muito bem pensado, que abrange todas as esferas, começando por um aparato científico para incentivar a produção de conhecimento: foram implantados três laboratórios públicos, além de outro já existente desde a década de 1970, que trabalhava com bioenergia e teve suas iniciativas redirecionadas. “Os EUA atuam em duas frentes: pela criação de uma demanda e de um ambiente institucional para que as startups possam atuar, tendo por trás toda uma estrutura de amparo à pesquisa. São esses laboratórios, também, que fornecem suporte técnico para que o Departamento de Energia (DOE) estabeleça suas políticas e metas.” A pesquisadora acrescenta que o sistema de inovação inclui uma estrutura de financiamento complexa, porém bem articulada, para a implantação de startups, com recursos dos governos federal e estadual e também do setor privado. “Não são todos, mas diversos estados fornecem incentivos a essas empresas. Já o mercado de capital de risco (venture capital) é um grande diferencial do país e fonte importantíssima de financiamento para as startups. Isso porque os empreendimentos apresentam alto risco, que um banco tradicional não está disposto a assumir. Cito autores que se referem ao mercado de venture capital americano como o mais desenvolvido do mundo.” O sistema de inovação é complementado, conforme Mariane, por um grande programa denominado Biomass Program, que lança os editais fornecendo recursos para startups e articula todas as pesquisas no país. “Foram criadas agências governamentais para evitar o esforço duplicado dentro do estado e da indústria; assim não se repete pesquisas e o dinheiro público não é destinado a projetos similares já em andamento. Minha dissertação mostra que a estrutura de suporte técnico-científico e a estrutura de financiamento foram cruciais para a criação de startups, contemplando-se desde as etapas iniciais, como de P&D, até as mais avançadas, como a instalação de unidades produtivas em escala comercial.”

Mariane Santos Françoso, autora do estudo: “A maior preocupação dos Estados Unidos não é ambiental, e sim de independência energética”

LAÇOS COM A ACADEMIA A autora ressalta que sua dissertação trata da bioindústria, que utiliza matériasprimas renováveis para produção de combustíveis, insumos químicos, polímeros e plásticos. Tem como base uma produção integrada na forma de biorrefinarias, definidas pelo DOE como instalações, equipamentos e processos que, além de converterem biomassa em produtos, ao mesmo tempo geram energia. “A biomassa pode vir de várias fontes – resíduos agrícolas, florestais, urbanos – e são várias as tecnologias para processá-la, baseadas em bioquímica, genética e biologia sintética. Não existe ainda uma tecnologia dominante – as principais rotas são a bioquímica e a termoquímica, com aposta maior do governo americano na primeira.” Mariane Françoso encontrou um total de 59 empresas atuando na área de biomassas nos EUA, sendo 27 criadas a partir dos anos 2000. “Um aspecto interessante é que as startups que analisei tinham pessoas vindas da academia – professores, exestudantes de doutorado e mesmo ainda alunos. Possuíam um quadro de funcionários composto por grande número de doutores e mantinham uma relação forte com universidades e institutos de pesquisa. Essas empresas vêm assumindo um papel muito importante no desenvolvimento tecnológico de biorrefinarias, tanto que algumas das tecnologias mais ‘transformadoras’ de 2010 foram desenvolvidas por startups.” Na dissertação, a pesquisadora informa que o Biomass Program foi lançado em 2002 com quatro objetivos: a redução da dependência por petróleo estrangeiro; a promoção de diversas fontes de energia domésticas e renováveis; o estabelecimento de uma avançada bioindústria e criação de empregos; e a redução das emissões de carbono na produção e no consumo de energia. “Do lado do consumo, o governo criou o Renewable Fuel Standar (RFS), estabelecendo metas para consumo de etanol e outros biocombustíveis no país, e oferecendo incentivos para a infraestrutura do E85 (combustível baseado em misturas com teor de etanol a partir de 85%). Esta é considerada a regulação mais importante no que diz respeito ao consumo de biocombustíveis, pois criou uma demanda para o etanol, que antes não existia, além de sinalizar com uma demanda futura para potenciais investidores.”

A pesquisadora acrescenta que posteriormente foi implantado o Energy Independence and Security Act (EISA, de 2007), que tinha como objetivo aumentar a segurança energética dos EUA. “O EISA atualizou e aumentou a meta de consumo de combustíveis renováveis para 36 bilhões de galões/ano a partir de 2022, com a expectativa de que sejam investidos, até lá, 100 bilhões de dólares na indústria do etanol, também incentivando o desenvolvimento de biocombustíveis avançados.”

COM O GÁS DE XISTO, UM REVÉS

Apesar de tamanho investimento do governo americano, Mariane Françoso afirma que as startups vivem um momento delicado, devido à descoberta de uma tecnologia que vem permitindo aos EUA extrair gás de xisto de lugares antes inacessíveis: trata-se da fraturação hidráulica (fracking), em que a terra é perfurada a grandes profundidades, com injeção de jatos de água para causar fissuras e liberar o gás das formações de xisto. “Com isso, o preço do gás americano caiu significativamente, estimando-se que seja equivalente a 60% do preço na Europa e 20% do preço da Ásia. Em 1990, o gás de xisto representava apenas 2% da produção americana de gás natural; hoje responde por 40% da produção anual de 23 trilhões de pés cúbicos.” Segundo a pesquisadora, a decorrência desta descoberta foi uma mudança de rumo na política americana, dando prioridade ao gás natural em detrimento da produção de biocombustíveis – que em 2012 contou com apenas 16,1% dos gastos do governo com energia limpa, prevendo-se que essa queda continue. “O setor depende de grande apoio do governo, que por sua vez reorientou sua política energética para o material fóssil, causando instabilidade no mercado. Um dos fundadores de uma empresa que consta do meu trabalho reclama da dificuldade em obter financiamento inclusive do mercado de venture capital, que é muito importante para eles.” A autora da dissertação observa que a tecnologia de uso do gás já está bem estabelecida naquele país, aplicada para fornecimento de energia e aquecimento na indústria e nas residências, e também como combustível. “Vale lembrar que a maior preocupação dos Estados Unidos não é ambiental, e sim de independência energética, que com essas jazidas fica bem resolvida,

embora não totalmente. O governo não abandou a corrida pelos biocombustíveis, mas o recuo foi significativo e não dá para arriscar um palpite sobre o futuro. Apesar de haver startups bem consolidadas, uma das que analisei já não existe. Talvez outras sejam absorvidas por grandes indústrias com iniciativas em biomassa, ou então mudem de foco, limitando-se aos produtos químicos.”

EXEMPLO QUE SERVE AO BRASIL A ressalva de Mariane Françoso é que, embora o investimento e a organização dos EUA visando ao processamento de biocombustíveis de gerações mais avançadas impressionam, a lente colocada sobre as empresas mostra que o desenvolvimento desta tecnologia ainda patina por causa de vários entraves. “Os biocombustíveis ainda não são economicamente viáveis e, com isso, as empresas que surgiram se voltam a insumos para a indústria química, como a fina e de cosméticos, já que esta tem se mostrado mais atraente.” De qualquer forma, a autora da dissertação afirma que o modelo americano, utilizando e articulando diversos instrumentos para incentivar um setor de alta tecnologia, é um bom exemplo para o Brasil, que já perdeu a liderança como produtor de biocombustíveis de primeira geração e agora corre o risco de ficar para trás em relação a tecnologias mais avançadas. “Meu objetivo não foi comparar, mas em se tratando de biocombustíveis é obrigatório falar do Brasil, ainda mais diante da quantidade de biomassa aqui produzida e de outros ativos como laboratórios de pesquisa e mercado consumidor. O modelo dos Estados Unidos pode ser uma inspiração para que nosso país não perca essa corrida.”

Publicação Dissertação: “O surgimento das startups da bioindústria nos Estados Unidos: o papel do financiamento e dos laboratórios públicos” Autora: Mariane Santos Françoso Orientador: Sérgio Robles Reis de Queiroz Unidade: Instituto de Geociências (IG)


5

Campinas, 20 de outubro a 2 de novembro de 2014

As camponesas que dizem

não aos transgênicos Foto: Divulgação

Argentinas e brasileiras são protagonistas de frentes de resistência ao modelo de agricultura industrial SILVIO ANUNCIAÇÃO silviojp@reitoria.unicamp.br

las se autodescrevem como camponesas. São agricultoras, meeiras, sem-terra, boias-frias, assentadas, extrativistas... Em sua maioria, índias, negras e descendentes de europeus. Para a jornalista e pesquisadora da Unicamp Márcia Maria Tait Lima, que estudou este grupo de mulheres no Brasil e Argentina, as camponesas dos dois países são, hoje, protagonistas da luta contra o modelo de agricultura industrial, contra as sementes transgênicas e pela soberania alimentar na América Latina. A intensidade do protagonismo, aliada à produção social dessas mulheres, sobretudo no Brasil, fez emergir, conforme a pesquisadora, uma nova “ética”, muito próxima do ecofeminismo, conceito que articula temas como gênero, meio ambiente e crítica a modelos de desenvolvimento e padrões tecnológicos. Os apontamentos da jornalista integram as conclusões de um estudo inédito e interdisciplinar desenvolvido por ela como parte de sua tese de doutorado defendida recentemente junto ao Programa de Pós-Graduação do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp. “Diante dos impactos dos transgênicos e do modelo de agricultura imposto por estes alimentos, as mulheres camponesas se manifestam, propondo alternativas e tornandose protagonistas nesta luta. Ou simplesmente não querendo aquela situação, rechaçando-a. Seja em movimentos mistos compostos por homens e mulheres ou em movimentos exclusivos de mulheres, estas camponesas estão na ponta de lança da crítica ao modelo de agricultura industrial e aos alimentos geneticamente modificados”, conclui Márcia Tait. “A população do campo é a mais afetada pelas sementes transgênicas, uma derivação do pacote tecnológico. Apesar das controvérsias científicas, há um consenso de que nos últimos anos cresceu a utilização dos agroquímicos. E quem está na ponta desta contaminação são as pessoas que estão vivendo ali. Além do aspecto da saúde, há outros impactos, como a própria perda da terra, com um arrendamento para a monocultura, atividade intimamente ligada a este contexto”, completa. No Brasil, o foco do estudo foi o Movimento das Mulheres Camponesas (MMC), que surgiu no Rio Grande do Sul e Santa Catarina e, atualmente, encontra-se disperso pelo país. O MMC foi criado em setembro de 2003 e está associado à Via Campesina Internacional, organização internacional de camponeses composta por movimentos sociais e organizações de todo o mundo. Na Argentina, foram pesquisadas camponesas do nordeste (NEA) do país. A região – onde a maior parte de população vive no campo – apresenta os piores índices de desenvolvimento econômico e social da Argentina. Ao mesmo tempo, a atividade agrícola monocultura tem sido intensificada, gerando resistência das mulheres camponesas, que se dedicam à atividade de subsistência. “Nos dois países, as mulheres, mais que os homens, têm uma preocupação maior com a saúde, com a família, com o alimento... Vários aspectos na construção social da mulher camponesa fazem com que ela se sensibilize mais por essas causas e continue lutando. Nas reuniões e encontros, a quantidade de mulheres é visivelmente superior. O homem, por uma alienação ou devido à necessidade relacionada a um papel social que ainda é muito forte no campo, que é o de prover e gerar a renda, acaba não se envolvendo. Às vezes, portanto, uma parcela masculina maior se acomoda se não há algum beneficio econômico imediato. E a mulher, não. Ela sempre está pensando: ‘pode trazer um benefício econômico, mas não é só isso que importa’”, acrescenta. As principais lideranças entrevistadas por Márcia Tait, pertencentes ao MMC de Santa Catarina, foram Carmem Munarini; Juraci Franciscana; Maria Paula; Maria Salete; Noeli Borda e Rosalina Nogueira. Na Argentina, a pesquisadora ouviu, entre outras, Lucrécia Marcelli, da cidade de General José de San Martín; Maria Godoy e Julia Olmos, de Córdoba; Marina Pino, Anita Oliva, Olga Malvase e Carmem Ortiz, de Goya; Mônica Scherf e Regina Haller, de Puerto Rico; e Teresa Simon, de Eldorado. A jornalista foi orientada pelo docente Renato Peixoto Dagnino. O professor da Unicamp atua no Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) do IG e coordena o Grupo de Análise de Políticas de Inovação (Gapi), que se dedica, há mais de duas décadas, a pesquisar as relações entre ciência, tecnologia, inovação e sociedade, a partir de enfoques como a história e sociologia da ciência e da tecnologia, a economia da tecnologia, a administração pública e análise política. O estudo contou com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Manifestantes em ato contra alimentos de origem transgênica: na pauta, temas como gênero, meio ambiente, modelos de desenvolvimento e padrões tecnológicos Foto: Antoninho Perri

