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CADERNOS DA ESCOLA DO LEGISLATIVO
VOLUME 15 | NÚMERO 23 | JANEIRO/JUNHO 2013
ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
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CADERNOS DA ESCOLA DO LEGISLATIVO
Volume 15 | Número 23 | janeiro/junho 2013
MESA DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA
EDIÇÃO
Deputado Dinis Pinheiro Presidente
Guilherme Wagner Ribeiro Celeno Ivanovo
Deputado José Henrique 1º-Vice-Presidente
ESCOLA DO LEGISLATIVO
Ruth Schmitz de Castro
Deputado Hely Tarqüínio 2º-Vice-Presidente
REVISÃO
Deputado Adelmo Carneiro Leão 3º-Vice-Presidente Deputado Dilzon Melo 1º-Secretário
Andréia Paulino Franco Izabela Moreira Sinval Rocha PROJETO GRÁFICO
Deputado Neider Moreira 2º-Secretário
Deputado Alencar da Silveira Jr. 3º-Secretário SECRETARIA
Eduardo Vieira Moreira Diretor-Geral
Sumário
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Gleise Marino Maria de Lourdes Macedo Ribeiro
Avaliação da divulgação e da prestação de contas da atuação das comissões legislativas nos portais de assembleias legislativas Cássia Carolina Borges da Silva Fabíola Cristina Costa de Carvalho Ana Paula Prado Garcia Simone Cristina Dufloth
EDITORAÇÃO
Maria de Lourdes Macedo Ribeiro
Editorial
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Estereótipos de mulheres políticas na mídia: quadros de análise com base em entrevista de Dilma Rousseff a Patrícia Poeta Rayza Sarmento
José Geraldo de Oliveira Prado Secretário-Geral da Mesa
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Luta pelos direitos humanos infantojuvenis em uma sociedade em permanente processo de democratização Paula Gabriela Mendes Lima
Cadernos da Escola do Legislativo. – Vol.1, n.1,(jan./jun. 1994) – . Belo Horizonte: Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais, Escola do Legislativo, 1994 – .
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Matilde de Souza
Semestral
135
1. Ciência política – Periódicos. I. Minas Gerais. Assembleia Legislativa. Escola do Legislativo.
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ISSN 1676-8450
A cooperação na gestão das águas: estudo comparativo de três Comitês de Bacias Hidrográficas em Minas Gerais
De la ruptura a la convergencia: analisis de la transición de los gobiernos neoliberales y el giro a la izquierda en Argentina y Brasil Guilherme Andrade Silveira
CDU 32(05)
A ética do discurso e a formação do sujeito político em Habermas Ângela Cristina Salgueiro Marques
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Como publicar nos Cadernos da Escola do Legislativo
É com satisfação que trazemos a público mais um númeCONSELHO EDITORIAL Álvaro Ricardo de Souza Cruz Faculdade de Direito da PUC Minas
Antônio José Calhau de Resende Assembleia Legislativa de Minas Gerais Fabiana de Menezes Soares Faculdade de Direito da UFMG
Fátima Anastasia Centro de Estudos Legislativos/ Departamento de Ciência Política da UFMG Departamento de Relações Internacionais da PUC Minas Márcio Santos Assembleia Legislativa de Minas Gerais
Marta Tavares de Almeida Instituto Nacional de Administração/Portugal Ricardo Carneiro Fundação João Pinheiro
Rildo Mota Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento (Cefor)/Câmara dos Deputados Roberto Romano Instituto de Filosofia e Ciências Humanas/Unicamp Regina Magalhães Assembleia Legislativa de Minas Gerais
ro dos Cadernos da Escola do Legislativo. Esta 23ª edição dá continuidade a discussões existentes em números anteriores, mas também se abre para novas temáticas. O texto que se destaca como uma continuidade temática deste periódico é o de pesquisadoras ligadas à Fundação João Pinheiro, intitulado Avaliação da divulgação e da prestação de contas da atuação das comissões legislativas nos portais de Assembleias. A reflexão sobre as novas tecnologias e, em especial, sobre a internet ocupa as páginas dos cadernos desde a década de 1990. Nos Cadernos nº 8, editado em 1998, foi publicado artigo intitulado A democracia eletrônica, do professor Geoffrey Aikens, da Universidade Cambridge, Inglaterra. O tema reaparece de forma reiterada nas edições seguintes, acompanhando a importância que as novas tecnologias adquiriram para o aperfeiçoamento da democracia. Há uma onda recente em favor de mais transparência, em reação a um Estado cuja opacidade não se limita à herança de um período autoritário, mas reflete também a própria concepção elitista de fazer e de pensar a política. Permitindo que os Cadernos permaneçam como espaço de reflexão nesta temática, as autoras do artigo em tela examinaram o acesso à informação sobre os trabalhos das comissões permanentes de cinco Assembleias Legislativas. Cabe registrar que a Assembleia de Minas Gerais, uma das contempladas na referida pesquisa, lança este ano o Portal de Políticas Públicas, uma das ações definidas em seu planejamento estratégico, que, a nosso ver, representa salto significativo no uso das novas tecnologias para o acompanhamento das políticas públicas. Nesse sentido, o agradecimento pela pesquisa se dá na forma de um convite para que o site da Assembleia Legislativa de Minas seja revisitado
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Editorial
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Outro campo de pesquisa caro aos estudos sobre representação política e sobre Parlamento que reaparece nesta edição é o da comunicação, desta vez enfocando, como o próprio título do artigo anuncia, o estereótipo das mulheres políticas na mídia. Utilizando-se tanto de literatura recente sobre a representação discursiva de minorias no cenário político quanto de categorias já sedimentadas em pesquisas na comunicação, como a noção de enquadramento de Goffman, a autora, Rayza Sarmento, examina a entrevista da presidenta Dilma Rousseff, realizada pela jornalista Patrícia Poeta para o programa Fantástico, exibido em 11 de setembro de 2011. Em que medida essa entrevista se enquadra no formato das coberturas jornalísticas das mulheres políticas é algo que os interessados poderão conferir com a leitura do segundo artigo que integra esta edição. Como linha editorial desta publicação, procura-se sempre trazer uma reflexão no campo do direito, com o qual o Poder Legislativo deve se manter em permanente diálogo. O Parlamento é o espaço por excelência da tensão entre a política e o direito, de forma que devemos alimentar a reflexão jurídica tanto sobre o funcionamento do Poder Legislativo, devido ao processo legislativo, quanto sobre os temas que estão na pauta das casas legislativas. Esse espaço é preenchido nesta edição pelo artigo de autoria de Paula Gabriela Mendes Lima, intitulado A luta pelos direitos humanos infantojuvenis em uma sociedade em permanente processo de democratização.
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O quarto artigo, ao abordar A cooperação na gestão das águas – estudo comparativo de três Comitês de Bacias Hidrográficas de Minas Gerais, de autoria de Matilde Souza, versa sobre tema caro ao Legislativo Mineiro. O texto, que examina os Comitês das Bacias Hidrográficas do Rio Piracicaba, do Rio Paraopeba e do Rio das Velhas, pretende discutir se a interatividade promovida pelos referidos colegiados
produz comportamento cooperativo que se sustenta no tempo. O problema que moveu a pesquisadora é essencial para pensar o modelo de democracia apoiado nos conselhos setoriais, ainda que a pesquisa se detenha na política de gestão das águas. O quinto artigo, intitulado De la ruptura a la convergência – a análisis de la transición de los gobiernos neoliberales y el giro a la izquierda en Argentina y Brasil, foi produzido pelo estudante Guilherme Andrade Silveira, como parte de seu intercâmbio acadêmico na Universidade de Buenos Aires. O último artigo, ao mesmo tempo que torna mais acessível, pela clareza e organização das ideias que apresenta, tema hermético para os que não estão familiarizados com o debate sobre a democracia deliberativa, procura responder a uma questão instigante sobre a formação do sujeito político em Habermas. Afinal, as condições formuladas por esse pensador para a efetivação da democracia são tão elevadas, que poderiam nos levar a crer que somente sujeitos políticos altamente capazes e preparados estariam aptos para o exercício da democracia. A autora, a professora Ângela Cristina Salgueiro Marques, demonstra que tal concepção de sujeito político não condiz com a teoria habermasiana, que não concebe o sujeito como prévio à sociedade, mas que ele se forma em suas ações discursivas com o outro. Como a referida professora trabalhou o tema de seu texto na disciplina ‘Política e Comunicação’, que ministrou no curso de especialização oferecido pela Escola do Legislativo alguns meses antes de submeter o artigo a este periódico, é interessante perceber como o seu discurso em sala de aula, na interação com os alunos, foi parte, consciente ou não, da construção do argumento do artigo em tela.
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pelos pesquisadores nacionais interessados na temática, considerando os avanços apresentados em período posterior aos examinados para o artigo que ora vem a público. As pesquisas sobre novas tecnologias sofrem este impasse: parece que estamos sempre correndo atrás das novas experiências e de inovações tecnológicas que impactam o dia a dia das pessoas e do cenário político.
Na certeza de que esta edição atende aos objetivos e às diretrizes dos Cadernos da Escola do Legislativo, desejamos a todos os interessados uma boa leitura.
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Guilherme Wagner Ribeiro Editor
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Cássia Carolina Borges da Silva Mestranda em Administração Pública (Fundação João Pinheiro) Analista do Instituto Nacional do Seguro Social
Fabíola Cristina Costa de Carvalho Mestranda em Administração Pública (Fundação João Pinheiro) Bacharel em Turismo (UFJF)
Ana Paula Prado Garcia Mestranda em Administração Pública (Fundação João Pinheiro) Bacharel em Gestão Pública (Uemg)
Simone Cristina Dufloth
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Avaliação da divulgação e da prestação de contas da atuação das comissões legislativas nos portais de assembleias legislativas
Doutora em Ciência da Informação (UFMG) Pesquisadora em Ciência e Tecnologia (Fundação João Pinheiro)
Resumo: Os portais de governo ampliam o acesso à informação e a transparência da gestão, facilitando o exercício da cidadania. Norteado por essa ideia, este trabalho busca criar uma metodologia de avaliação de portais de assembleias legislativas do ponto de vista da divulgação e da prestação de contas da atuação das comissões, atividade que consome a maior parte do trabalho dos deputados estaduais. Especificamente, foram avaliados cinco portais, segundo 56 critérios de análise. Como resultado, os portais das Assembleias Legislativas de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul foram os mais bem avaliados, podendo ser considerados modelos para a construção dos portais dos demais estados e municípios. Palavras-chave: Portais de governo. Prestação de contas. Comissões legislativas. Metodologia de avaliação de portais. Abstract: The government portals on the internet improve the access to information and the transparency of the management process, thus facilitating the exercise of citizenship. Guided by this idea, this work creates a methodology for the evaluation of portals of legislative houses, in terms of the publicizing
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Keywords: E-gov. Accountability. Legislative committees. Internet portals. Evaluation methodology.
1. Introdução Os portais de governo devem ser um instrumento de inserção social, facilitando o acesso do cidadão aos serviços públicos e promovendo a participação social em um ambiente que promove a deliberação. Eles têm como objetivos principais ampliar o acesso à informação e aos serviços ofertados aos diversos públicos e conferir maior transparência à gestão. “Os conteúdos disponibilizados pelos governos (...) devem, progressivamente, facilitar o exercício da cidadania” (SILVEIRA, 2001, p. 82).
De fato, nos dias atuais, os portais de governo deixaram de ser um mero instrumento informativo e se tornaram uma porta de acesso aos serviços públicos e à participação em debates de interesse da sociedade. Dito de outro modo, o acesso à informação governamental é considerado um pré-requisito ao exercício da cidadania.
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O uso das novas tecnologias de informação e comunicação (TICs), tanto pelos governos como por cidadãos, no intuito de promover a transparência, o controle social e a participação, já são recorrentes na literatura especializada. Porém, destaca-se que os exemplos de êxito são incipientes, seguindo um contexto que ainda explora pouco o potencial das TICs na promoção de mudanças sociais (RIBEIRO; DINIZ, 2011). Assim, a gestão de um fluxo de informação bidirecional, em que o exercício democrático é o objetivo maior, deveria reduzir a distância entre o poder público e a sociedade (MELLO et al., 2003). Ribeiro e Diniz (2011) destacam que a maioria dos estudos sobre experiências brasileiras de participação por meio do uso das
TICs busca analisar as iniciativas do poder público, particularmente do Legislativo e do Executivo, em detrimento de observar as experiências associadas à sociedade civil. Contudo, defendese, aqui, a importância das iniciativas do Estado de incorporar as ferramentas de tecnologia da informação para melhorar sua relação com o cidadão, reduzir as falhas comunicacionais no setor público e entre atores interessados nos processos administrativos, assim como oferecer melhores possibilidades de oferta dos serviços públicos.
