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EXCLUSIVO: CEARÁ DEVE RECEBER COMPLEXO ESPACIAL COPA 2014 Cidades-sedes perdem primeiro prazo delmiro gouveia a história do mauá nordestino

Edição Nº 04 — Ano I — Revista Nordeste VinteUm – Publicação sobre economia, política e cultura — www.nordestevinteum.com.br

R$ 9,90

Lira Neto e a biografia do ano

Padre Cícero

Poder, Fé e Guerra no Sertão

icid+18 semiárido como prioridade na agenda de desenvolvimento


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Não importa a distância. Não importa a dificuldade. A gente não mede esforços para levar desenvolvimento a cada canto do Nordeste.

Desenvolvimento é financiar cadeias produtivas, gerar emprego e oportunidades. É mudar a vida das pessoas. Aumentar sua auto-estima e recuperar sua dignidade. Desenvolvimento é fazer o Nordeste crescer. E ser do tamanho do seu povo.



Insigths

Cícero Romão Batista (Crato, 24 de março de 1844 — Juazeiro do Norte, 20 de julho de 1934) Visões de mundo

“Sou filho de Crato, mas Juazeiro é meu filho” Com esta frase, Padre Cícero consolidou a independência de Juazeiro. A frase foi proferida sob o impacto de uma situação bastante amarga, quando ele, encurralado pelo prefeito de Crato, ficou diante de um dilema cruel: negar sua naturalidade cratense ou assumir a cidadania juazeirense. Foi aí que saiu-se magistralmente pronunciando esta frase. Confira fatos importantes da trajetória do Padre Cícero: >> Trouxe para Juazeiro a Congregação Salesiana; >> Incentivou a fundação do Jornal O Rebate (O primeiro de Juazeiro); >> Fundou a Associação dos Empregados do Comércio; >> Dinamizou o artesanato como fonte de renda; >> Incentivou a instalação do ramo de ouriversaria; >> Contribuiu para instalação de escolas, entre as quais a famosa Escola Normal Rural (a primeira do Brasil); >> Recebeu o título de Doutor, conferido pela Escola Livre de Engenharia do Rio de Janeiro; >> Rejeitou o que mais ambicionava na vida – a reabilitação de suas ordens – para não deixar de morar em Juazeiro, conforme a proposta que lhe foi feita pelo bispo Dom Quintino, do Crato. Prevaleceu seu amor a Juazeiro e aos romeiros; >> Foi o primeiro Prefeito de Juazeiro. Também o primeiro a ser deposto do cargo, por questões políticas; >> Era filiado ao Partido Republicano Conservador (PRC ) Ceará; >> Sua primeira missão eclesiástica, depois de ordenado, em 1870, foi no distrito de Trairi, então pertencente à Freguesia de Parazinho, atual Paracuru, Ceará, a 97 quilômetros de Fortaleza, onde permaneceu por dois meses; >> Era nacionalista confesso, místico, carismático, visionário e bom conselheiro; >> Salvo raras exceções, no Nordeste, as pessoas chamadas de Cícero ou Cícera têm estes nomes como homenagem a ele, geralmente como pagamento de promessa; >> Houve um tempo em que os padres não podiam batizar crianças com o nome de Cícero, porque o Bispo de

Olinda (PE), Dom Luís de Brito, em 26 de fevereiro de 1910, publicou uma circular recomendando que os vigários não aceitassem tal nome, que era sinal de arraigado fanatismo; >> Mensalmente, no dia 20, desde a sua morte, em 1934, é celebrada missa em sufrágio de sua alma na Capela do Socorro, em Juazeiro, onde foi sepultado, à qual comparece sempre uma imensa multidão vestindo, em sua maioria, roupa preta, em sinal de luto. A missa é celebrada em atendimento a um pedido feito por ele em seu testamento; >> Introduziu no Nordeste o hábito de usar no pescoço o rosário da Mãe de Deus, costume ainda hoje largamente usado não somente pelos romeiros, mas também por gente de todas as classes sociais; >> Gostava de ler livros sobre ciências ocultas e isto foi um dos motivos pelos quais o reitor do Seminário da Prainha de Fortaleza quis impedir sua ordenação; >> Pele alva, cabelos louros, olhos azuis e pequenos, nariz adunco, discreto prognatismo, voz modulada e firme altura: 1,60m; >> Fez voto de castidade, aos 12 anos de idade, influenciado pela leitura da vida de São Francisco de Sales; >> Era dotado de invulgar memória; >> Tinha o hábito de dormir a cavalo, sobre a sela, quando fazia excursões através das cidades do Cariri; >> Certa vez, ao censurar delicadamente um colega de batina, que contraíra o vício do álcool, fora por este sacrificado pelo fato de ser grande tabaquista. Isto foi o suficiente para deixar definitivamente de fumar; >> Logo que chegou ao povoado de Juazeiro, como capelão, procurou moralizar os costumes reinantes no lugar, acabando pessoalmente com as rodas de samba e cachaça; >> Quando o professor Miguel Couto disse que os distúrbios renais de que Padre Cícero padecia provinham da água de Juazeiro, ele passou a beber somente água de coco e chá; >> Padre Cícero é chamado de “Meu Padim”. As pessoas que trabalhavam em sua casa o chamavam de Seu Padre, exceção da beata Mocinha (Joana Tertulina de Jesus) que geralmente o chamava pelo título de Padre; >> Aos 82 anos de idade, Padre Cícero foi eleito Deputado Federal, mas não assumiu a vaga. Colaboração: Daniel Walker, 62, biólogo, escritor, professor do Centro Educacional Professor Moreira de Sousa e adjunto (aposentado) da Universidade Regional do Cariri (Urca). É formado em História Natural pela Faculdade de Filosofia do Crato (Ceará), com Especialização em Ciências pela Universidade Federal do Ceará (UFC).

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Carta do Editor

Visões de futuro

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escubra se o futuro é cinzento mesmo ou se você está de olhos fechados. Esse é o mote de campanha publicitária que a Pricewaterhouse Coopers, uma das maiores prestadoras de serviços profissionais em auditorias e consultorias do mundo, divulga atualmente nos encostos de cabeça das poltronas de aviões. A frase bem que poderia servir para atordoar o Nordeste e o Brasil toda vez que se buscasse alçar vôos destinados ao desembaçamento da vista e da consciência daqueles responsáveis por elaborar, gerir e revisar políticas públicas voltadas ao desenvolvimento regional. Pelo menos aqui, na redação da Nordeste VinteUm, o que não falta é atitude e coragem para tratar com desembaraço desse secular dilema. Afinal, a revista já nasceu com o fito de cumprir tal mister, promovendo o resgate de questões como as desigualdades interregionais, ao mesmo tempo que inspira a rediscussão dos grandes postulados desenvolvimentistas. Uma mostra do espírito dessa iniciativa é a realização do Ciclo de Debates Nordeste VinteUm – Fortaleza/Recife, durante os meses de setembro e outubro deste ano. Os eventos consagram o lançamento institucional da revista em caráter regional, mobilizando a atenção de gestores públicos, empresários, políticos, pesquisadores e estudantes em torno do tema “Nordeste: Avanços Socioeconômicos e Revisão de Políticas Públicas”. O primeiro encontro teve como expoentes o governador do Piauí, Wellington Dias, e o presidente do BNB, Roberto Smith. Em suas respectivas palestras, expuseram feitos, projetos e sobretudo, uma visão abrangente e embasada do que seja ter vontade política e empreendedora para vencer o atraso. Uma salutar conversa sobre os rumos a seguir em busca de um Nordeste mais rico e próspero. Com projetos capazes de alavancar suas verdadeiras potencialidades econômicas. Onde educação inclusiva devia ser pleonasmo e as políticas de financiamento do progresso robustecidas ao ponto de realçar êxitos na luta por um pacto federativo mais justo. Ademais, é agradecer a força emprestada pelos nossos parceiros ao compreenderem as ousadias, justezas, legitimidades e ambições do nosso projeto. A empreitada da Nordeste VinteUm é assumida com o objetivo de se tornar referência jornalística regional e nacional. Este quarto número, por exemplo, reafirma a proposta de abordagem temática e plural das mais expressivas pautas de interesse da região, sem perder de vista o foco na universalidade de nossas aspirações. Desejamos aos nossos leitores que se deleitem nas próximas páginas com aventuras reais e fantásticas. Sonho e despertar cada vez mais fascinantes e capazes de entusiasmar novas visões de mundo. Personagens e fatos instigantes não faltam.

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Capa: Arquivo Renato Casimiro/Daniel Walker

Edição Nº 04 Ano I — Agosto/2009 Circulação Setembro 2009 Revista Nordeste VinteUm Política, Economia, Cultura www.revistanordestevinteum.com.br

Seções 20. Caleidoscópio 50. Saberes & Sabores 66. Ateliê – Mino Castelo Branco

Especial 29. Memória

Constitucional do Ceará

Artigo 64. Pré-sal:

vitória de uma jovem nação Luiz Carlos Antero

Editora Assaré Ltda ME Rua Waldery Uchôa, 567 A n Benfica Fortaleza, Ceará n CEP: 60020-110 e-mail: assare@editoraassare.com.br Fone/fax: (85) 3254.4469

Francisco Bezerra Diretor de Negócios e Relações Institucionais comercial@editoraassare.com.br

Orlando Júnior Diretor Administrativo Financeiro adm@editoraassare.com.br

Wilton Bezerra Júnior Editor Executivo editor@editoraassare.com.br wiltonbezerrajunior@gmail.com


Sumário 08

Copa 2014

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Entrevista Autor de Ecologia do Cangaço, Melquíades Pinto Paiva fala sobre Lampião e a relação entre o fenômeno e a caatinga

Cidades-sedes descumprem primeiro prazo referente à construção dos estádios para o Mundial

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Complexo Espacial Roberto Amaral revela com exclusividade à Nordeste VinteUm que o Ceará deve receber base de lançamento de foguetes

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História Conheça a trajetória de sucessos e fracassos de Delmiro Gouveia, protagonista da história do desenvolvimento do Nordeste

Capa

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Padre Cícero — Poder, Fé e Guerra no Sertão Lira Neto fala sobre a biografia mais aguardada do ano

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Poder Local e Cidadania Como Tauá experimenta uma revolução tecnológica através do Projeto Cidade Digital

Desenvolvimento

Nanotecnologia Laboratório cearense consolida e perpetua as vocações cearense e nordestina para essa área promissora

Icid+18 quer colocar o semiárido na pauta de prioridades da agenda mundial

Marcel Bezerra Editor Adjunto marcel@editoraassare.com.br

Vladimir Pezzole Editor de Arte arte@editoraassare.com.br

Imagem Assessoria de Comunicação Marketing – imagem.com@secrel.com.br

Flamínio Araripe Editor Adjunto

Lucílio Lessa e Samira de Castro

do caderno Ciência e Tecnologia editor@editoraassare.com.br

Reportagem reporter@editoraassare.com.br

Colaboradores Luiz Carlos Antero, Audifax Rios, Albertina Malta (Fundaj) e Mino Castelo Branco

Claudemir Luis Gazzoni Diretor de Arte

Paulo Rocha Repórter Fotográfico reporter@editoraassare.com.br

Impressão Pouchain Ramos Tiragem 16.000 exemplares

arte@editoraassare.com.br

TODOS OS DIREITOS SÃO RESERVADOS. É proibida a reprodução total ou parcial, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos e videográficos ou qualquer outro meio ou processo existente ou que venha a ser criado. As opiniões emitidas em artigos assinados são de responsabilidade única e exclusiva de seus autores e não refletem, sob nenhuma circunstância, a opinião desta revista

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COPA 2014 PISADA NA BOLA

SEDES IGNORAM PRIMEIRO PRAZO

DO MUNDIAL

O primeiro prazo referente à construção dos estádios da Copa de 2014 foi descumprido pelas cidades-sedes. Nenhum dos nove governos estaduais lançou o edital de licitação das obras das arenas do Mundial até o dia 31 de agosto, como exigia o Comitê Organizador Local (COL). Desde a escolha das 12 cidades, em 31 de maio, funcionários do comitê têm dito que os documentos deveriam estar prontos até 31 de agosto. Houve até ameaças de exclusão, mas o COL optou por desconsiderar a data-limite após reunião Por Samira de Castro / redacao@nordestevinteum.com.br

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decisão do comitê ocorreu porque algumas sedes não teriam como atender o prazo. Essa exigência só valia para projetos estatais – são nove entre os que têm de fazer licitação para iniciar reformas ou construção. Agora, o COL decide desconsiderar exigência para concorrências e só cobrará que as obras comecem em fevereiro de 2010, como manda a Fifa. Rio de Janeiro, Pernambuco, Bahia e Ceará estão mais adiantados no processo licitatório. Os governos estaduais continuam falando que

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vão atingir essa meta. Mas alguns deles nem iniciaram o processo licitatório dos estádios. Entre as sedes nordestinas, o Ceará já deu a largada no certame, mas o documento da licitação para as obras de reforma do estádio Plácido Castelo – o Castelão – ainda está recebendo contribuições de consultas públicas, conforme informou o secretário do Esporte e Juventude, Ferrúcio Feitosa. É que o edital será modelo de formatação para a primeira Parceria Público-Privada (PPP) no território cearense. As intervenções no estádio, segundo Feitosa, começarão em janeiro de 2010. O Rio Grande do Norte também não iniciou o processo licitatório para a Arena das Dunas. Os vizinhos ainda apostam em investidor privado. A indefinição do modelo de financiamento, aliás, não é problema apenas dos potiguares. Manaus, por exemplo, esperava parceiros. Começou sem eles – o Estado bancará um ano de obras. A previsão é que o edital de licitação do Estádio Vivaldão esteja pronto em 30 de novembro – o vencedor sairia no meio de janeiro. Ainda há polêmicas com os clubes. Os times nordestinos reclamam de jogar nas novas arenas. Os cariocas, de ficar fora da concorrência pública.


Cadê os investidores? E as obras?

Sem tempo a perder, uma questão de imagem Olímpicos talvez se comparem a um mundial de A visibilidade internacional das cidades sede futebol –, movimentando bilhões de dólares. “É dos jogos da Copa 2014 no Brasil começa a ser um evento que tem dois significados: o fluxo de realçada, pelo menos, dois anos antes do torneio, turistas esperado durante a sua realização – e são logo após as Olimpíadas da França. Portanto, 500 milhões de visitantes estrangeiros aguardados o “mãos à obra” é um alerta mais que oportuno Brasil em 2014 – bem como a projeção que o no, principalmente em relação aos gargalos de país-sede alcança no exterior”, explica Pedroso. Um infraestrutura. Um encargo pesado, mas que movimento que começa, segundo o especialista da pode significar o reposicionamento da imagem Embratur, bem antes de a bola rolar por qualquer do Nordeste no exterior. Afinal, o país espera 500 gramado. Pelo menos, dois anos antes. milhões de estrangeiros e uma projeção turística Ou seja, em 2012, o Brasil será alvo da curiosie cultural enriquecida além dos clichês sol, carnadade da imprensa internacional. “Vários veículos val, samba, mulata e futebol. É a vez de a região estrangeiros vão instalar correspondentes por nordestina mostrar a cara de seu povo, do seu aqui, logo após as Olimpíadas da lugar e modo de viver. França. A imprensa mundial vai Destino de sol e praia para estar voltada para o estilo de vida milhões de brasileiros e estrando brasileiro, as cidades-sedes geiros, quatro cidades nordesdos jogos, as peculiaridades na tinas – Fortaleza, Natal, Recife e nossa cultura, a infraestrutura do Salvador – vivem a expectativa de sediar jogos da Copa do Mun- José Roberto Bernasconi, presidente do Sinaenco país como um todo”, argumenta. É de olho em toda essa do de Futebol de 2014. O clima expectativa que a Embratur é de euforia. Antes de qualquer aposta na Copa de 2014 como a oportunidade de apito inicial ou bola em jogo, ainda há um longo o Brasil e, em especial, o Nordeste, reposicionar caminho, cheio de exigências, até a confirmação sua imagem no exterior. Saem os clichês – país final da escolha. Até lá, os governos estaduais e do café, do futebol, do samba, das meninas de municipais correm atrás do tempo perdido com Copacabana, ou da Beira-Mar, da Ponta Negra, de os planos de obras para garantir a infraestrutura Boa Viagem... Entram os atrativos até então pouco mínima exigida pela FIFA. explorados comercialmente. Estádios, rodovias, aeroportos, equipamen“O Nordeste, assim como o país inteiro, tem tos turísticos. Muitos projetos entram na lista, uma grande oferta de belezas naturais, patrimôsem falar no básico, como saneamento e segunio cultural, arquitetônico, rança pública. “A Copa não gastronomia, que ficam é a solução para todos os hoje em segundo plano problemas do Brasil, mas no desenvolvimento da será uma grande oportuniatividade turística. Somos dade de darmos um salto um povo acolhedor, com à frente no nosso turismo”, um estilo de vida moderno resume Marcelo Pedroe heterogêneo, capaz de so, diretor de Produtos atrair visitantes de qualquer e Destinos da Embratur, parte do planeta”, argucopiando fala do ministro menta Pedroso. O que pode do Turismo, Luiz Barretto. ficar para depois de 2014 é A Copa é um dos maioo legado de uma imagem res eventos de marketing do mais consistente do país. planeta – apenas os Jogos

“Os próximos 12 meses serão a hora da verdade”

PREVISÃO DE INVESTIMENTOS São Paulo R$ 36,44 bilhões Fortaleza R$ 9,4 bilhões Porto Alegre R$ 6 bilhões Rio de Janeiro R$ 5,9 bilhões Curitiba R$ 4,9 bilhões

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Aquarela 2014

Novos roteiros e produtos à espera de infraestrutura

Pavilhão de Feiras / Governo do Estado do Ceará / maquete

À medida que os governos nordestinos concretizarem os investimentos estruturais necessários ao megaevento esportivo, a chances de haver um reposicionamento de imagem vão se elevando. “Dentro dos tradicionais destinos de sol e praia nordestinos - e aí estão Fortaleza, Natal, Recife e Salvador – se houver melhoria na infraestrutura, abrem-se as oportunidades de implantação de novos roteiros e produ-

500 milhões de visitantes estrangeiros são aguardados no Brasil em 2014. Em 2008, o país recebeu 6,5 milhões de estrangeiros. Em 2012, será o grande alvo de curiosidade da imprensa internacional 10

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tos turísticos”, comenta Pedroso. Ele fala, entre outras coisas, de melhoria de estradas, abastecimento de água e saneamento básico, construção de equipamentos como centros de convenções, recuperação de patrimônio histórico e arquitetônico. “Assim, o Nordeste ganharia novos produtos ligados ao ecoturismo, turismo de aventura, negócios e eventos, por exemplo. Enfim, seria uma região recolocada no mercado com capacidade de atrair maior público e com perfil diversificado”, acrescenta o diretor da Embratur. Com foco na promoção internacional, a Embratur está revisando seu planejamento estratégico para lançar o Aquarela Brasil 2014, um plano de marketing turístico do país para a Copa. “Estamos realizando pesquisas com turistas potenciais e reais, cruzando informações de formadores de opinião, sobretudo de São Paulo e do Rio de Janeiro, para subsidiar essa estratégia de reposicionamento de mercado”, explica. Em 2008, o país recebeu 6,5 milhões de estrangeiros. As estatísticas oficiais do Ministério do Turismo (MTur) mostram que hoje o maior fluxo internacional vem dos vizinhos do Mercosul e América Latina, mais alguma coisa dos Estados Unidos e Europa, neste último caso, leia-se, países emissores como Itália, Portugal, Alemanha e França.

“Dentro dos tradicionais destinos de sol e praia nordestinos – e aí estão Fortaleza, Natal, Recife e Salvador – se houver melhoria na infraestrutura, abrem-se as oportunidades de implantação de novos roteiros e produtos turísticos” Marcelo Pedroso, diretor de Produtos e Destinos da Embratur Os destinos preferidos dos “gringos”, conforme Pedroso, dependem da motivação da viagem: “São Paulo é mais procurada por quem vem a negócios; Rio, a lazer. E, você tem o Nordeste, cidades como Fortaleza se destacando pela proximidade com a Europa e os Estados Unidos, o que facilita os voos e conexões internacionais, de Portugal, Espanha, Argentina, entre outros emissores”, diz. Pensando na Copa, os aeroportos nordestinos podem ser um grande gargalo, sobretudo o de Fortaleza, que passará por uma nova ampliação até 2014.


R$ 80 bilhões em obras

Atraso no cronograma e falta de planejamento nos estados e municípios De acordo com pesquisas da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV), os investimentos em infraestrutura e serviços previstos para a Copa do Mundo de 2014 chegam perto de R$ 80 bilhões. Da construção de estádios ao treinamento de voluntariado, passando por temas como reformas de aeroportos, capacidade hoteleira, sistemas de segurança e meios de acesso, dentre outros, espera-se a geração de milhares de empregos. O governo federal já anunciou que R$ 3 bilhões estão garantidos para os investimentos em obras do Mundial de Futebol. Mais adiante, será lançado um pacote intitulado PAC da Copa (Programa de Aceleração do Crescimento), segundo o ministro das Cidades, Márcio Fortes. Para o presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Engenharia Consultiva (Sinaenco), José Roberto Bernasconi, os recursos anunciados pelo governo federal são válidos, mas só para o começo. “Não devemos esquecer que já estamos atrasados para a Copa”, acrescenta. Ele observa que prefeituras e governos estaduais das 12 cidades-sede calculam que o custo das obras de preparação do Brasil para a Copa chegará a exatos R$ 79,4 bilhões. Esse montante envolve desde a construção e reforma de estádios até a instalação de linhas de metrôs bondes, ônibus, obras de saneamento básico e várias outras. O maior investimento vem de São Paulo; nada menos do que R$ 36,44 bilhões, nos próximos cinco

“Não devemos esquecer que já estamos atrasados para a Copa” José Roberto Bernasconi, presidente do Sinaenco

anos. Em seguida, aparecem Fortaleza, com R$ 9,4 bilhões, Porto Alegre (R$ 6 bi), Rio de Janeiro (R$ 5,9 bi) e Curitiba (R$ 4,9 bi). As informações não foram detalhadas pela maioria dos governos, podendo ser consideradas projeções de gastos, já que a maioria dos projetos ainda não chegou à fase executiva. Em entrevista a um jornal cearense, Bernasconi cobrou ação rápida do poder público, para que elabore sua ordem de obras prioritárias,

contrate os projetos de arquitetura e engenharia e parta em busca da verba necessária. Fundamental neste processo, esclarece, “é listar, organizar o rol de necessidades de cada cidade e região metropolitana, para então poder qualificar, entender o que é, de fato, prioritário”. Segundo Bernasconi, ao governo caberá coordenar, gerenciar todo o processo, a começar pelo planejamento da contratação dos projetos. E estes precisarão ser bem detalhados. “Planejar é preciso. Se fizermos as obras da Copa de maneira amalucada, ficaremos com uma manada de ‘elefantes brancos’. Os próximos 12 meses serão a hora da verdade”, alerta o presidente do Sinaenco.

Investimentos previstos para a Copa do Mundo de 2014 chegam perto de R$ 80 bilhões. O governo federal já anunciou que R$ 3 bilhões estão garantidos

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Fortaleza ganhará Centro Olímpico, Arena Multiuso e Pista de Atletismo O Estádio Governador Plácido Castelo, mais conhecido como Castelão, será o palco dos jogos sediados em Fortaleza (CE). Inaugurado em 1973, será fechado pela primeira vez para ser reformado a fim de suprir os critérios exigidos pela FIFA. O projeto contempla a cobertura de todos os 53 mil lugares e a construção de um estacionamento subterrâneo para mais de quatro mil veículos. O estádio, que já comportou 100 mil pessoas, terá sua capacidade reduzida. As principais necessidades são a criação de mais espaço para a imprensa e o aumento da oferta de estacionamento. O objetivo é fazer não somente uma arena de futebol, mas garantir sua utilização também como centro de várias modalidades olímpicas. O projeto contempla ainda a construção de hotel, shopping Castelão / Secretaria de Esporte do Ceará center e centro de convenções no mesmo complexo em que estará a arena. Estas obras estão orçadas em cerca de R$ 400 milhões e o governo procura parcerias para o custeio. Pretende-se construir uma linha de trem que ligue o estádio ao Aeroporto Internacional Pinto Martins, que também passará por reformas. As obras estão previstas para começar após o Campeonato Estadual de 2010 e serão necessários três anos para a finalização.

PROJETOS Conheça as obras Estádio das Dunas / Arquivo Hok

Natal terá um novo estádio com projetistas de Wembley e Sidney O projeto para a Copa de 2014 em Natal (RN) prevê a demolição do Estádio Machadão, inaugurado em julho de 1972, e, em seu lugar, a construção da Arena das Dunas, com capacidade para 45 mil torcedores. Todos os lugares serão cobertos. O projeto é do mesmo escritório de arquitetura inglês responsável pelo novo Wembley na Inglaterra e pelo Estádio Olímpico de Sidney, na Austrália. Ao lado do estádio serão construídos um ginásio, um shopping center, edifícios comerciais, um hotel e os prédios em que funcionarão as administrações do Governo do Estado e da Prefeitura de Natal. Os estacionamentos ficarão a 800 metros da Arena das Dunas e terão capacidade para 7.200 veículos. As obras do complexo estão orçadas em R$ 300 milhões. Serão necessárias parcerias para o custeio do projeto. A entrega da obra deverá ocorrer até março de 2013.