com a segunda onda do feminismo e os movimentos verdes. Pode ser entendido como uma aliança entre o feminismo e o ecologismo. Para Alicia Puleo, há quase três décadas o feminismo aceitou o desafio de refletir sobre a crise ecológica a partir de suas próprias noções. O resultado foi a emergência do ecofeminismo como uma forma de abordar a questão ambiental a partir das questões postas pelo feminismo e de categorias como mulher, gênero, androcentrismo, patriarcado, sexismo, cuidado, entre outras”, explica a jornalista.

NOVA “ÉTICA”

Márcia Tait, autora da pesquisa: “As camponesas estão na ponta de lança da crítica ao modelo de agricultura industrial e aos alimentos geneticamente modificados”

“O Gapi permitiu esta interdisciplinaridade de temas. As linhas de pesquisa do grupo apresentam essa preocupação com a transformação social, no contexto de uma produção que vê o social para além da empresa. E o meu doutorado, assim como o mestrado, tem essa abordagem engajada e crítica à tecnociência, entendida como uma ligação entre ciência, tecnologia e mercado. A nova biotecnologia, a base dos transgênicos, é um dos principais exemplos para entendermos a tecnociência”, critica Márcia Tait. A pesquisadora da Unicamp obteve coorientação da filósofa feminista Alicia Puleo Garcia, docente da Faculdade de Filosofia da Universidade de Valladolid (UVA), da Espanha. A filósofa, professora convidada do Programa de Pós-Graduação do IG, é uma das pioneiras nos estudos mundiais sobre ecofeminismo, umas das vertentes que, segundo Márcia Tait, contribuiu para ampliar a reflexão e o diálogo com os discursos, ações e concepções das mulheres campesinas. Alicia Puleo é autora, entre outros, de Ecofeminismo para otro mundo posible (Editora Cátedra). “A relação entre os discursos das mulheres camponesas e ecofeminismo tangencia diversos momentos da minha pesquisa. O ecofeminismo surge na década de 1970 junto

A partir dos discursos e práticas das mulheres campesinas, Márcia Tait afirma que elas vêm construindo uma nova “ética” feminista com a natureza, muito próxima do ecofeminismo. Na opinião da pesquisadora do IG, essas mulheres latino-americanas vêm gerando conhecimentos comprometidos com esta ética singular em relação aos humanos e não humanos, propondo uma abordagem não reducionista para os problemas atuais. Esta “ética” insere os impactos negativos dos cultivos transgênicos num contexto mais amplo de crítica, resistência e práticas alternativas ao modelo de produção agrícola industrial, além de remeter a outras questões fundamentais que envolvem as crises ambiental, social e alimentar. Trata-se, na verdade, de uma teoria que vem sendo construída pelas mulheres camponesas, esclarece a estudiosa. “Ao resistirem ao modelo de agricultura industrial, às sementes transgênicas e outros pactos tecnológicos, os movimentos de mulheres camponesas questionam, mesmo de forma implícita, a aparente neutralidade destas tecnologias e do conhecimento a partir do qual foram desenvolvidas. De maneira explícita, elas mostram sua resistência à ciência ocidental capitalista e as novas agrobiotecnologias por reconhecerem-nas como portadoras de valores que promovem modos de desenvolvimento agrícola destrutivos do ponto de vista das práticas camponesas e da manutenção de sua autonomia.” Márcia Tait informa que as pesquisas de campo foram compostas de viagens com permanência de três a sete dias que incluíram visitas a casas, locais de trabalho e reuniões onde estavam localizadas situações de interesse para a pesquisa no Brasil e Argentina. Nestes locais foram realizadas conversas informais e entrevistas semidirigidas com as mulheres. As pesquisas foram realizadas em três etapas durante os anos de 2010 e 2011.

Publicação Tese: “Elas dizem não! Mulheres camponesas e resistência aos cultivos transgênicos no Brasil e na Argentina” Autora: Márcia Maria Tait Lima Orientador: Renato Peixoto Dagnino Coorientadora: Alicia Puleo Garcia Unidade: Instituto de Geociências (IG) Financiamento: Fapesp


6

Campinas, 20 de outubro

Eça de Queiroz Embates e afinidades do o Biografia tida como definitiva mostra como foram as relações do escritor português com o Brasil Foto: Divulgação

MARTA AVANCINI Especial para o JU

ça de Queiroz, um dos maiores escritores da língua portuguesa, sequer visitou o Brasil ao longo de seus 54 anos de vida. No entanto, a ex-colônia portuguesa marca, de muitas maneiras, sua vida e obra. Seu pai, José Maria d’Almeida Teixeira de Queiroz, nasceu no Rio de Janeiro, em 1820, quando a família se refugiava no Brasil, na época da Revolução Liberal portuguesa. Quando jovem, na época em que era delegado do procurador régio da vila de Ponte de Lima, no norte de Portugal, envolveu-se num episódio romântico com a jovem Carolina Augusta Pereira d’Eça. Do relacionamento, nasceu, em 1845, José Maria, que viria a se tornar o maior nome do Realismo português. Para não comprometer o bom nome dos Pereira d’Eça, a jovem Carolina - que não era casada com o delegado -, deu o filho à luz na vila de Póvoa do Varzim, onde vivia sua irmã mais velha, para fugir dos olhares indiscretos. Depois do parto, a mãe regressa à casa da família, entregando o bebê aos cuidados de Ana Joaquina Leal de Barros, uma costureira que se tornou sua madrinha e ama. Ana Joaquina era natural de Pernambuco. Aqui começam as relações de Eça de Queiroz com o Brasil, afirma o arquiteto e historiador Alfredo Campos Matos, autor de Eça de Queiroz: Uma Biografia, lançada pela Editora da Unicamp e Ateliê Editorial. Apontada como a biografia definitiva do escritor português, a obra foi construída com base numa minuciosa pesquisa documental e iconográfica, combinando o relato da trajetória de vida de Eça de Queiroz com reflexões críticas que permitem aos leitores enxergar o maior nome do Realismo português como um homem do seu tempo, além de aprofundar a compreensão de sua obra literária. A edição brasileira é mais completa do que as duas anteriores, publicadas na França e em Portugal. “Aproveitei a ocasião [do lançamento no livro no Brasil] para atualizar a obra, pois os estudos queirozianos são inesgotáveis. Continuamente surgem cartas inéditas com novas informações”. Desse modo, Campos Matos incorporou à narrativa estudos, críticas e comentários extraídos de uma extensa bibliografia reunida por ele ao longo de mais de 50 anos, desde que tomou contato com a obra de Eça de Queiroz na adolescência. Todo esse material está organizado em seções ao longo da biografia, que enfocam temas e questões específicas e tão diversas quanto o percurso ideológico do autor, seu interesse pela fotografia até a presença dos perfumes e da música na obra. Campos Matos acredita, assim, estar cumprindo o papel essencial de uma biografia: estabelecer as relações entre a vida e a obra do autor. “Via de regra, os biógrafos evitam a apreciação das obras, mas, a meu ver, tais obras são parciais e omitem o que há de mais essencial numa biografia literária, a osmose entre o homem e a obra”.

PRADO, BILAC E MACHADO Em meio às histórias de vida, resenhas de obras, críticas, polêmicas e comentários, delineiam-se, na biografia, as relações de Eça de Queiroz com o Brasil. Eça de Queiroz teve vários amigos brasileiros, especialmente no período final da vida, em Paris, cidade em que morou com a mulher e os filhos, ocupando um posto consular, e onde morreu no ano de 1900.

O escritor Eça de Queiroz em Paris, no final do século 19: minuciosa pesquisa documental e iconográfica fundamenta biografia

Faziam parte de seu círculo de amigos o intelectual Eduardo Prado, bastante influente na época, e o poeta Olavo Bilac. Antes disso, na fase em que viveu em Londres, foi próximo do escritor e diplomata Domício da Gama. No campo literário, os primeiros contatos com o Brasil ocorreram no periódico As Farpas, publicado em parceria por Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão. Em 1872, Eça escreveu um texto ridicularizando o imperador Dom Pedro II, que havia visitado Portugal. Outro episódio foi a crônica O Brasileiro, que caracteriza o habitante do país como uma figura risível. “Inicialmente, Eça via o Brasil com o preconceito dos europeus, de um modo depreciativo. Mais tarde, corrigiu essa visão, em parte graças ao convívio com o seu íntimo amigo de Paris, o brasileiro Eduardo Prado, homem de grande cultura”, relata Campos Matos. Além disso, o personagem principal de O Primo Basílio é um jovem bon vivant que retorna a Portugal após fazer fortuna no Brasil e acaba seduzindo a romântica Luísa, esposa de um pacato e metódico engenheiro. O enredo é o mote para uma crítica aos costumes e modo de vida da burguesia portuguesa. O livro, o segundo da carreira de Eça de Queiroz, publicado em 1878, foi um sucesso de público, com a tiragem inicial de 3 mil exemplares rapidamente esgotada. A obra fez grande sucesso no Brasil. Mas, antes mesmo de o volume se tornar acessível no país, foi precedido pela sua fama de obscenidade.