Desse modo, considera-se que a avaliação dos portais de governo é de suma importância para conhecer os avanços alcançados até o momento, bem como seus pontos ainda deficientes que devem ser tratados. Nesse contexto, contribuem para a interface governo-cidadão os aspectos relacionados, por exemplo, à usabilidade, acessibilidade, linguagem visual e escrita, conteúdo e arquitetura. Além disso, a pertinência da escolha do Poder Legislativo como unidade de análise reside no fato de este ser o nível em que o cidadão pode se aproximar mais facilmente do poder político central, por meio da representação dos deputados estaduais que colocam as demandas sociais em pauta nos espaços de discussão pública. Assim, o objetivo deste artigo é analisar a divulgação da atuação das comissões legislativas e sua prestação de contas apresentadas nos portais das assembleias. A escolha de analisar informações referentes à rotina de trabalho das comissões legislativas se baseou na importância da atuação dos legisladores com as comissões no desempenho como um todo da Casa Legislativa. Isto porque grande parte da ação parlamentar está concentrada no trabalho das comissões. Portanto, as tecnologias da informação e comunicação têm o papel importante de oferecer ao usuário diferentes recursos que promovam a transparência e o acompanhamento individualizado das comissões (PEIXOTO; RIBEIRO, 2009). Para tanto, foram criados 56 critérios integrados por seis dimensões de análise: (1) informações na primeira página; (2)
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and the accountability of the legislative committees, activity that consumes most of the routine work of their members. Specifically, five Brazilian portals of legislative houses were evaluated, according to 56 analysis criteria. The sites of the Southeast and the South regions got the best scores, setting benchmarks for other states and municipalities to build government portals on the internet.
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O trabalho está organizado em quatro seções, além desta introdução, que apresenta o contexto de análise, bem como o objetivo e a relevância do estudo. A segunda seção é referente à concepção de governo eletrônico e do e-legislativo, assim como à síntese das principais atividades das assembleias legislativas. A terceira descreve a construção da metodologia adotada, enquanto a quarta seção apresenta a análise empreendida. Na parte final, discorre-se sobre as principais conclusões e impressões a respeito da pesquisa.
2. Governo eletrônico
O governo eletrônico é, algumas vezes, definido como serviços para o cidadão, reengenharia tecnológica ou compras online; ou como uma transformação fundamental do governo e da governança. Pode significar o uso das TICs para promover e melhorar o acesso aos serviços governamentais, beneficiando cidadãos, parceiros de negócios e empregados do setor público (VILLELA, 2003).
Segundo Perri (2001) apud Parreiras et al. (2004), o e-gov pode ser entendido a partir das dimensões: (1) serviços eletrônicos, visto que concentra a maior parte de esforços políticos e recursos no campo de e-gov, envolve a oferta de serviços públicos para o cidadão, além de relacionar governo e empresas privadas, por meio do uso das TICs; (2) democracia eletrônica, ao abranger novas leis para o uso de sistemas de votação eletrônica ou experiências de consulta online aos cidadãos; e (3) governança eletrônica, uma vez que inclui o suporte digital na elaboração de políticas públicas, os processos decisórios e a interação de grupos de trabalho compostos de gestores de diversos níveis. Alves e Dufloth (2008) ressaltam que o e-gov surge em um cenário de busca por transparência nas ações e decisões da administração pública e de acessibilidade plena às informações sobre o
governo, a fim de desenvolver mecanismos de controle social. O termo não deve ser confundido com a simples informatização, mas entendido como um governo democrático, moderno e ágil, de modo que o uso de TICs contribua para ampliar a cidadania, a transparência da gestão pública e a participação cidadã. Em uma perspectiva histórico-temporal, a expressão governo eletrônico ou e-gov é utilizada mais frequentemente após a disseminação e a consolidação do comércio eletrônico, na segunda metade da década de 1990, e assim passou a ser associada ao uso das TICs nos vários níveis do Estado (DINIZ et al., 2009).
Já naquela década, alguns países ocidentais entraram na era da informação ao adotarem novas tecnologias que estavam surgindo, com o objetivo de melhorar os serviços prestados e a transparência das ações do Estado (MOURA et al., 2011). O governo brasileiro acompanhou essa tendência, reconhecendo a potencialidade da internet para a democracia. Desde a reforma do Estado brasileiro, o governo eletrônico ganhou força com o uso intensivo das TICs na implementação de políticas públicas, na gestão pública, na prestação de serviços ao cidadão e na ampliação das práticas democráticas (LANZA; CUNHA, 2011). De forma concreta, podem ser elencados como primeiras iniciativas de e-gov no Brasil o sistema de votação eletrônica estabelecido no País e o processo de declaração do imposto de renda por meio da internet (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro – Firjan, 2002). De forma semelhante, Araújo (2007) pondera sobre o potencial de os sites alterarem as relações de accountability, horizontal e vertical, e a responsividade das democracias contemporâneas, questionando se realmente os governos são responsivos, responsáveis e agem no melhor interesse dos cidadãos. A partir desse argumento, o e-gov pode tornar os governos mais efetivos nos seguintes aspectos: (1) facilitando que perspectivas sociais sejam consideradas na (re)definição de políticas públicas; (2) permitindo aos cidadãos obter melhores serviços públicos; (3) integrando, mais efetivamente, organizações distintas para melhorar a oferta dos serviços públicos; e (4) disponibilizando
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periodicidade; (3) informações institucionais; (4) multimídia e redes sociais; (5) sistema de busca; e (6) acessibilidade. A partir disso, estabeleceu-se um ranking comparativo, observando o grau de “informatividade” e a qualidade das informações.
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Assim, espera-se gerar maior efetividade, eficácia e eficiência na administração pública, supondo o aumento da justiça e da equidade social por meio da ampliação dos canais de participação e da aproximação do cidadão com os processos decisórios de seu interesse. Essas características corroboram a concepção de “Estado-rede” formulada por Castells (2000) no contexto da reforma da máquina estatal, no Brasil, na década de 1990. Diante da escassez dos recursos, ao mesmo tempo em que crescia a demanda da sociedade e se observava a possibilidade de aumentar a oferta dos serviços públicos sem o incremento nos gastos em pessoal, instalações e equipamentos, o governo se viu motivado a investir em políticas públicas associadas ao uso de TICs (SILVEIRA, 2001).
Posto isso, Araújo (2005, p. 6) argumenta que o “Estado-rede” é marcado pelo compartilhamento de autoridade ao longo de uma rede de instituições, para o atendimento das demandas da sociedade. “Essa rede implica um certo nível de complexidade de informações, exigindo maiores recursos para a sua gestão. A tecnologia surge, exatamente, como um recurso que possibilita gerenciar as informações necessárias para atuação estatal.”
2.1 E-legislativo
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Especificamente, as assembleias legislativas podem se beneficiar do e-gov, tanto do ponto de vista operacional, nas atividades cotidianas, quanto na promoção da participação social. São funções dessas instituições: discutir e produzir leis, fiscalizar o Poder Executivo estadual e representar os interesses da sociedade por meio da intermediação política de conflitos. No âmbito das assembleias, o Plenário é o espaço para debates, negociações políticas e articulação de acordos para votações, em que os deputados opinam e debatem sobre assuntos de interesse social para definir conteúdos de novas leis, além da legislação atual do
Estado. Já as comissões são formadas por grupos de deputados que analisam e apresentam considerações acerca dos projetos em tramitação, no intuito de orientar as votações no Plenário. As comissões também têm o dever de levar a cabo estudos, audiências e debates sobre temas de interesse social, além de fiscalizar os atos do Estado (MINAS GERAIS, 2012).
Prover informações, como a autoria de proposições, o histórico dos votos, as presenças e os pronunciamentos, é uma das principais funções dos portais legislativos estaduais. Além de tais atribuições, as casas legislativas devem informar sobre projetos apresentados, pareceres e reuniões de comissões. “Essas informações podem ser disponibilizadas de diversas maneiras, desde a implantação de mecanismos que permitem ao cidadão participar e intervir no trabalho legislativo até a construção e manutenção de um site na internet” (MELLO et al., 2003, p. 13). Todavia, muitos sites brasileiros ainda trazem informação de utilidade questionável e, em casos extremos, faltam informações mínimas acerca da atividade legislativa (PEIXOTO; RIBEIRO, 2009). De fato, as assembleias apresentam diferentes graus de desenvolvimento do ponto de vista da promoção efetiva de acesso à informação, devido à alta complexidade na estrutura administrativa exigida na oferta de serviços e procedimentos relacionados aos portais de governo, além dos custos de implementação desses sistemas e do fato de o cidadão não estar habituado ao elevado volume de informações disponibilizadas (MELLO et al., 2003).
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informação atualizada e compreensível sobre o governo, leis, regulamentos, políticas e serviços prestados (JARDIM, 1999).
Considerando, pois, essa breve exposição acerca da importância do e-gov nas possibilidades de ampliação da participação por meio dos portais legislativos, a seguir se descreve a metodologia de análise proposta.
3. Metodologia para a construção dos critérios de análise
A avaliação é um processo complexo, geralmente incompleto, norteado por balizadores predefinidos. “A avaliação de um sistema de informação é um julgamento de valor (...) com um obje-
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O filtro utilizado neste trabalho para a avaliação da divulgação e da prestação de contas da atuação das comissões legislativas passa pela escolha de cinco portais de assembleias estaduais – Acre, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Sergipe. A definição dos portais avaliados fundamentou-se na importância de dar representatividade às cinco diferentes regiões do Brasil. Diversos autores empreenderam esforços de avaliação de portais de governos, inclusive os brasileiros. Analisar o conteúdo, a funcionalidade e a usabilidade foi o foco de Villela (2003), que em seu estudo concluiu que os sistemas de informação disponíveis são complexos, porém não são canais eficientes de comunicação e transparência. Outro estudo mais amplo, de Peixoto e Ribeiro (2009), comparou todos os portais dos Poderes Legislativos estaduais do Brasil, dos Estados Unidos e da Espanha, sem, no entanto, criar um ranking entre eles. Apenas a pesquisa de Braga (2007) se preocupou em avaliar e ordenar todos os 26 portais das assembleias brasileiras, elencando os melhores em ordem crescente. Por isso, este trabalho utilizou como estados representativos das cinco regiões do País os melhores classificados pelo autor, regionalmente.
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O foco sociológico de Braga (2007) foi a divulgação e a transparência nos portais das assembleias em relação à composição das mesas, ordem do dia, presença dos parlamentares na sessão, resultado das votações, agenda do presidente da Casa, perfil individual dos parlamentares, filiações partidárias anteriores, declaração patrimonial e remuneração pessoal dos deputados, bem como suas principais propostas (OLIVEIRA, 2008). Ou seja, segundo o perfil da sua pesquisa, priorizou-se analisar informações institucionais e a atuação no Plenário das assembleias, com base em seus portais.
Dado o foco deste trabalho – a divulgação e a prestação de contas, nos portais das assembleias, relacionadas à atuação das comissões legislativas – a metodologia de Braga (2007) não se mostrou conveniente para alcançar os objetivos propostos pela pesquisa empreendida aqui. Então, apesar de a definição dos critérios de análise usados ter sido baseada na literatura – com base em métricas de portais propostas por Barboza et al. (2000), Brasil (2007), Gant e Gant (2002), Smith (2001), Huang e Chao (2001) e Stowers (1999) – o grupo de itens que resultou na tabela usada para essa avaliação é inédito, sendo este trabalho de caráter exploratório, levando-se em conta levantamento e análise das informações contidas nos cinco portais legislativos estudados. Lembra, assim, que a pesquisa exploratória busca, justamente, proporcionar familiaridade com determinado problema, a fim de torná-lo explícito. Entretanto, não nega a necessidade de ser descritiva, ou seja, de delinear as características do problema para a determinação do fenômeno (GIL, 2008).
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tivo específico, em um estágio específico de um ciclo de vida de um sistema, com o uso de um método específico” (SERAFEIMIDIS, 1997, tradução livre). Um método de avaliação, então, é a especificação de um procedimento para fazer a análise.