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Recife espera novo bairro em torno de arena O projeto de Recife (PE) para a Copa de 2014 prevê não apenas a construção de um novo estádio, mas também a composição de um novo bairro em torno da arena. As obras estão programadas para o início de 2010. O nome do projeto é Cidade da Copa e contempla cerca de nove mil unidades habitacionais, um hospital público e uma escola técnica. A ideia do governo de Pernambuco é construir, ainda, uma estação de metrô no local, para facilitar o deslocamento dos torcedores e dos moradores do novo bairro. O custo do projeto é estimado em R$ 1,6 bilhão, mas sua finalização se dará somente em 2017. Cidade da Copa / Comitê do Recife 2014 O governo estadual enfatiza que não será usada verba pública para a construção do estádio, que deverá ficar pronto no final de 2012. O custo da arena pernambucana, com capacidade para 46.150 torcedores, está avaliado em cerca de R$ 500 milhões. Para tanto será necessário que um dos três maiores times da cidade – Sport, Náutico ou Santa Cruz – adote o estádio como sua nova casa. O projeto prevê cinco tipos de arquibancadas e um estacionamento com seis mil vagas.

obras previstas no NE Fonte Nova / www.copa2014.org.br

Salvador fará ressurgir Fonte Nova para 55 mil torcedores A principal obra da capital baiana será o novo Estádio Octávio Mangabeira, a popular Fonte Nova, orçado em aproximadamente R$ 400 milhões. O governo baiano busca parceiros para realizar as obras, que deverão ser iniciadas em janeiro de 2010 e concluídas até dezembro de 2012. O estádio terá capacidade para 55 mil torcedores. O projeto prevê a manutenção das características originais da arena. Ao lado do estádio, serão construídos prédios que comportarão estacionamento, um shopping e uma casa de shows. A cidade já dispõe, desde janeiro de 2009, de um luxuoso campo de treinamento para as seleções que jogam na capital baiana. Serão gastos cerca de R$ 2 bilhões em obras de infraestrutura, que, entre outras melhorias, colaborão com a mobilidade urbana por meio de intervenções como a construção de uma via expressa que ligará a Rodovia BR 324 à zona portuária, na Cidade Baixa. Agosto/2009

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Matéria de capa Entrevista Lira Neto

O ENIGMA CÍCERO PODER, FÉ E GUERRA NO SERTÃO

A biografia Padre Cícero: Poder, Fé e Guerra no Sertão, do jornalista e escritor Lira Neto, configura-se na grande expectativa editorial deste final de 2009, em todo o País. Após dois anos e meio de trabalho dedicado ao projeto, que tem década de existência, o autor revela nuances de uma verdadeira trajetória de aventuras. Isso mesmo. Afinal, lançar o espírito para dar conta de biografar Cícero Romão Batista não pode se consubstanciar em outro tipo de feito que não os daqueles comparáveis às grandes façanhas e excepcionalidades. É preciso muita competência e maestria para enxergar, com ineditismos e riscos inerentes, as multidimensões de um alucinante fenômeno da fé, da história, da política, de imanência dos dramas humanos, suas virtudes e misérias. Na entrevista exclusiva à revista Nordeste VinteUm, Lira Neto se resigna e diz que muito ainda precisa ser dito e escrito sobre a humana e radical complexidade encarnada e desencarnada dessa figura tida como “o santo nordestino”, “o patriarca do sertão”, “líder espiritual” e “chefe político”, “milagreiro, sábio e profeta”, “sertanejo”, “homem (in)comum” 14

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balhou como professor de História, Redação e Literatura em vários colégios. Pelas redações da capital cearense, sua mira começou como revisor do Diário do Nordeste. Posteriormente, transferiu-se para o jornal O Povo. Ali, ele ocupou entre outras funções as de repórter especial, editor de cultura e ombudsman. Após uma passagem relâmpago como assessor de comunicação do Governo do Ceará, radicou-se na cidade de São Paulo. Tem artigos, entrevistas e reportagens publicados em alguns dos principais jornais e revistas do Brasil. Além de jornalista e escritor, também é editor de livros. Já trabalhou como coordenador editorial de duas editoras: Edições Demócrito Rocha (Fortaleza) e Contexto (São Paulo). Suas outras obras são Maysa: Só numa multidão de amores (Editora Globo, 2007); Castelo: A marcha para a ditadura (Contexto, 2004) – Biografia do ex-presidente Humberto de Alencar Castello Branco; A herança de Sísifo: Da arte de carregar pedras como ombudsman na imprensa (Edições Demócrito Rocha, 2000); e O Poder e a Peste: A vida de Rodolfo Teófilo (Edições Demócrito Rocha, 1999).

divulgação

QUEM É LIRA NETO. A fina escrita de Lira Neto já foi agraciada em 2007 com o Prêmio Jabuti de Literatura, na categoria melhor biografia do ano, pelo livro O inimigo do Rei: Uma biografia de José de Alencar ou a mirabolante aventura de um romancista que colecionava desafetos, azucrinava D. Pedro II e acabou inventando o Brasil (Editora Globo). O extenso subtítulo da obra é uma referência à estética do folhetim do século XIX. Hoje, célebre contador de histórias, Lira Neto é um técnico em Estradas que não errou o caminho em busca de duas paixões: o jornalismo e a literatura. Técnico em Topografia formado pela antiga Escola Técnica Federal do Ceará, aprumou mesmo seu teodolito foi no rumo das letras. No início dos anos 80, ainda em Fortaleza, escreveu e publicou poesia alternativa. Foi um dos principais nomes da chamada “poesia marginal” do Ceará. Cursou Filosofia, Letras e Jornalismo, e ainda tra-

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Nordeste Vinte Um – Onde, quando, como, por que surgiu a idéia de realizar a biografia? Lira Neto – Alimentava a idéia deste livro há pelo dez anos. Na verdade, pensei em escrevê-lo antes mesmo de meu primeiro trabalho, O Poder e a Peste: A Vida de Rodolfo Teófilo, lançado em 1999. Felizmente, não o fiz, àquela época. Foi preciso dar tempo ao tempo, maturar o propósito inicial, ganhar a confiança necessária para poder encarar um personagem tão complexo e, ao mesmo tempo, tão fascinante. Ao longo de toda uma década, fui mergulhando cada vez mais fundo na história de Cícero. Juntei material, devorei a vasta bibliografia a respeito do assunto, construí fontes preciosas, dentro e fora da Igreja. Só quando terminei de escrever Maysa, após ter publicado as biografias de Castello Branco e José de Alencar, finalmente senti-me apto a encarar o enorme desafio de escrever sobre Cícero. NVU – O que era a figura, o mito, o fenômeno Padre Cícero na cabeça do jornalista e escritor Lira Neto antes e durante suas pesquisas? LN – Como talvez ocorra com muita gente, eu imaginava que já sabia tudo sobre a história de Cícero. Confesso que, no início, alimentava uma idéia um tanto quanto simplista do personagem, talvez muito influenciado pelas leituras de juventude, por aquelas tentativas teóricas que, nos anos 70, procuraram explicar Juazeiro pelo viés de um marxismo tão automático quanto vesgo. Mas, essa noção se desvaneceu logo que comecei a me familiarizar com os documentos, com a bibliografia mais recente, com a consulta às fontes primárias. NVU – O que ficou marcado, em sua essência, das percepções sobre o personagem após o ponto final? LN – Restou em mim a certeza de que Cícero continuará sendo um personagem de riqueza inesgotável para jornalistas, historiadores e sociólo-

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“Alimentava uma ideia um tanto quanto simplista do personagem, talvez muito influenciado pelas leituras de juventude, por aquelas tentativas teóricas que, nos anos 70, procuraram explicar Juazeiro pelo viés de um marxismo tão automático quanto vesgo” gos. O que me mobiliza, ao escrever uma biografia, é a aventura de palmilhar o universo de contradições do biografado. Nesse sentido, Cícero oferece uma seara generosa para o gênero. Ao longo das mais de 550 páginas do livro, ecoa por trás de cada parágrafo, de cada frase, de cada linha, a mesma e inevitável pergunta: afinal, quem é verdadeiramente este homem? Um visionário ou um dissimulado? Como sempre, não pretendi dar respostas prontas ao leitor. O trabalho do biógrafo é, essencialmente, humanizar o biografado, buscar o homem que existe atrás do mito. E, nós, seres humanos, somos deliciosamente imperfeitos. Cícero, claro, não foge à regra. NVU – 75 anos depois, qual foi o Padre Cícero mais atual que você descobriu pelas ruas de Juazeiro do Norte, uma cidade tida como “o verdadeiro milagre” do padre? LN – Quem chega a Juazeiro do Nor-

te pela primeira vez poderá vir a entender o culto a Cícero como mera obra do fanatismo – o casamento da devoção mais sincera com a mais perigosa ignorância. Mas, um olhar mais atento e uma problematização mais aguda do fenômeno perceberá ali nuances insuspeitos à primeira vista. Existe no espaço das romarias a demonstração de uma fé indomada e espontânea, que não se deixa ritualizar e domesticar nos formatos oficiais da crença institucionalizada. Por isso, encaro com muita curiosidade o discurso dos que hoje, dentro da Igreja Católica, pregam a chamada reabilitação de Cícero. Para o romeiro, aquele que acredita que Cícero Romão Batista é santo, independentemente do que dizem padres ou bispos, essa é uma questão bizantina. Outro aspecto que me chama a atenção é a verdadeira guerra santa promovida pelos evangélicos, que resolveram investir pesado na conversão de fiéis no próprio território das romarias. O bispo do Crato, dom Fernando Panico, já afirmou que Cícero é um “antivírus” contra os neopentecostais. A frase acirrou ainda mais os ânimos. A questão real da reabilitação passa exatamente por aí. É isso que está em jogo para a Igreja Católica: é contraproducente deixar à margem da liturgia a memória de um homem que, morto há 75 anos, até hoje arrasta multidões e promove peregrinações em massa, exatamente no momento em que os evangélicos partem para uma ofensiva radical. NVU – Que fundamentais diferenças ou semelhanças de percepção sobre este personagem você pode constatar entre o povo, as academias, os pesquisadores amadores e profissionais (dos mais céticos aos mais idólatras), historiadores e antropólogos nacionais e estrangeiros? LN – Cícero é um personagem que desperta amores extremos e ódios exacerbados. Já se gastaram toneladas de papel e tinta para se tentar santificá-lo e, também, para demo-


“Cícero é um personagem que desperta amores extremos e ódios exacerbados. Já se gastaram toneladas de papel e tinta para se tentar santificá-lo e, também, para demonizá-lo. Bobagem. Sempre será uma tarefa inglória tentar colocar Cícero em um escaninho fechado, rotulá-lo” nizá-lo. Bobagem. Sempre será uma tarefa inglória tentar colocar Cícero em um escaninho fechado, rotulá-lo disso ou daquilo, classificá-lo como um santo imaculado ou um diabo em forma de gente. Cícero, com todos os seus talentos, fraquezas e motivações, é alguém inclassificável. Isso é que faz dele o biografado que todo biógrafo pediu a Deus. Ou ao Diabo? NVU – Como você já sublinhou, em outra entrevista: “Com suas virtudes e defeitos cotidianos, com todas as suas inevitáveis imperfeições e contradições humanas. É isso que faz dele um personagem fascinante. Aliás, a ideia de que a ‘santidade’ é sinônimo de perfeição é absolutamente equivocada. Os santos, como todos nós, amargaram vitórias e derrotas íntimas, típicas da eterna batalha do indivíduo consigo mesmo. Com Cícero, não podia ser diferente.” Portanto, deslocando-se um pouco o foco daquela figura permanentemente de batina das fotografias posadas, das estátuas e das raras películas do início do século: quem era esse cara sertanejo de família pobre, nascido e criado no Crato, lá no oco do mundo do remoto Cariri cearense, que se deslocava em lombo de jumento e carroça pelo sertão, que de repente (ou não?), surge para se projetar para perturbação dos sonos e das consciências institucionais (eclesiásticas, políticas, econômicas, sociais, ideológicas, etc)? LN – A amiga Maria do Carmo Pagan Forti, doutora em Ciência das Religiões, autora de uma obra fundamental sobre padre Cícero e sobre a beata Maria de Araújo, leu, em primeira mão, os originais do livro e, ao final, mandou-me um e-mail comovente. Entre outras coisas, ela dizia que, durante a leitura, sentiu que quase podia tocar no padre, perceber o roçar de sua batina, apertar-lhe a mão. Para um escritor que procura, acima de tudo, levar o leitor para dentro da cena, não pode haver maior elogio. Espero que cada leitor possa ter a mesma sensibilidade de Maria do Carmo e, assim, deixar-se conduzir pela narrativa ao ponto de sentir-se parte integrante dela. Em vez de satisfazer sua pergunta, prefiro também que, ao terminar de ler a biografia, você possa tentar respondê-la sozinho... NVU – Padre Cícero estava em busca da beatitude ou do reforço de idolatrias, de existenciais sublevações (individuais ou coletivas)? Era um maluco ou um sábio? Um analfabeto alucinado ou um homem de letras, que, já bem cedo, deslocou-se das visões de mundo imperantes naquelas agrestes multidões de ágrafos? Agosto/2009

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“Meu livro não pretende, nem de longe, ser uma explicação definitiva de Cícero. Apenas procurei reconstituir os principais momentos de uma vida arrebatadora que, em certos instantes, parece ter saído da cachola de um ficcionista em estado de delírio.” LN – O que eu disse antes também vale aqui. Leiam o livro e busquem as respostas. Mas não me culpem se, ao final da leitura, restarem ainda mais dúvidas do que certezas... NVU – Até que ponto você acredita que sua obra irá contribuir para desmistificar os aspectos mais controversos acerca da figura do padre, do político, do “coronel”, do santo popular, do homem comum, do sábio clarividente, do profeta, do devoto? LN – Insisto: meu livro não pretende, nem de longe, ser uma explicação definitiva de Cícero. Apenas procurei reconstituir os principais momentos de uma vida arrebatadora que, em certos instantes, parece ter saído da cachola de um ficcionista em estado de delírio. NVU – Em algum momento de suas apurações e da composição textual, você deve ter vivenciado expressivos e delicados dilemas ao remexer com fatos, versões, documentações e depoimentos sobre um personagem/ fenômeno que fascina legiões além fronteiras. Em que pontos a rechecagem teve que ser exaustiva? LN – Sou essencialmente um repór-

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ter. Assim, meu método é o da reportagem. Escrevo uma biografia como quem escreve uma matéria jornalística de grande fôlego. Logicamente, cada informação contida no livro é minuciosamente checada. Tive acesso a cerca de 900 cartas de época, além de documentos eclesiásticos pouco ou nunca publicados. O cipoal de informações era infindável. O grande trabalho foi organizar tudo isso em uma narrativa fluente e atraente para o leitor. Afinal, não escrevo para uma banca acadêmica, para meia dúzia de especialistas, para enfeitar o currículo com mais um título. Escrevo para ser lido, para que as pessoas se surpreendam, se encantem, se apaixonem. Sou um mero contador de histórias. E, sinceramente, nunca me deparei com uma história mais fantástica do que a de Cícero. NVU – Quais os instantes ou fases do projeto em que pode ter havido maiores receios ou cuidados especiais de remontagem narrativa no sentido de evitar leituras feridas, agastadas, melindradas pelo sentimento de devoção religiosa ou que fossem capazes de provocar um rechaço de setores da Igreja, da po-

lítica, dos meios acadêmicos, das próprias fontes de pesquisa? LN – Um jornalista não pode se preocupar com os melindres de quem quer que seja. Por isso, senti-me absolutamente livre para escrever sobre Cícero. Não devo absolutamente nada à Igreja ou à academia. Tenho um profundo respeito pela devoção dos romeiros, mas isso não me impediu de trabalhar os aspectos mais problemáticos da vida de Cícero, especialmente na sua controversa relação com a política. Quanto às fontes, meu principal compromisso com elas sempre será o da honestidade e o do rigor da informação que produzo com base nos elementos que elas me puseram à disposição. NVU – Por onde fluíram melhor ou pior as etapas de investigações? Quantas pessoas, viagens, entrevistas e tempo para escrever foram necessários? LN – Tive muita sorte em contar com aliados fundamentais nesse livro, sem os quais jamais o teria escrito. Entre eles, destaco o professor Renato Casimiro, dono de um acervo inacreditável sobre Juazeiro e que foi meu generoso cicerone pelas pelejas, veredas e histórias do Cariri. O pesquisador Daniel Walker, outro grande conhecedor do assunto, também sempre me atendeu com entusiasmo e presteza. Incontáveis vezes importunei Renato e Daniel, por e-mail ou telefone, em busca de uma informação, de um detalhe, de uma minúcia que me ajudasse a contar melhor certos trechos da história de Cícero. Escrevi este livro em dois anos e meio de trabalho, embora, como disse no princípio, o projeto venha de uma década atrás. Ao contrário do que ocorreu com a biografia de Maysa, para a qual fiz cerca de 200 entrevistas, este novo livro foi escrito com base em fontes documentais. A coluna vertebral da obra são as cerca de 900 cartas que consultei no arquivo da Diocese do Crato, cujas cópias escaneadas me foram gentilmente


cedidas pelo padre e historiador Roserlândio de Sousa, coordenador do Departamento Histórico Diocesano Padre Gomes. Naquelas cartas, a história pulsa, os acontecimentos saltam aos olhos, como se estivessem ocorrendo hoje. NVU – Qual o grande diferencial a assinalar entre sua obra e as demais, que conseguirá, em 500 páginas, ofertar uma maior quantidade de informações capazes de levar o leitor a um melhor juízo? LN – Existem grandes trabalhos acadêmicos sobre Cícero, como é o caso de Milagre em Joaseiro, de Ralph Della Cava; A Terra da Mãe de Deus, de Luitgarde Oliveira Cavalcanti Barros; Marretas, Molambudos e Rabelistas, de Marcelo Camurça, Maria do Juazeiro: A Beata do Milagre, de Maria do Carmo Pagan Forti. Todas essas, citadas assim de memória, são obras fundamentais. Mas, existem outras. Mesmo livros que apostaram numa tentativa de simples desconstrução do personagem, como é o caso de Padre Cícero: Mito e Realidade, de Otacílio Anselmo, são essenciais para quem quer que se debruce sobre o assunto. A diferença é que meu livro é um livro de jornalista, uma obra narrativa, uma reportagem biográfica, não-acadêmica, que busca levar a informação histórica a um público mais vasto. Em artigo recente publicado no caderno Mais! da Folha de S. Paulo, o historiador Boris Fausto reconheceu que as biografias escritas por jornalistas fazem avançar o conhecimento histórico do grande público, a quem ele também reconhecia que os historiadores poucas vezes alcançam. “A boa biografia encerra uma lição para os historiadores, ao oferecer uma narrativa em estilo límpido, sem os cacoetes do jargão disciplinar”, dizia Fausto. “Essa virtude não é pequena, se a gente se lembrar que, sem conter uma narrativa atraente, a biografia fracassa”, ele concluía. Se é um historiador que diz isso, não sou eu, um jornalista, que dirá o contrário.

“antivírus” contra os evangélicos... As voltas que o mundo dá...

“Quem chega a Juazeiro do Norte pela primeira vez poderá vir a entender o culto a Cícero como mera obra do fanatismo – o casamento da devoção mais sincera com a mais perigosa ignorância. Mas, um olhar mais atento e uma problematização mais aguda do fenômeno perceberá ali nuances insuspeitas à primeira vista” NVU – Para a Igreja de Roma, quem foi, é e será Padre Cícero Romão Batista? LN – Cícero, para a Igreja, foi um sujeito incômodo à época. Hoje, ele se faz necessário, é considerado o tal

NVU – Do outro lado do oceano, temos muito mais a saber sobre o padre? LN – O livro traz citações de documentos que estão guardados a sete chaves no arquivo secreto do Vaticano. Esses documentos foram de grande utilidade para se esclarecer alguns pontos obscuros da história. Mas, por enquanto, não posso adiantar muito. Nem revelar como vieram parar na minha mão. Em novembro, Padre Cícero: Poder, Fé e Guerra no Sertão estará em todas as livrarias do país. Aguardem... NVU – O que a radicalidade humana da existência de Cícero Romão Batista retirou e acrescentou em Lira Neto como homem e escritor? LN – Escrever sobre Cícero me ensinou, quando menos, que a realidade é sempre mais surpreendente que qualquer ficção. A propósito, utilizo como epígrafe do livro uma frase genial de Gay Talese: “O realismo é fantástico.” NVU – Quais os próximos desafios a escolher em “jornalismo literário”? Ou você já foi “escolhido” por algum e ainda não revelou a ninguém? LN – Estou em conversas com meu editor, Luiz Schwarcz, a respeito do próximo livro. Por enquanto, é segredo absoluto. Não confesso nem sob tortura.

Em primeira mão – O grande biógrafo das polêmicas Jornal O Liberal, de Belém – PA (Edição de 27/09/2008) — Você tem lido? Se sim, o que ou quem? Fernando Morais — Estou tendo o privilégio de ler em primeira mão os originais de uma grande biografia que vem por aí: ‘Cícero’, a história do padre Cícero escrita pelo jornalista Lira Neto, um craque consagrado, entre outras, pelas biografias do marechal Castelo Branco e da cantora Maysa. Jornal O Povo, Fortaleza, CEará – (Edição de 05/07/2009) “Serão cerca de 150 fotos, além de fac-símiles de documentos e de jornais de época, inclusive charges em que Cícero é o personagem principal. Uma delas, aliás, publicada por um jornal pernambucano do século XIX, os leitores saberão, provocou a justificada ira do padre.” (Lira Neto)

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QUATRO PRÊMIOS ABERJE PARA O BNB O Banco do Nordeste do Brasil (BNB) foi o maior vencedor do Prêmio Aberje 2009 – regiões Norte e Nordeste –, sendo agraciado em quatro das cinco categorias que disputou nessa fase da premiação. A Petrobras, segunda mais premiada, foi a melhor em duas categorias. Os vencedores regionais concorrem ao Prêmio Nacional, em São Paulo. A divulgação dos premiados nacionais está prevista para o dia 8 de outubro. Publicado no site da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje), entidade que promove o concurso há 35 anos, o resultado aponta como vencedores os seguintes produtos do BNB: revista Conterrâneos (Gestão de Mídia Impressa), Campanha Crediamigo 10 anos (Comunicação de Marca), o vídeo A Outra Carta (Gestão de Mídia Audiovisual) e o jogo virtual “O Risco” (Gestão de Mídia Digital). De acordo com o gerente do Ambiente de Comunicação do BNB, Maurício Lima, dos quatro trabalhos premiados, três foram produzidos pela própria equipe do Banco. “A premiação é o reconhecimento do mercado ao excelente trabalho desempenhado pelos profissionais de comunicação do Banco do Nordeste”, destacou. O Prêmio Aberje visa fortalecer a visão estratégica da comunicação, por meio do estímulo, do reconhecimento e da divulgação de esforços e iniciativa da área. O concurso é considerado um dos mais importantes do País no âmbito da comunicação empresarial.

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Comissão organiza Centenário de Juazeiro do Norte

Fundada pelo Pe. Cícero Romão Batista, Juazeiro do Norte (CE) completa em 22 de julho de 2011, 100 anos de existência. A menos de dois anos da data, o prefeito da cidade, Manuel S ­ antana, já deu início aos trabalhos de construção da programação, com a instituição da Comissão Organizadora do Centenário. No início de setembro, a comissão realizou

em Fortaleza duas reuniões com professores da Universidade Federal do Ceará (UFC) e filhos de Juazeiro. A fase é de apresentação e acolhimento de propostas. A ideia inicial é que os festejos resgatem valores e definam novos rumos para o município. A comissão conta com um plano de ação geral e trabalha no sentido de fechar parcerias e patrocínios. De sua parte, a prefeitura sinaliza com obras e ações de melhoria de infraestrutura. Filho da terra, o reitor da UFC, Jesualdo Farias, anunciou que o campus da universidade no Cariri ofertará 10 cursos de graduação em 2010, todos com grande interface local. Ao todo, serão mais de 200 professores efetivos, 60 servidores técnico-administrativos e 1.500 alunos, configurando o maior projeto de expansão da UFC no Interior do Estado.

Polo industrial alagoano ganha 5 novas empresas

Alaplástica, Plastkit, Anjinomoto, Beira Rio e Tróia são as empresas que passam a operar em setembro no Polo Polo Multissetorial Governador Luiz

­ avalcante, no município de C Tabuleiro, em Alagoas. Juntas, elas devem gerar cerca de 600 empregos diretos e dois mil indiretos. Tabuleiro é o principal polo industrial do estado, fica na periferia de Maceió e a poucos quilômetros do Porto do Jaraguá. Surgiu com o objetivo inicial de reunir indústrias químicas. Hoje, também recebe empresas de setores variados, que se beneficiam da infraestrutura de estradas e da energia existente.


Eduardo Campos e o pré-sal “Não queremos o que já pertence aos outros três estados e aos 200 municípios beneficiados hoje, mas garantir aos que nada têm hoje o direito de se colocar em igualdades de condições com os demais brasileiros”.

A frase é do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, para quem é fundamental preservar o modelo atual para os estados que já participam da partilha dos royalties do petróleo, mas também mudar radicalmente a legislação sobre a partilha do pré-sal. Segundo o pernambucano, o debate do pré-sal é uma oportunidade e algo que deve ser travado com coragem, mas com bom senso. “O Brasil precisa sair mais rico, mas também mais justo e mais igual”, disse.

NEGÓCIOS NA LÍNGUA PORTUGUESA REÚNEM MIL EMPRESÁRIOS NO CEARÁ O V Encontro Empresarial de Negócios na Língua Portuguesa (V EENLP) acontece em setembro em Fortaleza. Reune cerca de mil empresários, nacionais e estrangeiros, com o objetivo de fomentar as relações comerciais e diplomáticas na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), formada por oito nações (Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste). A edição ampliou o encontro para os demais países da Comunidade. O presidente do Conselho das Câmaras Portuguesas de Comércio no Brasil (CCPBC), Rômulo Alexandre Soares, explica que o formato atual com os oito países

obedece a um imperativo histórico e econômico. Segundo a Conferência das Nações Unidas para o Comércio (Unctad), o comércio entre os países da CPLP ainda tem muito para crescer. O volume de negócios é de aproximadamente 13 bilhões de dólares e o total das trocas internacionais com o restante do mundo superior a 550 bilhões de dólares.

Conferência de Copenhague:

Brasil será protagonista

O Brasil será protagonista na Conferência Internacional das Mudanças Climáticas da ONU (COP 15), que acontecerá em dezembro, em Copenhague (Dinamarca). A afirmação é do ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc. Para eles, “apesar de todas as dificuldades, o Brasil tem mostrado ao mundo que é possível conciliar desenvolvimento com preservação ambiental”. A Comissão Mista sobre Mudanças Climáticas do Congresso designou 13 parlamentares que irão participar da COP 15. Entre os deputados, José Guimarães (PT-CE), que articulou a realização do seminário da Comissão Mista intitulado “Mudanças Climáticas e Desertificação no Ceará”, na Assembléia Legislativa do Estado para o fim de setembro. Guimarães dá um dado alarmante. Segundo ele, 40% do território cearense passa por processo de desertificação acelerado. Na opinião do deputado, a Conferência de Copenhague será importante porque, entre outras discussões, vai estipular o limite a ser respeitado pelas nações industrializadas nas suas emissões de gases causadores do efeito estufa até 2020.

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Entrevista Melquíades Pinto Paiva

A PRÓPOSITO DO BANDITISMO DE VIRGULINO

MEMÓRIAS DE UM NA ECOLOGIA Nordeste do Brasil, inícios do século XX. Largos lapsos de tempos cruéis. Hostilidades ambientais à parte? É óbvio que não. Os sertões da caatinga e do cangaço de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, na verdade, interagiam muito bem, mas nunca deram vida fácil a ninguém. Na ambiência natural e humana desse bioma exclusivamente brasileiro, de 850 mil quilômetros quadrados, quem fosse mole que se quebrasse. Para os mais pobres dotados de alguma inteligência e sagacidade, o bem e o mal vertidos em duas únicas saídas: a entrega de corpo e alma aos caminhos da beatitude ou ao estabelecimento de uma relação de conluio e violência com o coronelismo, único poder vigente mato adentro. Na composição desse quadro, o cientista Melquíades Pinto Paiva, autor do livro Ecologia do Cangaço (Editora Interciência, 2004), dá pinceladas marcantes de memória pessoal e saber como biologista Por Wilton Bezerra Júnior / Entrevista a Francisco Bezerra redacao@nordestevinteum.com.br

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M “INVULTADO” DO CANGAÇO A

ntes de tudo um nordestino, esse engenheiro agrônomo e especialista em Ictiologia, doutor em Ciências pelo Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), é um cearense de Lavras da Mangabeira, hoje radicado no Rio de Janeiro, que, aos 79 anos, carrega lembranças de sua mãe a cavar buracos para esconder jóias. Motivo: a cidade era ameaçada pela chegada de cangaceiros. A obra de Melquíades tem quatro capítulos, um glossário de nomes vulgares, bibliografia comentada e iconografia. É acessível a todos que se interessam pelo tema do cangaço e suas relações com a caatinga. Ele delimita e classifica as áreas de atuação

dos bandos, setores de atividade, de recrutamento, de repouso e de fuga. Também descreve a origem das pessoas na saga do cangaço, características físicas e culturais. Com o Estado ausente, é na aridez de um ecossistema marcado secularmente pelas gritantes desigualdades sociais, que uma figura se destacou em avocar para si uma espécie de domínio paramilitar em uma área nada menor do que 273 mil quilômetros quadrados. Distribuída em sete estados nordestinos, a delimitação do “terreno” é do próprio Lampião, excetuando apenas o Maranhão e o Piauí. Em certa medida, uma legítima “petulância”, pois os cangaceiros eram literalmente os “reis” daqueles

pedaços de terra. E nada de revolução ou ideologia. Aqueles pequenos exércitos particulares, compostos por gente de origem humilde, insurreta, irredenta e bem armada, conheciam a caatinga como ninguém. Assaltavam fazendas, seqüestravam coronéis, saqueavam comboios e armazéns e guerrilhavam com jagunços e a polícia, causando pavor nas elites e autoridades Nordeste afora. Perpetravam tais proezas porque, acima de tudo, sabiam dos locais adequados para descansar, das melhores rotas de fuga, onde existiam alimento e água, quais as plantas regionais de uso medicinal. E o principal: como usar a vegetação xerófila e o clima quente e seco para driblar as volantes policiais.