Eça indispensável WILTON JOSÉ MARQUES willjm@uol.com.br

ez ou outra, aparecem no cenário crítico obras que se transformam, quase que de imediato, em referenciais fundantes, tal a profundidade e a seriedade com que seus autores se debruçam sobre determinados assuntos. É certo que tais livros andam escassos por aqui, sobretudo pela sanha produtivista que tem rondado a nossa academia, que, não importando o assunto tratado, mede a capacidade e o desempenho intelectual apenas pelo número elevado de artigos publicados, o que tem resultado quase sempre num despejar de muita superficialidade no mercado da crítica literária. Assim, quando se tem a sorte de se defrontar com uma obra – mesmo que venha de “fora” – fadada a se transformar em referencial teórico, tal fato é motivo de grande satisfação. Esse é o caso do livro Eça de Queiroz: Uma biografia, de A. Campos Matos, lançado recentemente no Brasil em edição conjunta da Editora da Unicamp e da Ateliê Editorial. Sem meias palavras, pode-se dizer que o seu autor, o arquiteto e historiador A. Campos Matos (1928), um devotado e longevo estudioso da obra queiroziana, produziu uma vigorosa e abrangente biografia – acompanhada de consistente pesquisa iconográfica – em que nos apresenta aspectos interessantes (e até alguns obscuros) tanto da vida quanto da própria formação intelectual de Eça de Queiroz (1845-1900). Entre outros assuntos, Campos Matos toca em questões que, inclusive, nos ajudam a entender o projeto literário do escritor português, como, por exemplo, sua relação com Ramalho Ortigão, a influência de Flaubert ou ainda, para citar algo mais próximo, a polêmica com Machado de Assis. Além propriamente da biografia, é igualmente importante observar que o autor complementa o livro com mais duas partes interessantes: seja tratando de alguns temas específicos que ajudam o leitor a compreender e, ao mesmo tempo, ter dimensão precisa do lugar que Eça de Queiroz ocupa na cultura luso-brasileira, discutindo, por exemplo, seu percurso ideológico, seu trabalho como jornalista, a repercussão de suas obras no Brasil e em Portugal ou ainda sua relação não muito amistosa com Fernando Pessoa; seja através da apresentação de acurado panorama das obras publicadas por Eça, oferecendo ao leitor não apenas um breve resumo de cada uma como também um útil levantamento bibliográfico das primeiras repercussões críticas. Fruto de pesquisa minuciosa e persistente, o que obviamente implicou um necessário tempo de maturação intelectual, o livro Eça de Queiroz: Uma biografia, de A. Campos Matos, é, sem sombra de dúvidas, uma contribuição importante que veio para ficar, integrando-se à categoria de textos fundamentais da bibliografia queiroziana. Por fim, convém destacar que sua leitura não deve se restringir apenas aos estudiosos da obra de Eça de Queiroz, a quem, aliás, é obrigatória, mas, sobretudo pela elegância e fluência da escrita, a todo e qualquer leitor interessado em literatura. Numa palavra: indispensável. Wilton José Marques é professor de Teoria Literária e Literatura Brasileira da UFSCar.

SERVIÇO Título: Eça de Queiroz: Uma biografia Autor: A. Campos Matos Páginas: 600 Edição: Editora da Unicamp e Ateliê Editorial Preço: R$ 110,00


7

a 2 de novembro de 2014

outro lado do Atlântico 1 - O brasileiro José Maria Teixeira de Queiroz, pai do escritor 2 - Carolina Augusta Pereira d’Eça, mãe de Eça 3 - Em pé, Domício Gama (esq.) e Eça; sentados, Emília (mulher do escritor), Maria (filha) e o conde de Caparica 4 - O grupo dos cinco: da esq. para a dir., Eça, Oliveira Martins, Antero de Quental, Ramalho Ortigão e Guerra Junqueiro 5 - Ramalho Ortigão (esq.) e Eça 6 - Com Emília, em Paris

Fotos: Divulgação

1

2

4

Nesse contexto de alarde e expectativa, Machado de Assis publicou na revista Cruzeiro, sob o pseudônimo de Eleazar, uma crítica aguda às duas obras que marcam o início da carreira literária de Eça de Queiroz, O Crime do Padre Amaro e O Primo Basílio. As críticas de Machado de Assis detêmse sobre o estilo do escritor português, às personagens classificadas como inconsistentes e sem organicidade e, sobretudo, à suposta imoralidade de O Primo Basílio. Como descreve Campos Matos, o mais grave, na opinião do escritor brasileiro, era a “medula da composição”: “o espetáculo dos ardores, exigências e perversões físicas”, ou seja, as “cenas repugnantes do Paraíso” – a casa onde os amantes Luísa e Basílio se encontravam. Essa crítica, de tom moralista e avessa à escola Realista, teria passado ao largo daquilo que, aponta o biógrafo, particulariza a arte de Eça de Queiroz entre seus contemporâneos: a construção de personagens e enredos que traduzem a sociedade portuguesa (e, em certa medida, europeia) do século 19. Nesse sentido, Luísa, a personagem que Machado de Assis considera destituída de personalidade, retrata uma criatura banal, fraca de vontade e típica da burguesia de Lisboa. “O que distingue Eça de Queiroz de seus confrades é o fulgor do seu estilo tão original, a sua simplicidade, a ironia que o caracteriza e que faz a sua atualidade espantosa”, reitera o biógrafo Campos Matos. Assim, enquanto um autor como Machado de Assis tende a construir suas narrativas a partir da vida interior de suas personagens, Eça de Queiroz o faz partir da sociedade que pretender criticar e ironizar. Divergências à parte, a polêmica teria rendido frutos para ambos. “A partir desse embate tiveram que refletir acerca do rumo literário que iriam percorrer”, assinala o biógrafo. Segundo ele, O Crime do Padre Amaro e O Primo Basílio desabaram sobre Machado como um “cataclismo”.

“A sua crítica ao Naturalismo, embora predominantemente moral, por outro lado, acabou por fazer com que Eça refletisse e passasse para uma literatura mais despreconceituosa e mais conforme ao seu gênio fantasista”. Machado, por seu turno, pôde sair do seu “casulo romântico, desabrochando numa grande literatura”. A repercussão da disputa no Brasil, contudo, pendeu favoravelmente para o lado do escritor de Portugal. “Todos os jornalistas do Rio de Janeiro tomaram sua defesa”, afirma Campos Matos. Vários são os motivos que ajudam a compreender este movimento, assim como a extrema popularidade que Eça de Queiroz ganhou no Brasil a partir do final do século 19 – processo detalhadamente analisado na biografia, a partir da análise de obras de autores brasileiros e portugueses que estudaram as relações de Eça de Queiroz com o país no século 20.

3

5 Foto: Marc Ferrez/Coleção Gilberto Ferrez/Acervo Instituto Moreira Salles

Machado de Assis em 1890: polêmicas marcaram relação entre Eça e o escritor brasileiro

A MODERNIDADE

EM PERSPECTIVA

Os temas alinhados com o emergente mundo urbano e moderno, a perspectiva crítica e irônica e o estilo de Eça de Queiroz são alguns dos elementos que colaboraram para tornar o escritor português extremamente popular no Brasil – talvez até mais do que em Portugal. “A recepção de Eça em Portugal na sua época sofreu variações ao longo do tempo. Não nos esqueçamos que, depois de 1888, data da edição de Os Maias, Eça não voltou a publicar nenhuma obra em livro. Caiu um pouco no esquecimento, o que não aconteceu no Brasil”, conta Campos Matos. Segundo ele, foi necessário chegar a 1945, data do centenário de seu nascimento para reacender o interesse pelo escritor, com ensaios de interpretação e novas edições da sua obra, o que a consagrou definitivamente em Portugal. No Brasil, em contrapartida, a paixão por Eça de Queiroz deu origem a um neologismo, criado por Monteiro Lobato: “ecite”,

6

que designa um sentimento de fascínio e simpatia pela “escrita eciana” que abrange não só a obra como o autor, e tudo aquilo que lhe diz respeito, detalha Campos Matos. Antes disso, em 1893, uma enquete realizada pela revista A Semana, do Rio de Janeiro, sobre os seis melhores romances de língua portuguesa dava indicações claras da popularidade do português no Brasil. A lista final inclui três obras de Eça de Queiroz: Os Maias, em primeiro lugar, seguido de O Primo Basílio. Em terceiro lugar, Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, e, em quarto, A Relíquia. Estudiosos citados na biografia apontam uma diversidade de fatores para a popularidade do autor. Para José Lins do Rego, Eça de Queiroz foi um mestre das gerações do começo do século 20, pelo sentido revolu-

cionário de seu estilo, em contraposição ao Romantismo. Ele colocava em xeque as normas clássicas de composição literária, dando colorido, elegância e leveza a temas e valores até então desconhecidos e considerados menores, analisa o crítico literário José Maria Belo, citado na biografia. Mais do que isso, Eça de Queiroz era irreverente, contrapondo-se a fórmulas e preconceitos estabelecidos. Assim, pontua o autor da biografia, se estabelecia uma relação de cumplicidade entre o autor e seu púbico e, mais do que isso, vêm à luz características que fazem de Eça de Queiroz um autor atual, na visão do biógrafo: “Para o século 21, a obra de Eça é um magnífico exemplo de independência intelectual, inteligência crítica, universalidade e humanismo”.


8

Campinas, 20 de outubro a 2 de novembro de 2014

Projeto ensina noções de primeiros socorros Foto: Divulgação

Treinamento de primeiros socorros em escola na região de Campinas: crianças aprendem a agir em casos de emergência

ISABEL GARDENAL bel@unicamp.br

m carro passou por cima do corpo de uma criança e ficou com as rodas ali paradas. O que fazer: tirá-lo de cima da vítima ou deixar do jeito que está? Um detalhe: a criança grita sem parar. Se a sua resposta foi tirá-lo de cima da vítima, a situação pode ter ficado muito complicada. Logo, há situações em que o certo é não mexer na vítima, para sua própria segurança, e em outras a intervenção tem que ser imediata. Esse cenário é mostrado por Ana Paula Boaventura, docente da Faculdade de Enfermagem, responsável por um amplo projeto lançado pela Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários (Preac) que está ensinando primeiros socorros a diferentes estratos da população. Já houve capacitação de cerca de mil pessoas só neste ano. De modo amplo, esse projeto piloto visa envolver a comunidade, mostrando a crianças, adultos e idosos como acionar um serviço médico de emergência corretamente e como iniciar manobras para minimizar as sequelas nas vítimas e evitar complicações e emergências que acontecem fora do ambiente hospitalar. A expectativa, segundo Ana Paula, é fazer novas parcerias, desta vez com prefeituras da Região Metropolitana de Campinas (RMC), para levar essa ação a outras instituições. “Pretendemos inserir vários profissionais no processo, como educadores, por exemplo, para que colaborem na facilitação dessa abordagem, sobretudo com crianças.” A docente faz uma advertência: o treinamento deve reforçar que em todas as situações é preciso acionar primeiramente o serviço médico de emergência (Samu) ou o Resgate (Corpo de Bombeiros). “Os profissionais que atuam nesses órgãos (médicos e enfermeiros) tomarão as medidas necessárias e usarão os equipamentos adequados para o socorro”, afirma Ana Paula, que nesse projeto conta ainda com a participação direta da enfermeira Cleuza Vedovatto.