A avaliação se baseou na construção e na análise de 56 critérios entendidos como os principais e mais esclarecedores para observação da divulgação e da prestação de contas da atuação das comissões nos portais das assembleias, com fins a accountability democrática, sob a perspectiva de adequação do conteúdo às necessidades do público-alvo. A análise foi realizada durante as duas primeiras semanas de dezembro de 2012, por meio de visita aos portais. Ocasionalmente, algum portal foi visitado mais de uma vez, mas, no geral, a observação da presença ou não dos critérios foi detectada em apenas uma visita ao endereço eletrônico. Para Barboza et al. (2000), o portal é um canal em que o cidadão pode obter informações de maneira simples e interativa, devendo cumprir o papel de agente de divulgação institucional e de comunicação social, ideia que norteou a definição dos 56 critérios usados. Eles foram divididos em seis grandes grupos: (1) informações na primeira página; (2) periodicidade; (3) informações institucionais; (4) multimídia e redes sociais; (5) sistema
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Informações na primeira página: a divulgação de informações na primeira página é importante por facilitar a navegação, pois os usuários não devem ser direcionados a caminhos intrincados dentro do portal para encontrar as informações desejadas (BRASIL, 2007). Daí, a importância de avaliação do uso da primeira página do portal para chamadas da agenda, da pauta e das notícias das comissões legislativas, de conteúdos integrantes da divulgação e da prestação de contas da atuação nas comissões. Além disso, quando o portal oferece diferentes tags para links com o conteúdo interno, facilita a navegabilidade e usabilidade de acordo com as necessidades do usuário (SMITH, 2001). Nesse sentido, averiguar se a chamada para a divulgação das informações da atuação das comissões está disponível em mais de um lugar, seja no cabeçalho, seja no rodapé, é importante para analisar a facilidade de identificação da informação desejada. Quadro 1 – Critérios de análise da dimensão Informações na primeira página Critério
Critério
1. Portal disponibiliza página sobre 5. Chamada para a página das as comissões? Comissões na primeira página?
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2. Divulgação da agenda na primeira página?
5.1 Mais de uma chamada?
3. Divulgação da pauta na primeira página?
5.2 Alguma no cabeçalho?
4. Notícia sobre comissões na primeira página?
5.3 No rodapé?
Fonte: Elaboração própria.
Periodicidade: o conceito de periodicidade adotado neste trabalho prevê que informações atualizadas são as divulgadas no prazo máximo de 24 horas a partir do momento do fato. “Websites são vistos como uma forma de obtenção de informações recentes. Assim, os critérios de atualidade são suficientemente importantes para serem considerados separadamente do conteúdo” (SMITH, 2001, tradução livre). Ademais, os indicadores de análise criados por Huang e Chao (2001) classificam informação desatualizada como demérito do portal de governo. Quadro 2 – Critérios de análise da dimensão Periodicidade Critério
6. Informações atualizadas dentro de 24h? 6.1 Na primeira página? 6.2 Da agenda? 6.3 Da pauta? 7. Membros atualizados das comissões (por comissão)?
Critério
8. Notícia (cobertura jornalística) atualizada? 8.1 Mais de uma matéria por reunião? 8.2 Mais de uma matéria por visita? 8.3 Reportagem de prestação de serviço (interesse público)?
7.1 Responsáveis pela comissão: assessor?
8.4 Matérias com foto, áudio ou vídeo?
7.2 Responsáveis pela comissão: apoio?
9. Informações periódicas sobre reuniões?
7.3 Responsáveis pela comissão: consultor?
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de busca; e (6) acessibilidade. Ressalta-se que essa divisão teve por objetivo facilitar a análise dos portais. Assim, as dimensões não agrupam necessariamente critérios que remetem apenas à sua denominação, mas a quesitos considerados diretamente ligados entre si. Os critérios foram numerados, quando dispostos nos quadros a seguir, para facilitar a leitura e a compreensão da ligação entre eles.
10. Também sobre visitas das comissões?
Fonte: Elaboração própria.
Informações institucionais: o acesso às pautas das reuniões, por exemplo, é um quesito de avaliação da oferta de serviços do portal de governo proposto por Stowers (1999). Aqui, a análise não pretende avaliar a divulgação de informações institucionais da Casa Legislativa, mas das comissões, cuja importância consiste no incremento para o entendimento do funcionamento e para o acesso à informação diferenciada, segundo os interesses e conhecimentos dos cidadãos.
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Critério
Critério
Quadro 4 – Critérios de análise da dimensão Multimídia e redes sociais Critério
Critério
11. Informações institucionais 14. Informação separada para sobre trabalho das comissões? comissão especial?
16. Portal disponibiliza vídeos?
21. Contato por e-mail das comissões?
17. E áudios?
22. Utiliza redes sociais?
12. Informações separadas para comissões permanentes e temporárias?
14.1 Divulgação da agenda?
18. E fotos?
14.2 Divulgação da pauta?
19. A pauta completa das reuniões?
13. Informação separada para CPI?
15. Informação separada para comissão extraordinária?
13.1 Divulgação da agenda?
15.1 Divulgação da agenda?
13.2 Divulgação da pauta?
15.2 Divulgação da pauta?
Fonte: Elaboração própria.
Multimídia e redes sociais: o avanço das potencialidades democráticas digitais é notável. Assim, pretende-se avaliar o uso da divulgação multimídia nas redes sociais e via e-mail ou telefone na prestação de contas da atuação dos legisladores nas comissões. Peixoto e Ribeiro (2009, p. 10) argumentam sobre a importância da web 2.0, termo que se refere a aplicativos que possibilitam aos usuários gerarem conteúdos e interagirem entre si, em contraposição a um modelo de web 1.0, em que o usuário é um consumidor passivo da informação oferecida. “As redes sociais e as plataformas de compartilhamento de conteúdo de texto, vídeo ou áudio podem, nesse sentido, ser consideradas exemplos típicos de aplicativos 2.0.” Os autores usam o Facebook e o Twitter como exemplos de canais de interação. Ao avaliar a dimensão de planejamento visual e gráfico, por exemplo, Barboza et al. (2000) sugerem a avaliação da existência de fotografias que veiculam informação e de recursos multimídia em sintonia com os objetivos do portal. Do ponto de vista da prestação de contas, fotos, vídeos, áudios e relatórios, os portais cumprem o papel de reproduzir a realidade para o cidadão que se interessa pela rotina de atuação das comissões legislativas, mas não está presente ou completamente integrado a essa rotina.
20. Contato telefônico das comissões?
22.1 Link para informações das comissões? 22.2 Para o Twitter? 22.3 Para o Facebook? 22.4 Para o Orkut?
Fonte: Elaboração própria.
Sistema de Busca: os sistemas de busca facilitam e podem até antecipar o desejo ou a necessidade do cidadão em acessar determinada informação. Barboza et al. (2000), desse modo, elencam a presença de sistema de busca, assim como a divulgação do endereço postal e número de telefone, como critério de análise do conteúdo. Já para Stowers (1999), assim como a inclusão de endereços de e-mail, as ferramentas de busca são instrumentos de interatividade com o usuário.
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Quadro 3 – Critérios de análise da dimensão Informações institucionais
Outro quesito de avaliação de portais que indica a importância da análise dos sistemas de busca é o que está relacionado à existência de iniciativas proativas que antecipem a necessidade dos cidadãos por ação do próprio órgão responsável pela prestação do serviço (BRASIL, 2007), como, por exemplo, a disponibilização do FAQ e de “perguntas prontas”. Quadro 5 – Critérios de análise da dimensão Sistema de Busca Critério
23. Portal tem sistema de busca? 23.1 “Pesquisa pronta” agenda/ pauta do dia? 23.2 FAQ? Fonte: Elaboração própria.
Critério
23.3 Sistema de busca exclusivo para as comissões? 23.4 Filtro geral para comissões?
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Os indicadores de análise de Gant e Gant (2002) pontuam o número de passos necessários para a obtenção da informação, seguindo a dimensão de análise da disponibilidade de informações e serviços por meio do portal. Ou seja, para os autores, não basta a informação estar presente no website, ela também deve ser obtida de forma rápida.
Quadro 6 – Critérios de análise da dimensão Acessibilidade Critério
Critério
24. Agenda acessível em menos de 3 cliques?
27. Áudio disponíveis em menos de 3 cliques?
25. Pauta acessível em menos de 3 cliques?
28. Fotos disponíveis em menos de 3 cliques?
26. Vídeos disponíveis em menos de 3 cliques?
29. Portal facilita acesso à informação sobre comissões?
do cidadão. Desse ponto de vista, a análise do portal passa pela percepção do avaliador, que observa se a ferramenta realmente é instrumento que facilita a accountability e a participação.
4. Análise dos resultados
Nesta seção, são apresentados os resultados da aplicação dos 56 critérios de avaliação nos portais das Assembleias Legislativas do Acre, de Mato Grosso do Sul, de Minas Gerais, do Rio Grande do Sul e de Sergipe. De forma geral, o portal da Assembleia de Minas Gerais se destacou, deixando de atender em 100% apenas o critério “redes sociais”.
Já o portal da Assembleia de Sergipe teve a menor pontuação, não registrando pontos nos critérios “Informações Institucionais” e “Sistema de busca”. O portal do Acre também não obteve pontuação em “Informações Institucionais”, somado o fato de ter pontuação medíocre nos demais quesitos avaliados. Quanto ao portal de Mato Grosso do Sul, destaca-se a baixa pontuação no critério “Sistema de Busca”. O portal do Rio Grande do Sul teve pontuação média ou alta em todos os critérios.
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Acessibilidade: neste trabalho, o conceito de acessibilidade está vinculado ao de facilidade de acesso às informações. O Departamento de Governo Eletrônico do Ministério do Planejamento sugere, na criação de métricas de avaliação de portais de governo, verificar se o cidadão obtém a informação ou o serviço desejado em até três cliques (BRASIL, 2007). Da mesma forma, para Smith (2001), qualquer ponto do site deve ser alcançado com um número apropriado de links: em um site de tamanho mediano, deve ser possível acessar qualquer informação, em qualquer ponto, em até três cliques.
Gráfico 1 – Síntese dos resultados
Fonte: Elaboração própria.
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O último questionamento – Portal facilita acesso à informação sobre as comissões? – tem um caráter subjetivo e reflete a percepção do avaliador. Nesse sentido, foi analisado se a interface facilita ou não o acesso à divulgação e à prestação de contas da atuação das comissões legislativas. “A interface deve ser, portanto, fácil de usar. Ela deve oferecer um ambiente amigável que permita uma navegação intuitiva e rápida” (BRASIL, 2007, p. 17). Moraes (2000) destaca o uso do portal para promoção de cidadania, transparência das ações do governo e participação
25 Fonte: Elaboração própria.
4.1 Portal da Assembleia do Estado do Acre
O portal da Assembleia Legislativa do Acre (ALEAC, 2012) apresentou baixa pontuação, totalizando 16 pontos (gráfico 2). Em primeiro lugar, observamos algo de grande importância: a extensão do endereço web do portal, que é do tipo .net, quando seria esperado que a Assembleia adotasse a extensão .leg.br ou gov.br. Nesse ponto, vale esclarecer que o ranking criado por Braga (2007) considerou o endereço cuja extensão era .gov.br, que não está mais disponível. Ademais não foi localizado outro estudo acadêmico que levasse em conta o endereço .net da ALEAC, disponível atualmente. A credibilidade do conteúdo fica comprometida, já que extensões do tipo .net podem ser registradas por quaisquer pessoas físicas ou jurídicas, não estando sujeitas ao controle do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI), ao contrário do que ocorre com as extensões .gov.br e leg.br.
O portal disponibiliza em sua primeira página, na guia “Institucional”, um link para “Comissões”. Entretanto, tal página apenas informa quais comissões existem, siglas, tipos (permanente ou temporária) e data de criação. Não há qualquer informação acerca dos trabalhos, pauta, agenda ou integrantes. Para o critério “Informações Institucionais”, o portal não registrou pontuação. Não existe registro dos trabalhos das comissões, não há informação de uma agenda diária, nem é possível saber se existe alguma comissão realmente em atividade. Mais uma vez, o portal da Assembleia do Acre teve baixo desempenho no quesito “Multimídia e redes sociais”. Apesar de
existir um ícone com a legenda “Vídeo” no cabeçalho do portal, ao clicar nesse ícone, o usuário é direcionado a uma página que informa que “nenhum conteúdo foi cadastrado nessa seção”. Há, também, um ícone com a legenda “Áudio,” que leva às gravações da Casa Legislativa, porém, o conteúdo mais recente é do ano 2009. Há vídeos disponibilizados no ícone “TV ALEAC”, mas os vídeos institucionais estão atrelados a diversas propagandas comerciais em vez de institucionais, como seria esperado para uma organização pública. Gráfico 2 – Quantidade de critérios atendidos por dimensão no portal da Assembleia do Acre
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O gráfico 1 mostra, de forma sintética, os resultados encontrados, elencando as porcentagens de critérios avaliados positivamente nos portais das assembleias – nominadas pela abreviatura oficial – para cada dimensão analisada. As subseções seguintes expressam considerações analíticas e críticas referentes a cada portal, elencando os resultados de acordo com as seis dimensões avaliadas.