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chefia autoritária, violenta, muito dinheiro, associação com grandes grupos financeiros, pois quem financia a droga são os grandes grupos. São cobertos da melhor forma, os coronéis que financiavam Lampião são muito pouco conhecidos. E há um paralelismo muito grande entre o cangaço e o tráfico de drogas hoje. NVU — Ou seja, crime organizado? Quer dizer que o Lampião na época já seria, uma espécie de chefão do crime organizado? MPP — Foi. Ele foi para a zona rural e o Fernandinho Beira-Mar para a zona urbana. É um cangaço urbano, em outras palavras. Nordeste VinteUm — Como caracterizar Lampião? Herói ou bandido? Um mito? Melquíades Pinto Paiva — Com certeza, Lampião foi um nordestino dotado de uma inteligência acima, muito acima do normal. Eu chego a pensar que Lampião foi um gênio voltado para o mal. O Nordeste tem dado alguns gênios analfabetos. Lampião foi um deles. Luiz Gonzaga foi outro. Patativa do Assaré, meu querido amigo, foi outro. Então, para mim, Lampião foi um homem diferente e um gênio voltado para o mal, que montou uma rede de conexões com a população. Um serviço de informação praticamente perfeito para a época. Sobreviveu 20 anos corrompendo, matando, roubando e extorquindo. Bondade eu não encontro em Lampião. Raros momentos de coração mais doce, mas, no fim, violência contra o povo sertanejo, extorsão da riqueza acumulada na região, fator de atraso e de pobreza. NVU — Se Lampião fosse vivo hoje,

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em pleno século XXI, em que atual gênero de delinquência o senhor o enquadraria? Traficante, seqüestrador, assaltante de banco? Um Fernandinho Beira-Mar? MPP — Aliás, já existe um livro (minha memória já está terrivelmente pichada pela idade) de um engenheiro francês que viveu muito tempo aqui no Brasil. Inclusive fala e escreve português muito bem, e eu o conheço pessoalmente, o primeiro nome dele eu não recordo, mas é White, branco em inglês. E tem um livro fazendo exatamente essa comparação. No centenário de Lampião, quando eu apareci pela primeira vez, como cangaceiro manso, eu falei que as intervenções do cangaço, a lição que o cangaço nos deixou foi essa de organização para o mal, de bando para o mal, que hoje se especializou no tráfico de drogas e na violência inerente ao comércio ilegal de drogas. Essa ligação já é comum na literatura, junto aos estudiosos, e realmente o tráfico de drogas tem uma organização semelhante ao tal do cangaço. Uma

NVU — No século XVII, com o deslocamento do centro da economia para o sul, o sertão castigado pelas secas prolongadas viu as desigualdades sociais se agravarem. Nesse panorama, se consolida a figura do coronel, detentor do poder e da lei, que se considerava senhorio. Conflitos por posses de terra e delimitação geográfica das fazendas, além das rivalidades políticas, levaram estes senhores feudais a se cercarem de jagunços e cabras. O senhor acha que Lampião, também, não seria, um produto das crueldades desse meio? MPP — O que eu vejo em Lampião foi o seguinte: realmente o isolamento do Sertão ou a figura do coronel poderoso, que para se manter como tal, tinha que ter sua própria tropa, os cabras, os jagunços. E Lampião vem dessa massa humana de pequenos proprietários rurais. O pai dele era um pequeno subordinado ao coronelismo. Não tinha autonomia. Então, havia duas saídas para esses homens mais dotados de inteligência e de capacidade. Duas saídas para


a pobreza e a miséria do Nordeste. Era a da santidade, tornando-se beato, e a da maldade, tornando-se cangaceiro. Duas formas de projeção que existiam para a pobreza e para a massa anônima dos moradores do sertão. Só que nenhum dos dois que resistiram, veio a encontrar alternativa para não se tornar subserviente. Ou se tornarem coisas dos coronéis. Um deles se voltou contra os coronéis. Os beatos procurando uma vida extraterrena nunca prestaram muita atenção nas misérias, na violência, na pobreza, ao cordão de misérias que o coronelismo implantava. O cangaço foi financiado não só pela extorsão. Foi financiado e protegido por coronéis. Só que não eram todos, porque os cangaceiros vendiam serviços, os cangaceiros vendiam proteção. E compravam munição. Quem fornecia arma para o Lampião, para o cangaço? Era só a polícia, os comandantes corruptos? Não. Eram os coronéis que vendiam e faziam grandes negócios com o Lampião. NVU — Por que esta face do cangaço é tão pouco remexida? MPP — Há mesmo uma face obscura na história do cangaço que ninguém tem coragem de mexer. E eu não vou mexer não é por falta de coragem, não é falta de competência. É falta de tempo. Quem foram os grandes coiteiros de Lampião? Com certeza não foi o vaqueiro, não foi o morador miserável ou pequenos proprietários. Os grandes coiteiros foram os coronéis que faziam grandes negócios e a quem Lampião entregava o dinheiro. Dizem que Lampião entregava o dinheiro a coronéis amigos dele, para obterem juros, como agiotas. Eles eram agiotas. Outros dizem que ele entregava dinheiro para comprar as fazendas. Não podiam estar no nome

tempo. Ele já vinha sendo derrotado pela civilização, derrotado pelo progresso, derrotado pelo afastamento dos próprios coronéis. Essas grandes fazendas do Nordeste, compradas por grandes coronéis, toda a negociação foi feita com dinheiro roubado. Lampião nunca trabalhou, só quando era rapazinho, vivia tocando tropa de burro para Arco Verde.

Corisco e Roxinho, o cangaceiro Christino Gomes da Silva Cleto, o Corisco, e um dos seus asseclas, o jovem Roxinho

“A caatinga era a couraça que protegia o cangaço. O conjunto de coisas, de seres, de ambientes. Eles sabiam onde tinham as águas, as furnas, foi o primeiro bando que conseguiu sobreviver no Raso da Catarina (porção mais seca do território baiano). Conheciam as plantas, tudo. E ainda eram doutores, entre aspas, da caatinga. Como qualquer grande sertanejo” de Lampião, pois ele era um foragido, um marginal, estava fora da lei. Então, eram compradas no nome dos coronéis. Para eles, foi uma maravilha o Lampião ser morto. Inclusive, devem ter contribuído de alguma forma para isso. Não foi só o Getúlio querer mandar matar Lampião e as coisas se realizarem em tão breve

NVU — Lampião inclusive obteve um “título” de capitão porque haveria sido recrutado para se contrapor à coluna Prestes, que já adentrava o sertão nordestino. Até que ponto isso é mito ou verdade? MPP — Eu estava falando com um grande amigo meu que é doutor em Bioquímica e Microbiologia, mas é especialista em beato, lá do Juazeiro: professor Renato Casimiro. É um fato controverso, porque quem autorizou um ato desses está ainda escondido, sob a sombra de muita coisa. Agora é que se começa a falar que a decisão de se entregar uma patente a Lampião não foi de Padre Cícero. O padre foi apenas um meio na ausência de Floro Bartolomeu (médico baiano e face política do padre), que não pôde ficar em Juazeiro para receber Lampião. Foi convidado por ele (Floro), foi chamado por ele. Dizem que houve uma reunião lá, no Rio de Janeiro, com o comando do Exército, quando decidiram convocar esses combatentes marginais, esses sertanejos, anistia e patentes honorárias, em troca de serviços para combater a coluna. Não sei se a história é a verdadeira. Se fala agora sobre isso, e houve um conluio, uma reunião de altos generais. Bartolomeu era general honorário do Exército. Então fizeram foi corromper, sujar as fileiras do Exército brasileiro. Houve a inclusão de oficiais honorários, entre

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eles Lampião. NVU — E essa relação de Lampião com Padre Cícero? MPP — Lampião era um homem profundamente devoto. Como o sertanejo, em geral. E o Padre Cícero ligou-se muito ao povo pobre do interior. Era uma espécie de apoio para essa pobreza. Então é fácil explicar. Em segundo lugar, o Padre Cícero abrigou a família dele da violência da polícia. A família não tinha nada a ver. Qual era a culpa de ser irmã de Lampião? E, por isso, ser batida, judiada, maltratada? Então, as irmãs dele e o irmão, que não entrou no cangaço, se abrigaram em Juazeiro e quiseram proteção do padre. Agora, dizer que ele não atuou no Ceará não é uma verdade. O Ceará era a área de refúgio dele. Ele reservou o Ceará para a área de descanso. Ele descansava no Cariri, mas mesmo assim ele cometeu algumas graves violências. Eu lhe aconselho a procurar nas livrarias daqui. Tem uma livraria que representa a “Interciência” e tem meu livro, A ecologia do cangaço, no qual eu faço a classificação das áreas de atuação de Lampião e o Cariri cearense como

área de refúgio e repouso. NVU — E por que esse tema ligando o cangaço e a ecologia? MPP — O que é ecologia? É a relação dos seres vivos com o ambiente. Então, o cangaço foi um fenômeno social extremamente ligado à caatinga. Não foi exclusivo da caatinga porque houve cangaceiro no Nordeste e até na Zona da Mata. O Cabeleira atuou na região da Mata Atlântica; o Antônio Silvino atuou mais na região do Agreste. Não há uma relação

“Não há uma relação absoluta, intocável com a caatinga, mas o cangaço foi, predominantemente, um fenômeno que ocorreu na caatinga. Então, para ter sucesso e viver num ambiente tem que se adaptar. É uma lei da vida. Ou se adapta ou morre”

absoluta, intocável com a caatinga, mas o cangaço foi, predominantemente, um fenômeno que ocorreu na caatinga. Então, para ter sucesso e viver num ambiente, tem que se adaptar. É uma lei da vida. Ou se adapta ou morre. Usando a caatinga como área de refúgio, como área de guerra, como área de fornecimento de alimentos, como fornecedor de medicamentos, e assim por diante. É uma relação muito estreita. E eu que sou biólogo, estudei biologia, mas sou cangaceiro manso, procurei juntar meu conhecimento científico com o cangaço, conhecimento da minha raiz nordestina. Escrevi um livro curioso, A Ecologia do Cangaço. Não se esqueça que um cangaceiro dizia que se invultava da caatinga. E o que é se invultar? A caatinga o escondia. Ele estava mimetizado dentro da caatinga. NVU — Até que ponto esse mimetismo garantia sobrevivência no cangaço? MPP — Não era só o mimetismo, era a fonte de alimento, a fonte de remédio, o conhecimento das reservas de água, da geografia, do terreno e assim por diante. O combate ao cangaço só passou a ter sucesso quando recrutaram sertanejo, porque tinham a mesma cultura. Os grandes perseguidores de Lampião eram gente do mesmo chão, nativos. Gente com quem Lampião conviveu quando era rapaz, menino. Da mesma cultura, status social, formação. A caatinga era a couraça que protegia o cangaço. O conjunto de coisas, de seres, de ambientes. Eles sabiam onde tinham Parte do bando de Lampião (1936) A partir da direita: Nenén e o companheiro Luís Pedro, Barra Nova e Sabonete. A partir da esquerda, Lampião e Vila Nova. Nessa última ordem, o quinto é o cangaceiro Juriti. Demais não identificados

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as águas, as furnas, foi o primeiro bando que conseguiu sobreviver no Raso da Catarina (porção mais seca do território baiano). Conheciam as plantas, tudo. E ainda eram doutores, entre aspas, da caatinga. Como qualquer grande sertanejo. O fato é que o vaqueiro é um doutor da caatinga. Só que o vaqueiro não matava gente, corria atrás do boi. Agora, não tem mais vaqueiro para correr atrás de boi, porque é tudo cercado. E assim vai. Quer dizer, os grandes conhecedores da caatinga. Eu tenho muito respeito pela cultura popular. Eu me liguei muito ao Patativa do Assaré. Fui amigo do Luiz Gonzaga. Sertanejos de grande cultura do povo. Tava fazendo pesquisa no Ceará, antes de fazer qualquer estudo, procurava saber o conhecimento do povo a respeito daquilo. E muitas insinuações, muitas pistas foram dadas por analfabetos. NVU — Quer dizer que o senhor começou a estudar, se interessar, se aprofundar com o cangaço porque foi estudar a caatinga? MPP — Não se esqueça que eu sou sertanejo, lá da Mangabeira (município de Lavras da Mangabeira, Centro Sul do Ceará, a 434 km de Fortaleza). Então, era a minha infância lá, a convivência com o coronelismo, a caatinga, a convivência com todos os dramas do sertão. Conheci lá, a passagem de romeiros. Eu não vi Lavras atacada por cangaceiro, mas vi minha mãe muitas vezes escondendo jóia, com ameaça de invasão de cangaço. Eu sou sertanejo por um lado e por outro eu sou cientista. Então quando eu começo a juntar o conhecimento do Sertão com o conhecimento da ciência, dá o quê? Dá a ecologia do cangaço. NVU — O que o senhor conseguiu

Juazeiro do Norte, 1926. Lampião (extrema direita) e família. Ao seu lado, as irmãs Anália, Mocinha e Angélica. De vestido mais escuro a cunhada Joana. Na fila atrás, a partir da esquerda, o quarto é seu irmão.

“O Lampião foi enganado. Ele tinha muita vontade de ter dinheiro. Desejava ser um fazendeiro, um coronel. A ambição dele era essa. E para ser isso, ele tinha que ter dinheiro. Para manter a rede de informantes. Comprar água, comprar munição. Os comandantes corruptos vendiam muito caro ao Lampião. Os coronéis vendiam água muito cara. Água e munição. Então, ele precisava de muito dinheiro. Na cabeça de Lampião, ele podia extorquir, roubar”

de mais precioso nessa relação? Porque tem muita fala, muita lenda. Separar o que é história das maldades, é que são “elas”? MPP — Olha, existem dois partidos: os que não toleram Lampião e os que o endeusam. Os que julgam Lampião um bandido e os que julgam Lampião um deus. Não um herói, um deus. Quando a gente vai falar com esse pessoal eles dizem que muita maldade foi feita em nome de Lampião. Como se fosse Lampião. Realmente, muita gente matou, roubou, dizendo que era do grupo de Lampião, que era a mando de Lampião, quando ele não tinha nada a ver com aquilo. Mas, isso não exime Lampião pela violência que ele praticou durante tanto tempo no Nordeste. Fatos comprovados. Quer dizer, se você for atrás de passagens pontuais, você encontra coisas que dizem que foram feitas por Lampião e que não foram. Mas, se você esquece esses pontos e vê a paisagem, você vê grande violência do cangaço.

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E a grande violência do cangaço foi comandada pelo maior cangaceiro, que foi Lampião. O resto é coisa de segundo time. NVU — Professor, existe uma passagem onde o senhor diz que Lampião era um animal da caatinga, fazia parte daquele meio ambiente. Até certo ponto, isso explica a derrota de Lampião, que se aproximou, mas não conhecia o litoral? Ele foi militarmente derrotado? MPP — Não. O Lampião foi enganado. Ele tinha muita vontade de ter dinheiro. Desejava ser um fazendeiro, um coronel. A ambição dele era essa. E para ser isso, ele tinha que ter dinheiro. Para manter a rede de informantes. Comprar água, comprar munição. Os comandantes corruptos vendiam muito caro ao Lampião. Os coronéis vendiam água muito cara. Água e munição. Então, ele precisava de muito dinheiro. Na cabeça de Lampião, ele podia extorquir, roubar. Extorquir e roubar muito dinheiro, por exemplo, em Mossoró (RN). E se associou com um cabo de Maceió, que conhecia Mossoró, e que queria se valer de Lampião para arrumar dinheiro lá. E de um coronel safado, corrupto, sem-vergonha, que depois foi assassinado lá, em Missão Velha (CE), cuja fazenda saiu de Lampião. O conluio de ataque a Mossoró foi feito entre esse coronel, na terra da fazenda dele. Depois, ele foi assassinado na estação ferroviária de Missão Velha. Inclusive, acertaram como seria dividida a estação. Lampião chegou lá e quando viu o tamanho da cidade, realmente, se apavorou. É tanto que se diz que cidade de Três Torres não é cidade para cangaceiro. Mas, ele já estava lá, já tinha ameaçado invadir, então, foi cumprir a palavra. Mas, não estava acreditan-

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do em vitória não. Porque sabia que uma cidade daquele tamanho, um bando de cangaceiros não entrava tão facilmente. E, depois, ele começou a ver a resistência do prefeito. O prefeito foi forte. Não aceitou nenhuma extorsão e não quis nenhum acordo com Lampião. Praticamente sozinho, com o pessoal de Mossoró, organizou a defesa porque o Estado não deu grande proteção não. NVU — E do ponto de vista militar, Lampião era esse gênio de quem tanto falam? MPP — Dizem que sim, eu não entendo de militarismo. Os que estudam Lampião dizem que ele desenvolveu uma estratégia de luta. Ele conseguiu vencer com poucos homens um contigente de mais de duzentos soldados. Abrigado na caatinga, em pedras, por baixo de tudo. Até no ataque pela retaguarda. Tinha um irmão dele que era especialista em atacar o inimigo pelas costas. Então,

QUEM FOI LAMPIÃO

deixava o inimigo entre dois focos. Ele era especialista nisso, envolvia o inimigo, virava o contingente, mandava arrodear até ficar de trás do inimigo. Ou, então, o inimigo ficava levando bala pela frente e pelas costas. O abrigo era a caatinga, ele a usava como meio de defesa, de proteção. Ele só brigava quando queria. A não ser em situação de emergência, quando era surpreendido, mas raramente acontecia por causa dos informantes que tinha, da rede de informações que dispunha. Ele se localizava, se situava bem em zonas de fácil defesa, e esperava que os soldados caíssem nas armadilhas que ele mantinha. E isso era uma das manifestações da genialidade do Lampião. Ter sido um grande guerreiro. Não podia deixar de ser, porque quem sobreviveu vinte anos brigando, tinha que ser um grande guerreiro. Os outros morreram muito mais cedo e ele conseguiu sobreviver vinte anos dentro do cangaço.

Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, nasceu em Serra Talhada, Pernambuco, na Fazenda Ingazeira, em 1898. Filho de um pequeno sitiante local, freqüentou a escola até os 14 anos. Aos 20, teve seu pai assassinado devido a disputas de terra com Raimundo Nogueira, político local. Virgulino e seus irmãos acabaram por justiçá-lo. Em seguida, juntaram-se ao bando do cangaceiro Sebastião Pereira (Sinhô Pereira). Logo, Lampião assumiu a liderança do bando, que comandou até sua morte, em 1938, numa emboscada da polícia na fazenda dos Angicos, em Sergipe. Viveu no cangaço por 20 anos e atuou praticamente em todo o Nordeste. Simboliza o apogeu e o declínio do banditismo cangaceiro.


Governo deposto, constituintes históricos, avanços na educação e descuidos no texto

A

Por Juarez Leitão — Parte 2

Constituição de 1892 seria a segunda Carta Constitucional do Ceará do regime republicano recém iniciado. A primeira constituição, promulgada no ano anterior, vigorara por menos de treze meses. Contingências políticas da maior gravidade justificaram a convocação de uma nova assembléia constituinte e, consequentemente, a elaboração de um novo documento que, se não diferia profundamente do primeiro, trazia algumas modificações que lhe aperfeiçoavam os objetivos democráticos. O proclamador da República, Marechal Deodoro da Fonseca, exaurido o tempo que se chamou de Governo Provisório, teve de submeter-se à eleição pelo Congresso, conforme ficara estabelecido. Nessa eleição, confirmou-se a impopularidade do proclamador, pois deputados e senadores preferiam o outro candidato, o paulista Prudente de Moraes. Somente a forte pressão dos militares ligados a Deodoro fez os parlamentares refluirem de seu intento, embora tenham derrotado o companheiro de chapa do eleito, Eduardo Wandenkolk, e escolhido o vice da outra, Floriano Peixoto. Deodoro, eleito, pois, pelo Congresso Nacional, não pôde governar com ele. Permanentemente hostilizado pelo parlamento, buscou o apoio dos governos dos estados, mas, contra ele se voltou São Paulo e o partido político mais forte daquela primeira fase, o poderoso PRP (Partido Republicano Paulista). O presidente, homem da caserna acostumado a ser obedecido, decidiu desferir um golpe de estado, fechando o Congresso Nacional e decretando o estado de sítio. Não deu certo. A oposição reagiu, conseguindo vigoroso apoio de setores das forças armadas e de expressivas figuras do empresariado nacional, o que levou Deodoro a renunciar. Floriano Peixoto, ao assumir, além de anular os atos recentes do antecessor, promoveu a derrubada de todos os governadores que haviam apoiado Deodoro. No Ceará, o governador Clarindo de Queiroz ficara do lado errado. Apoiara o presidente golpista e agora recebia o repúdio popular. O líder da rebelião é o tenente-coronel José Freire Bizerril Fontenelle, que, com o respaldo federal

e o entusiasmo dos cadetes da Escola Militar do Ceará e da exaltação das ruas, depõe o governador no dia 17 de fevereiro de 1892. Empossado o vice-governador, Benjamim Liberato Barroso, começa a perseguição aos deodoristas e aos emblemas de seu período. Aconte-

No Ceará, o governador Clarindo de Queiroz ficara do lado errado. Apoiara o presidente golpista e agora recebia o repúdio popular ce a revogação da Constituição de 1891 e a dissolução do Congresso cearense. Em maio de 1892, é convocada uma nova constituinte estadual que, já em julho daquele ano, apresentava os resultados de seu trabalho. A segunda Constituição Estadual republicana foi promulgada a 12 de julho de 1892. Elaboraram-na 34 constituintes, figurando entre eles nomes que haveriam de ficar na história do Ceará, como o do comendador Nogueira Accioly, que a presidiu e depois se transformaria no mais poderoso oligarca de nosso Estado. Destaquem-se também personagens famosos daquele colegiado, como os poetas e romancistas Antônio Sales e Jovino Guedes, o

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patriarca dos Inhamuns Lourenço Alves Feitosa e outros que dão nomes às ruas e praças da capital, do porte de Pedro Borges, Tibúrcio Gonçalves de Paula, Francisco Benévolo, Marinho de Andrade e Thomaz Pompeu Accioly. Realmente, um elenco de notáveis. Dividida em 10 Títulos com 151 artigos e Transposições Provisórias reunidas num Capítulo Único de 21 artigos, avança favoravelmente em certos aspectos, como na educação, onde, em seu artigo 132, declara a gratuidade da instrução primária e do ensino elementar de artes e ofícios, condição que os tempos atuais perderam, lastimavelmente. Além disso, garantia a vitaliciedade dos professores primários e secundários, o que era uma segurança contra as perseguições políticas e demissões praticadas quando o poder mudava de mão. O professor Paulo Bonavides, uma das maiores expressões entre os constitucionalistas nacionais, detecta alguns descuidos praticados pelos que redigiram o texto de 1892. Por exemplo, confundem o conceito de soberania com autonomia, incorrendo numa impropriedade. O estado-membro não tem soberania, mas tão somente autonomia. Pois — assevera o professor Bonavides — “a autonomia exprime apenas a face interna da soberania, a faculdade autodeterminativa, o poder constituinte, sem o qual não há estatilidade. Mas, não é toda a soberania, pois esta abrange tanto a autodeterminação interna como externa, aliás, a face mais importante da personalidade estatal.” No mais, a Constituição de 1892 cumpria os ditames conceituais republicanos da Constituição Federal vigorante na época, alinhados ideologicamente com os princípios iluministas dos liberais que fizeram a Revolução Francesa e a Independência Norte-Americana no século XVIII. No artigo 137 das Disposições Gerais era assegurado o vigor mínimo de dois anos para qualquer alteração do texto constitucional e somente com o apoio de dois terços da Assembléia. Dessa forma, se evitava a banalização de reformas constitucionais ao sopro das oscilações políticas. Afora a reforma de 19 de julho de 1905, a Carta Estadual de 1892 vigorou até 1921, tendo, portando, vinte e nove anos de aplicação.


EXCLUSIVO

Complexo Espacial Brasileiro no Ceará

Investimento prevê implantação de três bases de lançamento de foguetes, extensão de campus universitário, área para pesquisa aeroespacial e participação de empresas de ponta em tecnologia limpa voltada para o setor. Consórcio binacional (Brasil-Ucrânia) Alcântara Cyclone Space quer transformar o Ceará em um dos grandes centros mundiais de inteligência e conhecimento espacial Por Flamínio Araripe / redacao@nordestevinteum.com.br

á está pronto o convênio a ser firmado pelo Governo do Estado do Ceará com o Ministério da Ciência e Tecnologia para implantar no Ceará uma base de lançamento de foguetes. Quem informa é o jornalista, professor e ex-ministro, Roberto Amaral, hoje, diretor geral do consórcio binacional Alcântara Cyclone Space. O Ceará foi escolhido para receber o investimento, o que significa um primeiro passo no mercado aeroespacial. O setor movimentou US$ 103 bilhões no mundo, em 2004, e deverá chegar a US$ 158 bilhões em 2010, conforme estimativa do Space Business Council. Amaral observa que o convênio já foi discutido, os termos aprovados pelas duas partes e só falta a assinatura. Nos próximos dias, o diretor da Cyclone conta que deverá vir a Fortaleza com o presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB), Carlos Guenem, para formalizar a assinatura do acordo com o governador Cid Gomes. Assinado o convênio, Amaral diz que começam os trabalhos para a localização da área do Estado que vai receber o empreendimento. “Não pergunte qual é, porque não vamos ser instrumento para especulação imobiliária”, ele descarta. Também não foi informado o valor

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a ser investido. “É difícil fazer hoje uma estimativa dos investimentos. Não quero chutar. Mas é muito alto”, afirma Amaral. A instalação da base de lançamentos de foguetes no Ceará, todavia, não implicará em nenhuma desativação de Alcântara. “O Brasil precisa ter mais de um centro de lançamento”, ele argumenta. Conforme Amaral, a base sediada no Ceará “será chamada Complexo Espacial Brasileiro”. Vai ser um grande programa que inclui pelo menos três centros de lançamento, extensão de campus universitário e área de pesquisa espacial”. Segundo ele, um grande centro de pesquisa espacial que deverá abrigar também empresas de ponta de tecnologia limpa voltadas para atividade espacial. Como parceiro do empreendimento, Roberto Amaral destaca a Agência Espacial Brasileira. “O Complexo Espacial Brasileiro irá transformar o Ceará em ponta, um dos grandes centros mundiais de tecnologia espacial. Além dos investimentos clássicos, o Complexo vai atrair inteligência e conhecimento. Vai transformar o perfil do Ceará”.