PROTAGONISMO

Primeiros socorros são avaliações que devem ser ensinadas ao leigo para intervir, sem prejudicar a vítima, com o que ele tem de mínimo recurso no local – com equipamento médico ou sem nenhum equipamento, explica a professora. Esses cuidados são encorajados mundialmente e são prestados normalmente em situações de desmaio, quedas, hemorragia, fraturas, engasgo, queimadura, parada cardiorrespiratória, convulsão, ferimentos cortantes. “Sem um treinamento, as pessoas podem piorar muito esse primeiro atendimento”, informa Ana Paula.

Nos Estados Unidos, as crianças desenvolvem um grande protagonismo em salvar vidas. Lá, os conteúdos de primeiros socorros são abordados nas disciplinas de Educação Física, e há enfermeiros e médicos que trabalham nas escolas. Então, desde cedo, elas se preparam para fazer esse atendimento. Desde a sua graduação, Ana Paula se interessou pela linha de primeiros socorros, mas o tema ganhou força após a publicação de um edital pela Preac. “Fomos contemplados e oferecemos, a princípio, treinamento a uma instituição de longa permanência (asilo) de Mogi Mirim, para 30 idosos residentes e 30 funcionários.” O que Ana Paula e Cleuza viram nesse local, que é de cunho filantrópico, foi que essa instituição sobrevive em condições muito precárias. Apenas seis idosos conseguem comer sozinhos. O restante varia entre praticamente dependentes e os totalmente dependentes. Além disso, observaram que as instituições de longa permanência despendem muitos recursos. “Se pudéssemos equipar esses locais com uma prancha rígida, um colar cervical e um ventilador mecânico, seria possível imobilizar as vítimas, em caso de necessidade. Esses aparatos são de baixo custo e acabam salvando vidas”, garante a docente. Cleuza verificou que as maiores ocorrências ali eram os engasgos, as convulsões, as quedas (do leito e da própria altura) e a parada cardiorrespiratória. Por isso, salienta, os primeiros minutos acabam sendo cruciais, não somente para fazer as manobras previstas como também para manter o cérebro funcionante. A pessoa engasgada evolui rapidamente para parada respiratória e depois para parada cardíaca.

“Às vezes, pela gravidade do quadro, a pessoa liga tão nervosa que esquece de deixar o endereço. E as informações são de inestimável valor.” As enfermeiras enfatizaram com as crianças o socorro em caso de parada cardiorrespiratória, por ser uma das ocorrências mais comuns. “Orientamos como fazer a compressão, e as crianças repetiram a simulação com um boneco, que parece uma pessoa real”, revela Cleuza. Também um desfibrilador externo automático foi levado às duas escolas, próprio para ser empregado por leigos em lugares com grande concentração de pessoas. As crianças aprenderam como ligar o equipamento, como colocá-lo e como fazê-lo operar. O desfibrilador é um aparelho eletrônico portátil que diagnostica automaticamente arritmias cardíacas em caso de parada cardiorrespiratória. Além de diagnosticar, é capaz de tratá-las através da desfibrilação, uma aplicação de corrente elétrica que permite que o coração retome o ciclo cardíaco normal. De acordo com a docente, no Estado de São Paulo, a lei nº 12.736, de 15 de outubro de 2007, estabelece que seja obrigatória a disponibilização de desfibrilador em locais de grande concentração de pessoas, como centros de compras, aeroportos, rodoviárias, estádios de futebol, feiras de exposições e outros eventos. Conforme essa lei, as ambulâncias e os desfibriladores são necessários para eventos que agrupem um número igual ou superior a 1.500 pessoas.

Programa desenvolvido pela Preac já capacitou cerca de mil pessoas da comunidade “Já tivemos vários alertas com jogadores de futebol e em locais públicos que não tinham esse equipamento. Em Campinas, tivemos há pouco uma ocorrência com um adolescente em uma escola. A vítima acabou morrendo”, lamenta Ana Paula. Quando o local não possui um desfibrilador, a orientação é aguardar a ambulância. Também é fundamental esclarecer à criança que a vítima será conduzida a um hospital, para ter um atendimento mais especializado. Atualmente, alguns estudos indicam que 65% das paradas cardiorrespiratórias acontecem no domicílio. E essas vítimas estão menos propensas a receber as manobras de ressuscitação do que aquelas que estão em outras localizações fora do hospital. Por essa razão, o Comitê Mundial de Ressuscitação de Emergências Clínicas dispõe que, de cinco em cinco anos, representantes de todos os continentes se reúnam para rever suas práticas e criar um consenso das diretrizes de primeiros socorros e ressuscitação. Esse órgão oferece um programa de incentivo aos primeiros socorros na comunidade, porque essas emergências em geral ocorrem fora do hospital e têm que ser atendidas logo nos primeiros minutos. “Aconselhamos que as pessoas que conhecem essas normas as executem”, incentiva Ana Paula. “Em geral, o que vemos é que a vítima é recolhida, colocada no carro e levada ao pronto-socorro, sendo que o transporte imediato também pode causar sérios danos”, alerta.

UNICAMP

Além de idosos e crianças que fizeram parte do projeto piloto, um guarda-chuva de ações se abre na Unicamp para abranger a comunidade universitária, que também está sujeita a alguma ocorrência. A intenção das enfermeiras é habilitar a Universidade com desfibriladores externos automáticos em pontos estratégicos da instituição e em cada unidade, para capacitar inicialmente 30% dos funcionários. Mas o alvo é alcançar todos. Cleuza reconhece que esse é um “trabalho de formiguinha”, pois o treinamento não termina nunca. É preciso atualizar os conhecimentos e implementar o programa de capacitação anualmente. O projeto de primeiros socorros na Unicamp possui uma parceria com o Centro de Saúde da Comunidade (Cecom). E, em breve, as enfermeiras devem começar outra ação a convite do Sistema Educativo da Unicamp – uma atividade de treinamento para funcionários, crianças e pais. Esse projeto demonstra potencial para se juntar ao Programa Campus Seguro, encabeçado pela Coordenadoria Geral da Universidade (CGU). E não acaba por aí. Ana Paula e Cleuza vêm desenvolvendo um treinamento com alunos e professores do Instituto de Geociências (IG) que, de rotina, fazem trabalho de campo em regiões distantes do país. “Já trabalhamos com quatro turmas, nos meses de janeiro e julho, que é quando eles saem para as expedições”, comenta Ana Paula. Essa ação é fruto de parceria com o Programa de Saúde do Viajante do Cecom. Foto: Antoninho Perri

ESCOLAS

Mas o projeto das enfermeiras não se restringiu aos idosos. As orientações de primeiros socorros em Mogi Mirim também foram levadas a duas escolas: uma pública e outra privada, com um público alvo de quase 400 crianças e adolescentes na faixa etária entre seis e 16 anos. Uma das primeiras lições no treinamento foi como chamar o socorro e como deve ser esse pedido de ajuda. A recomendação tem sido para ligar para o telefone 192, quando existir o Samu na cidade, ou para o 193 (o Resgate). Ao telefonar, as crianças precisam responder a algumas perguntas porque, do outro lado da linha, os profissionais necessitam entender que tipo emergência é aquela. Infelizmente, os trotes ainda são muito frequentes. “Explicamos às crianças para falarem claramente com o profissional e somente desligarem quando solicitado”, expõe Ana Paula.

Ana Paula Boaventura, docente da Faculdade de Enfermagem, e a enfermeira Cleuza Vedovatto: novas parcerias em vista


9

Campinas, 20 de outubro a 2 de novembro de 2014 PATRÍCIA LAURETTI patricia.lauretti@reitoria.unicamp.br

ra para ser um estudo de caso, como sugere o título da dissertação, mas acabou extrapolando, e muito, a ideia inicial. Com o objetivo de estudar o comportamento de aquíferos estuarinos, ou seja, reservatórios de água subterrânea que se encontram entre o rio e o mar, diante de diferentes parâmetros físicos, o engenheiro ambiental Felipe Balieiro Gasparini acabou constatando, por exemplo, que nem sempre um rio é abastecido pelo aquífero, mas às vezes ocorre o inverso. Também chegou à conclusão que as chuvas não influenciam tanto assim a recarga dos aquíferos e, especialmente, que se deve dar atenção especial aos sistemas de remediação, usados para descontaminação de áreas. Mal dimensionada, a tecnologia poderia até mesmo espalhar contaminantes resistentes no meio (solo e água subterrênea) para regiões que não estavam comprometidas. “O meio encontra-se interconectado direta e indiretamente entre todos os parâmetros físicos considerados, nos quais os componentes locais influenciam uns aos outros por determinadas formas e com diferentes intensidades”, adverte o pesquisador, depois de realizar uma diversidade de testes em uma região de 9 mil metros quadrados. Trata-se de um pequeno trecho de uma petroquímica, na cidade de Cubatão (SP). A área total da indústria tem 55 mil metros quadrados aproximadamente. Para entender o comportamento das águas, Felipe instalou equipamentos em 79 poços, de mais de duzentos que existem na região, já monitorada pela Cetesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental do Estado de São Paulo). A área estudada conta com a operação de sistemas de remediação (air spargin e sil vapour extraction) que injetam ar nos ambientes contaminados para facilitar a volatilização das substâncias tóxicas. Transdutores eletrônicos, pluviômetros e sondas foram usados para registrar o volume de dados pretendidos. Os equipamentos verificaram pressão e a temperatura atmosférica que regem o índice pluviométrico, as cargas hidráulicas e taxas de condutividade elétrica. Cargas hidráulicas correspondem às pressões das águas subterrâneas e a condutividade elétrica varia de acordo com a quantidade de sal na água. No rio Cubatão foram instaladas sondas que, além da taxa de condutividade elétrica, registraram o nível superficial das águas. Além disso, Felipe usou dados das marés oceânicas da Marinha do Brasil e se aventurou em 127 travessias do rio utilizando outro equipamento, que faz a medição da vazão e velocidade da água, além de verificar a estrutura do leito do rio. “Foi basicamente um estudo do comportamento físico dos aquíferos. O objetivo era entender quais influências sofrem as águas subterrâneas naquela região levando-se em conta desde os fatores naturais como pressão atmosférica, temperatura e rios adjacentes, até a parte antrópica”, explica Felipe.

Engenheiro analisa ciclo das águas em aquíferos Pesquisas em Cubatão constatam que sistemas de remediação, usados em descontaminação, merecem atenção especial Fotos: Divulgação

O engenheiro ambiental Felipe Balieiro Gasparini em trabalho de campo: investigando as águas subterrâneas

Segundo o autor, essas variáveis nem sempre são estudadas quando se trata de analisar os aquíferos e há trabalhos, de certa maneira equivocados, que afirmam categoricamente que o rio sempre rege o sentido do fluxo da água subterrânea, quando não é necessariamente o que ocorre, como observou o pesquisador.