Fonte: Elaboração própria.
Inexistem “redes sociais”, seja da própria Assembleia, seja dos deputados que a compõem. Quanto à busca, há apenas um sistema pouco configurável e que não permite buscas mais complexas. Já no quesito “Acessibilidade”, o portal teve três critérios avaliativos positivos: “áudio, fotos e vídeos,” disponíveis em menos de três cliques. Ressalta-se, entretanto, a desatualização de tais recursos.
4.2 Portal da Assembleia do Estado de Mato Grosso do Sul
A pontuação total do portal da Assembleia do Estado de Mato Grosso do Sul (ALMS, 2012) atingiu 25 pontos (gráfico 3). No critério “Informações na Primeira Página”, apenas não apresenta mais de uma chamada para as comissões. Esse portal divulga a agenda e a pauta na primeira página, com apenas dois cliques, e apresenta notícias atinentes às comissões.
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quesitos, exceto o que diz respeito às redes sociais. O portal destaca as atividades parlamentares e, entre elas, os trabalhos das comissões. Já na primeira página é possível ter acesso a várias atividades da Casa Legislativa. As notícias são atualizadas constantemente e estão apresentadas na primeira página, por meio de recurso que permite a leitura do resumo das notícias mais recentes.
Gráfico 4 – Quantidade de critérios atendidos por dimensão no portal de Minas Gerais Fonte: Elaboração própria.
No quesito “Periodicidade”, houve uma queda na pontuação. De fato, há informações atualizadas em menos de 24 horas, entretanto, informações da agenda e pauta são atualizadas em um prazo superior. Há matérias com fotos e vídeos, assim como informações periódicas sobre as reuniões. Não foram encontradas informações acerca de visitas nem tampouco da composição das comissões. Quanto à dimensão “Informações institucionais”, ainda que haja informações sobre o trabalho das comissões, não se separa a agenda de cada uma delas. Nota-se, ainda, a falta de informações sobre comissões extraordinárias.
O portal também não foi bem pontuado no critério “Multimídia e redes sociais”. Isto ocorreu em função da não disponibilização da pauta completa das reuniões e do contato das comissões. Não há utilização de links para a reprodução de informações em redes sociais. Quanto ao critério “Sistema de Busca”, o portal não apresenta sistema específico para o trabalho das comissões. Já no quesito “Acessibilidade”, o portal da Assembleia de Mato Grosso do Sul alcançou nota máxima, pois tem agenda, pauta, fotos, áudios e vídeos acessíveis em menos de três cliques. Dadas as informações disponíveis e localizadas, o portal pode ser considerado como facilitador do acesso às informações das comissões.
4.3 Portal da Assembleia do Estado de Minas Gerais
O portal da Assembleia de Minas Gerais (ALMG, 2012) alcançou 55 pontos (gráfico 4), apresentando pontuação máxima em todos os
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Gráfico 3 – Quantidade de critérios atendidos por dimensão no portal de Mato Grosso do Sul
Fonte: Elaboração própria.
No quesito “Informações Institucionais”, a pontuação máxima foi devida à ênfase dada às atividades parlamentares, em especial a das comissões. Também é possível saber quem, além do corpo parlamentar, está envolvido com as atividades da comissão, o que permite que os fluxos de informações sejam estabelecidos em novos canais. Para interagir com o público, o portal explora bem a utilização de vídeos e áudios. Esse avanço permite uma resposta mais rápida às demandas da sociedade, como argumentam Peixoto e Ribeiro (2009). O “Sistema de Busca” permite a realização de buscas por meio de filtros preestabelecidos ou de estabelecimento de filtros a serem criados pelo usuário. Pauta das reuniões, vídeos, áudios e fotos são acessados com menos de três cliques. Cabe destacar que o portal da Assembleia de Minas Gerais usa recursos de página recentes – como script Java e animações em flash. Isso facilita o acesso das informações e ainda permite maior interatividade. Entretanto, o uso dessas ferramentas requer maior capacidade do aparelho do usuário, o que pode
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4.4 Portal da Assembleia do Estado do Rio Grande do Sul
Inicialmente, cabe destacar que a página inicial do portal da Assembleia do Rio Grande do Sul (ALRS, 2012) apresenta quatro colunas que direcionam para as páginas “Institucional”, “Legislativo”, “Comunicação” e “Deputados”. Para fins desta análise, a página direcionada pela página introdutória foi considerada a página inicial. A pontuação total do portal alcançou 37 pontos (gráfico 5). Gráfico 5 – Quantidade de critérios atendidos por dimensão no portal do Rio Grande do Sul
lho das comissões, separando temporárias e permanentes. Há, ainda, informações separadas para CPI, comissão especial e extraordinária, contendo divulgação da agenda. Porém, não foram encontradas informações sobre a pauta.
O portal apresenta, também, a composição das diversas comissões, ressalvando-se que não foram encontradas informações sobre assessores de apoio ou consultores. Do ponto de análise “Multimídia e redes sociais”, o portal teve pontuação semelhante ao critério anterior, pois não disponibiliza a pauta completa das reuniões, nem o contato, seja de e-mail ou telefônico das comissões. Exibe áudios, fotos e vídeos, e apenas apresenta o Twitter entre as redes sociais existentes e divulgadas no portal.
Quanto ao critério “Sistema de busca”, tem sistema de busca específico para as comissões. Há filtro facilitador para as comissões, que já as separa em grupos de acordo com o tipo de comissão a ser pesquisada. Há também a possibilidade de acesso a “Perguntas frequentes”. Em relação à “Acessibilidade”, possui agenda, fotos, vídeos e áudios acessíveis em menos de três cliques. No todo, o portal facilita o acesso à informação sobre as comissões.
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dificultar o acesso daqueles que não têm máquinas e programas atualizados e aptos para processar os recursos do portal.
4.5 Portal da Assembleia do Estado de Sergipe Fonte: Elaboração própria.
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No quesito “Informações na primeira página”, tem-se a disponibilização na página da dimensão “Legislativo” informações sobre as comissões, com mais de uma chamada. Não há menção às comissões no cabeçalho nem tampouco há divulgação da pauta. A divulgação de notícias ocorre na primeira página, que é direcionada pela coluna “Comunicação”. No quesito “Periodicidade”, as informações da agenda são atualizadas com menos de 24 horas, estão na primeira página e é apresentada ampla gama de cobertura jornalística. Ademais, há informações periódicas sobre as reuniões, os fóruns, as audiências e as assembleias. Quanto ao critério “Informações institucionais”, o portal alcançou boa pontuação, pois apresenta informações sobre o traba-
Segundo os critérios deste estudo, o portal da Assembleia de Sergipe (ALSE, 2012) alcançou apenas 9 pontos (gráfico 6). Analisando as “Informações na primeira página”, apesar de existir uma página sobre as comissões, ela apenas nomeia cada uma delas, seus membros e hierarquia, sem haver, contudo, qualquer informação sobre seus trabalhos.
Na dimensão “Periodicidade”, apenas o item “Informações atualizadas em menos de 24 horas” foi positivo. Na primeira página do portal não há qualquer notícia, mas apenas um ícone-link para a Agência de Notícias da Assembleia. No quesito “Informações institucionais”, não houve pontuação, ou seja, não há informações sobre os trabalhos das comissões, observando-se que nem mesmo a agenda está disponível. No critério “Multimídias e redes sociais”, são disponibilizados áudios das sessões ple-
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Gráfico 6 – Quantidade de critérios atendidos por dimensão no portal de Sergipe
Fonte: Elaboração própria.
Para ter acesso via e-mail às comissões, o caminho é bastante tortuoso, pois não há endereços eletrônicos individuais de cada comissão. Assim, primeiro deve-se acessar a tabela de comissões, anotar os nomes de seus membros para, posteriormente, buscar os respectivos e-mails na lista de parlamentares. Existem vários sistemas de filtros de conteúdo, todavia estes pouco se aproximam de um sistema de buscas dentro de um portal. O quesito “Acessibilidade” obteve 3 pontos, já que o conteúdo do áudio das sessões e o acesso ao vídeo podem ser efetuados com três cliques ou menos. Existem fotos, mas elas se resumem a fotografias dos deputados eleitos, o que configura, em certa medida, uma limitação na utilização do recurso de imagem. Por fim, não há quaisquer informações da agenda ou pauta, e o portal em nada facilita o acesso às informações das comissões.
5 Conclusões
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O objetivo deste trabalho foi comparar os conteúdos dos portais eletrônicos de cinco casas legislativas em relação à divulgação e à prestação de contas da atuação das comissões parlamentares. A seleção de um portal para cada uma das cinco regiões do País
teve como fundamento a classificação de Braga (2007). Contudo, destaca-se que este trabalho criou critérios próprios de avaliação, ou seja, não foi utilizada a metodologia desse autor para a análise aqui proposta.
Os critérios de avaliação se pautaram na divulgação da agenda das comissões, na prestação de contas e nos tipos de canais de participação existentes no processo. Verificou-se que, entre os 56 critérios avaliativos, o portal da Assembleia de Minas Gerais se destacou, alcançando 55 pontos. É pertinente apontar o amplo processo de reestruturação desse portal em 2011, que certamente contribuiu para classificá-lo, diante da metodologia deste trabalho, como o que melhor divulga e presta contas da atuação das comissões legislativas. De forma surpreendente e igual ao ranking de Braga (2007), apesar das diferenças metodológicas, o portal da Assembleia do Rio Grande do Sul foi o segundo colocado. Embora não tenha tantas funcionalidades como o portal da Assembleia de Minas Gerais, o portal da Região Sul oferece interface amigável e acesso facilitado às informações das comissões legislativas, ainda que a periodicidade atinente às comissões e a disponibilidade de recursos multimídia sejam afetadas.
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nárias e vídeos da TV ALSE, sem que haja, contudo, utilização de redes sociais.
O portal da Assembleia de Mato Grosso do Sul obteve 25 pontos nos critérios avaliativos adotados, pontuação bastante superior aos 16 e 9 pontos referentes aos portais das Assembleias do Acre e de Sergipe, respectivamente. Aliás, o endereço eletrônico analisado por Braga (2007) no portal do Norte – www.aleac. ac.gov.br – sequer existe atualmente, sendo utilizada a extensão .net. Ademais, destaca-se a desatualização, o que desacredita e desmerece o portal (HUANG; CHAO, 2001).
Em suma, os portais das Regiões Sudeste e Sul são os que melhor disponibilizam informações e prestam contas da atuação das comissões e do desempenho dos legisladores ligados a elas. Eles podem ser, pois, parâmetros para o desenvolvimento de portais de governos estaduais e municipais, considerando que contribuem para disseminar informações de interesse público
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e promover a participação cidadã, além das informações que, se utilizadas favoravelmente, podem aumentar a accountability em relação ao Poder Legislativo. Desse modo, um passo interessante para a continuidade desta pesquisa é sua extensão aos demais portais de assembleias legislativas do País, analisando a divulgação e a prestação de contas da atuação das comissões, com base na internet.
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Rayza Sarmento Doutoranda e mestra em Ciência Política (DCP/UFMG). Jornalista graduada pela Universidade da Amazônia (Unama/PA). Bolsista (Fapemig).