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Entrevista especial Roberto Amaral

Foto: José Vital / Teia Digital

Dois fatos recentes atestam a influência de Roberto Amaral na política espacial brasileira. Cearense, ex-ministro da Ciência e Tecnologia e presidente de honra do PSB, Amaral conseguiu que o governo ampliasse o capital da Alcântara Cyclone Space de R$ 347 milhões para R$ 486 milhões. De outra feita, por sua exigência, foi demitido o major brigadeiro da reserva, Antonio Hugo Pereira Chaves, então diretor de Transporte Espacial de Licenciamento da Agência Espacial Brasileira. O militar havia lhe atirado um copo d’água, durante uma discussão em que cobrava agilidade para o lançamento do Cyclone 4, em dezembro deste ano, pela base de Alcântara

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NORDESTE VINTEUM — Depois do acidente na base de lançamento de Alcântara, e da constituição da Cyclone Alcântara Space (ACS), que fatos podemos citar para indicar a retomada do programa espacial brasileiro? ROBERTO AMARAL — Uma boa notícia é que a retomada do Programa Espacial Brasileiro ocorre no atual governo, desde 2003. Houve significativo aumento de recursos financeiros, da ordem de cinco a seis vezes maior do que nos últimos anos do governo anterior. Contudo, apesar da melhoria nos recursos financeiros a partir de 2003, eles ainda estão em patamares 10 ou mais vezes inferiores aos de países de importância equivalente à nossa, como a Índia e a China. O Brasil aplica em seu Programa Espacial percentual do PIB menor até que países sem tradição na área, como Portugal, Luxemburgo, Espanha, Finlândia e muitos outros. NVU — Por que isso acontece? RA — O Programa Espacial Brasileiro, no tocante a lançadores de satélites e centro de lançamento, foi desmantelado nos anos 1990 pelo Governo FHC/PSDB/DEM, por razões e compromissos desconhecidos. A melhor explicação divulgada pelo governo era a de que o Estado Brasileiro deveria se tornar mínimo e “o mercado” assumiria os poderes alienados. Nessa linha, os recursos financeiros para projetos nessas áreas foram gradativa e fortemente reduzidos e chegaram praticamente a zero em 1999, ano previsto para lançar o VLS. Simultaneamente, houve medidas análogas de extinção da equipe especializa-


“Não se faz um técnico especializado em Aeronáutica e Espaço em poucos anos. Isso leva 10, 15, 20 anos. E não adianta formá-lo, se não lhe proporcionarem contínuo aperfeiçoamento específico e, principalmente, trabalho na área” da na área espacial. Por exemplo, o CTA, órgão da Aeronáutica encarregado de desenvolver o foguete lançador VLS e adaptar o centro de lançamento (CLA) ao lançador, simultaneamente ao drástico corte de recursos financeiros para projetos, sofreu forte e crescente redução de recursos humanos, totalizando a perda de cerca de 2.500 servidores naquela década, sem autorização governamental para reposições. NVU — Quais as implicações da descontinuidade de projetos e investimentos? RA — Agora, mesmo com a retomada dos recursos financeiros no Governo Lula, não se faz um técnico especializado em Aeronáutica e Espaço em poucos anos. Isso leva 10, 15, 20 anos. E não adianta for-

má-lo, se não lhe proporcionarem contínuo aperfeiçoamento específico e, principalmente, trabalho na área. Contudo, o Brasil, cada vez mais, para continuar a se desenvolver, necessita urgentemente construir e lançar satélites. Depois do acidente na base de lançamento de Alcântara e da constituição da Alcântara Cyclone Space (ACS), infelizmente, continuamos a enriquecer muito e ainda mais os países ricos, encomendando e lançando nossos satélites no exterior. Foram lançados o CBERS 2B (lançado na China, pelo foguete chinês Longa Marcha, em 2007), o StarOne C1 (francês, lançado em KOUROU em 2007), o StarOne C2 (francês, lançado em KOUROU em 2008) e o StarOne C12 (norte-americano, lançado em KOUROU em 2005 e posteriormente comprado da empresa SES Americon). StarOne é a subsidiária da área satélites da

Embratel, que foi alienada a grupo estrangeiro em 1998. NVU — Que vantagens o programa espacial representa para o país e, em especial, para a região Nordeste? RA — Sob o ponto de vista estratégico, o programa espacial é exigência para a soberania e o desenvolvimento do Brasil com extensões que são impossíveis de controlar fisicamente sem apoio de programa espacial nacional. A região Nordeste, como as demais do país, precisa de programa espacial para receber informações meteorológicas, de uso e de potencialidades do solo, monitoramento de dados ambientais, para telecomunicações, para controle do tráfego aéreo (em breve) e muitas outras necessidades. NVU — Quais os próximos passos na agenda da Alcântara Cyclone Space? RA — Finalmente, após seis anos de sua criação (21/10/2003) e ultrapassadas muitas barreiras governamentais, principalmente as burocráticas, a ACS espera receber nos próximos dias a autorização do Ibama para iniciar, neste segundo semestre, as obras do sítio de lançamento. A nossa meta é extremamente desafiante: lançar o primeiro Cyclone-4 no fim de 2010. NVU — Quais os investimentos que a Alcântara Cyclone Space necessita para a execução dos seus planos e qual o orçamento disponibiliza-

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do pelo governo este ano? RA — O capital necessário para implantar em Alcântara o complexo de lançamento do veículo Cyclone-4 foi orçado, este ano, pelo Conselho de Administração e pela Assembléia Geral da empresa binacional, em US$ 487 milhões (cerca de R$ 900 milhões). Para 2009, o governo e o Congresso já disponiblizaram o total de R$ 119,6 milhões. NVU — Com relação à energia nuclear, ao que parece, o governo brasileiro decidiu expandir a geração além das usinas de Angra. Qual a opinião do senhor com relação à atração de uma usina para o Ceará? RA — A expansão da capacidade brasileira de geração de energia nuclear é indispensável. Em futuro não tão distante, as hidrelétricas não vão suprir toda a necessidade de energia elétrica do País. Foi muito alvissareira a decisão governamental de retomada do programa nuclear brasileiro e de reinício imediato das obras da Usina Termonuclear Angra III. Para sustentar o desenvolvimento brasileiro e a melhoria da qualidade de vida da nossa população, há crescente necessidade de energia elétrica, cada vez mais difícil de ser obtida com recursos hídricos, inclusive devido às inibições criadas pelos ambientalistas. A prioridade de o Nordeste receber uma usina nuclear é evidente, pois

nessa região são ainda menores as possibilidades de expansão da energia hídrica. Um importante fator a considerar é a existência no Ceará de reserva de urânio. O Brasil possui a sexta maior reserva de urânio no mundo, mesmo havendo pesquisado apenas um terço do seu território. A mina de Itataia, em Santa Quitéria, no Ceará, sustentaria centenas de anos de geração nuclear no Brasil. Santa Quitéria dista 220 quilômetros de Fortaleza e é a segunda maior reserva do Brasil, com exploração prevista para 2012. Sendo assim, o Ceará necessita e oferece atrativos para sediar usina nuclear. NVU — Qual é, aproximadamente, o investimento e a capacidade de geração? RA — Somente como ordem de grandeza, cito que as usinas Angra 1, 2 e 3 têm potência na faixa de 1300 MW. Recentemente, o presidente da Eletrobrás, José Antonio Muniz Lopes, informou que os investimentos para a instalação no Nordeste de duas usinas (de 1000 MW) ainda não foram dimensionados, mas estimou que deverão ser necessários em torno de R$ 10 bilhões para a construção de cada unidade. Estima-se, também, que essas usinas poderiam entrar em operação em 2017.

“A expansão da capacidade brasileira de geração de energia nuclear é indispensável. Em futuro não tão distante, as hidrelétricas não vão suprir toda a necessidade de energia elétrica do País”

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NVU — O senhor pode comparar as vantagens para o Ceará de energia nuclear, solar e eólica? Qual a nossa principal vocação? Energia solar combina com semiárido? RA — As fontes de energia solar e eólica ainda não estão desenvolvidas o suficiente para geração em grandes potências. Produzem energia limpa, sem significativos impactos no meio ambiente, mas ainda são caras para grandes escalas. É caro, também, integrá-las à rede nacional. São hoje mais usadas localmente, para pequenas vilas, hotéis, fazendas. As duas citadas formas de geração combinam perfeitamente com o semiárido, onde hoje não há energia de usinas hidrelétricas ou nucleares. A energia nuclear, por sua vez, já é consagrada como boa alternativa à energia hídrica. Em alguns países, cito a França, ela é a principal fonte de energia. Em muitos outros, como os Estados Unidos, ela é parte substancial da matriz energética. Na minha opinião, a vocação do Ceará é a energia nuclear.


Caderno especial

Agosto de 2009 - númeroº 3

Carta do Editor

Para muito além da formação tecnológica

O

s aniversários de 100 anos de atividades da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica no Brasil e dos 10 anos do Instituto Centec no Ceará, comemorados em setembro, são motivos para reflexão. A agenda trouxe ao Estado o presidente Lula com ministros, que inauguraram, com o governador Cid Gomes, dois campi do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFCE) em Sobral, ao vivo, e por videoconferência, o de Limoeiro do Norte, que começou a funcionar um ano antes e tem 177 alunos a mais. São duas instituições com maturidade e expertise, mas que igualmente capacitam os cearenses para o mercado de trabalho e precisam ser fortalecidas na sinergia natural da missão irmanada que comungam. De certo modo, as duas Faculdades de Tecnologia Centec (Fatec), agora campi do IFCE, mantêm o DNA do trabalho pioneiro realizado antes da federalização. Nem só de formar técnicos de nível médio e tecnólogos de nível superior vivem o IFCE e o Centec. Esta edição destaca o trabalho de extensão com aplicação de tecnologias sociais, a função de pesquisa e desenvolvimento e a interação com empresas que gera riqueza por meio do apoio a novos negócios dinamizados pela força da inovação.

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Pesquisa e inovação tecnológica do laboratório à empresa

Sucesso da SK Bombas na agenda de pequenas e médias empresas

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Pesquisas X Empresas: IFCE mostra como quebrar barreiras

O mel e a cera da tecnologia social

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Tome scientia!

Por Flamínio Araripe redacao@nordestevinteum.com.br

Expansão consolidada abre novos concursos

A expansão da rede do IFCE incorporou duas Faculdades de Tecnologia do Instituto Centec (Fatec) — de Limoeiro do Norte e Sobral —, inauguradas pelo presidente Lula em setembro deste ano. Foram acrescentadas às unidades de Fortaleza, Cedro, Juazeiro do Norte, Crato e Iguatu, as de Maracanaú e Quixadá, já em funcionamento, e mais três em implantação - Acaraú, Canindé e Crateús. Para os novos campi, o Ministério da Educação autorizou concursos para professores e servidores técnicos administrativos.

Cursos técnicos e de tecnólogos em 2010 A portaria do MEC beneficia os Núcleos Avançados de Aracati, Jaguaribe, Tauá, Baturité e Tianguá. As unidades poderão começar a funcionar em 2010 com cursos de graduação para a formação de

tecnólogos. No Núcleo de Tauá, vinculado ao campus do IFCE de Crateús, será dado o curso de graduação para formar tecnólogos em Telemática e um curso técnico de Tecnologia do Agronegócio, com foco na ovinocaprinocultura.

Ciro diz que CVTs são marca do Ceará O deputado Ciro Gomes (PSB) encontrou no plenário da Câmara o colega Ariosto Holanda (PSB) e disse que os CVTs estavam fazendo sucesso no Rio de Janeiro, onde havia estado: “Só falam de CVT”, afirmou, ao dizer ter comentado que esta é “marca do Ceará”. O Rio já implantou 15 CVTs

da rede de 34 que projeta instalar em parceria com o Ministério da Ciência e Tecnologia, que colocou R$ 27 milhões no programa. O governador Sérgio Cabral está entusiasmado com a ideia de capacitar pessoas carentes para o mercado de trabalho.

Capacitação garantida dentro da bancada

Quase concluída a construção dos 10 Núcleos Avançados do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFCE), ex-Cefet, e de um Núcleo de Informação Tecnológica (NIT). O investimento é de R$ 18,25 milhões resultantes de emenda da bancada federal do Ceará. São implantados em Caucaia, Tianguá, Aracati, Jaguaribe, Tauá, Ubajara, Baturité, Morada Nova, Tabuleiro do Norte, Alto Santo e Camocim. As obras vão ser entregues até outubro, para inauguração ainda este ano. Para que o recurso fosse aplicado em capacitação tecnológica, e não em infraestrutura houve, na bancada, articulação liderada pelo deputado Ariosto Holanda (PSB-CE).

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ciência &tecnologia / AGOSTO de 2009

Nano: pesquisador da UFC ganha Prêmio internacional O professor Antônio Gomes Souza Filho, do Departamento de Física da Universidade Federal do Ceará (UFC), integra a equipe que receberá o prêmio “Somiya Award 2009”, da International Union of Materials Research Societies (Iumrs). Foi conferido à equipe por contribuir no avanço em nanoestruturas de carbono (nanotubos de carbono e grafeno). A solenidade de premiação ocorreu no International Conference on Advanced Materials (Icam 2009), no Rio de Janeiro, de 20 a 25 de setembro. Integram a equipe os professores Mildred S. Dresselhaus (Instituto de Tecnologia de Massachussetts MIT/Estados Unidos), Ado Jorio (Ufmg), Mauricio Terrones (México), Riichiro Saito (Japão), Morinobu Endo (Japão) e Marcos A. Pimenta (Ufmg). Antônio Gomes publicou mais de 50 trabalhos em periódicos internacionais na área de Física, Materiais e Nanociências. O pesquisador é bolsista de produtividade do CNPq e já publicou 121 trabalhos na área da Física de Materiais, que, até setembro de 2009, haviam sido citados 3.250 vezes.


CPQT

AGOSTO de 2009 / ciĂŞncia &tecnologia

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CPQT

Oportunidades

ASCENSÃO SOCIAL PELA

INCLUSÃO DIGITAL

u

m exemplo da ação de qualificação do CPQT está sendo tocado em dois projetos de inclusão social por meio da inclusão digital com apoio do BNB em parceria com a Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Município (SDE) da Prefeitura de Fortaleza.

O Programa de Prática Profissional em Informática (Proinfor) vem sendo realizado em 18

regionais da cidade com o objetivo de selecionar os 50 melhores alunos para uma especialização em programação de software. O Projeto Ilha de Negócio de Celular visa a capacitação de jovens no conserto de aparelho celular para a criação de pequenas cooperativas instaladas em quiosque de locais de grande afluxo de pessoas. O quiosque será cedido como concessão durante um ano e

depois repassado a outros jovens capacitados. O curso de qualificação profissional em manutenção de celulares visa a geração de pequenos negócios em comunidades de baixa renda com jovens em situação de risco social com objetivo de inserção no mundo do trabalho.

O Proinfor capacitou 3.996 alunos de 2005 a 2007 em cursos de Rede de Computadores e Programação Web – Internet. A iniciativa Ilha de Negócio de Celular, por sua

vez, busca capacitar, treinar e gerar renda para os alunos, com a criação de pequenos grupos prestadores de serviços na Cidade, com a formação de 24 pesso-

as selecionadas entre as 360 que hoje recebem a formação em 18 turmas nas regionais da Prefeitura.

“Está prevista a montagem de seis unidades do quiosque com ferramental para conserto e manutenção de celulares”, informa o diretor Edson Almeida. Os alunos terão ainda 40 horas de capacitação em empreendedorismo e cooperativismo. O projeto de qualificação vai ser coroado com uma apresentação do Crediamigo, programa de crédito solidário do BNB, aberto para apoio aos pequenos negócios que são esperados surgir com a capacitação profissional.

Telemetria

“Esses meninos vão longe”

a

equipe da empresa Sapien Soluções Inteligentes sentou à mesa com o empresário Helder Macedo (ao centro da foto), da Lock Tec Tecnologia, para discutir a aplicação de uma solução de telemetria a ser instalada em 250 prédios para economia de energia. O projeto de gerenciamento de consumo e utilização de cargas elétricas possibilita acompanhamento a distância com controle a cada cinco minutos.

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“Esses meninos vão longe”, disse Helder Macedo. Ele conta que os sócios da Sapien estagiaram na Lock Tec, voltada para telemetria e rastreamento, cresceram, criaram a sua própria empresa e agora é cliente deles. Mais sete pessoas trabalham na Sapien, que trabalha com pesquisa e desenvolvimento na área eletroeletrônica e de novas tecnologias. A Lock Tec terceiriza com a Sapien o projeto iniciado há dois meses que está chegando à fase de finalização, informa Macedo. Segundo ele, a empresa instalada no CPQT “é bem profissional”. São sócios na Sapien Carlos Magnum Façanha Silva, formado em Telemática, Francisco Michel Freire de Sousa e Francisco Régis Cirino Nogueira, que concluíram Mecatrônica. Outro produto desenvolvido na Sapien é um cartão saúde que está pronto para ser transferido para o cliente do setor público ou privado. O cartão armazena e transfere dados do paciente – de consulta, prescrição médica, resultados de exames e outras informações de prontuário. A mesma tecnologia será aplicada no controle de acesso do elevador do IFCE.


Empresas incubadas

Sucesso da SK Bombas na agenda

de pequenas e médias empresas Com 23 pesquisadores e 29 funcionários em Limoeiro do Norte, incubada na Intece, a incubadora do Instituto Centro de Ensino Tecnológico (Centec) é um caso bem sucedido de empresa inovadora. Chegou a ser responsável pelo fornecimento de um terço das bombas centrífugas das usinas de biodiesel em funcionamento no País

Ex-ministro Mangabeira unger em sua última visita ao estado do ceará

n

o 3º Congresso Brasileiro de Inovação na Indústria, realizado este ano pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), Fernando Castro Alves, diretor de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação da SK Bombas, foi um dos sete empreendedores do País convidados para expor as estratégias no painel “A Agenda de Inovação para as Pequenas e Médias Empresas”. O “K” do nome SK vem da sua origem na empresa Bombas King, tradicional fabricante de bombas centrífugas, há 48 anos no mercado nacional. O “S” da SK vem de soluções novas que o mercado demanda, além das bombas, explica Fernando Castro Alves, engenheiro mecânico. O negócio que abriu campo para esta empresa começou com o fornecimento de bombas centrífugas para a TecBio, adaptadas à usina de biodiesel para bombear óleo vegetal, ácido sulfúrico, biodiesel e outros fluidos.

Como as Bombas King eram projetadas para bombear água, ocorreram problemas com o bombeamento de fluidos agressivos e muito trabalho de reengenharia. Para dar resposta à demanda, foi criado um setor de pesquisa e desenvolvimento de novos produtos na King. Ricardo Castro Alves, irmão de Fernando, deixou o segmento de construção civil para ser o dono da SK, fundada em janeiro de 2006, incubada na Intece-Centec, já com um departamento de Pesquisa e Desenvolvimento de novos produtos. O DNA do novo negócio traz uma aguçada percepção que não deixa passar oportunidade oferecida pelos mecanismos oficiais de apoio à inovação, que motivaram a empresa a ter projetos aprovados — primeiro na incubadora com um plano de negócios, depois no CNPq, Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap) e Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). AGOSTO de 2009 / ciência &tecnologia

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Empresas incubadas

Bombeamento Inteligente

Parceria automatiza usina piloto de biodiesel

N

a Inova 2007, a feira de Inovação da Federação das Indústrias do Ceará (Fiec), Fernando Castro Alves conta que soube da busca de parceiros da Fundação Núcleo de Tecnologia Industrial (Nutec) para desenvolver a automatização de usina piloto de biodiesel. A SK propôs e teve aprovado o projeto Autobio de R$ 180 mil, no CNPq, para o estudo de automação de uma usina de modo a reduzir custos e pesquisar materiais construtivos das bombas e componentes. A SK Bombas uniu esforços com a Autoterm, que desenvolvia um controle eletrônico para bombas e daí surgiu o Módulo de Bombeamento Inteligente (MIB). A iniciativa levou a uma parceria com o Centro de Automação e Robótica (Centeuro) do Nutec. Como os recursos do CNPq eram somente para pesquisa, a ideia de montar o protótipo do MIB para bombear outros fluidos virou projeto apresentado e aprovado pelo edital de

subvenção para Pesquisa em Pequenas Empresas (Pappe), da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap) e Finep com o repasse de R$ 483 mil. O MIB visava atender a usina piloto de produção contínua do Nutec, com equipamentos, consultorias e materiais para completar o projeto Autobio. “A evolução consiste em uma usina inteligente controlada por redes neurais, dotada de inteligência artificial que permite à usina ‘aprender’ continuamente a trabalhar com diversas variáveis e fornecer sempre o produto final biodiesel dentro dos padrões estabelecidos pela Agência Nacional de Petróleo (ANP)” explica o diretor de P&D da SK. Ele diz que será uma usina no conceito flex, capaz de produzir biodiesel de qualquer óleo, exceto o de origem animal. O projeto já funciona por meio de simuladores, tem boa parte da estrutura física já desenvolvida e vai entrar em testes por volta de maio de 2010, informa.

MENOS CUSTO DE ENERGIA

SKBombasrecebeuoprêmiomáximonaInova2099

O

estudo do MIB gerou um produto independente com o mesmo nome que compete com a convencional caixa d’água elevada de edifícios, indústrias e condomínios, mas com menor custo. A tecnologia promete pressão constante, independente da vazão, fornecimento de água potável, proteção contra falta de água por sub-pressão e alerta para vazamentos, além de outros dados técnicos. É possível ainda a aplicação em sistemas de irrigação e de combate a incêndios.

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Outro projeto da SK foi aprovado com R$ 966.889,00 no Edital de Subvenção da Finep 01/2009, que prevê contratação para outubro deste ano, intitulado Desenvolvimento e Aplicação de Técnicas Eficientes, de baixo custo e consumo de energia para tratamento de água. A ideia visa o abastecimento público com água potável com sistema de filtros incorporados e ação biocida de geradores de ozônio, tecnologia da Trump Eletronics, hoje parceira da SK. Fernando Castro Alves visitou a fábrica da Trump na China e o escritório na Alemanha com interesse em energia fotovoltaica e bombas submersas produzidas em aço inoxidável. Mais três projetos, um deles para o aumento da produtividade nas Bombas King com máquinas de inteligência artificial. Outro visa o desenvolvimento de sistemas de abastecimento de água linear e sob demanda para cidades de até 50 mil habitantes, que trabalha com inteligência artificial, detecta vazamentos e reduz custos, a ser proposto ao edital do fundo setorial CT-Hidro. O terceiro – faz mistério – é segredo industrial.


Inovação Pesquisas X Empresas:

IFCE mostra como quebrar barreiras O Núcleo de Apoio à Inovação (NAI) do Instituto Federal de Educação do Ceará (IFCE) desenvolve este ano, projetos de parceria e transferência de tecnologia com 10 empresas dos setores de informática e elétrico. De 2008 a 2009, captou R$ 7,2 milhões que foram investidos na execução de projetos de pesquisa e desenvolvimento (P&D). Mas, na vida real do mercado, grandes empresas ainda demonstram inércia diante das perspectivas com inovação tecnológica. Para romper com esse comportamento, a saída seria a subvenção de empresas surgidas a partir de laboratórios de pesquisa. Neste caso, o papel das Instituições de Ensino Superior é fundamental

C

om três depósitos de patente e dois registros de software desde quando começou a funcionar em 2007, o NAI é o Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT) do IFCE. Foi criado de acordo com a Lei 10.973 – a Lei de Inovação, que no artigo 16 obriga as instituições públicas de ensino superior a implantar este núcleo para gerir as políticas de inovação tecnológica. “Pioneiro na rede dos IFs do Nordeste, o NAI entrou em operação no mesmo ano do NIT do IF da Bahia”, informa André Luiz Carneiro de Araújo, coordenador do núcleo e chefe do Departamento de Pesquisa e Inovação do IFCE. Um projeto desenvolvido pelo NAI para a Coelce, um software para monitoramento de linhas de transmissão, teve desdobramentos com a criação de uma empresa incubada para fabricar e comercializar produtos, a Hexa Tecnologia, fundada por ex-alunos do laboratório da instituição. A Companhia Energética do Maranhão (Cemar) é cliente da Hexa. A empresa incubada teve aprovado projeto de R$ 120 mil da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) do Edital Programa Primeira Empresa Inovadora (Prime), para utilizar o setop-box para aplicações nas áreas de saúde, automação residencial e outras. A Hexa foi gerada pelo NAI com uma spin off, nome dado às empresas que surgem a partir dos laboratórios de pesquisa das instituições. “A criação da Hexa completa um ciclo de inovação que começa na pesquisa aplicada de acordo com a demanda do mercado até a geração de empresas spin off incubadas dentro da instituição”, afirma André Luiz. O NAI trabalha também na divulgação da cultura da inovação tecnológica para que os pesquisadores atentem para a importância da proteção do conhecimento de suas pesquisas. Segundo ele, os pesquisadores são orientados a primeiro proteger o conhecimento com a requisição de patente e registro, e depois a divulgar a pesquisa em artigo científico. Os pesquisadores são incentivados a transformar o resultado das pesquisas em produtos que possam ser oferecidos no mercado, via licenciamento de patentes, transferência de tecnologia e parceria com empresas, dentro do conceito de inovação tecnológica.

NAI E INSTITUTO ATLÂNTICO

PARCERIAS COM

CHESF, SIEMENS, COELCE, DARUMA, MICROSOL, IBYTE E VTI

O

NAI desenvolve pesquisas em parceria com empresas como Chesf, Coelce, Siemens, Daruma e as cearenses VTI, Microsol, Ibyte trabalham três projetos em parceria com o Instituto Atlântico. Conforme o coordenador do NAI, com a transformação do Cefet em Instituto Federal, a missão deixa de ser apenas ensino tecnológico e inclui a pesquisa aplicada cujos resultados possam ser transferidos para a empresa. O Atlântico tem um projeto de parceria com a Universidade Federal do Ceará (UFC) e nenhum com a Universidade Estadual do Ceará (Uece). No Ceará, existem NITs em funcionamento no IFCE, UFC, Uece e Nutec. André Luiz informa que o NAI presta suporte tecnológico na prospecção, acompanhamento, proteção e estímulo à comercialização tecnológica.