CAMPANHAS Na primeira fase do trabalho as análises foram realizadas em dois períodos, ou campanhas: entre novembro de 2012 a janeiro de 2013, quando a incidência de chuvas foi maior, e entre julho e outubro de 2013, com baixo índice pluviométrico. “Consegui obter vários dados, por exemplo, o nível do mar em relação ao nível do rio e o nível do aquífero indicando a comunicação entre eles. Verifiquei entre períodos de vazante, de cheia, ou até mesmo em relação às fases da lua (períodos de quadratura ou

sizígia)”. Felipe constatou o intercâmbio das águas e como em alguns trechos o rio recarrega o aquífero, enquanto em outros, é o aquífero que recarrega o rio. “Isso tem a ver com diferença de carga, relacionada à diferença do ponto mais alto para o mais baixo”, complementa. O compartilhamento também foi constatado pela análise da quantidade de sal da água. Quanto mais salino mais condutivo é o meio e pela condutividade elétrica do rio e do aquífero é feita a relação. O pesquisador sabe quando o mar recarrega o aquífero porque a condutividade do rio sobe. Em consequência, também vai aumentar a condutividade da água subterrânea. As vazões e velocidades do Cubatão foram verificadas por meio de um equipamento que funciona em uma espécie de prancha de barriga. Felipe contou com o apoio de amigos para realizar 127 travessias de uma margem a outra, em três trechos distintos.

Equipamentos usados nas pesquisas feitas em área de 9 mil metros quadrados: vários fatores foram levados em conta

CHUVAS E REMEDIAÇÃO Outra constatação importante do trabalho foi a classificação de dois tipos de aquíferos na área estudada: o livre é o que sofre mais impactos ambientais e o confinado, encontrado abaixo, está sob pressão e mais protegido por uma camada de solo menos permeável. Como os aquíferos são reservatório de água que podem ser utilizados no abastecimento para o consumo humano e na região funcionam sistemas de remediação, observar os reflexos da tecnologia especialmente na porção confinada significa muito. “O que eu queria saber era o quanto a injeção de ar estava influenciando os aquíferos porque ela causa um distúrbio grande, é uma grande pressão nos vários poços. O sistema segue as normas da Cetesb, mas pudemos notar que, quando estava operante, ele realmente modificava até a velocidade e sentido do fluxo da água subterrânea. Dessa forma a água que não iria naturalmente para o rio pode passar a seguir esse trajeto”. O alerta do pesquisador é que, se o sistema não for bem dimensionado, em vez de ajudar pode piorar a disposição da contaminação, levando as substâncias até o rio, o que naturalmente não aconteceria. Felipe acrescenta que, dependendo do planejamento das estruturas do sistema e disposição de instalação dos poços de injeção de ar, poderia haver riscos de inalação de produtos tóxicos para os moradores da região, mesmo que o contaminante estivesse muito abaixo do solo. Isso pode ocorrer por causa da estimulação da volatilização dos contaminantes pelo sistema de remediação. A tecnologia tem uma influência tão grande que atenuou a recarga pela chuva nos aquíferos, acredita o pesquisador. “Mesmo com chuva intensa não conseguimos perceber uma mudança expressiva na recarga de água nos aquíferos. Imagino que os impactos do rio e do sistema são superiores à modificação dos níveis pela recarga de chuva. Além disso, a movimentação das águas é tão elevada que às vezes o meio permite a distribuição do volume tão rapidamente que não daria tempo do nível da água se elevar”. Até mesmo o aquífero confinado sofreu influência quando o módulo mais próximo do sistema de remediação entrava em operação. “Notávamos maior inclinação da superfície do confinado, bem como um aumento em seu fluxo. Aí vem o cuidado no momento de se implantar uma tecnologia de remediação considerando que o aquífero confinado apresenta uma água boa de recarga regional que pode, quando não contaminada, ser usada para o abastecimento do município”. O autor assinala a importância da pesquisa. Segundo ele, grande parte dos estudos dos aquíferos estuarinos está centrada na chamada “cunha salina”, que é o contato do mar com o aquífero. “Minha pesquisa saiu um pouco desse esquema e começou a verificar como todos os parâmetros (naturais e antrópicos) se comunicam e interagem, desde a parte física até a parte geoquímica”, assinalou. Até mesmo relatórios técnicos atestavam resultados diferentes daqueles encontrados por Felipe, como a questão da água subterrânea que iria direto para o rio.

Publicação Dissertação: “Análise da influência de parâmetros ambientais e antrópicos sobre a dinâmica de aquíferos estuarinos: estudo de caso em área industrial, Cubatão/SP” Autor: Felipe Balieiro Gasparini Orientadora: Sueli Yoshinaga Pereira Unidade: Instituto de Geociências (IG)


10

Campinas, 20 de outubro a 2 de novembro de 2014

PAINEL DA SEMANA  Encontro da Sociedade Brasileira de Acústica - O XXV Encontro da Sociedade Brasileira de Acústica (Sobrac) acontece nos dia 20 de outubro, das 8 às 18 horas, no Vitoria Concept Hotel, em Campinas (SP). O evento, que prossegue nos dias 21 e 22, é organizado pela Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) e pelo Instituto de Artes (IA) da Unicamp em conjunto com a Sociedade Brasileira de Acústica (SOBRAC). “Acústica e Vibrações: Qualidade de ambientes internos e externos” é o tema a ser debatido nesta edição do evento. Mais detalhes no site http:// www.fec.unicamp.br/sobrac2014 ou telefone 19-3521-2382.  Vestibulinho do Cotil - O Colégio Técnico de Limeira (Cotil) recebe, até 20 de outubro, as inscrições para o Vestibulinho de 2015. O exame será realizado no dia 16 de novembro, às 14 horas, nas cidades de Campinas, Limeira, Americana, Araras, Cosmópolis, Piracicaba e Rio Claro. O Cotil fica na rua Paschoal Marmo 1888, no Jardim Nova Itália, em Limeira-SP. Conheça os cursos oferecidos no link http://www.cotil.unicamp.br/cursosoferecidos.php. Outras informações pelo telefone 19-2113-3300.  Intercâmbio - A Vice-Reitoria Executiva de Relações Internacionais (VRERI) organiza palestra com a Universidade de York (Reino Unido). Será no dia 21 de outubro, às 12 horas, no auditório da Agência para a Formação Profissional da Unicamp (AFPU). Na palestra serão fornecidas orientações e informações sobre as oportunidades de intercâmbio com a instituição, no âmbito do Programa Ciência Sem Fronteiras (CSF). Público-alvo: estudantes de graduação e pós-graduação da Unicamp. Mais detalhes: 19-3521-7989 ou e-mail lucineia@reitoria.unicamp.br  Iniciação científica - O XXII Congresso de Iniciação Científica da Unicamp ocorre no dia 22 de outubro, às 13h30, no Centro de Convenções. A organização é da Pró-Reitoria de Pesquisa (PRP). Mais detalhes no link http://www.prp.rei.unicamp.br/pibic/congressos/xxiicongresso, telefone 19-3521-4891 ou e-mail pibic@reitoria. unicamp.br

 Ciências matemáticas e interdisciplinaridade - Mesa-redonda acontece dentro do workshop “Many Faces of Distances”, que tratará de problemas matemáticos que envolvem o conceito de distância, incluindo robótica, nanoestruturas, estruturas de proteínas, astronomia, networks e big data. Ela será realizada no dia 22 de outubro, às 15 horas, no auditório do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (Imecc). A organização é dos professores Carlile Lavor e Marcelo Firer. Mais detalhes no link http://www.ime. unicamp.br/workshop_distances/  Seminário da FE - O Grupo de Estudos e Pesquisas em Formação de Professores da Área de Ciências (Formar-Ciências) da Faculdade de Educação (FE) realiza, dia 23 de outubro, às 9 horas, no Salão Nobre da FE, o seminário “Princípios do pensamento complexo para (re)pensar o mundo, as sociedades e a educação ambiental” com a professora Joseli Maria Piranha, do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas de São José do Rio Preto. O evento é gratuito e não há necessidade de inscrição prévia. Mais informações: telefone 19-3521-5564 ou e-mail eventofe@unicamp.br  Doação de livros - O Centro Cultural de Inclusão e Integração Social (CIS-Guanabara) e a Empresa Municipal de Desenvolvimento de Campinas (Emdec) organizam, até 23 de outubro, uma campanha de doação de livros. Todas as publicações arrecadadas serão destinadas ao Projeto de Incentivo à Leitura do Cis-Guanabara e ao Projeto Melhor Viagem, da Emdec, que disponibiliza estantes para empréstimos nos terminais de ônibus da cidade. Conheça os postos de coleta no link http://www.cisguanabara.unicamp.br/images/ doe_livros_verso.jpg  A Suprema Herança do Homem - A Visão do Criador da Técnica Alexander - Lançamento da versão em português do livro de Frederick Mathias Alexander acontece no dia 23 de outubro, às 12 horas, no Espaço Cultural Casa do Lago. A publicação se baseia na edição inglesa da Editora Mouritz (1996), coordenada por Jean Fischer. No evento, Reinaldo Renzo, responsável pela edição do livro, professor do método e diretor da primeira Escola Brasileira de Formação da Técnica Alexander “Pensar em Atividade”, conversará sobre a técnica e o livro. A tradução ficou a cargo de Ricardo Dell’Aera Dannemann. Uma oficina de vivência também será realizada com Regina Vieira, ex-professora do Instituto de Artes (IA) da Unicamp, e Isabel Padovani, cantora e professsora da Técnica Alexander. A ideia de traduzir o livro para a língua portuguesa surgiu em 2011 durante o primeiro curso de formação de professores da Técnica Alexander no Brasil. O evento faz parte da 10ª Semana Internacional da Técnica Alexander com apoio da Associação Brasileira da Técnica Alexander (ABTA). Os recursos para a edição foram levantados por meio do Catarse, website para financiamentos coletivos. A Técnica de Alexander é um método de educação para a saúde baseado na autopercepção do movimento, que promove benefícios para condições como dores na coluna, durante a reabilitação após acidentes, melhora na respiração, atitute correta ao tocar instrumentos musicais ou cantar, além de outros hábitos relacionados. A Casa do Lago fica na rua Érico Veríssimo 1011, na Cidade Universitária “Zeferino Vaz, no campus da Unicamp, em Barão Geraldo. Entrada livre. Mais detalhes: telefone 19-3521-7017 ou e-mail casadolago@reitoria.unicamp.br  A escolarização da infância no Brasil oitocentista: os livros de leitura do Dr. Abílio César Borges, o Barão de Macaúbas - Conferência organizada pelo Grupo de Estudos e Pesquisa em História da Educação, Cultura Escolar e Cidadania (Civilis) acontece em 23 de outubro, às 14 horas, no Salão Nobre da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp. Contará com a participação da professora Diane Valdez, da Universidade Federal de Goiás (UFG). O evento é gratuito, sem a necessidade de inscrição prévia. Mais deta-lhes: 19-3521-5564.  Corais na Feira Cultural do CIS-Guanabara - O I Encontro de Corais do Centro Cultural de Inclusão e Integração Social (CIS-Guanabara) acontece durante a realização da 25ª Feira Cultural, dia 25 de outubro, às 16 horas, à rua Mário Siqueira 829, no bairro do Botafogo, em Campinas-SP. Participam os corais Unifesp,