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Estereótipos de mulheres políticas na mídia: quadros de análise com base em entrevista de Dilma Rousseff a Patrícia Poeta
Resumo: Este trabalho mapeou os principais resultados de parte da literatura sobre mídia, política e gênero preocupada com as representações midiáticas de mulheres na vida pública. Foram sistematizados quatro grandes quadros que serviram para a conclusão deste estudo, quais sejam: a) o enquadramento da aparência física; b) os cuidados domésticos e as relações afetivas; c) a tensão entre vida privada e pública; e d) a atuação política peculiar. A partir desse levantamento, advoga-se pela possibilidade de essas conclusões configurarem-se como categorias de análise para a leitura de distintas narrativas jornalísticas. A fim de demonstrar a aplicabilidade das categorias, analisamos uma entrevista da presidenta Dilma Rousseff a Patrícia Poeta1, no programa Fantástico, exibida em setembro de 2011. Foi observada a validade dessas janelas analíticas ao olhar para o caso escolhido; contudo, também sinaliza-se para a possibilidade de subversão dos quadros, ao se focar na interação comunicativa disposta na entrevista. Palavras-chave: Mulheres. Jornalismo. Representação. Abstract: This paper mapped the main results of part of the literature about media, politics and gender, concerned with the media’s representation of women in public life. From this data collection, we defend the possibility of these conclusions coming out as categories of analysis or framing for the reading of different journalistic narratives. For the purpose of demonstrating the applicability of these
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Keywords: Journalism. Women. Politics. Representation.
Introdução Desde a década de 1970, a relação entre mídia e gênero tem motivado estudos no campo comunicacional. A partir dessa interseção, a representação midiática de mulheres e homens candidatos ou eleitos ao sistema político formal tem sido objeto de um crescente número de trabalhos, seja na Comunicação, seja na Ciência Política. A maior parte desses estudos, às vezes dialogando com as teorias feministas, busca diagnosticar e discutir a escassa presença de mulheres nos meios de comunicação e a forma como são retratadas, especialmente no conteúdo jornalístico. Os trabalhos acerca do que chamaremos aqui de “representação discursiva da representação política” têm chegado a resultados qualitativos similares, seja no contexto nacional, seja no internacional. A proposta deste texto é adotar tais resultados como possíveis enquadramentos de análise das narrativas jornalísticas sobre mulheres candidatas ou eleitas, enfatizando o quanto essa construção noticiosa ainda está entrelaçada por estereótipos sobre o papel feminino na vida social. Para empreender tal análise, estabelecemos como quadros de sentido ou pacotes interpretativos (GAMSON, 2011) as principais conclusões dos trabalhos sobre mídia, gênero e política, para, então, tentarmos aplicá-las em uma narrativa jornalística específica, a entrevista concedida pela presidenta Dilma Rousseff ao programa Fantástico, em setembro de 2011.
Mulheres, Política e Jornalismo
A discussão sobre representação de grupos minoritários é muito cara à Ciência Política. As mulheres, historicamente inscritas
em uma relação social de exclusão política e opressão estrutural (YOUNG, 1990), foram um dos grupos que mereceram atenção especial. Passou-se a discutir, então, a necessidade de que mulheres pudessem falar para mulheres, dizer sobre aquilo que as atinge e então as representar.
Anne Phillips (1995; 2001) talvez faça a defesa mais ampla do que chama de “política da presença”, com a ressalva de que a presença deva estar sempre concatenada à política de ideias. Para essa autora, quando os representantes compartilham das demandas dos grupos, tendem a ser mais comprometidos com elas. Ao defender a necessidade da presença, Phillips (1995,2001) argumenta em favor da justiça, admitindo que grupos historicamente excluídos precisem entrar na agenda política, a fim de que sejam reparadas as negligências históricas sobre suas demandas. Além disso, a autora também acredita na revitalização da democracia com a diversificação da representação, em especial aquela comprometida com a igualdade entre mulheres e homens. É partindo da necessidade de representação política igualitária que os estudos sobre representação discursiva de mulheres irão conceber os meios de comunicação como instâncias importantes para construção do capital político feminino. Os enunciados sobre mulheres políticas inscritos no jornalismo se tornam, então, preocupação de autoras e autores que entendem a mídia não como mero reflexo da realidade, mas como agente engendrador da vida social. Nesse sentido, Miguel e Biroli (2011, p. 15) argumentam que “os meios de comunicação tanto refletem a desigualdade quanto a promovem”, reforçando as assimetrias de gênero. Os autores defendem que os media são espaços de representação tão fundamentais quanto as esferas constitucionais e suas representações merecem ser observadas por serem dimensão fundamental do processo democrático contemporâneo. Segundo Miguel e Biroli (2011, p. 18), “nós somos representados por aqueles que, em nosso nome, tomam decisões nos três poderes constitucionais, mas vemos também nossos interesses, opiniões e perspectivas serem representados nos discursos presentes nos espaços de debate público”.
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categories, we analyzed an interview with Brazilian president Dilma Rouseff, given to the TV show “Fantástico”, aired in September 2011. We could notice the validity of these analytic windows by looking at the case in question, even though we could also signal the possibility of subversion of these frames of meaning by focusing on the communicational interactivity showed in the interview.
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A pesquisa realizada pelos autores brasileiros teve como corpus empírico jornais televisivos e revistas semanais2, entre 2006 e 2007, em períodos pré e pós-eleitoral. Constatou-se que, nas matérias referentes à política, apenas 12,6% são mulheres nos telejornais, número que cai para 9,6% nas revistas. De acordo com o estudo, como a presença feminina se dá de forma mais acentuada em outros espaços de ação política não ligados diretamente ao sistema, tais como movimentos sociais e conselhos, e a cobertura midiática, por sua vez, concentra-se no campo mais institucionalista, há um reforço na “compreensão de que mulheres não fazem política” (MIGUEL; BIROLI, 2011, p. 157). A mídia não se limita a refletir uma realidade que a cerca, ela desempenha uma função ativa na reprodução de práticas sociais. Dessa forma, os telejornais e revistas semanais brasileiros não só descrevem uma situação de fato, que é o monopólio da atividade política pelos profissionais, com a exclusão das mulheres e o insulamento das poucas que rompem as barreiras em nichos temáticos de menor prestígio. Eles a naturalizam diante de seu público e contribuem para sua perpetuação (MIGUEL; BIROLI, 2011, p. 165).
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Uma reflexão interessante feita pelos pesquisadores é sobre o fato de que, se antes a inferioridade feminina como explicação para a exclusão política foi sustentada publicamente, inclusive na teoria política, tal justificativa não poderia mais pertencer ao “espaço do politicamente dizível” (MIGUEL; BIROLI, 2011, p. 168). Entretanto, ainda que os discursos explícitos não sejam
manifestados, os quadros com os quais as poucas mulheres representantes são representadas na mídia permanecem.
Ainda que no Brasil tais pesquisas sejam mais recentes, o estudo dessa relação mobiliza a atenção, especialmente de autoras americanas, desde a década de 1970, com foco também na cobertura jornalística ordinária ou em época de campanha3. O primeiro grande retrato da (sub) representação de mulheres na mídia foi possível a partir do monitoramento do Global Media Monitoring Project, em 1995, e posteriormente em seus sucessivos acompanhamentos dessa questão. A pesquisa realizada em mais de setenta países, com análises de veículos impressos, rádio e televisão, verificou em sua primeira versão que apenas 17% dos sujeitos das notícias eram mulheres; em 2000 o número passa para 18% e, em 2005, para 21%. A Ásia e a América do Norte teriam, respectivamente, o menor e o maior percentual de falas de mulheres, com 14% e 27%, respectivamente. Quando as mulheres são ouvidas, os assuntos estão predominantemente ligados às questões de saúde feminina ou questões sociais (GILL, 2007).
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No Brasil, de acordo com o levantamento de Escosteguy e Messa (2008), o primeiro estudo mais complexo sobre a tríade mídia-política-gênero foi feito por Bonstrup, em 2000, com sua tese Gênero, política e eleições. Recentemente, Miguel e Biroli (2011), na obra Caleidoscópio convexo, apresentam os resultados de uma longa pesquisa sobre a representação de mulheres e homens no jornalismo político brasileiro, com especial atenção à forma como os media atuam como esferas que perpetuam as desigualdades políticas. No cenário nacional, esta talvez seja a obra mais completa sobre a interseção entre os três âmbitos.
O estudo de algumas obras nacionais e internacionais sobre a representação discursiva de mulheres políticas permite identificar similaridades em suas conclusões. Essas semelhanças apontam para possíveis padrões de cobertura midiática acerca desses sujeitos específicos e ajudam a perceber a recorrência de estereótipos nas coberturas jornalísticas. De forma análoga, reiteradamente, os resultados das pesquisas mobilizadas neste trabalho sobre mulheres políticas na mídia convergem, ao apontar que, quando não são invisíveis, as representações femininas são conformadas por quatro grandes quadros, que podem aparecer juntos ou separadamente. São eles: cuidados domésticos e afetivos, aparência física, tensão entre família e vida pública e um modo peculiar de atuação política4.
Para apresentar os resultados de parte dessa literatura, valemos-nos da noção de enquadramento goffmaniana, apropriada por diferentes autores para entender a estruturação de significados em variados contextos discursivos. Para Gamson
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Recorre-se a uma narrativa jornalística específica com o objetivo de demonstrar a utilidade dessas conclusões como categorias analíticas. Assim, esses padrões permitem ler diferentes matérias nas quais aparecem representantes ou candidatas e perceber de que forma essas categorias são reiteradas, negociadas e/ou subvertidas.
O caso em tela
Na edição do dia 11 de setembro de 2011, o Fantástico, da Rede Globo, exibiu uma entrevista da presidenta Dilma Rousseff à então apresentadora do programa dominical, Patrícia Poeta. A entrevista ocorreu após sete meses de governo, em um contexto de intensa troca do staff ministerial, em meio a denúncias de corrupção – movimentação chamada pela imprensa nacional de “faxina”.
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Dividida em dois blocos, a entrevista se concentra primeiro na rotina da presidenta no Palácio da Alvorada, residência oficial, e depois se desloca para o Palácio do Planalto, “onde se falará de política”, avisa Patrícia Poeta. As duas partes, contudo, são imbricadas pela constante marcação de Dilma, primeiro como mulher, e, logo, portadora de características diferenciadas; e só depois como representante política, confirmando o que dizem Ross e Sreberny (2000, p. 88, tradução nossa) sobre a representação midiática de mulheres eleitas: “o sexo sempre está em exibição e é o descritivo primário”.
A análise a seguir concentrou-se especificamente no âmbito discursivo da entrevista, ainda que as imagens muito revelem também sobre essa construção. Consegue-se perceber que esse caso se coaduna com os resultados encontrados pelos estudiosos de mídia, gênero e política. Maquiagem, vestuário, família, atividades domésticas permeiam toda a narrativa, ainda quando há marcação de um deslocamento, mesmo espacial, de um espaço “privado” para outro, político.
Diferentes contextos, conclusões similares No parlamento britânico, atesta o estudo de Ross e Sreberny (1996), as poucas mulheres mostravam-se desconfortáveis com a cobertura midiática sobre a presença delas. Segundo as entrevistas realizadas na pesquisa, as representantes relatam que o foco das notícias recai sobre seu vestuário e são feitas “ligações espúrias entre a aparência e a capacidade” de executar o trabalho a elas designado (ROSS; SREBERNY, 1996, p. 111, tradução nossa). Esse desconforto também é relatado por parlamentares irlandesas, para as quais as preocupações midiáticas ao expor a presença de mulheres na política voltam-se mais para aparência do que para o seu fazer político (Ross, 2006). Danova (2006), ao pesquisar as construções midiáticas sobre representantes femininas na imprensa da Bulgária, também descreve a ênfase na aparência das mulheres e como isso serve de parâmetro para julgá-las. “Beleza nem sempre significa estupidez”, sentencia uma manchete encontrada pela pesquisadora sobre duas parlamentares.
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(2011) e Gamson e Mondigliani (1989), enquadramentos funcionam por meio de “pacotes interpretativos”, que teriam uma estrutura organizadora que guiaria a compreensão sobre um determinado assunto. Nessa perspectiva analítica, o quadro é entendido “como uma espécie de ângulo que permite compreender uma interpretação proposta em detrimento de outras” (MENDONÇA e SIMÕES, 2012, p. 194). Entendemos os quadros como “estruturas que desenham limites, estabelecem categorias, definem ideias” (REESE, 2007, p.150, tradução nossa), organizando assim a vastidão da experiência, que, para Mouillaud (2002, p. 61), não é capturável em sua completude – “a experiência não é reprodutível”.