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Mas, não executa as atividades de pesquisa. Os projetos citados foram executados pela equipe de pesquisa do IFCE. A Microsol depois de uma experiência com um projeto beneficiado por Lei de Informática com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrs), optou pela agilidade do trabalho em projetos tocados com o Instituto Atlântico e NAI-IFCE. Com o NAI, a empresa desenvolveu um software para gestão energética concluído em 2008, que hoje comercializa, e já inicia outro projeto de pesquisa. A Ibyte desenvolve com o NAI um sistema para controle de estoque. Conforme André Luiz, as grandes empresas têm uma inércia muito grande para trabalhar com inovação tecnológica. Algumas já têm setor de inovação, outras dificilmente conseguem desenvolver a pesquisa porque possuem visão diferente. ARRANQUE INICIAL — “A melhor maneira de quebrar essa inércia seria com a subvenção a empresas inovadoras surgidas a partir de laboratórios de pesquisa, que para crescer precisam de um arranque inicial para se estabelecer no mercado”, diz André Luiz. Para ele, o papel das Instituições de Ensino Superior é fundamental neste processo porque são provedoras dos inovadores da era da inovação tecnológica. O coordenador do NAI observa que existe por parte das empresas em geral – não só do Ceará – um receio de interagir com instituições de ensino. “Ainda existe barreira a ser quebrada”, afirma.

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Aproximação pela tecnologia Lei do Bem, de Informática e Fundos Setoriais são fontes de recursos

O

NAI opera com Lei de Informática e fundos setoriais, principalmente de petróleo e energia elétrica. Também utiliza a chamada Lei do Bem, que financia projetos de outras áreas. “O NIT trabalha no sentido de aproximar a empresa com pesquisadores a fim de gerar pesquisas que venham a se transformar em produtos tecnológicos”, diz André Luiz. Em relação ao projeto da Lei do Bem, devido à negociação que está sendo realizada com uma empresa, ele informa apenas que trata do desenvolvimento de produtos na área farmacêutica. O Núcleo do IFCE aprovou projeto de inovação na Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoas do Ensino Superior (Capes) e, agora, busca empresa para utilizar o recurso. O presidente da Capes, Jorge Guimarães, em visita ao campus do IFCE em Limoeiro do Norte, disse que a instituição tem

R$ 150 milhões para inovação em

edital de fluxo contínuo, com isenção fiscal de até 85% para empresas, dos quais só foram usados R$ 20 milhões.

“MAIORIA DOS NIT NÃO FUNCIONA”

N

uma avaliação do programa de incentivo à inovação tecnológica da Capes, o presidente da agência reclamou que a maioria dos NIT não funciona. Para concorrer, basta ter projeto aplicável, nem precisa ter empresa. Porém, é obrigatório que seja de Instituição de Ciência e Tecnologia (ICT) do setor público e atenda à necessidade legal de passar pelo NIT. É objetivo da Capes que funcionem. Reinaldo Ferraz, coordenador Geral de Serviços Tecnológicos do Ministério da Ciência e Tecnologia informou que “a

Lei do

Bem beneficiou 430 empresas até 2007. O orçamento de 2006 a 2009 soma R$ 1,65 bilhão. Foram aprovados ainda 564 projetos, com recursos da ordem de R$ 1,1 bilhão”.

Antonio Cruz/ABr

Inovação


TEcnologias sociais

O mel e a cera da tecnologia social

Secador solar: aumento no rendimento

Saiba como as tecnologias sociais introduzem inovações na organização e gestão, trazendo soluções para inclusão social e melhoria das condições de vida. No Ceará, a apicultura e o processamento da carnaúba são exemplos de atividades resultantes de planejamento, pesquisa, desenvolvimento, difusão e avaliação. Envolvem técnicas, procedimentos, metodologias e processos; produtos, dispositivos, equipamentos e serviços; desenvolvidas e/ou aplicadas na interação com a população

O

conceito é definido no Projeto de Lei 3.449/08 dos deputados Rodrigo Rollemberg (PSBDF) e Luiza Erundina (PSB-SP), aprovado em junho deste ano pela Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público da Câmara, que visa instituir a política nacional e o programa de tecnologia social. A iniciativa quer atribuir competência ao Ministério da Ciência e Tecnologia para mobilizar e coordenar ações, recursos humanos, financeiros, materiais, técnicos e científicos e promover a participação da população na execução dos objetivos estabelecidos na lei, por meio da Secretaria de Ciência e Tecnologia para inclusão social com diversos parceiros. Exemplo de tecnologia social no âmbito do Instituto Centec, no Ceará, é o Programa de Apicultura — Geração de Ocupação e Renda, implantado com recursos do Fundo Estadual de Combate à Pobreza (Fecop). O objetivo é o crescimento da atividade em modelo de agronegócio que proporcione otimização e uso do po-

tencial existente na região, de forma complementar às demais atividades familiares rurais, de modo ecologicamente correto, em estímulo à cultura de cooperação e associativismo. “O programa foi iniciado com capacitação e assistência do Centro Vocacional Tecnológico (CVT) de Aracoiaba com uma colméia. Agora, produz 80 toneladas de mel por ano no município”, relata Paulo Chagas de Sousa, da Associação

O mel é embalado em sachês e gera mais de um salário mínimo por mês, para cada uma das 20 pessoas da associação. Mais 80 pessoas são beneficiadas indiretamente.

de Apicultores.

A entidade produz também

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TEcnologias sociais

iogurte natural sem química, que vende com o mel a prefeituras para merenda escolar. O Banco do Brasil financiou 20 projetos na linha do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). Neste projeto, foram capacitados 1.102

produtores que vivem abaixo da linha da pobreza. O Centec distribuiu para 5.510 colmeias e mais 14 itens que compõe o kit apicultor em 23 municípios de menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Estado.

desenvolvida em 12 municípios de baixo Índice de Desenvolvimento Municipal (IDM) com apoio do Fecop. Foram capacitados 600 produtores e fornecidos 12 kits tecnológicos com secador solar da palha e equipamentos e materiais para melhoria da produção do pó cerífero e fabricação do papel.

99 O secador solar proporciona um aumento no rendimento em cerca de 64% para 92%, melhora a qualidade da cera, do pó cerífero e reduz os custos de produção.

A receita bruta obtida com o uso do secador gera incremento de 106% em comparação com o sistema tradicional. O Ceará produz 8.254 toneladas de cera de carnaúba por ano. A tecnologia visa a melhoria no processo de produção e da qualidade da cera, com o aprendizado de boas práticas de produção, secagem da palha e extração do pó cerífero.

Com assistência técnica continuada, a iniciativa busca a elevação do IDH dos municípios atendidos. Outro exemplo de tecnologia social aplicada é a transformação da folha da carnaúba em papel, usado para confeccionar diversos produtos e objetos de artesanato. A alternativa tecnológica foi gerada pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), adaptada no Ceará e transferida para municípios de baixo IDH com recursos do Fundo de Combate à Pobreza (Fecop) pelas secretarias da Ciência e Tecnologia e Educação Superior, do Desenvolvimento Agrário, do Trabalho e Desenvolvimento Social e Instituto Centec. Mais tarde foi aplicada para palha de milho, bagaço da cana-de-açúcar e algas marinhas.

99 A transferência de tecnologia com uso da carnaúba e do secador solar na produção de papel e peças artesanais foi 10

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Também foram realizadas oficinas de trabalho para a produção de papel e de peças artesanais em Amontada, Caridade, Cariré, Choró, Granja, Itaiçaba, Massapê, Miraíma, Moraújo, Morrinhos, Santana do Acaraú e Uruoca. A Secretaria do Desenvolvimento Agrário (SDA), apoia uma nova aplicação do projeto com 480 pessoas em Jaguaruana, Russas, Beberibe, Bela Cruz, Granja, Sobral, Poranga e Canindé, 60 em cada município.

Pela qualidade de vida

As tecnologias sociais possuem a característica ímpar de aproximar e estreitar as relações entre a tecnologia e as demandas e necessidades de melhoria de qualidade de vida da população brasileira. Fundamentam-se em pesquisas, conhecimentos populares ou científicos e tecnológicos, e podem assim solucionar os mais variados problemas do povo brasileiro. As tecnologias sociais têm como ponto de partida a busca pela melhoria da qualidade de vida e como ponto de chegada respostas concretas à população. Constituem, portanto, numa ponte, construída pelo conhecimento e suas aplicações, uma ligação prática, real e concreta, entre os problemas sociais e suas soluções.


Inclusão pelo

projeto Mulheres Mil

Nordestinas vão figurar em novela. A estreia da novela “Viver a Vida”, da TV Globo, vai incluir personagens da vida real no roteiro. São quatro mulheres nordestinas, uma delas do bairro Pirambu, em Fortaleza, e mais três selecionadas em Recife, Salvador e João Pessoa. As protagonistas indicadas a pedido da produção da TV fazem parte do projeto Mulheres Mil, uma tecnologia social desenvolvida pelo Instituto Federal, que visa a formação profissional para inserção no mercado de trabalho na área do turismo

A

informação é do pró-reitor de Extensão do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFCE), Gutenberg Albuquerque. A participação se dá ao fim de cada capítulo com um depoimento real de pessoas comuns. Também estão sendo sondadas alunas participantes do Projeto Mulheres Mil dos estados do Ceará, Bahia, Pernambuco e Paraíba. “Não existe número definido. Podem ser várias de cada subprojeto”, explica o pró-reitor.

A ação se dá dentro de um acordo de cooperação entre os governos do Brasil e Canadá para beneficiar, no mínimo, mil mulheres durante quatro anos em 12 estados das regiões Norte e Nordeste. Os

Institutos Federais de Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Pernambuco, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Norte, Roraima, Sergipe e a Escola Técnica Federal de Palmas desenvolvem a iniciativa. Cada estado desenvolve o projeto numa área específica. A primeira turma do Ceará concluiu os cursos de

culinária e de camareira com 35 mulheres. Uma segunda foi selecionada em junho com mais 40 mulheres. “Está prevista outra turma de 40 mulheres para 2010”, informa a coordenadora do projeto e da área de Relações Internacionais do IFCE, Sarah Virgínia Carvalho Ribeiro. No Ceará, o foco é dado ao turismo, pela capacidade que o setor pode proporcionar para a geração de renda e trabalho. As aulas são dadas pelos alunos dos cursos superiores, como atividade da disciplina Projeto Social, que obriga desenvolver um projeto comunitário no último ano da graduação. A Agência Canadense para o Desenvolvimento Internacional (Cida/Acdi) e a Associação das Faculdades Comunitárias Canadenses (Accc), similar ao IFCE, gerou a experiência do modelo. A transferência da tecnologia para o Brasil com adaptação à realidade local é feita por meio do Ministério da Educação, Rede Norte-Nordeste de Educação Tecnológica (Rdenet), Conselho dos Reitores dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (Conif) e pelos Institutos Federais (IFs).

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O currículo do curso de 400 horas com teoria e prática abrange noções

básicas de português, matemática e as disciplinas específicas de manipulação de alimentos e camareira, informática, inglês, espanhol, segurança do trabalho, saúde, DST, Aids, direitos da mulher, relações sociais e oficinas de empreendedorismo e cooperativismo. As mulheres passam ainda por estágio de 40 horas em hotel para que sejam contratadas por empresas ou montem o seu próprio negócio. Sarah Virgínia Carvalho Ribeiro informa que a direção nacional do projeto tenta finan-

ciamento no Banco de Desenvolvimento Social e Econômico (Bndes) para as cooperativas de mulheres. No Ceará, o projeto foi iniciado em 2007 e será executado até 2011. A coordenadora diz que precisa da parceria de mais hotéis para atividade de estágio. Para isso, pretende formatar convênio coma seção cearense da Associação Brasileira da Indústria Hoteleira (Abih). O exemplo das Faculdades Comunitárias Canadenses ao atender também a clientela diferenciada da que frequenta os cursos regulares chega ao Brasil por meio dos IFs, que trabalham nesta rota de acesso ao mercado. O projeto Mulheres Mil é o primeiro passo para a iniciativa do Ministério da Educação que irá lançar a Rede Certific, que visa dar certificação de conhecimentos adquiridos na prática por meio dos IFs. Assim, um eletricista prático, após comprovar os conhecimentos, receberá uma certificação. O Pirambu é considerado o bairro com maior número de habitantes de Fortaleza. As alunas recebem uma bolsa-auxílio no valor de R$ 100 e transporte para se deslocarem para as aulas que acontecem no Campus Fortaleza do IFCE, no bairro Benfica. Os recursos são repassados pela Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação (Setec/MEC). Foi comemorada com festa a formatura da primeira turma do projeto em março deste ano – a segunda concluirá o curso em junho de 2010.

Wilton Bezerra Júnior Editor Executivo n editor@editoraassare.com.br n wiltonbezerrajunior@gmail.com MarcelBezerraDiretorEditorAdjuntonmarcel@editoraassare.com.brFlamínioAraripeEditorAdjuntodeCiênciaeTecnologianflaminio.a@gmail.com Apoio Escritório Técnico de Estudos Econômicos do Nordeste (ETENE) / Banco do Nordeste do Brasil (BNB) Apoio Técnico Centro de Pesquisa e Qualificação Tecnológica (CPQT) Diretor-Executivo Edson da Silva Almeida Colaboração Assessoria de Comunicação Social do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) / Jornalista Marlen Danúsia

Editora Assaré Ltda ME - Rua Waldery Uchôa, 567 A n Benfica, Fortaleza, Ceará n CEP: 60020-110 e-mail: assare@editoraassare.com.br - Fone/fax: (85) 3254.4469 TODOSOSDIREITOSSÃORESERVADOS.Éproibidaareproduçãototalouparcial,especialmenteporsistemasgráficos,microfílmicos,fotográficos,reprográficos,fonográficosevideográficosouqualqueroutromeioouprocesso existenteouquevenhaasercriado. ocadernodeciência&tecnologiaéumaparteintegrantedarevistaNordesteVinteUmenãopodeservendidoseparadamente

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ciência &tecnologia / junho AGOSTOde de2009 2009


História

“Mauá”do Nordeste Um empreendedor que se antecipou nas inovações técnicas, no controle da reprodução operária e na exploração das potencialidades industriais do sertão. Homem com rara habilidade para ganhar dinheiro e organizar empreendimentos inovadores na indústria e no comércio. Com uma trajetória marcada por sucessos e fracassos, Delmiro Gouveia protagonizou a história do desenvolvimento do Nordeste, lá pelas bandas de Pernambuco e Alagoas, entre o fim do século XIX e as duas primeiras décadas do XX. Envolveu-se em acirradas disputas e conflitos — dos coronéis aos monopólios internacionais. Coronel para uns, empreendedor para outros, este cearense é sinônimo de destemor, ousadia e autoritarismo. Para muitos, o “Mauá” do Nordeste, uma analogia a Irineu Evangelista de Sousa, empresário, industrial, banqueiro e político do Segundo Reinado, maior símbolo dos empreendedores capitalistas brasileiros do século XIX Por Samira de Castro

MUSSO. Acervo Fundação Joaquim Nabuco

redacao@nordestevinteum.com.br

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AFAI

Praça Jardim de Iracema, em Ipú/CE, cidade natal de Delmiro Gouveia, mostrando parte da rua Coronel Félix. Ao fundo, a Bica do Ipu na Serra da Ibiapaba

E

m Ipu, município serrano a 294 quilômetros de Fortaleza, Ceará, provavelmente pouca gente conhece a saga deste filho ilustre. Porém, pergunte em Alagoas quem foi Delmiro Augusto da Cruz Gouveia que muitos irão associá-lo à cidade encravada no cânion do rio São Francisco, de pouco mais de 48 mil habitantes, a 301 quilômetros de Maceió, à qual ele empresta nome e sobrenome.

Delmiro Gouveia: cearense, entrou nos livros de história como pioneiro da industrialização no Nordeste. Figura polêmica. Quase um mártir do empresariado nacional. Homem que, no alvorecer do Século XX, comandava seus negócios à moda dos coronéis, porém, com atitudes visionárias, tanto no campo econômico quanto no social. Personalidade difícil de resumir em poucas palavras. O que dizer de um sujeito que, de arma em punho, obrigava os empregados a descer penhascos para construir a primeira hidrelétrica do Brasil, a de Paulo Afonso? Ao mesmo tempo, em plena década de 10, já assegurava aos seus funcionários direitos resguardados pelo populismo da (CLT) de Getúlio Vargas, como jornada de trabalho, creche, escola e assistência médica. Em pleno Brasil rural, Gouveia teimava em ser urbano, mas sem deixar de lado o sertão. Exportava pele de bode pros “States” e até criou o que pode ser chamado de primeiro shopping center do Brasil, o Mercado do Derby, no Recife.

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O interesse por Delmiro Gouveia percorre o meio acadêmico, empresarial, artístico e político. A junção de uma vida pessoal atribulada, com conflitos políticos marcados por tensões intensas e com realizações audaciosas no mundo dos negócios, converteu Delmiro em um personagem ímpar no cenário empresarial brasileiro Telma de Barros Correia, professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da EESC-USP

Comprou briga com gente graúda quando, em mais um arroubo de ousadia, fundou já em Alagoas a Companhia Agro Fabril Mercantil, que, logo nos primeiros meses, já produzia 216 mil carretéis de linha de algodão – ramo dominado pelos ingleses da Machine Cottons. Ao trombar em monopólios tradicionais, Delmiro se metera numa encrenca das piores.

A história mostra que nunca há uma só verdade. Para muitos, o “Mauá do Nordeste” não passava de um coronel autoritário, que fazia lá suas benesses, mas controlava com pulso de ferro a cidade da Pedra, com sua vila operária, onde bebida alcoólica era artigo permitido apenas ao patrão. A este sim, cabia saborear champanhes caros e vinhos de Bordeaux. “O interesse por Delmiro Gouveia percorre o meio acadêmico, empresarial, artístico e político. A junção de uma vida pessoal atribulada, com conflitos políticos marcados por tensões intensas e com realizações audaciosas no mundo dos negócios, converteu Delmiro em um personagem ímpar no cenário empresarial brasileiro”, afirma Telma de Barros Correia, professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (EESCUSP). É dela o prefácio do livro Ousadia no Nordeste: a saga empreendedora de Delmiro Gouveia (Maceió, FIEA, GIJS, 2007), escrito por Davi Roberto Bandeira da Silva.


Filho “ilegítimo”, órfão e analfabeto

Da seca no Ceará à prosperidade no Recife D

elmiro Augusto da Cruz Gouveia nasceu em 5 de junho de 1863, na fazenda Boa Vista, no município de Ipu, na serra da Ibiapaba, Ceará, 14 anos antes de uma grande seca vitimar 500 mil nordestinos. Fruto da paixão e do acaso: o coronel Delmiro de Farias, casado e pai de cinco filhos, raptou a jovem pernambucana Leonilda Flora da Cruz Gouveia. Apaixonou-se por ela quando viajou a Recife, a negócios. Da união extaconjugal nasceu o menino Delmiro, segundo tantas biografias dele, uma delas escrita por J.C. Alencar Araripe (Delmiro Gouveia: a glória de um pioneiro. Fortaleza: BNB, 1997).

Órfão de pai – que morrera na Guerra do Paraguai –, o cearense mudou-se ainda criança para Recife. Depois de perder a mãe, em 1877, caiu no mundo com apenas 15 anos, sobrevivendo de vários ofícios. Analfabeto e sem dinheiro, foi atrás dos primeiros trocados como bilheteiro na estação ferroviária de Olinda. Aos 18 anos, empregou-se na Alfândega, como despachante de barcaças no Cais de Ramos. Os despachos burocráticos nunca o seduziram e, antes que morresse de tédio, foi trabalhar no comércio de “courinhos”, artigos de pele de bode, carneiro e cabra, popularíssimos no Nordeste da época.

“Rei das Peles”

E

m 1891, fundou, com um amigo de origem inglesa, a Levy & Delmiro. De acordo com Dilton Cândido Santos Maynard, professor da Universidade Estadual de Alagoas e autor da tese O Senhor da Pedra: os usos da memória de Delmiro Gouveia (1940-1980), defendida na Universidade Federal de Pernambuco, em 2008, atacando ferozmente a concorrência, em pouco tempo o jovem empresário figurava nos jornais com a alcunha de “Rei das Peles”. Tornara-se o único exportador de couros do Nordeste para os Estados Unidos. “Os lucros lhe trouxeram uma vida de fausto: sua residência, a Vila Anunciada - assim batizada em homenagem à primeira esposa -, foi transformada em um espaço para grandes festas e saraus”, relata. Aos 35 anos, era um comercian-

te respeitado. “Apesar de não vir de família tradicional e de possuir pouca instrução, Gouveia tornou-se presidente da Associação Comercial de Pernambuco. Seu figurino era elegante: ditou moda com os colarinhos Delmiro Gouveia, tinha um apreço todo especial por roupas brancas e perfumes importados”, relata Maynard. Quando ia à cidade, não dispensava bengala e cartola. Estava sempre perfumado. Reza o povo que o homem era boêmio e mulherengo, um dândi em pleno semiárido. Mas, era viajado, conhecia a Europa e os Estados Unidos. De dia, encontravam-no sempre se declarando apaixonado para a esposa. Mas, a fama de negociante próspero logo foi acompanhada pela de galanteador, que enviava rosas e bilhetinhos apaixonados às amantes.

Guimarães & Cia. Rio de Janeiro. Acervo Fundação Joaquim Nabuco

Vida de fausto, um dândi do semiárido

Delmiro Gouveia não dispensava bengala e cartola Agosto/2009

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Eletricidade e pioneirismo

Derby: o shopping 24 horas do sertão

Mercado Modelo Coelho Cintra ou Mercado do Derby, destruído por um incêndio, na madrugada de 1º de janeiro de 1900 e recuperado em 1909, onde hoje funciona o quartel-general da Polícia Militar em Recife

Em 1899 Delmiro Gouveia, voltou da Exposição Universal de Chicago com a idéia de construir um enorme estabelecimento, onde se pudesse encontrar de tudo. O Mercado do Derby não demorou a ficar pronto. Era o primeiro estabelecimento comercial da capital pernambucana com energia elétrica, vendia produtos pela metade do preço e funcionava 24 horas por dia. Também contava com hotel, parque de diversões e restaurante.

“Era um mercado com 129 metros de comprimento por 28 de largura, 18 portões, 112 janelas e venezianas, e um restaurante. Funcionavam no Derby 264 boxes, todos com balcões de mármore, onde se vendiam hortaliças e verduras”, escreveu Maynard. Quem desembarcava no porto de Recife era transportado pelo leito do rio Capibaribe para um hotel construído próximo ao mercado – relata o professor da Universidade

Estadual de Alagoas. “Mas, a grande atração era mesmo a iluminação elétrica, inédita na cidade. O público lotava o mercado para experimentar os carrosséis e divertirse com as barracas de prendas, o teatro, as regatas, além do velódromo para ciclismo. Para muitos, o Derby foi a versão pioneira de um shopping center no Brasil”, conta Maynard. Do prefeito José Coelho Cintra (1843-1939), inimigo seu declarado, Delmiro Gouveia obteve isenção de impostos e outros favores, mas os privilégios não foram suficientes para que mantivesse o Derby por muito tempo. No dia 2 de janeiro de 1900, o empreendimento ardeu em chamas. “O misterioso incêndio teria sido uma resposta à ousadia do empresário, que eliminava intermediários baixando os preços e, certa vez, chegou a atacar a bengaladas o senador Francisco Rosa e Silva (1857-1929), poderoso líder político pernambucano e então vice-presidente da República. Delmiro acabou preso, acusado de ter ordenado o fogaréu para receber o seguro”.

um contemporâneo de magnatas 1896 Delmiro funda a casa Delmiro Gouveia & Cia., continuando a trabalhar no ramo dos couros e das peles de cabra e ovelhas. Ganha o apelido de “Rei das Peles”. 1897 Entra em funcionamento, nas Cataratas do Niágara (EUA), o complexo Niagara Falls, hidrelétrica com um sistema de geração e transmissão de corrente construído pela Westinghouse. O modelo se tornará referência para todo o século seguinte. 1899 Em março, a farmacêutica alemã Bayer patenteia o ácido acetilsalicílico (aspirina), obtido, dois anos antes,

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pela conjugação química do ácido salicílico com o acetato. É o primeiro fármaco da história a ser sintetizado, não recolhido na natureza na sua forma final. No dia 7 de setembro, Delmiro inaugura o Mercado Coelho Cintra, no Recife, aproveitando as terras abandonadas do Derby Clube. 1903 Em março, Delmiro instala seu negócio de compra de peles na Vila da Pedra, em Alagoas, a cerca de 280 quilômetros de Maceió. 1906 Maria Augusta Gouveia, irmã de Delmiro, ladeada por seus sobrinhos, filhos deste, Detalhe do interior da Companhia Agro Fabril Mercantil Frederick Henry Royce e Charles Stewart fundam Noemia,Rolls Maria e Noé de linhas, setor de dínamos na Inglaterra a fábrica de carros Rolls-Royce. No dia 23


Recomeço do zero

Falência, “courinhos”, rapto de mulher e fuga para Alagoas Musso, Rio de Janeiro. Acervo Fundação Joaquim Nabuco

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e acordo com Maynard, os negócios iam mal e Delmiro Gouveia insistia em torrar dinheiro em viagens ao exterior. Assim, as empresas faliram em 1901, com uma dívida de 1,7 milhão de réis. “Inocentado do incêndio no Derby, passou por uma séria crise conjugal. Para fugir do redemoinho, viajou para a Europa, ficando cerca de um ano longe dos negócios, que iam mal, e do casamento, que desmoronara. Quando, enfim, retornou ao Brasil, estava falido”. O empreendedor recomeçou do zero. Sem gastar nada – dois sócios entraram com o capital –, montou uma fábrica de “courinhos”. Recuperou a confiança dos credores. Mas tropeçou nas coisas do amor. Separado da primeira esposa, apaixonou-se pela afilhada do governador de Pernambuco, Segismundo Gonçalves (1845-1915). Às vésperas de completar 40 anos, raptou a menina Carmela Eulina do Amaral Gusmão, de 16 anos, e a levou para o interior do estado – seguindo a sina de seu pai. Com a prisão decretada, fugiu para a minúscula cidade de Água Branca, no sertão alagoano, onde constituiu seu império industrial. Onde a companheira lhe daria seus três filhos. “Alguns biógrafos sugerem que Eulina foi a ‘vingança de saias’ aplicada por Delmiro em Segismundo, pelos ataques aos seus negócios”, diz Maynard.

Maria Augusta Gouveia, irmã de Delmiro, com seus sobrinhos, Noêmia, Maria e Noé, filhos de sua cunhada Eulina do Amaral Gusmão com seu irmão

Osael. Acervo Fundação Joaquim Nabuco.

A trajetória de Delmiro Gouveia foi simultânea à dos magnatas do petróleo e da indústria automobilística americana e européia. Como estes, o empreendedor cearense foi capaz de transformar o espaço ao seu redor, evidenciadas as devidas proporções. Confira na cronologia:

de outubro, em Paris, no campo de Bagatelle, o brasileiro Alberto Santos Dumont realiza o primeiro vôo de avião da história, percorrendo 60 metros no ar com seu 14-Bis. 1911 O engenheiro norte-americano Frederick W. Taylor publica Os princípios da administração científica, em que propõe uma racionalização da produção, de modo que o trabalhador desenvolva tarefas ultra-especializadas e repetitivas. Nasce o taylorismo. O Supremo Tribunal dos Estados Unidos desmantela o monopólio da Standard Oil, de John Davison Rockefeller, e ordena a criação de 34 pequenas novas refinarias, das quais emergirão Exxon, Chevron, Atlantic, Mobil e Amoco. Em 10 de outubro, um levante militar, inspirado nas idéias revolucionárias

de Sun Yat-sen, leva ao fim o milenar império chinês e à proclamação da República da China no ano seguinte. 1912 Delmiro registra a Companhia Agro Fabril Mercantil, no Recife, e inicia a construção da fábrica e da vila operária, na Pedra. Na noite de 14 abril, o Titanic, navio transatlântico da British White Star Line, colide com um iceberg no Oceano Atlântico em sua viagem inaugural. O naufrágio causa mais de 1.500 vítimas. 1913 Delmiro capta a energia hidrelétrica na queda do Angiquinho, na cachoeira de Paulo Afonso. Henry Ford adota a linha de montagem em sua fábrica.