DESTAQUE Unicamp iniciou no último dia 13 uma discussão permanente, sobre governança de tecnologia da informação e comunicação (TIC). Dirigentes da Alta Administração, diretores e associados de unidades e órgãos, ATU’s e ATD’s, chefias de núcleos de informática, profissionais de TIC e profissionais ligados a planejamento estratégico das unidades e órgãos compareceram ao encontro no auditório da Faculdade de Ciências Médicas (FCM). O evento “Governança cooperativa de tecnologia da informação: panorama, perspectivas e desafios para a Unicamp” foi promovido pela Coordenadoria de Tecnologia da Informação e Comunicação (CTIC), com o objetivo de trazer palestrantes tratando de diversas visões sobre a adoção da governança de TIC e suas possíveis aplicações à realidade da Unicamp. A iniciativa contou com o apoio da Coordenadoria Geral da Universidade (CGU) e da Pró-Reitoria de Desenvolvimento Universitário (PRDU). Rodolfo Jardim de Azevedo, professor do Instituto de Computação (IC) e organizador do evento, disse que a ideia é levantar os problemas e sugerir medidas em TCI na Unicamp. “Queremos saber quais são as oportunidades e desafios para os próximos anos. Teremos palestras tratando desde governança corporativa geral até no serviço público, até fechar em pontos específicos. Paralelamente, haverá uma atividade com os participantes para que apresentem problemas e soluções encontradas em suas unidades e que talvez se complementem.” A governança de TIC, através do alinhamento de decisões e de ações na gestão da informação e de sua infraestrutura, é considerada vital para o melhor uso dos recursos tanto humanos quanto computacionais, provendo a universidade de agilidade e flexibilidade para o aperfeiçoamento de sua atividade fim. “Governança vem de uma palavra grega que significa pilotar um navio, ou seja, o processo de orientar continuamente e ajustar a direção. Esse sentido é muito adequado para governança de TI: o papel de timoneiro navegando por mares desconhecidos e que não pode simplesmente fixar o timão e seguir em frente, pois novas ondas podem desviar o navio do curso”, explicou o professor José Raimundo de Oliveira, coordenador do CTIC.

Zangalà e Madrigal in Casa. Uma apresentação com o Trio Trappistas encerra o evento. Entrada gratuita. Mais informações: 19-32316369 ou e-mail guanabara@reitoria.unicamp.br

EVENTOS FUTUROS  Proposições de arte para um Brasil contemporâneo A Galeria de Arte do Instituto de Artes (GAIA) da Unicamp recebe, de 14 a 29 de outubro, a exposição “Projeto Autoria Compartilhada - Proposições de arte para um Brasil contemporâneo”, de Mônica Nador. Com curadoria da professora Sylvia Furegatti, a abertura da mostra acontece às 12h30, no piso térreo da Biblioteca Central “Cesar Lattes” (rua Sérgio Buarque de Holanda, s/nº), no campus da Unicamp. De renome internacional e mestre pela ECA USP, a artista desenvolveu o trabalho no primeiro semestre de 2014, como proposta do Edital de Professor Especialista Visitante no Curso de Artes Visuais da Unicamp. Mais informações: 19-3521-6561.  Como lidar com a ansiedade durante a aprendizagem? - O Grupo de Estudos e Pesquisa em Psicopedagogia (Gepesp) da Faculdade de Educação (FE) organiza, dia 29 de outubro, às 19 horas, no Salão Nobre da Faculdade de Educação (FE), o workshop “Como lidar com a ansiedade durante a aprendizagem? As estratégias de regulação emocional”, com a doutoranda Danielle Ribeiro Ganda (FE-Unicamp). O evento é gratuito. Mais detalhes: telefone 19-3521-5564 ou e-mail eventofe@unicamp.br  150º aniversário da AIT - O Encontro internacional “Associação Internacional das Trabalhadoras e dos Trabalhadores (AIT), 150 anos depois” acontece nos dias 29 e 30 de outubro, no auditório I do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp com diversas conferências, lançamento de livros e revistas e a exposição de fotos do João Zinclar. O objetivo central do evento é discutir e estimular o conhecimento e a importância da AIT e de seu legado, no momento em que se comemora o seu 150º aniversário de fundação. A primeira organização internacional do movimento dos trabalhadores foi fundada em 28 de setembro de 1864, em uma reunião, em Londres. Além do encontro na Unicamp, o evento será levado às seguintes universidades: USP/Unifesp, UFBa, UFRJ/UFF, UFRGS, UFRN, UFRB e UFMG. Mais detalhes podem ser obtidos no link http://ait150anos.wix.com/ait150anos  Projeto InterPARES Trust - Evento apresentará, dia 30 de outubro, às 9 horas, no Centro de Convenções da Unicamp, o Projeto InterPARES Trust, que propõe estudar os documentos arquivísticos na Internet. Com isso, pretende-se introduzir uma discussão do uso das nuvens no contexto dos arquivos e apontar alguns aspectos que necessitam de soluções mais adequadas. Como forma de subsidiar a compreensão da computação em nuvem, serão apresentados conceitos básicos que a envolvem bem como soluções para gestão de grandes volumes de dados, documentos e informações. O objetivo é estimular a reflexão acerca das soluções corporativas de arquivamento de documentos em estruturas de nuvens e sobre a manutenção da cadeia de custódia e autenticidade de documentos produzidos por instituições, no âmbito da gestão arquivística. A organização é do professor José Raimundo de Oliveira. Mais detalhes no link http://www.foruns. unicamp.br/foruns/projetocotuca/forum/htmls_descricoes_eventos/ tecno71.html  Simpeq e Simpequinho - O 13º Simpósio de Profissionais do Ensino de Química (Simpeq), evento voltado para professores e licenciandos em Química, acontece nos dias 31 de outubro e 1 de novembro, no Instituto de Química (IQ) da Unicamp. A abertura oficial ocorre às 19 horas, no IQ. Em 1 de novembro também será realizado o SimpeQuinho 7, direcionado aos estudantes a partir do 9º ano. Na abertura do 13º Simpeq será realizada a cerimônia de inau-

guração do LIFE-Ciências - Laboratório Interdisciplinar de Formação de Educadores da Área de Ciências (Edital CAPES nº 035/2012). O LIFE-Ciências constitui um espaço de uso comum das licenciaturas nas áreas de Química e Biologia nas dependências do IQ-Unicamp e é destinado a promover a interação entre diferentes cursos de formação de professores, de modo a incentivar o desenvolvimento de metodologias voltadas para a inovação das práticas pedagógicas, a formação de caráter interdisciplinar a estudantes de licenciatura, elaboração de materiais didáticos de caráter interdisciplinar, o uso de tecnologias da informação e comunicação (TIC’s) e articulação entre os programas da Capes relacionados à educação básica. Mais detalhes podem ser obtidos pelo e-mail simpeq@iqm.unicamp.br  Platão e o debate educativo na Grécia Antiga - O Departamento de Filosofia e História da Educação da FE-Unicamp (Defhe) e o Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Pensamento Filosófico e Ensino de Filosofia (Senso) organizam, dia 31 de outubro, às 17 horas, na Sala da Congregação da Faculdade de Educação (FE), o colóquio “Platão e o debate educativo na Grécia Antiga” com a professora Lídia Maria Rodrigo (FE-Unicamp). O evento faz parte da série “Colóquios de Filosofia e História da Educação”. Inscrições no link http://www.fe.unicamp.br/dform/gera.php?form=senso. Outras informações: 19-3521-5564 ou e-mail eventofe@unicamp.br

TESES DA SEMANA  Economia - “Transferência internacional de tecnologia: interpretações e reflexões. O caso brasileiro no paradigma das TICs na última década do século XX e no alvorecer do século XXI” (doutorado). Candidato: Túlio Chiarini de Faria. Orientadora: professora Ana Lúcia Gonçalves da Silva. Dia 20 de outubro de 2014, às 9 horas, na sala 23 do pavilhão da Pós-graduação do IE. “A questão salarial revisitada: exército industrial de reserva e heterogeneidade estrutural” (mestrado). Candidato: Gustavo José Danieli Zullo. Orientador: professor Fábio Antonio de Campos. Dia 23 de outubro de 2014, às 15 horas, na sala 23 do pavilhão da Pós-graduação do IE. “A transformação do setor de construção na África do Sul desde o apartheid: desigualdade social e trabalho” (mestrado). Candidato: Edward Cottle. Orientador: professor Marcelo Weishaupt Proni. Dia 24 de outubro de 2014, às 14 horas, na sala 23 do pavilhão da Pósgraduação do IE.  Engenharia Civil - “Estudo e automação da influência da taxa de carregamento na resposta em fratura quase-frágil” (mestrado). Candidato: Fábio Luis Gea dos Santos. Orientador: professor José Luiz Antunes de Oliveira e Sousa. Dia 20 de outubro de 2014, às 14 horas, na sala CA22 da CPG da FEC.  Matemática, Estatística e Computação Científica “Solução iterativa dos sistemas originados dos métodos de pontos interiores” (mestrado). Candidata: Marilene da Silva. Orientadora: professora Carla Taviane Lucke da Silva Ghidini. Dia 22 de outubro de 2014, às 10 horas, na sala 253 do Imecc.  Odontologia - “Estudo prospectivo da neurotoxicidade orofacial induzida porfluorouracil, leucovorina e oxaliplatina (folfox 4)” (doutorado). Candidata: Tatiana Santos Assumpção Iachinski. Orientador: professor Alan Roger dos Santos Silva. Dia 22 de outubro de 2014, às 13h30, no anfiteatro 1 da FOP. “Efeito da macrogeometria no comportamento biomecânico de implantes osseointegrados em osso de baixa qualidade: uma análise pelo método de elementos finitos” (doutorado). Candidato: Camila Lima de Andrade. Orientador: professor Bruno Salles Sotto Maior. Dia 23 de outubro de 2014, às 8h30, no anfiteatro 4 da FOP.

DO PORTAL

Unicamp inicia discussão

sobre governança de tecnologia de informação e comunicação Foto: Antoninho Perri

Mesa do evento que reuniu dirigentes de toda a Universidade: múltiplas visões sobre a adoção da governança de TIC

Segundo Oliveira, uma pesquisa junto a líderes mundiais da área sinaliza com 23 tecnologias que podem causar enorme impacto na sociedade em 2022, algumas já em uso, mas com chance de se tornar top. “Três delas nos interessam diretamente. Primeiramente, os cursos abertos massivos online (MOOC, na sigla em inglês), para os quais temos que estar preparados e já temos alguns trabalhos iniciados; sabemos de cursos em Harvard com mais de cem mil inscritos. Em segundo lugar, a computação de alto desempenho (HPC), cuja demanda é cada vez mais crescente. E a computação em nuvem, que representa uma grande mudança na forma de fazer computação.”