No Brasil, o cenário não parece sofrer alterações. Miguel e Biroli (2011, p. 170) afirmam, ao analisarem as revistas semanais do País, que boa parte das matérias traz referência à vestimenta e ao corpo das mulheres políticas. Ainda hoje, deputadas jovens e consideradas bonitas recebem invariavelmente o título de “musa do Congresso”, e são raras as reportagens sobre elas em que isto não seja mencionado – basta pensar em Rita Camata, nos anos de 1980 a 1990,
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A aparência física, as roupas, o corpo e os modos de apresentação marcam, conforme mostra a literatura, a forma como são endereçadas na mídia as atuações de representantes, candidatas e demais mulheres da vida pública. Em contextos geográficos muito distintos, o foco excessivo na exibição física é um traço da cobertura jornalística. As mulheres precisam mostrar-se bem vestidas, preocupadas com a aparência, o que não se percebe quando o objeto das notícias é masculino. Nas notícias, a vaidade excessiva ou a falta dela aparecem como tão (ou mais) importantes quanto o trabalho desenvolvido por essas mulheres.
Essa primeira conclusão nos leva ao enquadramento da aparência física, presente também no caso analisado neste trabalho. “Como é que é acordar todo dia presidente da República?”, questiona a jornalista Patrícia Poeta, usando o substantivo no masculino ao longo de toda entrevista. Dilma responde que “é como todo mundo acorda”, sem dar mais detalhes. A jornalista prossegue, perguntando a quem cabe a decisão da vestimenta presidencial, e Dilma, de forma assertiva, responde-lhe que continua sendo responsável pelas escolhas de seu guarda-roupa. Patrícia: E ter que escolher, por exemplo, uma roupa, ter que estar sempre muito bem alinhada, ter que se preocupar com isso também.
Dilma: Geralmente, Patrícia, eu acordo cedo porque eu caminho. Aí eu volto e aí você tem de, de fato, procurar uma roupa rápido.
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Patrícia: Tem alguém que escolhe as suas roupas, tem alguém que a ajuda nessa tarefa? Dilma: Não. Não. É inviável, é pouco eficiente, você tem de dar conta das suas necessidades. Pelo fato de você ter virado presidente, você não deixa de ser uma pessoa e é bom que você seja responsável por tudo que diz respeito a você mesma.
A preocupação com a vestimenta persiste, a ponto de Dilma precisar subverter a narrativa, afirmando que apesar de saber se maquiar, optava por não fazê-lo.
Patrícia: Tem tempo pra cuidar do visual, se preocupar com isso? Dilma: Isso faz parte da minha condição de presidenta, não posso sair sem ter um cuidado com a minha aparência. Patrícia: Quem é que faz, por exemplo, a sua maquiagem? Dilma: Eu mesma.
Patrícia: A senhora aprendeu a se maquiar?
Dilma: Eu sabia desde, há muitos anos, eu não me maquiava porque eu não queria.
A ênfase no aspecto “cuidador” das mulheres, como algo intrínseco a todas elas, é outra conclusão a que chegam os estudos sobre a forma como os diferentes meios de comunicação, em diversos contextos nacionais, reportam as mulheres políticas. Como representantes ou candidatas, elas precisam demonstrar a capacidade de se cuidar, tanto na vida pública quanto na privada. As pesquisas de Ross (2002, apud GILL, 2007) atestam que as mulheres são pautas em rotinas domésticas e maritais, bem como sempre vinculadas ao espaço da casa. Na imprensa búlgara, Danova (2006) também assinala a presença de mulheres representantes como mães e esposas dedicadas. Essas habilidades, tidas como tipicamente femininas, são recorrentes ainda na imprensa brasileira, como mostram Miguel e Biroli (2011):
Em texto representativo desse discurso, “os eleitores estão atrás de quem cuide das finanças municipais com a mesma dedicação de donas de casa” (Sérgio Pardellas, IstoÉ, 6 ago. 2008, p. 32). Mas esse discurso não circula, apenas, a partir da cobertura jornalística. Faz parte também dos discursos das mulheres na política e da posição de especialistas que constroem suas estratégias e análises a partir de pressupostos que atualizam estereótipos (...) (MIGUEL; BIROLI, 2011, p. 175).
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ou em Manuela d’Ávila, nos anos 2000. Mulheres como Benedita da Silva, Marina Silva e Marta Suplicy (...) têm sua visibilidade na mídia muito marcada pelas roupas que usam, pela maquiagem ou ausência dela e por eventuais cirurgias plásticas (MIGUEL, BIROLI, 2011, p. 171).
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Patrícia: A senhora não traz nem o netinho aqui para brincar? O que a senhora costuma fazer com ele? Dilma: Fico o dia inteiro com ele. Patrícia: Brinca com ele?
Dilma: Brinco, levo ele pra nadar.
Patrícia: É verdade que a senhora canta pro seu netinho de vez em quando? Dilma: Ué, faço tudo que toda avó faz, tudo. Patrícia: Está curtindo esse papel de avó?
Dilma: Olha, eu vou te falar, é um papel fantástico. É mãe com açúcar.
Se os cuidados domésticos são enquadrados como características naturais das mulheres, a escolha da vida pública precisa ser justificada e são comuns os questionamentos sobre suas relações com a casa, mesmo quando estão nos espaços políticos. Destarte, as mulheres aparecem a partir da tensão entre a sua carreiras pública e a vida familiar.
Uma ênfase recorrente está no “malabarismo” feito para que possam conciliar o cuidado com os filhos e a carreira. “Quem está cuidando das crianças?” é uma questão sempre presente na representação midiática das mulheres eleitas ou candidatas, o que, por vezes, esvazia a discussão sobre temas mais importantes (GILL, 2007). Nos homens, o papel da família é de apoio e, portanto, “não experimentam sentimentos de divisão entre o público e uma vida privada” (SREBERNY; van ZOONEN, 2000, p.14, tradução nossa). 50
Um forte exemplo da cobertura diferenciada realizada pela mídia sobre a eleição de mulheres, relatam Ross e Sreberny (2000), foi um estudo de caso sobre a campanha para a liderança do partido britânico, em 1994, na qual concorriam Tony Blair e Mar-
gareth Beckett. Entre as representações mais comuns, estava a de Blair, como um “jovem de 40 e poucos anos”, e a de Beckett, como “uma mulher na menopausa”. Ele seria um homem casado e feliz, ela culpada por ter “roubado” o marido de outra mulher (ROSS e SREBERNY, 2000, p. 83, tradução nossa). Para argumentar que essa não é uma especificidade britânica, as autoras apresentam o estudo de Liran-Alper (1994) feito no parlamento israelense, na década de 1990, cujos resultados também são de marginalização das mulheres políticas na cobertura midiática.
Em uma análise mais minuciosa do conteúdo das matérias sobre mulheres, ou com mulheres, as pesquisas de Miguel e Biroli (2011) relatam que os meios de comunicação ratificam a dicotomia histórica contra a qual luta o feminismo, a subjugação das mulheres ao mundo do privado. Os autores citam, ainda, a forma como a imprensa atribui valores, quando comparadas as coberturas sobre duas mulheres, com base nos exemplos de Marina Silva e Luiza Erundina. A primeira, também tendo seus aspectos físicos evidenciados, era a dona de uma “sólida família”, enquanto a segunda era conhecida por sua “solteirice”.
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Esse enquadramento dos cuidados domésticos e das relações afetivas pode ser visto na entrevista de Dilma ao Fantástico. O cuidar aparece na relação com a família, em especial com o neto da presidenta, que se tornou avó durante a campanha eleitoral de 2010.
Esses resultados das pesquisas conformam o que chamamos aqui de enquadramento da tensão entre vida privada e pública. Na entrevista realizada por Patrícia Poeta, essa característica é simbolicamente marcada quando, mesmo mudando de espaço, da Alvorada para o Palácio do Planalto, Dilma é arguida sobre os assuntos que permeiam as conversas com as ministras. Patrícia: Em uma reunião dessas, por exemplo, tem um momento mais mulher? Bolsa, sapato, filho, neto? Dilma: Tem não.
Patrícia: Tem não. Nem no cafezinho?
Dilma: Na verdade, não tem, viu? Não. Tem neto, viu? Agora que tem uma quantidade de gente com neto e todo mundo quer mostrar o seu.
Se a tensão na cobertura midiática entre as relações pública e privada se faz presente, a crença em uma moral e uma prática
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Na Alemanha, a tensão relatada por Luenenborg et al (2011) é a de que as mulheres políticas são tidas como pouco femininas e mais assertivas, pois feminilidade e boa atuação política seriam incompatíveis. O argumento das autoras é baseado em um estudo de caso sobre a chanceler Angela Merkel, que, ao apresentar certas características femininas, teve sua habilidade política questionada. Exige-se um estilo da representante política de uma democracia ocidental, diz a pesquisadora, em que é necessário pôr um véu na feminilidade e não colocá-la em exposição.
No Brasil, isso se deu de forma oposta, com a necessidade de reafirmação de certa feminilidade por parte da atual presidenta. As expectativas sobre uma atuação política diferenciada atravessam a construção da imagem de Dilma Rousseff desde o período eleitoral. Um jeito mais assertivo, e “durão”, comumente não associado às mulheres, sempre foi a marca da presidenta, que, por vezes, precisou apaziguá-lo para tornar-se mais feminina aos olhos públicos. Esses estereótipos sobre o feminino foram apropriados inclusive, constatam Mendonça e Ogando (2011), nos programas do horário gratuito de propaganda eleitoral (HGPE) à época de sua campanha política.
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(...) Frequentemente estereotipada como mulher fria (ou até truculenta), Dilma busca se inserir em um quadro de sentido que opera com a lógica do afeto, da sensibilidade e do carinho. Com isso, busca desvincular-se do estereótipo masculino, que, supostamente, prioriza a racionalidade em detrimento a emoção, o que não implica abrir mão da objetividade. Dilma representaria um modo de
governar respeitoso, que busca erradicar a miséria, cuidar das famílias e garantir a dignidade dos lares (MENDONÇA; OGANDO, 2011, p. 21-22).
Na narrativa analisada, Dilma Rousseff se inscreve de forma ambivalente nesse enquadramento. Ora corrobora a ideia de que há singularidades no fazer político feminino, ora subverte essa compreensão. Quando Patrícia Poeta pergunta à presidenta sobre o funcionamento do “clube” – referindo-se ao grupo de ministras do atual governo, com a maior parcela de mulheres no comando de alto escalão na história – a resposta da entrevistada perfila as características peculiares de homens e mulheres, e compara a capacidade feminina na política com a educação de filhos, coadunando assim com a percepção de habilidades intrínsecas às mulheres. Patrícia: O comando político tem três mulheres. Como é que tem funcionado esse clube?
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diferente das mulheres na vida política também é um quadro disposto nos meios de comunicação e identificado na literatura. Segundo os estudos de Ross (2006), as coberturas midiáticas operam com um padrão duplo: esperam das mulheres comportamentos mais adequados, como honestidade, moralidade e integridade, e, quando elas não atendem a essas expectativas, são tidas como “desmascaradas”. Dessa forma, tendem a ser mais investigadas e os media são mais críticos com seus erros do que seriam com dos homens. Chamamos essas conclusões de enquadramento da atuação política peculiar.
Dilma: Eu acho que é sempre bom combinar homens e mulheres, porque nós todos somos complementares. A mulher, eu acho, ela é mais analítica, ela tem uma capacidade maior de olhar o detalhe, de procurar aquela perfeição, uma certa... Nós somos, assim, mais obcecadas. Patrícia: E os homens?
Dilma: Os homens têm uma capacidade de síntese, dão uma contribuição no sentido de ser mais, eu diria assim, objetivos no detalhe, eles sintetizam uma questão, a mulher analisa. Então, essa complementaridade é muito importante. Dilma: Mulher é carinhosa, cobra e tem uma coisa que eu acho fundamental, a generosidade. Você tem que cobrar, tem que ficar ali em cima, mas tem horas que você tem que ser generosa também. Mulher é capaz, porque senão não educava filho.
Dilma Rousseff subverte a lógica discursiva quando uma característica de sua personalidade torna-se tema da conversa – “o jeito durão”. Nesse momento, a presidenta se contrapõe aos entendimentos de que a figura feminina precisa ser necessariamente mais frágil. Também tenciona essa compreensão ao
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Patrícia: Agora, presidente, vamos esclarecer algo que virou meio lenda aqui, que é o jeitão da presidente, que é o estilo. A senhora é durona mesmo?
Dilma: (...) Só porque eu sou mulher e estou em um cargo que, obviamente, é de autoridade, eu tenho que ser dura. Se fosse um homem, você já viu alguém chamar... Aqui no Brasil alguém falar: Não, fulano está num cargo e ele é... Patrícia: Durão.
Dilma: ...uma pessoa durona, não. Homem pode ser durão, mulher não. Patrícia: A senhora acha, então, que é pelo fato de a senhora ser mulher?