1914 Delmiro inaugura a fábrica de linhas que muito cedo dominariam o mercado nacional, com a marca Estrela. Impõe-se também fortemente em várias praças estrangeiras, com a marca Barrilejo. No dia 28 de junho, o arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono austro-húngaro, é assassinado em Sarajevo por um nacionalista sérvio. É o estopim da Primeira Guerra Mundial, que começará um mês depois. 1917 No dia 10 de outubro, Delmiro Gouveia morre assassinado à bala. No dia 25 do mesmo mês, o partido bolchevique toma o poder na Rússia, anunciando a abolição da propriedade privada e a socialização da produção. Agosto/2009

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Hidrelétrica

Luigi Borella. Acervo Fundação Joaquim Nabuco

Enfim, a luz em Água Branca, à base de revólver e ameaça ANGIQUINHO

blog.fabiomagnani.com

blog.fabiomagnani.com

Turismo com rio, cachoeira, usina, locomotiva e caatinga

Hidrelétrica de Angiquinho onde as máquinas foram instaladas literalmente dentro da rocha

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O salto do Angiquinho no Cânion do São Francisco com a usina em pleno funcionamento

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m Água Branca, Delmiro Gouveia recebeu apoio das poderosas famílias Torres e Luna. Retomou o negócio de peles e couros. Recuperou-se dos prejuízos e, em março de 1903, fixou-se na Vila da Pedra. Próxima ao sítio que comprou na região ficava a cachoeira de Paulo Afonso. Começou ali a matutar um plano ousado: a partir da queda d’água, construir uma hidrelétrica para fornecer energia ao Recife, sua antiga morada, e a outras cidades do Nordeste. Tudo arquitetado, Gouveia importou equipamentos e, em 1911, trouxe um grupo de engenheiros americanos, que elaboraram um projeto de aproveitamento e exploração do rio São Francisco. Mas, nem tudo saiu como o es-

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perado. O governador Dantas Barreto (1850-1931) teria dito ao negar a concessão: “‘O negócio é bom. Tão bom que deve esconder alguma velhacaria!’ Os americanos pularam fora, mas Gouveia levou a ideia adiante, limitando-a às suas terras”, escreveu Maynard. Assim, nascia a Hidrelétrica de Paulo Afonso. Para construí-la, o coronel do progresso enfrentou o pavor dos sertanejos em descer os 80 metros de da queda-d’água. Para desfazer-lhes o medo, o próprio Delmiro se aventurou no penhasco, amarrado a uma corda. Em seguida, obrigou-os a imitá-lo. Antevendo qualquer demonstração de covardia, posicionouse na beira da cachoeira, revólver em punho. Não hesitaria em atirar no cabra que se atrevesse a recuar.

ma das principais atrações turísticas de Delmiro Gouveia é a região de Angiquinho. O lugar faz parte da área rural do município. É lá onde está instalada a primeira usina hidrelétrica do Nordeste. A usina começou a funcionar em 1913 e está aberta à visitação. Angiquinho ainda possui a Cachoeira de Paulo Afonso, uma visita imperdível. Lá, o turista encontra uma linda paisagem formada por natureza, rochas e vegetação típica do sertão e do rio São Francisco. Quem quer conhecer um pouco mais da história de Delmiro Gouveia deve visitar o Museu da Pedra. Funciona na antiga estação ferroviária Great Western, construída por D. Pedro II em 1878 e que deu origem ao povoado. O lugar abriga peças que pertenceram à família de Delmiro Gouveia, bem como objetos que contam a história da antiga fábrica de linhas e da ferrovia. No pátio do museu está exposta uma antiga locomotiva “Maria Fumaça”, que fazia o transporte de passageiros e cargas à cidade de Piranhas.


Linha de algodão

Osael. Acervo Fundação Joaquim Nabuco

Fábrica de progressos muda paisagem do sertão alagoano

Frontispício da Companhia Agro Fabril Mercantil, produtora da linha Estrela, na Pedra, Alagoas

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energia obtida em Paulo Afonso moveu a Fábrica da Pedra – a Companhia Agro Fabril Mercantil, fundada por Gouveia em 1914. Nascia a primeira indústria têxtil do sertão alagoano, que prosperou alavancada pelos tempos da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Logo nos primeiros meses, a unidade produzia 216 mil carretéis de linha de algodão – ramo dominado pelos ingleses da Machine Cottons. “Os carretéis ingleses passaram a sofrer uma inesperada concorrência no mercado nacional, com o rá-

pido crescimento das linhas marca Estrela. No exterior, Gouveia lançou a linha Barrilejo. Sua clientela estrangeira incluía Chile, Argentina, Peru, Bolívia, Antilhas e Canadá”, conta o professor Maynard. Com água, energia elétrica e empregos, o empreendedor modificou a paisagem do sertão alagoano. “A vila pulou de menos de uma dezena para cerca de 250 casas, com uma população de quase cinco mil pessoas. As bebidas alcoólicas foram proibidas – mas isso, evidentemente, não valia para o ‘rei das peles’, que agora era o ‘senhor da Pedra’ ”.

Automóveis, gelo, telégrafo, cinema, carrossel, tipografia, música, jornada de trabalho e rigor “Seus cinco automóveis, os primeiros a cruzar aqueles sertões, assustavam os camponeses”, escreveu Maynard. Junto com a indústria, levou para a pequena localidade a máquina de gelo, o telégrafo, o cinema (como ingresso das crianças, cobrava o boletim escolar com boas notas), o carrossel, a tipografia, bandas de música e a jornada de trabalho de oito horas, com folgas aos domingos. Dilton Cândido Santos Maynard relata que a fábrica possuía

uma vila operária, onde Delmiro impôs normas rigorosas aos moradores: “Havia horário para fechar as portas, vistoria da higiene nas casas e multas para quem cuspisse no chão”. O coronel cearense exigia das moças vestidos abaixo dos joelhos e cabelos arrumados. Os filhos dos empregados eram obrigados a estudar – se faltassem, os pais recebiam duras advertências. Todos deveriam andar sempre asseados. Para muitos, todo dia era o de vestir a roupa de domingo.

Têxtil em Alagoas é origem do primeiro polo industrial do NE

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a visão empresarial de Delmiro Gouveia originou-se, no início do século XX, a formação do primeiro polo industrial do Nordeste brasileiro junto com a implantação da primeira indústria têxtil no sertão alagoano. A Cia. Agro Fabril Mercantil começou a funcionar em 5 de junho de 1914, na distante Vila da Pedra, hoje município de Delmiro Gouveia. Os primeiros carretéis vieram da Finlândia. A primeira compra de algodão do Egito. Depois, veio a utilização do algodão Seridó, plantado nas terras da região. Com a implantação desta fábrica, o lugarejo inabitado da Pedra prosperou, ganhou posto telegráfico, estradas e os primeiros automóveis. Em seu primeiro ano de funcionamento, a fábrica empregava mais de 800 operários, responsáveis pela produção diária de mais de dois mil carretéis de linhas para costura, rendas e bordados. Em 1916, a fábrica intensificou a sua produção, passando a exportar para a Argentina, Chile, Peru e outros da América do Sul. Com sua morte, o controle da Cia. Agro Fabril Industrial passou aos irmãos Menezes, até que, no fim dos anos 80, após sucessivas crises financeiras, foi adquirida pelo Grupo Cataguases, passando a chamar-se Multifabril Nordeste S/A. Essas crises voltaram a se repetir, levando a fábrica a ter a sua produção radicalmente reduzida, com o risco de ter as suas portas fechadas. Em 1992 o Grupo Carlos Lyra, tradicional no segmento da agroindústria de açúcar, álcool e de fertilizantes, com forte participação na economia nacional, aceitou o desafio de continuar o legado empresarial de Delmiro. Assumindo o controle da empresa, deu-lhe o nome da Fábrica da Pedra S/A Fiação e Tecelagem – uma homenagem de Carlos Lyra à cidade onde Delmiro Gouveia fez história, a antiga Vila da Pedra. Hoje, o empreendimento produz cerca de 1.500.000 metros de tecido/mês, destinados ao mercado brasileiro e ao Mercosul. Emprega 500 funcionários, dos quais 99% estão em Delmiro Gouveia.

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Construção do mito

ontam seus biógrafos e estudiosos que Delmiro Gouveia se metera numa encrenca das piores ao enfrentar o monopólio do ramo têxtil. Mandou cercar sua casa-grande e contratou guardas armados. “Fosse por desavenças pessoais, fosse por interesses comerciais contrariados, sua pele estava a prêmio. Aos 54 anos, era um cabra marcado para morrer. E driblar este destino foi um golpe que o magnata não soube dar”, conta Maynard. Três tiros à queima-roupa acabaram com o sonho de cobrir o sertão de máquinas. Estes foram disparados quando o empresário lia jornal na varanda de seu chalé, no dia 17 de outubro de 1917. Apesar de as suspeitas recaírem sobre a Machine Cottons – grupo inglês que fez uma férrea campanha para adquirir a Fábrica da Pedra e retomar o monopólio no negócio de linhas, perdido durante a Primeira Guerra –, o crime jamais foi solucionado. No processo judicial – em que ninguém nunca acreditou – o acusado de disparar os tiros foi condenado a 30 anos de prisão. Era um ex-operário da

1903-1917 Água vinha de trem. Depois, barragens e desenvolvimento

Q

uando Delmiro Gouveia chegou à Pedra, em 1903, existia ali apenas uma pequena estação da Ferrovia Paulo Afonso e umas poucas casas de taipa. Até a água precisava vir de trem. Quando ele morreu assassinado, em 1917, a então Pedra já contava com cerca de 6 mil moradores. Em 1916, a Cia. Agro Fabril Mercantil produzia, com algodão seridó plantado na região,

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MUSSO. Acervo Fundação Joaquim Nabuco

“Cabra marcado para morrer aos 54 anos” C

Delmiro Gouveia foi assassinado aos 54 anos com três tiros à queima-roupa enquanto lia o jornal na varanda de seu chalé em 17 de outubro de 1917

Companhia Agro Fabril que morava justamente na Vila da Pedra. Em seu testamento, relata Maynard, o cearense deixou uma fortuna calculada em quatro mil contos de réis. “E exigiu: ‘Quero que meu corpo seja inumado em cova rasa, sendo meu enterro feito sem pompa alguma e dispenso também todos os sufrágios e quaisquer outras solenidades’.

518.400 carretéis de linha de costura por dia, de qualidade igual ou superior aos melhores produtos importados, sem descuidar do bem estar dos operários. Para minorar o problema de falta d’água que chegava de longe, no trem semanal, Delmiro logo construiu o açude do Desvio, no córrego Paricônia, e no ano de 1907 fez a barragem no Riacho de Mosquita, para construir o açude de Pedra Velha. Em grande parte, graças às ações pioneiras de seu afamado morador Delmiro, hoje o município que leva seu nome tornou-se uma das mais importantes cidades do interior de Alagoas.

A banda local acompanhou o féretro, mas, além disso, nada mais houve”. Anos após a sua morte, o grupo inglês finalmente comprou a fábrica. E não perdeu a oportunidade de chocar a população da Pedra: várias máquinas da CAM foram quebradas e jogadas no leito do Rio São Francisco. Para Telma de Barros Correia, a morte prematura, violenta e pouco esclarecida, contribuiu para reforçar a força do mito no qual Delmiro Gouveia já havia se convertido quando vivo e aprofundar o interesse em torno do personagem e de sua obra. “Um homem com rara habilidade para ganhar dinheiro e organizar empreendimentos inovadores, mobilizando amplamente os recursos oferecidos pela técnica e pela ciência. Mostra-se, por outro lado, um homem de pulso e coragem – capaz de grandes embates –, que na visão de vários autores teria enfrentado a prepotência das oligarquias estaduais, a fúria de trustes internacionais e a violência dos coronéis”, diz a professora, em relação às obras até hoje publicadas sobre ele.

Veja também Livros: ARARIPE, J.C. Delmiro Gouveia: a glória de um pioneiro. Fortaleza: BNB, 1997. MARTINS, F. Magalhães. Delmiro Gouveia: pioneiro e nacionalista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília: INL,1979. ROCHA, Tadeu. Delmiro Gouveia: o pioneiro de Paulo Afonso. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 1970. SILVA, Davi Roberto Bandeira da. Ousadia no Nordeste: a saga empreendedora de Delmiro Gouveia. Maceió, FIEA, GIJS, 2007

Filmes: “Coronel Delmiro Gouveia”, de Geraldo Sarno, 1977. “Delmiro Gouveia: o homem e a terra”, de Ruy Santos,1971.


DESENVOLVIMENTO

O semiárido quer

Prioridade Equador

Área seca compreende 41.3% da área terrestre global percentual da área terrestre

Hiper Árido

Superfície terrestre

Hiper Árido

Árido

Semiárido

Subúmido/ Seco

Árido Semiárido

População

Subúmido Seco

Fonte: Millenium Ecosytem Assessment

percentual da população global

Área seca está na casa de 34.7% da população global em 2000

Em agosto de 2010, o Ceará vai sediar novamente a Conferência Internacional sobre Clima, Sustentabilidade e Desenvolvimento das Regiões Semiáridas, a Icid+18, também chamada de Icid 2010. Quase duas décadas depois do primeiro evento, afora alguns avanços institucionais, as regiões semiáridas, geralmente as maiores concentradoras de pobreza no globo, ainda não conseguiram o mais importante: virar prioridade na pauta da agenda de desenvolvimento mundial. Assunto que interessa diretamente ao nosso Nordeste subdesenvolvido Por Marcel Bezerra

marcel@editoraassare.com.br

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srael, no Oriente Médio, e o estado do Arizona, nos Estados Unidos, guardam semelhanças entre si. Ambos se localizam em regiões de secas, com grandes porções desérticas, e têm clima árido e semiárido. Dos 15 países do Oriente Médio, Israel é o único desenvolvido da região, mesmo sem produzir uma única gota de petróleo. Ao contrário dos vizinhos, todos subdesenvolvidos e onde o “ouro negro” não significou a saída para o atraso. Apesar dos escassos recursos naturais e do clima árido, já que 85% de suas terras são desérticas e falta água, Israel – que tem pouco mais de sete milhões de habitantes, 470 quilômetros de comprimento e 135 de largura, em seu ponto mais amplo –, desenvolveu intensamente sua agricultura e indústria, exporta tecnologia, frutas e alimentos. No estado do Arizona, grande parte do território possui clima árido ou semiárido. Estas regiões recebem menos de 40 centímetros de chuva por ano. Mas, nem por isso, a agricultura e a pecuária deixam de ser praticadas por lá. Vegetais (especialmente cenouras e ervilhas) são as principais fontes de renda agropecuária. Outros produtos cultivados são o algodão (o Arizona já foi o maior produtor nacional) e frutas cítricas. Leite e carne bovina são as principais fontes de renda da indústria pecuária. Estes são apenas dois exemplos de como polí-

Nova delimitação do semiárido brasileiro, o mais populoso do mundo

Legenda Limite municípios Municípios do semiárido

Fonte: Ministério da Integração Nacional 2005

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ticas públicas podem possibilitar desenvolvimento sustentável em regiões assim. Elas se situam em países de primeiro mundo e, infelizmente, não emblemáticas do que acontece nas demais zonas áridas e semiáridas do planeta. Em geral subdesenvolvidas, como a África subsaariana, a Mongólia e o Nordeste do Brasil, para citar apenas alguns exemplos, essas regiões, além dos sérios problemas socioeconômicos, ainda sofrem com a ameaça de agravamento das condições ambientais e climáticas, o que certamente tornará ainda mais difícil a presença humana. Divulgados em 2007, os últimos relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (sigla em inglês IPCC) – órgão das Nações Unidas responsável por produzir informações científicas em três relatórios divulgados periodicamente desde 1988 – apontam para um cenário catastrófico em termos globais. As estimativas são de que a temperatura média do planeta subirá quatro graus até 2100, caso nada seja feito para reduzir as emissões de gases responsáveis pelo aquecimento global. Previsões mais otimistas apostam que o aumento seria de 1.8 grau (com corte de 70% das emissões). Os relatórios são baseados na revisão de pesquisas de 2.500 cientistas de todo o mundo. Eles afirmam, categoricamente, que há 90% de certeza de que o homem é o responsável pelas mudanças do clima no planeta.


Nordeste brasileiro entre os mais impactados pelo aquecimento

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s relatórios do IPCC também divulgaram há dois anos os impactos do aquecimento global sobre a economia e o meio ambiente em escala mundial. E regiões como o Nordeste brasileiro deverão estar entre as mais atingidas. Já escassa e mal distribuída nessas áreas, a água terá acesso ainda mais dificultado na região, com o clima passando de semiárido para árido. Haverá com-

prometimento da recarga dos lençóis freáticos, cuja redução nos aqüíferos chegará a 70% até o ano 2050.

A contar, ainda, a evaporação, já considerável nos dias atuais. “Aumentos de temperatura associados à mudança de clima decorrente do aquecimento global, independente do que possa vir a ocorrer com as chuvas, já seriam suficientes para causar maior evaporação dos lagos, açudes e reservatórios e maior demanda evaporativa das plantas”, coloca José A. Marengo, pesquisador do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Cptec/Inpe). Sem falar da acentuação do processo de desertificação, em andamento em algumas áreas.

No plano socioeconômico, os resultados das projeções do IPCC para o Nordeste não seriam menos ruins. Segundo o estudo Mudanças Climáticas, Migrações e Saúde: Cenários para o Nordeste Brasileiro, 2000-2050, divulgado em versão final este ano pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais (Ufmg) e pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o impacto seria a queda

de 11,4% do Produto Interno Bruto (PIB) em relação ao crescimento esperado do indicador no cenário tendencial em 2050. Além disso, o setor agrícola teria sua capacidade produtiva mais atingida nas próximas décadas, o que comprometeria sua geração de renda e emprego. Haveria atração de trabalho para outras regiões do país e para setores menos afetados da economia, gerando migração e deslocamento de capital. De acordo com estudos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agrope-

cuária (Embrapa) e da Universidade de Campinas (Unicamp), a oferta de terras aptas à agricultura nos estados nordestinos terá reduções significativas. Por exemplo, a redução na

área de terras agriculturáveis será mais drástica nos estados do Ceará (-79,6%), Piauí (-70,1%), Paraíba (-66,6%) e Pernambuco (-64,9%).

Considerando essa redução na disponibilidade de terras agricultáveis, as estimativas desse estudo mostram reduções importantes nos PIBs estaduais. Os estados mais

afetados serão Pernambuco (-18,6%), Paraíba (-17,7%), Piauí (-17,5%) e Ceará (-16,4%). O Estado que terá o PIB menos atingido, segundo a modelagem baseada nas previsões do cenário A2 do IPCC, é Sergipe (-3,6%). Lá, deve ocorrer o menor choque na disponibilidade de terras para a agricultura (-5,3%).

Indicadores do Semiárido e Nordeste

DISCRIMINAÇÃO

PIB - R$ Bilhões (2007) PIB per capita – R$ (2007) População - Milhões (2007) Área Territorial (Km²) Densidade Demográfica (Habitante/Km²) (2007)

SEMIÁRIDO

NORDESTE

S.ÁR/NE (%)

86,5 3.880 22 986.909

298,2 5.790 52 1.553.917

29 67 43 64

22

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Fonte: Etene/BNB

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Perspectiva

Vida de 35% da população mundial e 41% da superfície do planeta em conferência

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panorama das regiões áridas e semiáridas tem a seguinte grandeza de relevância: nada menos que 35% da

população do planeta – mais de dois bilhões de pessoas – moram em terras secas, e cobrem 41% de superfície terrestre. Elas estão bem próximas

ao mapa de pobreza mundial e na mira das severas mudanças climáticas apontadas pelo IPCC. Todas as perspectivas climáticas e seus impactos no desenvolvimento das regiões semiáridas do mundo serão mais uma vez tema de um grande evento internacional que deverá reunir em Fortaleza, de 16 a 20 de agosto de 2010,

mais de duas mil pessoas de 50 países. A Segunda Conferência Internacional sobre Clima, Sustentabilidade e Desenvolvimento em Regiões Semiáridas, a Icid+18, também chamada de Icid 2010, convocará elaboradores de políticas públicas, cientistas e participantes da sociedade civil de países em desenvolvimento e industrializados,

representando todas as regiões semi-áridas do mundo. “O objetivo principal da Icid+18 é de novo alargar a agenda das regiões áridas e semiáridas na Rio+20, dessa vez com um sentido mais prático, o de tentar identificar e propor políticas públicas para o desenvolvimento sustentável dessas regiões”, afirma o diretor da Icid, Antônio Rocha Magalhães, para quem as populações que vivem nessas terras continuam sub-representadas na discussão de ações climáticas e de desenvolvimento.

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1992

Icid: o início dos

primeiros avanços institucionais

R

tribuição científica da Icid serviu de ocha Magalhães foi o coordebase para que os delegados presentes nador da primeira Icid, realina Rio 92 pudessem propor à Aszada há 17 anos, também em sembléia Geral das Nações Unidas Fortaleza. Na época que antea negociação de uma Convenção das cedeu a Conferência das Nações UniNações Unidas para o Combate à das sobre Meio Ambiente e DesenvolDesertificação (Unccd), que acabou vimento (Rio 92 ou Eco 92), ocorrida surgindo em 1994. Segundo o jornal no Rio de Janeiro, lideranças políticas francês Le Monde (26 de junho de do Nordeste, preocupadas com a au1992), graças à Icid as nações africasência de uma pauta de discussões nas obtiveram, dos países desenvolviligada às regiões áridas e semiáridas dos, no Rio de Janeiro, garantias de do planeta, sugeriram a realização da celebração da futura convenção. conferência, que acabou ocorrendo na A Unccd e as convenções de Mucapital cearense. danças Climáticas e de Preservação da “Ela produziu um conjunto de Biodiversidade tratam dos três maioconhecimentos científicos que foram res problemas ambientais enfrentados levados à Rio 92 e cumpriram o objepela humanidade, segundo a ONU. tivo principal que era de abrir espaços Um outro desdobramento imporpara a agenda das regiões semiáridas. tante da Icid foi Foi um evento o Projeto Áridas, que contou com O evento contou com 1.300 uma metodolo1.300 participantes oriundos participantes oriundos de 45 países gia desenvolvida um conjunto de 45 países e e de várias instituições nacionais e por de especialisde várias instituitas, cientistas ções nacionais e internacionais brasileiros e esinternacionais, trangeiros que discutiram o que as obtendo muita repercussão no Brasil e recomendações da Icid colocadas na no mundo”, lembra Magalhães. Declaração de Fortaleza significariam O saldo da primeira Icid incluiu para o semiárido do Nordeste do Braa publicação de diversos livros e dosil. “A partir daí, nós desenvolvemos cumentos que contribuíram para o uma metodologia de planejamento desenvolvimento de pesquisas em topara o desenvolvimento sustentável, dos os países que contam com regiões que chamamos de Projeto Áridas. Fisemiáridas. Entre eles, destacam-se zemos cerca de 50 estudos regionais, a Declaração de Fortaleza — A busca todos seguindo a mesma metodologia, do desenvolvimento sustentável para e nos estados esses estudos foram reas regiões semi-áridas, documento que plicados, inclusive no estado do Ceserviu como base de discussões duranará, fornecendo toda a base para a te a Eco 92, os Anais da Conferência safra de planos estaduais de desenvol(publicados em português, espanhol, vimento sustentável que começou em inglês e francês), os livros Desenvolvi1995, no Ceará”, recorda Magalhães. mento sustentável no Nordeste (publiEmbora reconheça que na prácado pelo Ipea), e Climate Variability, tica ainda estejamos longe de um Climate Change and Social Vulnerabidesenvolvimento sustentável, Rocha lity in the Semi-arid Tropics, que acaMagalhães destaca a preocupação e bou virando clássico mundial sobre o a elevação do nível de conscientizaassunto, publicado pela Cambridge ção geral em relação ao tema, “em University Press. boa parte graças ao trabalho da Icid GARANTIA ÀS NAÇÕES AFRICANAS. A cone do projeto Áridas”.


ONU, BID e Banco Mundial

Consolidação de parcerias e prospecção de recursos

A

menos de um ano para a Icid 2010, a organização do evento corre contra o tempo na busca de parcerias e de consolidar alianças com instituições do Brasil e do exterior. O objetivo é movimentar grupos de pesquisa que irão preparar e apresentar os trabalhos. Na segunda edição, a

Icid deverá investir R$ 5 milhões em organização. Os estudos vão abordar três temas relacionados ao clima, meio ambiente e desenvolvimento sustentável em regiões semiáridas. O primeiro deles é “informação sobre variabilidade e mudanças climáticas e ambientais”. “Segurança humana, bem-estar e desenvolvimento humano” e “processos de políticas públicas” são os outros dois.

O evento vai produzir e publicar recomendações para a Rio+20 (caso esta se concretize) e orientar análises e políticas destinadas a reduzir a vulnerabilidade e melhorar a qualidade de vida das pessoas que habitam as terras secas ao redor do mundo. De acordo com o diretor da Icid, a expectativa é de que cerca de 500 trabalhos sejam inscritos, dos quais 100 devem ser apresentados durante a conferência. A Icid+18 já conta com apoio garantido do Banco Mundial, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e da ONU. Entre o final de setembro e o início de outubro, Rocha Magalhães e autoridades estaduais integram missão à França, Alemanha, Bélgica e Inglaterra, com o objetivo de consolidar parcerias com instituições européias, para contribuições nas áreas científica e financeira. Uma equipe da Icid foi designada para participar, no fim de setembro, da conferência das partes da Convenção de Combate à Desertificação, em Buenos Aires, que contou com a participação de instituições do mundo inteiro.