A questão colocada pelo coordenador do CTIC é que a Universidade não terá como enfrentar esses desafios se não houver um planejamento institucional. “O planejamento não pode ser decisão política de uma única gestão. Muito mais que pessoas, ele requer processos completos praticados sistematicamente, prática que não pode ficar engessada, diante da velocidade do surgimento de novas ondas que, muitas vezes, vão exigir correções de rumo. O nosso norte deve ser a missão da Universidade.” A professora Teresa Atvars, pró-reitora de Desenvolvimento Universitário, concorda que a governança de TIC precisa estar

sob a ótica do planejamento estratégico da Unicamp. “No programa de governo dessa gestão, o assunto está muito bem colocado justamente por ser absolutamente estratégico para o desenvolvimento institucional. A Unicamp possui um sistema complexo e dinâmico de pesquisa, pós-graduação, extensão e assistência. Na parte administrativa, vemos o oposto, um conjunto enorme de restrições e constrangimentos legais que levam a um sistema de passos lentos. Devemos construir uma governança que modernize o sistema, respeite as leis e seja ágil o suficiente para não produzir constrangimentos para a pesquisa e a pós.” O professor Alvaro Crósta, coordenadorgeral da Universidade, enfatizou a importância que a Administração Superior confere ao tema da governança de TIC, tendo elegido como foco inicial a atuação efetiva de dois órgãos importantes: o Conselho de Tecnologia da Informação e Comunicação (ConTIC) e a Coordenadoria de Tecnologia da Informação e Comunicação (CTIC). “É deles a missão de tratar de três assuntos: primeiro, de infraestrutura e recursos humanos, atualização do parque computacional e desenvolvimento continuado de profissionais; segundo, da melhoria e integração dos processos de trabalho e aproveitamento de pessoal; e, terceiro, das novas tecnologias, como a exaltada computação em nuvem, que já estamos engajados em colocar na Universidade. Sobre os cursos massivos online, há duas semanas passamos a integrar o Coursera, a maior plataforma educacional aberta do mundo.” (Luiz Sugimoto)


11

Campinas, 20 de outubro a 2 de novembro de 2014

Crescimento faz Paulínia ter valorização desigual de terra Foto: Matias, L.F./Farias, F. O./Divulgação

Geógrafa constata que o mapa de preços de mercado não é compatível ao de valores venais CARMO GALLO NETTO carmo@reitoria.unicamp.br

o contexto da Região Metropolitana de Campinas (RMC), o município de Paulínia ocupa um papel de grande destaque e revela características peculiares. Ele se mostra como fruto do processo de desconcentração da metrópole campineira tanto no que diz respeito aos aspectos populacionais como as atividades produtivas. Por ocasião da sua criação, com a desvinculação de Campinas em 1964, o uso urbano efetivo do seu território não chegava a 1%. Entretanto, a partir de 1970, esse cenário começa a se alterar em razão da ocorrência de um intenso processo de diversificação da economia marcado pela chegada de grandes empresas, particularmente da Refinaria de Paulínia (Replan), instalada em 1972, por iniciativa dos governos municipal e federal. Em decorrência do significativo aumento da arrecadação do ICMS, o município ampliou e qualificou os serviços de infraestrutura, de saúde e educação, atraindo um contingente significativo de migrantes, o que levou a uma grande expansão da mancha urbana efetivamente ocupada, que hoje corresponde a aproximadamente 27% da área municipal. Essa rápida urbanização não veio acompanhada de políticas públicas efetivas de planejamento e gestão equânimes do ponto de vista espacial, dando origem a uma série de problemas urbanos como a ocupação desigual do território, decorrente de processos especulativos imobiliários e da crescente diferenciação do valor de troca e de uso da terra urbana. Tais constatações levaram a geógrafa Fernanda Otero de Farias a realizar pesquisa centrada na cidade de Paulínia procurando compreender, sobretudo, a dinâmica de valorização diferencial da sua terra urbana nos últimos dez anos e as consequências para a realidade local. Para tanto, a pesquisadora entendeu fundamental: determinar a diferença entre o valor venal das propriedades, que consta na Planta Genérica de Valores (PGV) do município, e seu real valor de mercado; analisar as ações dos principais agentes envolvidos na produção do espaço urbano, procurando entender a participação de cada um deles na lógica de valorização da terra na cidade; construir uma base de dados georreferenciados contemplando mapas temáticos relacionados a importantes aspectos geográficos da configuração territorial paulinense, como os dados de uso e ocupação da terra intraurbana, o zoneamento municipal, o histórico de aprovação dos loteamentos, a localização dos empreendimentos residenciais fechados, renda e densidade populacional encontrada nos diferentes setores da cidade, além do mapeamento específico dos preços praticados no mercado imobiliário local para os anos de 2002 a 2012. Além disso, procurou identificar as principais áreas de tendência de crescente valorização dentro do território estudado. A pesquisa, orientada pelo geógrafo e professor Lindon Fonseca Matias, que coordena o Grupo de Estudos de Geotecnologias Aplicadas à Gestão do Território (Geoget), do Departamento de Geografia do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp, foi particularmente motivada pela ausência, em relação a Paulínia, de processo analítico envolvendo o tema, pela importância da cidade no contexto regional, estadual e até mesmo nacional, por abrigar um dos maiores polos petroquímicos da América Latina e, também, pela singularidade das transformações nas formas de uso e ocupação da terra urbana. A pesquisadora também recebeu orientação da professora Teresa Barata Salgueiro, especialista em questões urbanas, durante estágio de três meses na Universidade de Lisboa, financiado pela Fapesp.

1

3 2 Foto produzida a partir de voo panorâmico sobre a área urbana do município de Paulínia (SP): 1 - Vista parcial do Complexo Cultural Parque Brasil 500 2 - Área de Proteção Ambiental em Recuperação - Mata de Santa Terezinha 3 - Loteamento fechado horizontal Residencial Villa Lobos 4 - Vista parcial do bairro Jardim Ypê 5 - Vista parcial do bairro Vila Monte Alegre

4

5

Foto: Antoninho Perri

Preço médio do m² de edificados e terrenos no período de 2002 a 2012 na cidade de Paulínia (SP) Preço médio do m² [R$]

Ano 2002

2004

2006

2008

2010

2012

Edificados

616,00

775,00

998,50

1287,50

1737,50

2252,00

Terrenos

144,50

178,00

214,00

260,50

323,00

395,00

Fonte: Farias, F. O. (2014)

Fernanda Otero de Farias, autora da dissertação: “Cada vez mais o valor de troca se sobrepõe ao valor de uso”

METODOLOGIA A metodologia empregada consistiu de uma revisão bibliográfica e aprofundamento teórico do tema, envolveu pesquisas de campo, levantamento de dados com entrevistas e aplicação de tecnologias de geoprocessamento para produção cartográfica voltada à espacialização de diferentes tipos de informações acerca do município de Paulínia. Os arquivos digitais que compõem a base de dados foram disponibilizados pela Prefeitura Municipal de Paulínia, pelo Instituto Geográfico e Cartográfico do Estado de São Paulo (IGC), sendo também utilizados os dados do censo de 2010 do IBGE, imagens de satélites e ortofotos. Através de trabalhos de campo a autora realizou a observação dos diversos elementos da cidade e efetuou visitas a imprensa local buscando compulsar a publicidade dos imóveis anunciados nos anos de 2002 a 2012, o que lhe permitiu chegar à variação anual dos preços médios por m² das propriedades ofertadas em cada bairro de Paulínia no decênio pesquisado. Ao compreender as importantes faces da produção do espaço urbano e evidenciar os diversos pontos no território de alocação desigual de infraestruturas e investimentos, a pesquisadora constata que “o preço de um terreno ou imóvel está atrelado não só às suas características intrínsecas, como tamanho, umidade do solo, declividade e qualidade da construção, mas principalmente ao seu acesso aos serviços, às infraestruturas e equipamentos urbanos, ou seja, à sua localização”. Diante disso, ela se propôs verificar o real valor de mercado das propriedades através da espacialização de seus preços e comparar com o valor venal estabelecido na legislação.

Buscando este entendimento, ela descobriu que os valores venais instituídos na Planta Genérica de Valores de Paulínia, regulamentada em 1997 para lançamento do IPTU do ano subsequente, não foram reavaliados a preços de mercado tendo sido mantidos “congelados” desde então. Naquela época os valores venais mais altos correspondiam aos imóveis do centro tradicional da cidade e iam diminuindo em direção às periferias. Embora tenham ocorrido no município transformações em relação ao uso e ocupação da terra, o poder público mostra-se alheio à realidade do mercado e adota uma tributação extremamente desatualizada. A pesquisadora atribui duas razões para a inércia da prefeitura em relação ao IPTU: uma é o alto valor da receita municipal advinda do ICMS que permite abrir mão de uma maior arrecadação e a outra é a de que nenhum político deseja ser responsabilizado pela medida impopular de um possível aumento na taxação tributária. Em consequência desta realidade, o mapa de preços de mercado hoje não é compatível com o mapa de valores venais. Com efeito, o preço do m² médio dos edificados aumentou 233% no período considerado. A maior variação ocorreu no Parque Bom Retiro (660%), um bairro popular até meados de 2000, ocasião em que recebeu um loteamento fechado de alta valorização, que mudou totalmente a configuração do local. As menores variações de preço verificaram-se na Vila Paulino Nogueira, um bairro que continuou popular, e no centro da cidade, onde os preços já eram tradicionalmente mais altos. Mudanças similares ocorreram em relação aos terrenos, cujo preço médio por m² variou em torno de 300%.

CONSTATAÇÕES

As análises e mapas produzidos mostram o deslocamento dos maiores preços das propriedades que antes se localizavam na área central tradicional e agora se verificam nos bairros Jardim América e Morumbi que estão próximos ao Complexo Cultural Parque Brasil 500. Este local, relativamente periférico da cidade, abrange agora a Prefeitura Municipal de Paulínia, além de diversos equipamentos – a exemplo da concha acústica, do sambódromo, do pavilhão de eventos, do teatro, dos estúdios cinematográficos e do Complexo Rodoviária-Shopping – que estão servindo como atrativos para a população de mais alta renda. Os atributos dessa área vêm acarretando na sua conversão no que pode ser chamado de nova centralidade, termo que se justifica pela boa acessibilidade viária, pela

qualidade do espaço e das atividades que o ocupam, o que tem impulsionado a valorização e a especulação imobiliária na localidade. Aproveitando as vantagens advindas dos investimentos públicos, os agentes do setor imobiliário também têm investido no entorno do complexo cultural, sobretudo com a implantação de empreendimentos fechados horizontais e verticais, onde o que se adquire não é apenas o imóvel ou terreno, mas todo o conjunto de conceitos propagados pela publicidade, como segurança, áreas verdes, tranquilidade, acessibilidade, que também contribuem para inflacionar os preços. Para Fernanda “como as informações sobre as mudanças que vêm ocorrendo no uso e na ocupação da terra urbana não estão sendo atualizadas pela prefeitura, isso tem causado defasagem dos dados presentes na PGV e, consequentemente, nos lançamentos do IPTU. Em consequência, a cobrança tributária acaba não sendo justa e, pior, não há recuperação dos investimentos realizados pelo poder público. Esse retorno poderia ser investido em melhorias de serviços e infraestruturas para outras áreas da cidade ou mesmo ser revertido para programas habitacionais, minimizando carências”. E acrescenta: “na cidade pode-se observar a materialização espacial das desigualdades sociais, num contexto onde cada vez mais o valor de troca se sobrepõe ao valor de uso, o que significa dizer que as regras e estratégias da mercantilização do espaço urbano se impõem, muitas vezes, às próprias necessidades humanas. Tal fato revela que o capital aparece no comando dos interesses, definindo e direcionando as prioridades de determinados agentes sociais”. A autora espera que o trabalho possa contribuir para políticas públicas de gestão territoriais e incitar novos estudos que visem o entendimento da temática de valorização da terra urbana.