Dilma: É, e eu sou uma pessoa assertiva. Que, neste cargo que eu ocupo, eu tenho que exercer a autoridade que o povo me deu. Eu tenho que achar que podemos sempre ser um pouquinho mais, que vamos conseguir um pouquinho mais, e que vai sair um pouco mais perfeito e que a gente vai conseguir (...).
Durante a entrevista, a presidenta mostra sua assertividade. Não titubeia em mostrar-se firme na defesa de sua compreensão sobre o jogo político brasileiro e desconcerta a jornalista quando esta tematiza a relação da chefe do Executivo nacional com os parlamentares do Congresso. É preciso enfatizar que esse é o único momento comunicativo em que, de fato, as atribuições políticas e públicas são trazidas à baila. Patrícia: É possível ter um governo equilibrado, um governo estável, tendo a base aliada que tem no Congresso? (...) A senhora acha que pode ficar refém dos aliados?
Dilma: Mas eu não acho, Patrícia, que eu sou refém. 54
Patrícia: Nem que pode ficar?
Dilma: Nem acho. Tem de ter muito cuidado no Brasil para a gente não demonizar a política. Nós temos uma discussão de alto nível com a base, com a nossa base, e nós vamos...
Patrícia: E como que a senhora controla esse toma lá da cá, digamos assim, cada vez mais sem cerimônia das bancadas? (...)
Dilma: Você me dá um exemplo do “dá cá”, que eu te explico o “toma lá”. Estou brincando contigo. Vou te explicar. Eu não dei nada a ninguém que eu não quisesse. Nós montamos um governo de composição. Caso ele não seja um governo de composição, nós não conseguimos governar. A minha base aliada é composta de pessoas de bem. Ela não é composta, não é possível que a gente chegue e diga o seguinte: “Olha, todos os políticos são pessoas ruins”. Não é possível isso no Brasil.
Seguindo na trilha da discussão sobre a atuação política, Dilma explica por que o processo de troca de ministros, decorrido à época da entrevista, não poderia ser considerado como “faxina”. Contudo, não tenciona o sentido do termo como depreciativo ao seu trabalho político, atribuído pelo fato de ser mulher. Em charges publicadas naquele período, a presidenta foi comumente retratada com vassouras e produtos de limpeza e suas decisões, por vezes, foram descritas pela expressão “varrer a corrupção”.
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questionar a jornalista se falariam a mesma coisa acerca da assertividade se o cargo estivesse sendo ocupado por um homem.
Patrícia: A senhora não imaginava, por exemplo, que fosse ter que trocar quatro ministros em tão pouco tempo, três deles, pelo menos, ligados a denúncias de corrupção, esperava isso?
Dilma: Olha, Patrícia, eu espero nunca trocar nenhum ministro e muitos deles eu não troquei exatamente por isso. Vamos e venhamos. O ministro Jobim, Nelson Jobim, saiu por outros motivos. Patrícia: Mas isso foi faxina ou não foi, presidente?
Dilma: Eu não acho, eu acho a palavra faxina errada, porque faxina você faz às 6h, e às 8h, ela acabou. Atividade de controle do gasto público, na atividade presidencial, jamais se encerra.
Patrícia: Por que a senhora acha que nestes oito anos e oito meses do governo de PT, eles não foram capazes, não foram suficientes para acabar com a corrupção, já que esta é uma das bandeiras do partido? Dilma: Minha querida, a corrupção, ela não... Por isso que não é faxina, viu, Patrícia? Você não acaba com a corrupção de uma vez por todas. Você torna ela cada vez mais difícil.
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De forma ainda embrionária, este texto busca expor os principais resultados das pesquisas sobre mídia, política e gênero, em especial com estudos sobre a representação discursiva nos textos midiáticos de representantes políticas mulheres, a fim de defender que tais achados podem servir como categorias para leitura de outros conteúdos midiáticos. Cada uma dessas janelas analíticas, entendidas como pacotes interpretativos, foram descortinadas a partir de entrevista de Dilma Rousseff ao Fantástico. Este texto procurou não apenas confirmar a possibilidade de aplicação das categorias no caso supracitado, mas também tentar apreender como os estereótipos de gênero podem ser confirmados e negociados nas produções midiáticas. Olhar para o engajamento comunicativo, para a relação entre jornalista e fonte na entrevista analisada, ajuda a perceber quando esses preconceitos são confirmados e quando aqueles momentos argumentativos negam essas conformações e categorias. Contudo, é perceptível o quanto persistem nas perguntas de Patrícia Poeta, no jargão jornalístico. Ao conceder às mulheres um lugar marginalizado no cenário de visibilidade, a tessitura da narrativa jornalística continua a sedimentar a compreensão de uma separação entre mulheres e vida pública. A esse respeito, a acepção de Miguel e Biroli (2011) é esclarecedora:
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(....) O discurso do jornalismo não comporta mais expressões abertas de machismo, mas muitos de seus pressupostos seguem organizando as formas de ver o mundo e a política. Os discursos se modificaram, sem que a dualidade entre feminino e masculino que está em sua base deixasse de corresponder à dualidade entre a esfera doméstica e a pública com valores e prescrições de comportamentos a elas associados (MIGUEL; BIROLI, 2011, p. 169).
Assim, se, por um lado, advoga-se a possibilidade da aplicação desses quadros em outros produtos jornalísticos, por outro,
deseja-se que o jargão jornalístico seja cada vez mais constituído e atravessado por narrativas não opressoras e subversivas dessas categorias. É preciso continuar a corrigir a invisibilidade do gênero e a marginalização das mulheres nos estudos de comunicação e política, a fim de torná-los, de fato, democráticos. Notas 1
Versões deste texto foram aceitas para apresentação no IV Encontro Nacional da União Latina de Economia Política da Informação, Comunicação e Cultura (ULEPICC-Br) e no XI Congresso Brasileiro de Marketing Político (Politicom), ambos em 2012.
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Foram analisados o Jornal Nacional (TV Globo), Jornal da Band e Jornal do SBT, bem como as revistas Veja, Época e Carta Capital.
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Conseguimos mapear cinco grandes obras, frequentemente citadas, sobre essa relação: “Women, media and polítics” (1997), de Pipa Norris; “Women politicians and the media” (1996), de Maria Braden; “Gender and candidate communications” (2004) de Diane Bystrom et.al; “Women, politics, media” (2002), de Karen Ross; e “Gender, politics and communication” (2000), de Annabelle Sreberny e Liesbet van Zoonen.
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Nossa inspiração foi a pesquisa de Whal-Jorgensen (2000), que analisou jornais americanos e conseguiu sistematizar o que denominou de “metáforas da representação da masculinidade”, para dizer dos sentidos encarnados nas notícias sobre as expectativas acerca de um representante político masculino. A autora chegou a quatro horizontes de compreensão: a) os esportes – enfatizando a relação entre o candidato atlético e saudável; b) a fraternidade – ou a relação menos emocional que se dá entre os homens na política; c) o militarismo – a partir da construção da virilidade ligada à guerra, da exclusão das mulheres desses espaços, bem como a condenação da homossexualidade; e d) os valores da família – com a representação do homem provedor.
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Conclusão
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Paula Gabriela Mendes Lima Mestre em Direito pelo Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Especialista em Direito Constitucional pelo Instituto de Direito Público – DF. Consultora de Direito Constitucional e de Direito Administrativo da Assembleia Legislativa de Minas Gerais.
Resumo: Este artigo tem como questão central a preocupação com a efetividade dos direitos humanos infantojuvenis na sociedade brasileira. Preocupase, especificamente, com a atuação dos sistemas político e jurídico diante da tarefa de concretização dos direitos dos adolescentes autores de ato infracional. O tema foi explorado a partir do paradigma da sociologia jurídica e da filosofia política. Pretende-se demonstrar, neste trabalho, a função simbólica e a operacionalidade da doutrina da proteção integral ao adolescente infrator, que é responsável por uma mudança de paradigma na construção de objetivos e no atendimento de demandas e necessidades relativas aos direitos humanos infantojuvenis.
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A luta pelos direitos humanos infantojuvenis no Brasil*
Palavras-chave: Adolescente autor de ato infracional. Proteção integral. Direitos humanos. Abstract: This paper has one central question that concerns the effectiveness of children and juveniles’ human rights in Brazilian society. It was intended to specifically examine the performance of the political system and the legal system at the task of achievement of the teenagers’ rights who committed the infraction.The theme was explored from the paradigm of legal sociology and political philosophy. We intend to demonstrate, in this essay, the symbolic function and the operational meaning of the doctrine of integral protection to the adolescent infringer, which is responsible for a paradigm shift in the construction of goals and in the attendance of demands and needs relating to children and juveniles’ human rights. Keywords: Teenager author of the infraction. Integral protection. Human rights.
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As lutas e reivindicações em favor da afirmação dos direitos humanos têm como objetivo a criação e efetivação de direitos. Busca-se, também, alterar situações na realidade social, ou seja, realizar efetivas mudanças na sociedade. A observação desses fenômenos é essencial para as pesquisas sociojurídicas, pois permite ao pesquisador transitar na dimensão social do processo de democratização, espaço ainda carente de análises críticas e interpretações propositivas. Mas não é uma tarefa fácil. Essa observação exige a compreensão da relação entre democracia e direitos humanos, focando-se nas transformações que ocorreram na sociedade, o que ultrapassa as análises das dimensões meramente econômicas e políticas da democracia moderna.
A dimensão social da democratização atraiu pouca atenção dos estudiosos das ciências sociais aplicadas. O foco das pesquisas, boa parte das vezes, circundava as implicações econômicas e políticas da escolha pelo regime. Os processos de mudanças na sociedade, contudo, não evoluíram no mesmo ritmo das mudanças institucionais. Foram normalmente mais lentos, gradativos e sutis, mas não menos importantes. A democratização requer a combinação de mudanças nas instituições formais com a expansão de práticas efetivamente democráticas. É necessária a emergência de uma cultura de cidadania que inclua os atores individuais e coletivos nesse processo de mudança. Não há um vínculo automático entre o funcionamento protocolar da democracia e a democratização social. Nem o processo de democratização garante que atores e práticas sociais serão de fato democráticos, ou que os ideais democráticos prevalecerão. A democracia precisa ser gradativa e permanentemente construída em todas as dimensões (econômica, política e social).
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Verifica-se, nesse sentido, que no domínio normativo ocorreram várias modificações para dar uma resposta às reivindicações que eclodiram no período de transição do regime autoritário para o democrático. A lei e o ordenamento jurídico brasileiro como um todo se mostraram, muitas vezes, sensíveis às novas exigências
coletivas. Mas não foram criados mecanismos de tutela dos direitos. Não se exploraram os sinais das transformações ocorridas para inventar e reinventar a relação entre política, direito e sociedade e, assim, atribuir efetividade às normas postas. Esse fato é visível quando se analisam as transformações ocorridas no âmbito da proteção do direito da criança e do adolescente. Esse direito insere-se no conjunto dos direitos humanos e, por isso, supõe o conhecimento de valores universais que possam garantir o bem-estar e a dignidade de crianças e adolescentes, especialmente em condições de vulnerabilidade social.
O processo de construção dos direitos humanos infantojuvenis conquistados e afirmados pela incorporação de novos atores, sob a garantia desses direitos, inicia-se apenas no final do século XIX. Até então, as garantias para crianças e adolescentes, em termos jurídicos e políticos, eram bastante incipientes. Ambos eram tratados como bens sob a responsabilidade de um dono e, no caso da criança, a responsabilidade era de quem tivesse o poder familiar.
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1. Introdução
A inexistência de conteúdo doutrinário próprio que permitisse distinguir entre um animal e uma criança trouxe benefícios históricos inesperados para a defesa da infância. Em 1896, ocorreu o que ficou conhecido como precedente histórico da luta pelos direitos da infância: o caso de Mary Ellen, menina de 9 anos que sofria maus-tratos impostos pelos pais. Como não existiam direitos objetivamente prescritos para as crianças, os pais julgavam-se donos de seus filhos e os educavam conforme seus arbítrios, inclusive com intensos castigos físicos (MÉNDEZ, 1994).