Antônio Rocha Magalhães

Um cearense dedicado ao desenvolvimento

Globalmente, essas regiões mais pobres, semiáridas, continuam sem ter uma prioridade grande na agenda de desenvolvimento. Nela, a atenção maior está indo para a questão das florestas, e o problema do semiárido fica um pouco de lado. Então, a Icid tem esse objetivo de fortalecer a agenda para essas que correspondem às regiões mais pobres

A

avaliação é o diretor da Icid+18, Antônio Rocha Magalhães, que fala com conhecimento de causa. Cearense de Canindé, ele é doutor em Economia pela USP e dedicou a vida ao estudo e ao trabalho na área de desenvolvimento regional e sustentável. Trabalhou no Banco do Nordeste do Brasil (BNB) e no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Foi secretário de Planejamento do Estado do Ceará e secretário executivo do Ministério do Planejamento. Dirigiu o Projeto Áridas – uma estratégia para o desenvolvimento sustentável do Nordeste. Ensinou Economia na UFC e Políticas Públicas na Universidade do Texas, em Austin, nos Estados Unidos. Ex-consultor do Banco Mundial (Bird) no Brasil e também membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), Magalhães atualmente presta consultoria a vários órgãos, entre eles os ministérios do Meio Ambiente (MMA) e de Ciência e Tecnologia (MCT). Agosto/2009

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Agenda

Sustentabilidade não vira política de Estado no Brasil

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pós a nova delimitação estabelecida em 2005 pelo Ministério da Integração Nacional (MIN), o semiárido brasileiro corresponde a 969.589,4 km2, onde estão 1.133 municípios de oito estados nordestinos (exceto Maranhão) e do Norte de Minas Gerais. O governo federal con-

ta hoje com algumas políticas direcionadas para o semiárido brasileiro. Entre elas, estão o Plano Estratégico de Desenvolvimento Sustentável do Semiárido e o Plano Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca. Apesar de o conceito de desenvolvimento sustentável ter obtido bastante difusão em todo o mundo, Magalhães considera que no âmbito governamental, pelo menos no Brasil, ele ainda não inspira uma política de Estado, internalizada por todos os órgãos da estrutura administrativa federal. “A situação hoje é que há vários planos, há alguns pequenos grupos interessados, tentando defender a questão do Nordeste, do semiárido, mas a avaliação é que, realmente, esse não é um assunto prioritário na agenda nacional. Não é na agenda do Congresso, não é na agenda do governo federal, não é nem na agenda dos ministérios”, critica o diretor da Icid. Ele cita como exemplo o fato de que a questão do semiárido é

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tratada pelo MMA e pelo MIN, e somente o MMA elaborou o Plano de Combate à Desertificação. “Isso fica numa coordenação, no quarto escalão. E geralmente um grupo de pessoas que não tem acesso às decisões do ministério, ao ministro. Então, é realmente uma atividade não prioritária dentro do ministério e do governo. No Ministério do Planejamento, por exemplo, não tem um grupo que se encarregue dessa questão”, afirma. No caso da desertificação, entretanto, Rocha considera como avanços a criação do plano nacional, que atende à decisão da Unccd, e a elaboração de planos estaduais. “Isso é um passo importante, mas eu diria que no âmbito nacional esse é um plano do MMA, não é ainda um plano do Ministério do Planejamento, de todos os ministérios. Então acho que isso não é bom, porque acaba sendo uma coisa um pouco marginal, não está internalizado pelo governo como um todo”, explica. A prioridade reclamada pelo diretor da Icid tem a ver, também, com o nível de subdesenvolvimento do semiárido. “Ela não é uma região muito rica em termos de capacidade de produção, tem limitações. Não tem poder suficiente para se impor nacionalmente”. Nesse sentido, ele cita o enfraquecimento institucional e político de órgãos que trabalham o desenvolvimento do Nordeste, como é o caso da Sudene e do Dnocs.

“Prender o homem à terra seria castigá-lo”

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ventos como a Icid também tentam contribuir para desmistificar visões errôneas em relação ao semiárido. “Temos que fugir de certos slogans, que são muito do agrado de políticos e de algumas outras pessoas que não entendem muito do assunto, como essa de que uma política adequada para o Nordeste rural é uma política que vai prender o homem a terra. Isso seria castigá-lo. Ele tem que ter liberdade, de decidir migrar ou ficar no mesmo lugar”, pontua. “Para os que decidem ficar na terra, é importante que tenham melhores condições de vida. E os que decidirem migrar precisam ter uma capacitação adequada para poder competir em outros lugares também”, acrescenta. É nesse ponto que reside a segunda dimensão da Icid+18: “Segurança humana, bem-estar e desenvolvimento humano”. Na visão dele, pensar o desenvolvimento sustentável deve levar em consideração todas as dimensões de desigualdade, tanto sociais quanto econômicas. A pensar ainda a capacitação humana, o desenvolvimento de atividades econômicas que sejam sustentáveis. “Temos que fazer com que as atividades econômicas não destruam essa base. As pessoas, também do ponto de vista social, tem de ser sustentáveis, com uma boa educação, bom acesso a serviços de saúde. Isso é que é desenvolvimento”, pondera. Nesse contexto, a tecnologia pode dar contribuição significativa, de acordo com Rocha Magalhães. “Por exemplo, tecnologias de irrigação que otimizem e reduzam o uso da água”. Todo esse processo, na ótica dele, tem sido posto em segundo plano por governos sem visão de longo prazo necessária para a implementação das mudanças. “Entre a estratégia de longo prazo, que não assegure a reeleição e uma que atenda aos interesses da clientela e garanta a eleição, alguns políticos vão escolher essa última opção”, considera.


Desertificação: problema real e ainda desconhecido

E

entre os assuntos mais debatidos na Icid+18 em 2010, certamente estará a desertificação. De acordo com a Unccd, desertificação representa a degradação da terra nas zonas áridas, semiáridas e subúmidas secas resultante de uma diversidade de fatores, como as variações climáticas e as atividades humanas. Vinte e cinco por cento da produção mundial de alimentos procedem de zonas áridas e semiáridas, que estão em risco de desertificação. Segundo dados das Nações Unidas, o processo de desertificação vem colocando fora de produção, anualmente, cerca de seis milhões de hectares devido ao sobrepastoreio, à salinização dos solos por irrigação e a processos de uso intensivo e sem manejo adequado na agricultura. Por continentes, a África Subsaariana é a região “com o maior índice de desertificação do mundo”, fenômeno que atinge ainda 25% da América Latina e do Caribe, entre outros lugares, segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). Estima-se que até 2020 cerca de 135 milhões de pessoas correrão risco de serem obrigadas a abandonar suas terras devido à contínua desertificação. Destas, 60 milhões serão da África Subsaariana. Já na Ásia, com 1,7 bilhão de hectares de terra árida, semiárida e semi-úmida, as regiões prejudicadas incluem desertos crescentes na China, Índia, Irã, Mongólia e Paquistão; as dunas de areia da Síria; as montanhas erodidas do Desertificação Nepal; e o desmatamento representa a degradação da terra nas zonas áridas, e pecuária extensiva das regiões montanhosas do semi-áridas e subúmidas Laos. Quanto ao número secas resultante de uma de pessoas afetadas pela diversidade de fatores, desertificação e pela seca, como as variações a Ásia é o continente mais climáticas e as atividades prejudicado, de acordo humanas. com a ONU. “Esse fenômeno conO clima semiárido tinua se expandindo, e é um tipo de clima as políticas públicas aincaracterizado pela da não foram capazes de baixa umidade e pouco freá-lo, embora já se veja volume pluviométrico. algumas experiências que Na classificação mundial podem ser interessantes. do clima, o clima Ao lado disso, a população semiárido é aquele que é maior, e portanto a pressão sobre o meio ambienapresenta precipitação te é maior”, aponta Rocha de chuvas média anual Magalhães, ao contrapor entre 300 mm e que o conhecimento acer800 mm. ca da desertificação ainda

Conceitos

OTAMAR, 2006 CE

MA

RN PB

PI PE

AL SE

BA

MG ES Áreas Susceptíveis à Desertificação Áreas Semi-Áridas Áreas Subúmidas Secas Áreas do Entorno Limites das ASD

Áreas Afetadas por Processos de Desertificação Moderada Grave Muito Grave

Isolinhas de Incidência de Secas 20% 40% 60% 80%

Fonte: MMA

precisa evoluir. Um relatório da ONU concluído em 2007 revela que a desertificação ameaça 75% das terras áridas e semiáridas da América Latina — o equivalente a um quarto da superfície da região. Segundo o documento, um terço da população mundial é vítima da degradação das terras. O cenário projeta um total de 50 milhões de pessoas sendo obrigadas a migrar, dentro de dez anos, por causa disso. A estimativa é de que pelo menos 100 países enfrentem o problema. O Brasil conta com quatro núcleos de desertificação. Eles somam 18,7 mil km² e se localizam nos municípios de Gilbués, no Piauí; Seridó, no Rio Grande do Norte; Irauçuba, no Ceará; e Cabrobó, em Pernambuco. Mesmo as regiões mais ricas do país, como o Sul e o Sudeste, são alvo de desertificação ou estão em estado de alerta. A lista de Estados com algum registro desse fenômeno é formada por Bahia, Piauí, Pernambuco, Sergipe, Rio Grande do Norte, Rondônia, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Ceará, São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul, além da região amazônica. Agosto/2009

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redacao@nordestevinteum.com.br

Sina do Cabra da Peste O Brasil conhece Ubiratan Aguiar como o político que representou o povo cearense em vários mandatos parlamentares, desde a Câmara Municipal de Fortaleza à Câmara dos Deputados em Brasília, passando pela Assembleia Legislativa do Estado. Hoje presidente do Tribunal de Contas da União, Ubiratan é, antes de tudo, poeta. Autor de diversos livros, sua mais recente criatura, entretanto, é Sina do Cabra da Peste, CD em que aparece em parceria com importantes intérpretes da música popular brasileira, como Fagner, Dominguinhos e Waldonys; e cujas letras foram todas compostas por ele. O título do CD é sintomático e identifica, de logo, as preferências estéticas do compositor, marcadas por um telurismo lírico que nada deve a figuras essenciais do cancioneiro sertanejo. Ubiratan é, portanto, um poeta cantante.

PINGO DE FORTALEZA EM 25 ANOS DE CARREIRA O cantor, compositor e produtor cultural Pingo de Fortaleza lançou em julho deste ano seu 18º disco – Prata 950. A produção se iniciou ano passado, com o intuito de comemorar 25 anos de carreira. Pré-lançado na abertura do show do cantor Nando Reis no VIII Acampamento Latino Americano da Juventude em Icapuí (CE), Prata 950 é um independente pop-clássico, executado por uma banda básica, com arranjos simplificados, em grande maioria baladas. Traz 12 faixas, metade inédita, outras três novidade na voz do cantor e três regravações, escolhidas a partir da receptividade com o público – Filhos, Coração de Pedra e Lógica. A capa cita a Art-Pop. “Estas músicas falam o que eu queria falar”. Download disponível no blog pingodefortaleza. blogspot.com.

Os Magníficos: glória e decadência no cacau Eles herdaram uma vida farta e luxuosa, mas, em pouco tempo, perderam tudo: a condição financeira, o respeito social, o poder, e em alguns casos, até a família e a saúde. A dramática história de três fazendeiros da época de ouro na região cacaueira do sul da Bahia é contada no documentário Os Magníficos, dirigido por Bernard Attal. O filme, que revisita o episódio de uma praga agrícola e seu efeito devastador nos anos 80, tem lançamento programado para o fim de setembro em Salvador. Produzido pela Ondina Filmes, é o primeiro documentário de Bernard Attal, autor dos curtas 29 Polegadas (2005) e Ilha do Rato (2006) – que participaram e foram premiados internacionalmente – e o curta A Bicicleta, lançado internacionalmente este ano.

Morre o Poeta Alberto Porfírio Morreu em setembro, aos 83 anos, o poeta Alberto Porfírio, um dos grandes nomes da poesia popular cearense, quiçá brasileira. Nascido em Quixadá, em 1926, Alberto Porfírio é autor do livro Poetas Populares e Cantadores do Ceará, publicado em 1978, uma obra de grande importância para quantos apreciam o gênio poético dos rapsodos do povo. Porfírio, idealizador e freqüentador assíduo das famosas “Noites de Viola” que se realizavam na Casa de Juvenal Galeno, escreveu poemas do melhor lavor, entre os quais “A estátua do Jorge”, “Cantiga da Dorinha”, “Eu gostei mais foi do Cão”, “No tempo da lamparina” e “Porque não aprendi a ler”. Escreveu também um livro de sonetos e outro sobre as referidas “Noites de Viola”. Cordelista inspirado, é autor de vários folhetos. Tratava-se de personalidade afável e caráter firme, por isso figura amada e respeitada no meio da cantoria e do cordel. Infelizmente, por ser avesso a badalações, nunca teve o talento reconhecido pela mídia, apesar de ter uma verve tão inspirada quanto a de um Patativa do Assaré, por exemplo. Porfírio, além de poeta, era também xilógrafo e escultor. A estátua do cantador Cego Aderaldo, que se vê em frente da Estação Rodoviária de Quixadá (CE), é da lavra dele.

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Prêmio Amaro Quintas para “Pernambuco no Tempo do Cangaço”

PARA A ESTANTE Lampião, cangaço e Nordeste

Prêmio Amaro Quintas, que versa sobre a História de Pernambuco, para o pesquisador Geraldo Ferraz durante a sessão comemorativa dos 108 anos da Academia Pernambucana de Letras. A obra agraciada é Pernambuco no Tempo do Cangaço. Theophanes Ferraz Torres, um Bravo Militar (1894 – 1933). Um resgate de memória contemporânea, que trata fatos notáveis ocorridos no Brasil e, em particular, no Estado de Pernambuco, durante a época do banditismo que campeava no início do século XX. A ideia principal surgiu quando Ferraz observou a necessidade entre os historiadores, estudantes, pesquisadores e curiosos no tema, de se obter dados concretos e organizados. São dois volumes e 15 anos de investigação, realizada, simultaneamente, sobre fatos como Aviação, Mudanças Urbanísticas no Recife, Primeira Grande Guerra, Evolução dos meios de transportes no Recife, Política, Governos (Federal e Estadual), Banditismo, Revoltosos, Movimentos Operários, Conspirações sobre o regime instituído, Revolução de 30.

Com preços nos sebos virtuais que variam entre R$ 100 e R$ 500, Lampião, Cangaço e Nordeste, da escritora Aglae Lima de Oliveira, é uma obra magnífica sobre esse homemmito. A autora estudou durante 20 anos o tema do banditismo como fenômeno social. Uma de suas mais renomadas biógrafas, Aglae diz que Virgulino Ferreira, o Lampião, em sua infância, foi um menino como outro qualquer: brincava, fazia e vendia artefatos de couro na feira de sua cidade, inventava poemas e dançava xaxado. OLIVEIRA, Aglae Lima de. Lampião, cangaço e Nordeste. Recife: Edições O Cruzeiro, 1970.

Nordeste em debate

Cearense de Redenção, Otacílio de Azevedo (1896-1978) foi pintor, desenhista e poeta brasileiro membro da Academia Cearense de Letras e fundador da Sociedade Brasileira dos Amigos da Astronomia. Em Arte Anfíbia: o caso Otacílio Azevedo, Herbert Rolim estuda as relações entre poesia e pintura. Para a professora Odalice de Castro, o autor oferece-nos uma reflexão séria e madura sobre a correspondência entre as artes, com destaque para um de seus maiores representantes no estado. “Os cruzamentos de tendências artísticas oriundas do fim do século conferem à arte de Otacílio de Azevedo o tom próprio de dinâmica plástica realizada pelas leituras abertas no tempo, numa “mobilidade complexa”, atravessando quase todo o século XX, conferindo à poesia e à pintura traços de um estilo que não se prendem a nenhum rótulo”. Arte anfíbia: o caso Otacílio de Azevedo. / Herbert Rolim - Fortaleza. Edições UFC, 2009.

Formada por 151 deputados de todos os partidos e dos 9 estados, a bancada do Nordeste na Câmara dos Deputados se reúne periodicamente em Brasília para tratar das questões de interesse da região. Antes apenas para discutir emendas ao Orçamento da União, normalmente entre setembro e outubro, as reuniões ganharam outra dinâmica a partir da Constituinte de 1988. Os parlamentares nordestinos passaram, inclusive, a se articular com bancadas de outras regiões. Atualmente, as reuniões são quinzenais e trazem ministros, dirigentes de estatais e outras autoridades que debatem diversos temas ligados ao desenvolvimento regional. E como forma de divulgar boa parte do que tem sido discutido pelos parlamentares, foi lançado no início de setembro o primeiro número da revista Nordeste em Debate, publicação da Bancada de Deputados Federais do Nordeste. De distribuição gratuita e com tiragem de 2.000 exemplares, a revista traz relato jornalístico das discussões realizadas nos dois últimos anos. A publicação é uma comemoração dos 20 anos do Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE), operado pelo BNB.

A arte anfíbia de Otacílio de Azevedo

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Tecnologia

Nanotecnologia

entre as melhores da A

Ceará é sede do novo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia. O Nano(Bio)Simes chega para consolidar e perpetuar as vocações cearense e nordestina para essa promissora área 52

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alencarina

América Latina

p

Pelas bandas do Nordeste brasileiro, a cada dia, fica menos invulgar perceber o trabalho centrado no estudo, na pesquisa de técnicas e na aplicação de conceitos interdisciplinares ultramodernos em áreas como nanociência e nanotecnologia. Ou seja, pesquisar, manipular e criar estruturas em níveis atômico e molecular, aprofundando a compreensão e o controle da matéria nas escalas da excessiva pequenez, hoje é uma realidade cada vez mais tangível, particularmente no Ceará, um dos Estados onde a pesquisa ganha destaque.

O trabalho que a Universidade Federal do Ceará (UFC) desenvolve nessa área há cerca de oito anos, por exemplo, lhe rendeu recentemente seu quarto Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT), chamado Instituto de NanoBioEstruturas e Simulação NanoBioMolecular – ou simplesmente Nano(Bio)Simes. “Isso é o reconhecimento de que estamos fazendo ciência de qualidade e de que somos um dos melhores do Brasil. Competimos com universidades como USP (Universidade de São Paulo) e Unicamp (Universidade Estadual de Campinas)”. As palavras são do professor do Departamento de Física e membro do comitê gestor do instituto, Valder Freire. Para demonstrar o peso da universidade, o artigo “Developing nanotechnology in Latin America” (Desenvolvendo Nanotecnologia na América Latina), de autoria de Luciano Kay e Philip Shapira e publicado recentemente na Journal of Nanoparticle Research vol. 11, coloca a UFC entre os 10 principais centros de desenvolvimento de pesquisas em nanociência e nanotecnologia da América Latina. O Nano(Bio)Simes, segundo Valder, é uma conseqüência das atividades de grupos do Nordeste de que a UFC faz parte, como a Rede Cooperativa para Pesquisa em Nanodispositivos Semicondutores e Materiais Nanoestruturados (NanoSemiMat), de Pernambuco, e a Rede Nacional de Nanobiotecnologia e Sistemas Nanoestruturados (NanoBioEstruturas), do Rio Grande do Norte. O Nano(Bio)Simes integra cerca de 50 pesquisadores – além dos associados. A maioria é oriunda de universidades do Nordeste, como as federais do Rio Grande do Norte (UFRN),

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Alagoas (UFAL) e Maranhão (UFMA). O recurso previsto para as pesquisas é de R$ 4 milhões durante três anos. Destes, R$ 2,7 milhões serão investidos em equipamentos. A coordenação será do professor Benildo Sousa Cavada, do Departamento de Bioquímica da UFC. A multi e interdisciplinaridade da pesquisa em nanociência e nanotecnologia são um detalhe à

parte. O instituto envolve Física, Química, Biologia, Bioquímica, Biofísica e Farmacologia. O próprio professor Valder é um exemplo dessa interação da comunidade científica. Físico desde 1977, há seis anos se aventura em pesquisas que envolvem a Biologia e a Bioquímica. A parte “bio” do projeto do novo INCT se deve, em grande parte, à sua influência.

Isso é o reconhecimento de que estamos fazendo ciência de qualidade e de que somos um dos melhores do Brasil. Valder Freire, Professor do Depto. de Física da UFC e membro do comitê gestor da Nano (Bio)Simes

Do combate ao colesterol às funções da “arruda”:

novos medicamentos em menos tempo Um exemplo dessa integração é a pesquisa realizada com estatinas, medicamento que retira cerca de 60% de colesterol do sangue, indicado para pessoas que sofreram enfarte. Por meio de simulação, está sendo estudada a forma como as estatinas se ligam às proteínas responsáveis pela retirada do colesterol. A intenção é verificar qual estatina é mais eficaz. A pesquisa estuda quatro tipos: a atorvastatina, a sinvastatina, a rosuvastatina e a fluvastatina. “A partir disso, podemos tentar modificar a estatina para obter uma ainda mais eficaz”, explica Valder. A dedicação à parte “bio” da

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nanociência e da nanotecnologia se deve, segundo o professor, aos progressos na medicina que têm por base a Biologia Molecular. “Isso vai transformar a indústria farmacêutica”, prevê. As pesquisas de novos medicamentos devem, daqui por diante, levar menos tempo. “Pode-se indicar o melhor caminho por meio da simulação. Em vez de testar dez mil compostos, testa-se menos de cem. E em vez de passar dez anos pesquisando, passa-se um ano”. A nanociência e a nanotecnologia abrem espaço ainda para o aprofundamento — e mesmo a revisão — de pesquisas com plantas

UFC:

a cristalografia e a eficiência dos fármacos Aliás, saber não só o “porquê” das coisas, mas o “como” é característica intrínseca à nanociência. Nessa busca, insere-se a cristalografia, ciência que estuda a posição dos átomos em um cristal. A aplicação desta ciência é importante, por exemplo, para saber como determinado medicamento se liga a uma proteína. Sabendo disso, podem ser desenvolvidos fármacos mais eficientes. A UFC tem o mais importante grupo de cristalografia do Norte-Nordeste, um dos sucessos do projeto responsável pela criação do Nano(Bio)Simes.

medicinais, área em que a UFC se destaca com o projeto Farmácias Vivas. Uma experiência já realizada com a arruda, conforme o professor, diferenciou as quatro moléculas do princípio ativo da planta. “Quando você vai a um raizeiro, ele diz: ‘tome isso aqui que é bom para tal coisa’, mas ele não sabe como a planta funciona”. Usada para ampliar a resistência de vasos sangüíneos e evitar rupturas, a arruda é indicada no tratamento de varizes. Popularmente, acredita-se que seu uso pode restabelecer ou aumentar o fluxo menstrual e combater vermes. Como uso tópico, o azeite de arruda, obtido no cozimento da planta, alivia dores reumáticas. O aroma forte funciona como repelente. Também, conforme a medicina popular, serve para aliviar dores de cabeça e, segundo os especiaistas, isso pode ser explicado pelo seu óleo essencial que contém undecanona, metilnonilketona e metilheptilketona. Tais substâncias possuem propriedades calmantes e, quando aspiradas, aliviam dores e diminuem a ansiedade.


Números e panoramas No mundo Na próxima década, a produção industrial global em nanotecnologia atingirá cerca de US$ 1 trilhão. O número de empregos nessa área chegaria a 2 milhões. Hoje, estima-se que o total de recursos governamentais e privados aplicados nessas áreas atinjam a casa dos US$ 5 bilhões por ano. Setores como a indústria de semicondutores passariam a ser totalmente dependentes de técnicas e produtos da nanotecnologia. O impacto dessas novas tecnologias será elevado também no ramo químico e farmacêutico.

No Brasil De longe, a infraestrutura do Brasil é a melhor da América Latina quando se trata de nanociência e nanotecnologia. Estima-se que haja cerca de

1.500 pesquisadores trabalhando nessas áreas.

As pesquisas englobam nanobiotecnologia, química supramolecular, nanomagnetismo, semicondutores, nanoobjetos (em particular, nanotubos de carbono), sensores, instrumentação e teoria. Há diversos polos que se destacam nas pesquisas: o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, no Rio de

Janeiro (RJ), o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, em Campinas (SP), a Universidade Estadual de Campinas (SP), a Universidade de São Paulo, a Universidade Federal de São Carlos (SP), a Universidade Federal de Minas Gerais, a Universidade Federal de Pernambuco, a Universidade Federal de Santa Catarina, a Universidade Federal do Rio de Janeiro e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

• Redes temáticas

que realizam pesquisas de ponta em nanociência e nanotecnologia: Rede

de Materiais Nanoestruturados; Rede de Nanotecnologia Molecular e de Interfaces; Rede

de Pesquisa em Nanotecnologia; Rede Cooperativa para a Pesquisa em Nanodispositivos Semicondutores e Materiais Nanoestruturados.

• Grupos autônomos

de pesquisa atuam nessas áreas, bem como projetos específicos

(financiados pelas agências estaduais de fomento científico) e os de grande escala, como o Instituto do Milênio de Nanotecnologia. Há também projetos individuais e redes menores no âmbito de colaborações nacionais e internacionais.

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Curiosidades do cotidiano saiba que a nanotecnologia pode estar...

Nanotubos de carbono

mais resistentes que o aço

Nos tecidos, criando repelência à água e a óleos

Na pintura dos carros, para proteger a lataria de riscos Nos cosméticos, fazendo com que a liberação do ingrediente ativo seja mais efetiva Na criminalística, com nanopartículas fluorescentes para obter impressões digitais mais confiáveis

O que significam Materiais nanoestruturados = formados por camadas nanométricas de átomos ou moléculas

Semicondutores = materiais de condutividade entre a alta dos condutores e a baixa dos isolantes. Exemplos são o silício (Si) e o germânio (Ge). Utilizados industrialmente são tratados e modificados com a introdução de “impurezas” especiais que lhe dão características distintas. Na indústria eletrônica, os exemplos mais claros são o diodo, o transístor e os circuitos integrados (CIs), dispositivos imprescindíveis na fabricação e desenvolvimento de eletrônicos.

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Dentre os cinco temas que o Nano(Bio)Simes vai abordar, haverá pesquisas voltadas para o desenvolvimento de nanotubos de carbono, estruturas cujo diâmetro é de um nanômetro (0,000000001 metro) e a espessura da parede de apenas um átomo. Segundo o professor Antonio Gomes Souza Filho, um dos pesquisadores do novo INCT, os nanotubos possuem resistência à tração maior do que o aço. “Essa propriedade permite obter materiais com alta resistência mecânica e, ao mesmo tempo, leves”, detalha. Por serem muito pequenos, os nanotubos têm sido propostos também para

aplicações biológicas, como o transporte de drogas e a terapia gênica. Conjugado com o DNA, uma proteína ou um aminoácido, por exemplo, os nanotubos formam sistemas híbridos nanoestruturasbiomoléculas, considerado pelo professor com uma das áreas mais promissoras. Segundo ele, esses sistemas podem ser aplicados em diagnósticos e terapias. “Eles podem ser engenheirados para reconhecer uma célula doente entre muitas sadias. A biomolécula faz o reconhecimento e a nanoestrutura permite, através de suas propriedades físicas, localizar onde o sistema se ligou”.

O BILIONÉSIMO – DO ÁTOMO AO VÍRUS O bilionésimo é representado pelo prefixo nano (‘anão’, em grego) ou matematicamente por 10-9 (0,000000001). As dimensões típicas da nanociência e da nanotecnologia vão de 0,1 nanômetro (0,1 nm) a 100 nanômetros (100 nm), ou seja, do tamanho de um átomo até o de um vírus. Para melhor comparação, um fio de cabelo humano tem cerca de 30 mil nm.