Publicação Dissertação: “Análise da dinâmica de valorização diferencial da terra urbana na cidade de Paulínia – SP” Autora: Fernanda Otero de Farias Orientador: Lindon Fonseca Matias Unidade: Instituto de Geociências (IG)


12

Campinas, 20 de outubro a 2 de novembro de 2014

Choro de tensões e conflitos Foto: Divulgação/Reprodução

Tese revela como a tradição marca a obra e a trajetória de Jacob do Bandolim PATRÍCIA LAURETTI patricia.lauretti@reitoria.unicamp.br

ontrariando o compositor Sérgio Bittencourt, hoje ainda se fala do seu bandolim. O samba “Naquela mesa”, uma homenagem póstuma de Sérgio a Jacob do Bandolim (1918-1969), seu pai, parece ter errado feio. Porque, ao contrário do que diz a canção, não apenas ainda se fala do seu bandolim como a trajetória do pai foi fundamental para consolidar uma determinada ideia de tradição ligada ao gênero. Problematizar esta ideia e tentar entender “uma série de conflitos e tensões, de rupturas sociais que a ideia de tradição oculta e tenta de certa forma apagar” foi o objetivo do pesquisador Gabriel Lima Rezende, autor da tese de doutorado “O problema da tradição na trajetória de Jacob do Bandolim: comentários à história oficial do choro”. Tradição e problema andam juntos quando um olhar crítico questiona o que significa a tradição, uma vez que se trata de um processo histórico e de uma construção coletiva, como ressalta o doutorando. “O processo de constituição da tradição no choro, que tem o carioca Jacob do Bandolim como figura central, é um processo através do qual os problemas sociais foram se apagando, e isso hoje é naturalizado, as pessoas falam da tradição como algo produzido naturalmente”. A trajetória do músico encaminharia a história do choro para determinada direção já que, além de ser exímio instrumentista, Jacob seria uma personalidade tão influente à época que havia até mesmo uma maneira correta para tocar com ele, dada a sua capacidade de organizar as relações sociais, inclusive e principalmente, as de trabalho, em torno do gênero. Desde o surgimento do artista no cenário musical, Gabriel resgata os processos sociais e reflexos na história do choro com a consolidação desta tradição por meio da trajetória de Jacob do Bandolim. Nos anos 1950, o autor mostra como o projeto de modernização do país ressoou no plano das práticas musicais. Também aborda o declínio das emissoras de rádio e a crise no choro na década de 1960, e mesmo após a morte do compositor, em 1969, seu legado. “Parece que o choro desaparece dos veículos de comunicação de massa e, quando ressurge, vem a pergunta: como não existe mais aquela figura de liderança, quais serão os caminhos? Aí começa o diálogo com o legado que o Jacob deixa”.

mes da tradição do choro como o Ernesto Nazareth, Pixinguinha e composições do próprio Jacob”, reflete. Será que o bandolinista não queria abandonar seu olhar tradicionalista, ou não conseguia? A questão é mais complexa, como observa Gabriel. “Se nos anos 1950 a ideia de modernização era quase constitutiva de um ideário socialmente compartilhado, refletia o espírito da época, nos anos 60 já é quase uma questão de sobrevivência para os artistas. O mercado de músicos tradicionais tinha diminuído muito em relação aos anos 1950 com o fechamento das grandes rádios, o fim da música ao vivo em auditórios... isso atingiu frontalmente a classe dos músicos de choro”. Uma das poucas possibilidades que havia era dialogar com os modernos.

LEGADO

O compositor carioca Jacob do Bandolim: instrumentista foi fundamental na consolidação do chorinho

“É aí que aparece a ideia de uma época de ouro da música popular e o desafio sobre o que fazer. Conservar o gênero, ou tentar modernizar o choro e de que forma? Jacob, como tradicionalista, tinha restrições em relação às inovações”. De acordo com Gabriel, o artista atua muito nas décadas de 1940 e 1950, quando é colocada novamente a questão da modernização do país. Jacob do Bandolim manifestava seu olhar tradicionalista no plano musical. O choro ganhou um formato específico, consolidouse a possibilidade de um conjunto de base e uma hierarquia entre os instrumentos. Mas, analisando discursos e práticas, Gabriel também constatou as tensões entre um “querer tradicional e uma época em que ser tradicional já não era possível” na música do bandolinista. Entre notas e acordes, o que ele fazia entrava em tensão com a ideia monolítica da tradição, afirma o autor.

CHEGA DE SAUDADE

Um exemplo importante na tese é a composição Chega de Saudade de Vinícius de Moraes e Tom Jobim. Gabriel conta uma anedota recorrente na historiografia sobre o choro, que foi um encontro de Jacob com Tom Jobim em um bar. O bandolinista teria perguntado ao compositor como a música era “verdadeiramente”. Tom Jobim teria respondido com outra questão: “e como é que você sabe que todas as gravações do Chega de Saudade estão erradas?” Mas Jobim escreve uma partitura para Jacob. “O problema que está implícito no encontro entre

um tradicionalista e um moderno é que o Jacob tinha visto na composição um perfeito samba tradicional, e essa leitura esconde uma tensão”. O pesquisador salienta que a composição é tradicional até o final, quando “quase vira de ponta cabeça com procedimentos que podem ser considerados modernos”. Jacob, no entanto, ao fazer sua leitura, tentaria solucionar problemas do ponto de vista tradicionalista, que não tem solução. “Por exemplo, o problema de harmonização, de acordes. Um acorde no final, que não contém a melodia, entra em conflito com a harmonia que o Jacob tocava porque a harmonização do Jobim não é tradicionalista e o Jacob submete aquela melodia a uma harmonização tradicionalista”. Outro exemplo da tese é o plano para o lançamento do LP Vibrações que, segundo Gabriel, teve outros nomes aventados como Jacob sempre, Jacob hoje, Jacob em duas épocas, Duas épocas ou Altocontraste. A intenção do bandolinista seria gravar compositores como Chico Buarque e Edu Lobo, jovens que estavam associados aos modernos. O artista chega a fazer uma lista de músicas, mas no final acaba gravando o LP Vibrações, que na avaliação do pesquisador, é quase o oposto do plano inicial. “Um trabalho que tinha como ambição traduzir o posicionamento de Jacob no final dos anos 60, dialogando com músicos considerados modernos, se transformou em quase uma ‘pedra de toque’ da história do choro, que foi a gravação só de grandes no-

Após a morte de Jacob do Bandolim, sobretudo nos anos 1970, quando volta à tona a questão do desenvolvimento do gênero, é o legado do bandolinista que impõe desafios para os músicos. Havia o problema da comunicação com o público jovem que o choro já não tinha, os gêneros com os quais seria possível misturar, enfim, todas as possibilidades que, para uma leitura mais tradicional, seria deturpar a história do choro. A solução que aparece já no final dos anos 1960, no LP Vibrações, e que é retomada no final da década seguinte, é o tratamento camerístico, aproximando o choro da música erudita. O ícone nesse período é Radamés Gnatalli. “Esta seria uma continuidade do legado do Jacob, uma solução possível, que se tonou legítima e que significou, do ponto de vista técnico, a valorização das linhas de contraponto, harmonias mais intrincadas, mas que, ao mesmo tempo, não soassem como o jazz e a bossa nova”. Gabriel salienta que esta passagem esconde outra ruptura também mapeada pelo estudo, que é o declínio acentuado da forma como o choro havia sido praticado até então. Entre os anos 1930 e o final de 1960, os músicos eram ligados às rádios e seu aprendizado havia sido em sua maioria, mais intuitivo. Já a partir dos 1970, a geração que assume as regras do desenvolvimento do choro é integrada por músicos bem mais preparados e que não têm essa relação com as rádios. O legado de Jacob do Bandolim hoje impõe mais um desafio ao pesquisador: “pensar até que ponto não somos ainda devedores desta concepção histórica, até que ponto não orientamos nossos desejos e nossas vontades por questões que, conflituosas, cheias de nuances e problemas, são muito mais complicadas do que a narrativa aponta”. É por isso que, mesmo com tantas mudanças, ainda se fala do seu bandolim.

Foto: Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro/Coleção Jacob do Bandolim

Foto: Divulgação

BELLE ÉPOQUE

A história começa com a Belle Époque carioca –embora o primeiro capítulo da tese descreva o estado presente, como a história do choro é narrada atualmente e como esse discurso se apresenta como obvio. É quando o choro deixa de ser uma prática musical para se tornar gênero musical. “Nesse momento há uma ruptura social importante, que é a dissolução do Brasil escravista/ agrário e o início do Brasil ‘moderno’. As reformas urbanísticas no Rio de Janeiro e a modernização econômica foram um processo muito violento de transformação da sociedade carioca”. Na Belle Époque, de acordo com Gabriel, a transformação das formas de sociabilidade serviu como base para o começo do choro tal como é compreendido atualmente. “A historiografia sempre se refere ao período como um momento de certa espontaneidade das práticas populares em torno do valor coletivo da música, da descontração, da brincadeira. Como se fossem práticas desinteressadas”. Na realidade, avalia o autor, as reformas urbanísticas aliadas à repressão policial e às mudanças nos valores e nas relações de trabalho, criaram um ambiente incompatível com o ócio, a boemia e o espírito chorão. O choro, nesse contexto, também acabaria profissionalizado. Mais tarde, a partir dos anos 1950, se dá o processo de modernização dos gêneros populares. Intelectuais, artistas e intérpretes não se reconhecem como parte do passado e se questionam sobre o presente.

O pesquisador Gabriel Lima Rezende: “Jacob, como tradicionalista, tinha restrições em relação às inovações”

Publicação

A partitura de “Chega de Saudade”, de Tom Jobim para Jacob do Bandolim: discordâncias na execução da música

Tese: “O problema da tradição na trajetória de Jacob do Bandolim: comentários à história oficial do choro” Autor: Gabriel Lima Rezende Orientador: José Roberto Zan Unidade: Instituto de Artes (IA) Financiamento: CNPq, Capes, Fapesp


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.