Nanotecnologia. Nanofio enrolado em um fio de cabelo transmitindo luz


PODERLOCAL&CIDADANIA

A Cidade Digital, projeto de inclusão social criado em Tauá, no Ceará, combina alfabetização digital, acesso gratuito a computadores e conexão banda larga à internet. Hoje, a iniciativa comemora uma revolução tecnológica proporcionada pela criatividade e pelo foco na capacitação dos seus habitantes. Pessoas que, em sua maioria, não tinham acesso à web e hoje incorporam novos léxicos ao cotidiano, discutindo assuntos “internáuticos” nas ruas, em casa e no trabalho. Um contexto inusitado que aponta o surgimento de novas possibilidades de melhoria de vida no sertão cearense Por Lucílio Lessa / redacao@nordestevinteum.com.br

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ficção científica é pródiga em projetar cenários generosos relacionados à perspectiva dos avanços tecnológicos para o bem da humanidade em regiões pobres do planeta. É o caso de Tauá, município localizado na árida região dos Inhamuns, sertão do Ceará, a 344 quilômetros da capital, cenário real para um novo Nordeste brasileiro. Até pouco tempo um local nada identificado com iniciativas voltadas a fomentar o desenvolvimento de novas tecnologias. Boa parte da economia local é sustentada pela renda agrícola. Dos pouco mais de 56 mil habitantes, 45% estão na zona rural. Sob sol escaldante e mínimas milimetragens de chuva, não à toa, Tauá – segundo município mais extenso do Ceará, esteve em situação de emergência por nove vezes num espaço de três anos consecutivos. Mais do que qualquer outro local do país. E mesmo que as evidências apontem para um atraso aparente em relação aos caminhos da tecnologia, a descoberta de uma nova ferramenta vem pautando as conversas não só nas escolas, mas principalmente nas praças, calçadas e nas ruas de Tauá. O que seria? A internet. O motivo? A Cidade Digital. Projeto de inclusão social que combina alfabetização digital e acesso gratuito a computadores com conexão banda larga à internet, foi inaugurado em 2006. Trata-se de uma parceria do município com o

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Ministério das Comunicações, que viabilizou cerca de R$ 800 mil para conceber a iniciativa. A contrapartida foi de R$ 40 mil. Antes das atividades, apenas 0,73% da população acessava a internet. Hoje esse número saltou para cerca de 30%. Para desenvolver sua rede digital, o projeto possui uma série de recursos que literalmente promovem o acesso da comunidade às facilidades do mundo virtual. A base está sustentada em uma avançada

Antônia Xavier Luz, 65 anos professora aposentada

rede física composta de um Centro de Capacitação Tecnológica, quiosques com acesso gratuito à internet espalhados pela cidade, rede wireless gratuita em vários pontos do município, e demais serviços que primam pela originalidade. Mas o que realmente faz a diferença no processo de inclusão social oportunizado pelo projeto é a chance de a população se capacitar para de fato ter acesso aos serviços. E isso ocorre através de cursos disponibilizados pelo poder público local. Existem em Tauá 19 cursos de capacitação. Ao todo, já participaram das atividades mais de duas mil pessoas. Boa parte dos cursos ocorre na sede do projeto, o Centro de Capacitação. No prédio também funciona a Secretaria Municipal de Ciência, Tecnologia e Empreendedorismo, além de uma sala de videoconferência e outra de formação à distância. “Estamos criando projetos de capacitação em todas as secretarias para atender a essa nova cultura que está se estabelecendo”, comemora o prefeito Odilon Aguiar. PÚBLICOS NÃO CONVENCIONAIS. E como toda moda que se preze, a Cidade Digital atingiu até públicos pouco convencionais. É o caso da professora aposentada Antônia Xavier Luz, 65 anos. Entre risadas, olhar sereno e convites para o lanche, ela comemora. É uma das 40 alunas inscritas em mais um curso de capacitação digital, dessa vez voltado para a terceira idade.


Do tipo que não precisa de esforço para expressar suas opiniões, Antônia diz que “a informática está em voga em Tauá”. E completa: “Meu marido disse que ‘papagaio velho não canta’, mas eu sei que vou aprender”. A pequena Samara Rebouças do Amorim, 10 anos, também se rendeu aos encantos do mundo virtual. Através de uma parceria da Secretaria de Educação local com a empresa Educandos, Samara e outros 1.800 alunos da rede pública, distribuídos em seis das 122 escolas, já usufruem de softwares educacionais criados especialmente para a realidade do município, num projeto chamado Avant. Cada escola recebeu 10 computadores. “Antes, não acessava a internet. Agora, posso fazer minhas pesquisas. Dá até mais vontade de estudar”, afirma a aluna. DESENVOLVIMENTO E VENDA DE ­SOFTWARES. Os efeitos da Cidade Digital também se refletem na trajetória de Dion Esterfene Barbosa, 20 anos. Após participar de um curso de capacitação de serviços técnicos especializados, ele formou, com outros 12 ex-alunos, a Associação de Desenvolvimento Tecnológico de Tauá (Adett). Hoje com 16 membros, a associa-

Para o secretário de Ciência, Tecnologia e Empreendedorismo do município, Elvis Gonçalves, a Cidade Digital se destaca não apenas pelos projetos inovadores, mas por aproximá-los da população. “Caso contrário seria uma coisa contemplativa. Não adianta existir o melhor equipamento em um projeto público se não houver pessoas aptas a utilizálo”, diz ele.

Samara Rebouças, 10 anos

ção desenvolve e comercializa softwares em órgãos públicos e empresas de dentro e fora do município. “Alguns de nós também damos aulas de capacitação gratuitas na Cidade Digital. É uma forma de multiplicar essa oportunidade que nos foi dada”, considera.

CURSOS DE INGLÊS E PARA DEFICIENTES VISUAIS. O curso mais recente oferecido é o de línguas estrangeiras. “Muita coisa em internet é escrita em inglês. Além disso nós sempre recebemos visitas de ONGs de fora do país”, diz o secretário. O próprio Elvis, inclusive, começou como aluno de um dos cursos da Cidade Digital. Em meio às situações que contam a história do projeto, uma delas se destaca na opinião do secretário. “Há um curso voltado a pessoas com deficiências especiais. Certa vez, pegamos uma turma de deficientes visuais. No início, eles tinham medo dos equipamentos, de pegar, de levar choque. Aos poucos, conseguimos que eles fossem tocando e entendendo o que é um mouse, um monitor, enfim, eles acabaram aprendendo. A alegria deles era contagiante. Isso não tem preço”, conclui.

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Projetos especiais

divulgação

Tão surpreendente quanto cons- lidade. Em um município onde a rede lando sobre tecnologia e abrimos para tatar a extrema popularização da in- de telefonia é precária, o Bode Fone, as perguntas dos ouvintes. Daí um ternet em Tauá, são os recursos criados um orelhão com figuras de bode, per- deles ligou e disse: ‘tá, mas eu quero para facilitar o acesso da população ao mite que os habitantes façam ligações saber porque é que meu computador serviço. Para resolver o problema de telefônicas nacionais e internacionais pifou’. Tivemos que parar o programa e quem não pode ter o seu próprio com- utilizando a telefonia Voip, ou seja, via orientá-lo, ao vivo”, diz Elvis. putador, por exemplo, a Cidade Digital internet. criou os Quiosques Digitais. Após a ligação, o servidor transfere AGENTES DE SAÚDE COM PALM TOP E GPS. A A proposta é oferecer sinal gratui- a chamada para um Pabx, em seguida Cidade Digital também abriu brecha to em terminais multimídia de acesso à converte a voz para tecnologia telefô- para desdobramentos em outras áreas, internet, os chamados Totens. Há qua- nica e, por fim, distribui as ligações para como na saúde. A prova são as agentes tro estruturas montadas em pontos es- uma operadora. Difícil? “Não acho. Para comunitárias de saúde digitais, que cirtratégicos, como o terminal rodoviário mim é a mesma coisa de uma ligação culam pelo município levando à mão e o campus da Universidade Estadual normal”, diz o agricultor José Silveira. o seu próprio computador, o Palm Top. do Ceará (Uece). Cada quiosque conta Cada usuário pode utilizar o serviço Ao todo, são 150. Com isso, os tradiciocom quatro computadores. durante três minutos por vez. São 700 nais formulários foram substituídos e Desde a sua criação, o serviço é ligações por dia. Cada minuto custa as agentes podem controlar de forma um sucesso. O usuário tem direito a R$ 0,10 à prefeitura, independente do digitalizada os casos de diabetes, den40 minutos de acesso por vez. Da hora destino. O valor é 70% mais barato que gue, hipertensão e demais doenças. que abre, às sete horas da manhã, até o de uma ligação normal. Para quem ficou surpreso, uma o fechamento às 22 horas, os quiosA revolução tecnológica assa- novidade: os Palms já estão sendo ques são procurados. “Cerca de 3.860 nhou de tal forma a comunidade que aposentados para darem lugar a um pessoas passam por mês aqui”, afirma foi criado um programa de rádio para sistema ainda mais moderno, o GPS, o secretário Elvis. esclarecer as dúvidas da população. sistema de radionavegação baseado Aos domingos, os quiosques di- Realizado às segundas-feiras, o pro- em satélite. No equipamento, será gitais realizam um outro projeto: o grama é um espaço aberto. “Outro dia instalado o mesmo software utilizado Tele-Saudade. “Minha família mora nós estávamos com um convidado fa- pelo Sistema Único de Saúde (SUS). distante. Aqui, posso vê-los”, comemora a dona de casa Zuleide Silva. Trata-se de um serviço que garante o contato da população com parentes ou amigos que residem em outras localidades. O Tele-Saudade utiliza os computadores, os microfones e as webcam dos quiosques e da sede da Cidade Digital para aproximar moradores locais com o mundo. São 149 acessos por mês. Já quem tem seu próprio notebook pode acessar a internet através do sistema wireless Tauá Net Móvel. Com ele, é possível acessar a internet em seis áreas do município, como é o caso das praças da cidade. Cada ponto possui um raio de 100 metros de abrangência. Os métodos de inclusão chegam a ser pitorescos, como prova o Bode Fone. O nome é uma homenagem ao animal símbolo de Tauá, já o serviBode Fone. Ligações nacionais e internacionais através da internet ço não fica atrás no quesito origina-

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Cursos O monitoramento de todos os serviços da Cidade Digital é feito em um prédio situado no centro de Tauá, e que abriga, além da Secretaria de Ciência e Tecnologia, algumas ações decorrentes do projeto. Lá, funciona o Centro de Capacitação Tecnológica Graci Aguiar, no qual são oferecidos cursos de tecnologia da informação em parceria com o Instituto Federal do Ceará (IFCE) e com a Secretaria de Educação. A capacitação em informática é uma vitrine para os alunos, já que a cidade agora é referencial na contratação de mão de obra para funções no segmento da informática. Ainda na sede da Cidade Digital há a sala de videoconferência para palestras e cursos. “Qualquer empresário que quiser utilizar o serviço, basta solicitar. É gratuito”, afirma Elvis Gonçalves. Desde o início do projeto já foram realizados 536 eventos. Só este ano foram 291 até julho. A estrutura da Cidade foi também chamariz para um outro projeto em parceria com a Universidade Aberta do Brasil, que possibilita a realização de seis cursos de formação à distância para professores da região. Em Física, por exemplo, está Antônio Almeida Cavalcante, 28 anos. Duas vezes por semana, ele viaja 65 quilômetros para participar das aulas.

Incubadoras

Por mais que os avanços sejam evidentes, há ainda um caminho longo a ser trilhado. “O comércio eletrônico, por exemplo, ainda não foi fomentado. Os comerciantes utilizam a internet como forma de comunicação e para comprar. Ainda não se vende pela internet em Tauá. Por enquanto”, sonha o secretário Elvis. Uma iniciativa que promete aquecer o comércio da região e ao mesmo tendo cumprir com o papel da Cidade Digital como facilitadora da promoção social é o Incubadoras Digitais. Tratase de uma parceria do município com a Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado (Secitece) e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). “Após capacitar os jovens com alguma experiência em informática,

possibilitaremos a eles montarem, cada um, o seu próprio negócio”, afirma o secretário. Além de terem garantidos os custos com água, luz, telefone e equipe técnica de vendas por um ano, os jovens ainda recebem do Sebrae a capacitação necessária. Os novos empresários ainda ganham uma bolsa de R$ 225 mensais, para não desistirem do projeto. “O governo dá a bolsa, o Sebrae a capacitação e o município ainda sustenta os empresários por mais um ano, até que eles tenham a carteira de clientes deles”, diz Elvis. O serviço de internet no comércio ainda é subaproveitado. Mesmo assim, já colhe frutos. Que o diga a atendente Maria José Campos. Trabalhando em uma locadora da cidade, ela ressalta que antes da Cidade

Digital não acessava a internet. “Facilitou porque posso verificar com facilidade os preços dos filmes e ter acesso às resenhas para melhorar meu trabalho. Ah! Agora preferimos também comprar os filmes pela internet”, diz. MAIS LAN HOUSES e LOJAS DE INFORMÁTICA. Quem pensa que com a facilidade do acesso gratuito à internet as lan houses da cidade estariam condenadas, se enganou. Antes do projeto, haviam apenas três. Hoje, só com o sinal da Cidade Digital são 20. Além delas, houve um aumento de lojas destinadas à venda de computadores, periféricos e suprimentos de informática, além de assistências técnicas. Para José Rodrigues, dono de uma sorveteria na cidade, as facilidades são indiscutíveis. “Todos hoje sabem o que é internet”, exagera. No entanto, o comerciante considera o acesso precário. “Eu acho um pouco lento. Nós ainda navegamos muito

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devagar”, afirma. A vendedora Neurivânia Monteiro, funcionária de uma farmácia de manipulação, diz que esse problema não é exclusivo da Cidade Digital. “Aqui, na loja, nós trabalhamos com outro provedor, que também é muito lento. À noite, faço um curso a distância e lá uso a internet da Cidade Digital. Até prefiro, pois acho mais rápida. O problema é que os provedores daqui usam apenas quatro megabytes”. CPD dribla problema de transmissão. É verdade que a transmissão de dados da Cidade Digital — 4 megabytes, não é nem de longe a ideal. E mais frustrante ainda é saber que o município paga por cada megabyte cerca de R$ 4 mil. “Na capital, não sairia por mais de R$ 70. Uma lan house tem 4 megabytes”, reclama Elvis. Para contornar o problema, a Cidade Digital optou mais uma vez pela criatividade. Daí, surgiu o Centro de Processamento de Dados (CPD). Um departamento equipado com dois servidores, que gerencia

Elvis Gonçalves, Secretário de Ciência e Tecnologia do Município

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toda a rede de comunicação. “Daqui, distribuímos o link de internet para todos os usuários”. É o que informa o coordenador do CPD, José Eduardo Pereira de Melo. Espécie de “Professor Pardal” de Tauá, o cientista — autodidata, diga-se de passagem, é quem bola toda a engenhoca que fornece o serviço de internet do projeto à população. CRIATIVIdADE E ADAPTAÇÃO. A cada experimento mostrado, um susto. “Estamos em fase de testes com um novo projeto que irá agilizar a internet em cerca de 400%”, revela Eduardo. E duvidar por que? A idéia que fundamenta a declaração do cientista é, sobretudo, convincente. Entenda: tudo que for acessado pela primeira vez na internet, por qualquer usuário da Cidade Digital, ficará armazenado no servidor. Por exemplo, um vídeo no YouTube baixado pela primeira vez em qualquer computador que esteja na rede do projeto, ficará automaticamente disponível para todos os outros usuários. Assim, qualquer um que for acessá-lo não precisará mais esperar o arquivo ser carregado. “Ele poderá assisti-lo em velocidade de rede. Músicas já baixadas então demoram apenas dois segundos para serem baixadas novamente. As atualizações dos antivírus cadastrados também servem para todos”, informa Eduardo. Os métodos de adaptação utilizados pelo Centro já otimizaram consideravelmente os serviços da Cidade Digital. Em 2006, quando começou, o projeto tinha apenas uma antena para envio de sinal, que dava acesso a 20 usuários simultâneos. Após a instalação de outra antena, foi-se atrás de recursos complementares. Assim, foram instalados painéis setoriais. Atualmente, o município possui três torres de sinal. Cada uma dispõe de quatro painéis setoriais que possibilitam até 100 pessoas utilizarem simultaneamente a internet. Ao todo existem 600 antenas de usuários.

TAUÁ EM NÚMEROS 56 mil habitantes, 45% moram na zona rural.

Em situação de emergência por 9 vezes num espaço de três anos consecutivos. Mais do que qualquer outro local do país.

2º município mais extenso do Ceará.

(4.018,18 km²) Parceria do município com o Ministério das Comunicações, que viabilizou cerca de R$ 800 mil para conceber a Cidade Digital. A contrapartida foi de R$ 40 mil. Antes, apenas 0,73% da população acessava a internet. Hoje, esse número é de 30% O município possui 3 torres de sinal. Cada uma dispõe de 4 painéis setoriais que possibilitam a até 100 pessoas utilizarem simultaneamente a internet


Avanços

É provável que a Cidade Digital não demore para usufruir de outro recurso benéfico às suas atividades: o projeto Cinturão Digital, do Governo do Estado. O sistema é baseado em fibra ótica com instalação aérea e pretende interligar os municípios disponibilizando serviços de internet. Com previsão de atender a 82% da população cearense, o projeto tem custo de R$ 55 milhões e é visto como solução para os altos custos de manutenção da conexão à internet no interior do Estado. Uma “mão na roda” para diminuir a desigualdade de acesso entre as regiões do país, visto que o Ceará encontra-se numa região em que há o menor número de pessoas com acesso à rede — apenas 4% de sua população conectada. A informação oficial é de que através de uma estrutura potente, o transporte de internet seja realizado entre os municípios de maneira mais segura e com custos mais baixos. A infraestrutura de 2.300 quilômetros de extensão possibilitará a inclusão de Tauá. “A redução dos custos com internet será de 90%. O Cinturão vai oferecer até 100 me-

TAUÁ EM NÚMEROS

gabytes”, calcula Elvis. Com a chegada do projeto, fica mais próximo de ser realizado um sonho antigo da região, o de transformar Tauá em um grande pólo de call centers e, assim, atender a demanda de outras localidades. “Nós até já tivemos essa possibilidade, quando fomos procurados para oferecer esse serviço. Na ocasião tínhamos a mão-de-obra, tínhamos estrutura, mas não tínhamos sinal. Com o Cinturão isso será possível”, espera o prefeito Odilon Vieira. Desafio para além da zona urbana. Como todo ponto fora da curva das facilidades comuns às grandes metrópoles, Tauá ainda precisa vencer desafios. O maior deles é conseguir incluir a zona rural nesse avanço tecnológico, já que as políticas públicas têm o compromisso de ir além das zonas urbanas. “Esse acesso irá gerar novos conhecimentos para a atividade agropecuária e consequentemente melhor qualidade de vida aos agricultores”, avalia o secretário Elvis Gonçalves. A próxima meta do projeto é transformá-lo de Cidade Digital para Município Digital. Em outras palavras, levar a internet aos oito distritos da cidade, sendo que o mais próximo tem uma distância de 35 quilômetros do centro e o mais distante chega a 70. O projeto ainda está em estudo, mas a idéia é abranger de 60% a 70% do território. De uma ponta a outra, Tauá possui 200 quilômetros de extensão. Grande? Sim, mas bem menor que o desafio que está por vir.

Existem 19 cursos de capacitação. Já participaram das atividades mais de

2.000 pessoas.

A próxima meta do projeto é levar a internet aos oito distritos da cidade, sendo que o mais próximo tem uma distância de 35

quilômetros

do centro e o mais distante chega

a 70.

O projeto ainda está em estudo, mas a idéia é abranger de

60% a 70% do território. De

uma ponta a outra, Tauá possui 200 quilômetros de extensão.

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Em Tese --------

Luiz Carlos Antero

Pré-sal: vitória de uma jovem nação redacao@nordestevinteum.com.br uem diria, no chamado centro hegemônico do planeta, que uma jovem nação de 509 anos seria capaz de se destacar neste mundo milenar, com uma descoberta a sete quilômetros de profundidade em águas marítimas? O anúncio — e sua resposta — cairia bem nos filmes de ficção, daqueles que expõem a reanimação de monstros que estavam lá, impassíveis, até que cientistas ou aventureiros, movidos pela curiosa compulsão humana, decidem mexer com o que está quieto. Entretanto, neste caso, não pintarão das entranhas novas feras arqueológicas — além, claro, dos sauros que não sabem viver sem aquele entreguismo básico. Foi essa, aliás, a primeira e única imagem que vi brotar das cavernas: um economista contrariado declarava à Globo News (!) que, com a descoberta e as regras propostas pelo governo para sua exploração, “teremos a absurda retomada do monopólio estatal do petróleo”. A revelação é, porém, muito mais inquietante para o desconsolado espécime demotucano: o achado em águas ultraprofundas do Oceano Atlântico conflagra uma nova fase na economia brasileira. O volume global e a qualidade do óleo encontrado elevam o Brasil à posição de um dos maiores produtores mundiais, quando a Petrobras já ocupa o quarto lugar entre as 17 maiores empresas do planeta, superando, entre os colossos, Fedex, Google, Microsoft, 3M, Honda, Philips, General Electric e Walt Disney Company. Em 2007, a ANP havia estimado o potencial de exploração do pré-sal em R$ 50 bilhões, o suficiente para iniciar a arrancada para a melhoria da qualidade de vida no País,

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mas significando apenas um pouco mais de 30% do volume liberado para a festa da ciranda financeira em 2009 (R$140 bilhões) — na hegemônica e sagrada ordem rentista. Os primeiros resultados das pesquisas apontam um volumoso nicho de petróleo. A camada do pré-sal é extensa e abraça o corte litorâneo de Santa Catarina ao Espírito Santo. Uma sóbria previsão revela que os campos do pré-sal produzirão, a partir de 2017, mais de um milhão e 300 mil barris de petróleo diários — quase 70% do que a Petrobras produz hoje. Em apenas três campos (Tupi e Iara, na Bacia de Santos, e Parque das Baleias, na bacia de Campos), as estimativas apontam volumes entre 9,5 e 14 bilhões de barris, o equivalente às reservas totais da Petrobras antes da descoberta — apta a alavancar, além de um novo parque fabril, a construção de poderosa infraestrutura. Unicamente a acumulação de Tupi reúne entre 5 e 8 bilhões de barris de óleo equivalente (óleo mais gás). O governo decidiu que não se limitará ao horizonte de extrair e vender óleo em barris, no tradicional figurino da lavra primário-exportadora. Apostará, como fez a Noruega — que investiu na industrialização do país —, no fomento de uma indústria petrolífera, explorando toda a cadeia produtiva requerida, desde a siderurgia, com a produção do aço para os estaleiros, plataformas e navios até, por exemplo, o simples batom ou botão de roupa, oriundos de derivados de petróleo, prevendo inclusive a formação de mão de obra para atuar na área petrolífera. Este arcabouço já prevê a contratação de 40 navios sonda e plataformas de perfuração semi-submersíveis até 2017, além de 234 embarcações, das quais 70 são de grande porte. Bem claro: o Brasil poderia comprar tudo lá fora ou produzir internamente, turbinando o desenvolvimento da indústria nacional para suprir as necessidades da ex-

Uma sóbria previsão

revela que os campos

do pré-sal produzirão,

a partir de 2017, mais de um milhão e 300

mil barris de petróleo diários — quase 70% do que a Petrobras produz hoje.

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ploração petrolífera — e vice-versa. naval, que hoje emprega cerca de 40 mil trabalhadores. Nas condições de hoje, o Brasil reúne tecnologia de Dez novas grandes siderúrgicas projetadas devem trazer ponta e condições de mobilizar investimentos para efeautonomia à produção nacional de aço em seis anos. tivar tal indústria, ultrapassando outros países que não Além das Plataformas P-51, P-52 e P-55, construídas cruzaram o portal da exportação bruta. a partir de 2003, a Petrobras encomendou mais quaA impactante descoberta reuniu-se num conjunto tro unidades. Serão contratadas mais dez, até 2017. O de projetos que regulará a extração do petróleo no préíndice de nacionalização na construção de plataformas sal. Entre as metas, consta a criação da Petrosal, uma superou os 80%, com os itens necessários produzidos estatal que cuidará da gestão produtiva, controlando a internamente. execução do projeto, evitando alteração dos custos, asEste esforço do Sistema Petrobras, em especial da segurando o direcionamento dos ganhos para o Fundo Transpetro, entretanto, incorpora governo, universidaSocial vinculado à Presidência da República, de onde os des, institutos de pesquisa, empresários e trabalhadorecursos seguirão para a Educação, Cultura, Ciência e res envolvidos no projeto da indústria petrolífera. Tecnologia, combate à pobreza e sustentabilidade amA Petrobras afirmou-se por sua capacidade de libiental. E, quem sabe — há proposta —, contribuiria derar o desenvolvimento tecnológico e a pesquisa ao para desafogar nossa deficitária Previdência. longo de sua história, conduzindo o Brasil para além A União cederá à Petroda autossuficiência. É a bras a exploração com pagaúnica empresa do planeta mento em ações. Hoje, 39% capaz de extrair óleo em do capital da empresa é públiáguas ultraprofundas — co; o resto é capital privado, com tecnologia própria —, majoritariamente externo. responsável por 97% da Isto tem tirado o sono da produção brasileira. Nas velha oposição (ex-neo) libecircunstâncias, a tentativa ral, pois não há como questiode afastá-la da exploração nar a legitimidade da proposdo pré-sal seria invenção ta — que, soberana, reintegra da lógica privatista. o Estado brasileiro no controExitoso o projeto desele acionário da Petrobras. nhado para a nova indúsNeste prumo, a sociedade tria petrolífera, o Brasil inideve atuar no sentido de faciará um ciclo econômico zer com que o pré-sal repreque o fará ocupar em futuro sente uma segunda indepenpróximo posição de maior dência do Brasil, ninando o destaque entre as nações sonho de redenção das suas desenvolvidas. É precisaregiões, promovendo uma mente isso que incomoda os distribuição dos recursos protagonistas do derrotado obtidos com todos os estaEstado mínimo. dos e municípios. Em 2008, Pois, ainda no plano das foram recolhidos R$ 23 bireflexões sobre o pré-sal, que lhões em royalties e particiaqui tangencia discretamenpação especial, mas apenas te o debate sobre o estímulo R$ 850 milhões atenderam à pesquisa de matrizes enerassim ao Pacto Federativo. géticas limpas, em franca A demanda da indústria do petróleo, nessa fase iniprogressão, temos seis decênios de gloriosa excelência. cial, requereu investimentos vultosos em toda a infraTrata-se do momento culminante de uma significaestrutura produtiva. Lembre-se que a estagnação econôtiva conquista do povo brasileiro desde a campanha “O mica levou a siderurgia brasileira — que agora ensaia Petróleo é Nosso”, na década de 1950, que culminou com ressurgir, vigorosa — a pique nas duas últimas décadas, a criação da Petrobras. E isto converte o debate e as redesde o desmonte promovido pelos governos de FHC. alizações em curso, em mecanismos de esclarecimento e O último grande alto forno no Brasil foi inauguramobilização das forças políticas e populares no rumo de do há 23 anos, em 1986. O governo, em parceria com uma conquista mais ampla e definitiva: o desenvolvimeno setor privado, passa à tarefa de reerguer a indústria to do País com soberania e mais igualdade.

A Petrobras afirmou-se por sua capacidade de liderar o desenvolvimento tecnológico e a pesquisa ao longo de sua história, conduzindo o Brasil para além da autossuficiência. É a única empresa do planeta capaz de extrair óleo em águas ultraprofundas com tecnologia própria

(*) Luiz Carlos Antero é sociólogo e jornalista

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Aquarela Mino Castelo Branco


a diferença entre seu veículo impresso e os outros

CiêNCia&TeCNologia CaderNo esPeCial a ParTir desTa edição

nordestina A blindagem volvimento en es no subd

Crise

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Economia Solidária

Região ensina o que fazer pelos excluídos do crédito

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— Edição Nº 01

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