Ocorreu que o fato chegou ao conhecimento público em Nova York, EUA. Apesar da inexistência de garantias objetivas e positivas para a proteção à infância, tinha-se a consciência de direitos tutelares a todos os seres humanos1, o que logicamente incluía as crianças e os adolescentes. Na época, não havia uma entidade cujo objetivo específico era a tutela dos direitos das crianças, mas havia a Sociedade Protetora dos Animais. Essa entidade argumentou que, como não havia diferença no tratamento jurídico entre crianças e animais, ela
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Longo tempo se despendeu para que crianças e adolescentes conquistassem o status de titulares de direitos e obrigações próprios da condição de pessoa em peculiar situação de desenvolvimento. Para que esse novo status lhes fosse atribuído, ocorreram muitas lutas e debates. E, mesmo diante de tamanha movimentação, a afirmação da proteção à infância ocorreu no domínio normativo, havendo ainda obstáculos à efetiva e satisfatória tutela no âmbito social, como consequência imediata dessas alterações normativas. Este artigo busca dar maior visibilidade a essas lutas e debates, buscando contribuir para a conscientização e para a efetiva tomada de decisão no âmbito da proteção integral do adolescente autor de ato infracional.
2. Breve panorama histórico da proteção à infância no Brasil
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A história da proteção à infância no Brasil tem como marco a prática essencialmente caritativa. O melhor exemplo é a internação das crianças nas antigas instituições denominadas “Rodas dos Expostos”. A instituição recebeu esse nome porque na sua entrada havia uma enorme porta giratória, onde as crianças eram “depositadas” sem que ninguém ficasse sabendo quem as tinha abandonado (RASI, 2008). Na maioria das vezes, eram mães que não podiam revelar a gravidez ou não tinham condições de proverem seus filhos. Essas instituições se expandiram por todo o País. “Todas tendo como foco principal crianças abandonadas, mas, principalmente, manter a sociedade ‘limpa’, sem crianças indesejadas que poderiam macular a honra das famílias” (RASI, 2008, p. 74). Irene Rizzini, ao narrar a história das políticas públicas para a infância no Brasil, focando a evolução da assistência social, lembra que, durante o século XVII até parte do século XIX, predominou esse ato de recolher crianças órfãs e expostas. Afirma a
autora que por mais de 150 anos os asilos dos expostos com suas rodas “cumpriram seu papel de abrigar os enjeitados da sociedade” (RIZZINI, 1997, p. 181). O destino dessas primeiras instituições de atendimento a crianças e adolescentes foi a superlotação, a falta de recursos e a dificuldade de se coordenar o processo de educação desses meninos e meninas que ali eram recolhidos. Destino que se repetiu em várias instituições de atendimento de proteção à infância no Brasil até os dias atuais. Na “Roda dos Expostos” foi crescente a taxa de mortalidade e a promiscuidade, levando ao fechamento de quase todas na década de 1950 (RASI, 2008).
No período do atendimento dessas “Rodas dos Expostos”, o tratamento dado às crianças e aos adultos autores de crimes ou contravenções penais era praticamente o mesmo, inclusive eles era recolhidos juntos. Trata-se de um período qualificado por Emílio García Méndez2 como a primeira fase do direito juvenil, que abrange o surgimento de códigos penais de conteúdo eminentemente retribucionistas, sendo caracterizado como direito “de caráter penal indiferenciado” (MÉNDEZ, 2006, p.1). Havia uma absoluta promiscuidade entre adultos e crianças com idade entre 7 e 18 anos, e os menores de 7 eram considerados absolutamente incapazes, equiparando-se a coisas e animais.
Ressalte-se que, em 1899, instalou-se no estado norte-americano de Illinois o primeiro tribunal de menores do mundo, gerando, no início do século XX, a eclosão de várias reivindicações em prol do reconhecimento dos direitos da criança. Em decorrência dessa experiência, ocorreu, de 29 de junho a 1º de julho de 1911, o primeiro Congresso Internacional de Menores, em Paris. Destaca-se como importante conclusão daquele congresso a necessária criação dos juízos de menores por toda a Europa e América Latina e a modificação do papel dos juízes, investindoos da prerrogativa de “bom pai” (SARAIVA, 2009, p. 38). A jurisdição de menores teria, então, caráter familiar. No início do século XX, também o Brasil vivia o surgimento de lutas sociais, principalmente do proletariado urbano. Reivindi-
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poderia, por analogia, defender também as crianças. O argumento foi aceito e pela primeira vez defendeu-se a dignidade da criança em um tribunal. Em razão dessa primeira experiência, foi criado o Direito de Menores e surgiu a primeira liga de proteção à infância chamada Save the Children of World, que se tornou um organismo internacional de tutela desses direitos (SARAIVA, 2009).
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Tendo como alicerce esse novo paradigma, em 1927 foi promulgado o primeiro documento legal brasileiro para a proteção exclusiva dos menores, o Código de Menores, popularmente conhecido como Código Mello Mattos4. O código não era endereçado a todas as crianças, mas apenas àquelas consideradas em “situação irregular”. Dizia a grafia original desse documento: Art. 1º – O menor, de um ou de outro sexo, abandonado ou delinquente, que tiver menos de 18 annos de idade, será submettido pela autoridade competente às medidas de assistência e protecção contidas neste Código (BRASIL, 1927).
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Consolidava-se, assim, uma doutrina de proteção ao menor fundada no binômio carência/delinquência, o que gerou a crescente criminalização da pobreza (SARAIVA, 2009). Naquele código, o simples fato de ter praticado uma infração ou de ter sido abandonado pelos pais sujeitava o menor a pena de prisão-escola pelo prazo mínimo de três anos, “ainda que não se tratasse de um menor pervertido ou que não revelasse tendências criminais” (BULHÕES, 1977, p. 35). A não distinção entre adolescentes abandonados e infratores, cultura presente até hoje no Brasil, identificava a infância socialmente desvalida com a infância delinquente, criando uma nova
categoria jurídica: os menores (SARAIVA, 2009). A psicóloga Paula Inez Cunha Gomide, em sua tese de doutorado, baseada no estudo do modelo institucional adotado no Brasil de 1940 a 1990 para o atendimento de crianças e adolescentes carentes e/ou infratores, afirma que a sociedade brasileira estava inserida em uma triste realidade. A afirmação da categoria do menor trouxe a infeliz circunstância em que o menor é punido pelo fato de SER e não por ESTAR. A psicóloga diz que os adolescentes eram punidos por serem considerados marginais ou vagabundos, não por terem cometido algum delito (GOMIDE, 1990)5. Lembra Irene Rizzini:
Cabe problematizar uma questão não problematizada à época. Os documentos analisados mostram claramente que um certo segmento da infância pobre (definido como “abandonado” e “delinquente”) foi nitidamente criminalizado neste período. Percebe-se que o termo “menor” foi sendo popularizado e incorporado na linguagem comum, para além do círculo jurídico. Não se detectou nenhum discurso contrário a essa tendência ou mesmo qualquer tipo de questionamento a respeito, o que faz pensar que a intervenção jurídica era, de modo geral, muito bem-vinda como possível chave para resolver os problemas que a instabilidade do momento impunham (RIZZINI, 1997, p. 215, grifos do autor).
Nesse sentido, vê-se que o surgimento daquela categoria jurídica, em 1927, vem acompanhado de uma série de legislações de proteção ao menor em “situação irregular” e, também, de novas unidades de atendimento ao adolescente. Antônio Chaves (1997) critica essa mudança de paradigma e essas alterações legislativas. Ele afirma que pensar no Código do Menor é pensar em um código penal para menores, e as leis para os menores são leis penais que, na verdade, buscam internar os adolescentes, “tirar o trombadinha das ruas, (...) impedir que as nossas famílias, as nossas pessoas, os nossos bens sejam atacados pelos menores” (CHAVES, 1997, p. 377). Ou seja, com efeito, busca-se a “limpeza” da sociedade, repetindo-se a antiga lógica da roda dos expostos do período do Império. Assim, essas leis não eram, efetivamente, normas protetivas.
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cava-se, entre outras, a proibição do trabalho do menor de 14 anos e a abolição do trabalho noturno para as mulheres e para os menores (DEL PRIORI, 1993). A luta pela afirmação dos direitos humanos e pela consciência desses direitos, na época, gerou frutos positivos, inclusive no domínio da proteção à infância, pois em 1923, promulgou-se o Decreto Federal 16.273, de 20 de dezembro de 1923 (BRASIL, 1923), criando-se o primeiro tribunal de menores no Brasil. Além disso, houve uma descontinuidade no paradigma do direito juvenil de caráter indiferenciado. Sustentou-se a premente urgência de se adotar uma política de proteção e tutela dos menores. A promíscua confusão entre o atendimento dado aos adultos e aos adolescentes foi afastada, adotando-se a denominada doutrina do direito do menor ou doutrina da situação irregular do menor3.
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O Código Penal de 1940 fundava-se na condição de imaturidade do menor, combinado com a legislação especial que cuidava da infância e mantinha o binômio delinquência/abandono (SARAIVA, 2009). Os adolescentes eram atendidos pelo SAM, uma instituição equivalente às do sistema penitenciário, baseada na orientação da doutrina da correção-repressão. Institucionalmente, diferenciava-se o infrator e o abandonado. O infrator era atendido nos reformatórios e casas de correção e os abandonados, em patronatos agrícolas e escolas de aprendizagem de ofícios urbanos (COSTA, 1994). Abrem-se parênteses, na oportunidade, para lembrar que, além do SAM, diversas entidades federais de atendimento à criança e ao adolescente foram criadas naquela época. Todas vinculadas a Darcy Vargas, primeira-dama do País. Destacam-se:
– Legião Brasileira de Assistência (LBA): Uma agência nacional de assistência social voltada inicialmente para o apoio aos combatentes na II Guerra Mundial e suas famílias e, posteriormente, à população carente de modo geral; – Fundação Darcy Vargas: Organismo de Cooperação Financeira que apoia a implantação de hospitais e serviços de assistência materno-infantil em diversos pontos do País;
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– Casa do Pequeno Jardineiro: Programa de atenção a meninos de família de baixa renda baseado no trabalho informal (venda de jornais) e no apoio assistencial e socioeducativo;
– Casa do Pequeno Lavrador: Programa de assistência e aprendizagem rural para crianças e adolescentes filhos de camponeses;
– Casa do Pequeno Trabalhador: Programa de capacitação e encaminhamento ao trabalho de crianças e adolescentes urbanos de baixa renda;
– Casas das Meninas: Programa de apoio assistencial e socioeducativo a adolescentes do sexo feminino com problemas de conduta (COSTA, 1994, p. 125).
Entre as entidades citadas, é importante ressaltar o papel da LBA. Essa entidade assistia escolas e creches em favor da criança e do adolescente de baixa renda. Antônio Chaves afirma que, dos 4.090 municípios brasileiros existentes na década de 1980, a LBA mantinha atividades em 3.900, por meio de repasse de verbas para as entidades associadas cujo objeto era a proteção à infância carente (CHAVES, 1997). No início da década de 1990, a então primeira-dama do País, Rosane Collor de Mello, assume a Presidência da LBA. Desde 1991, a LBA foi envolvida em graves denúncias de irregularidades e corrupção e, gradativamente, foi perdendo seus principais programas. Alternou-se à Presidência da instituição Paulo Sotero, mas, em 1995, publicou-se a Medida Provisória 813, de 1º de janeiro de 1995, que a extinguiu (CHAVES, 1997).
Retornando-se ao início do século XX, destaca-se que, em meados da década de 1940, Getúlio Vargas é deposto e o País inicia um processo de redemocratização. Ressalta-se, no plano internacional, o fim da 2ª Guerra Mundial e, em 1948, a promulgação da Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH) pela Assembleia Constituinte da Organização das Nações Unidas. A DUDH (Organização das Nações Unidas – ONU, 2009a) é um marco na história da afirmação de todos os direitos humanos, inclusive no que tange à proteção à infância. Nesse sentido, prescreve, no item 2 do art. 25, que: “a maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais”. A partir dela, o ser humano é concebido como sujeito de direitos, independentemente da idade, da cor, do sexo ou da religião. A tutela da dignidade de todos os seres humanos torna-se objeto central de recomendações e documentos internacionais ratificados por vários Estados, inclusive pelo Brasil.
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Entre 1930 e 1945, com o surgimento do Estado autoritário, as políticas sociais tinham como agente executor esse próprio Estado de configuração centralizadora. É o período do Estado Novo, baseado, no campo social, em programas assistencialistas autoritários. Nesse contexto, têm-se dois episódios que devem ser destacados para a compreensão da história da proteção à infância: a promulgação do Código Penal de 1940 e, em 1942, o surgimento do Serviço de Assistência ao Menor (SAM).
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José Benedito de Azevedo Marques, citando a experiência do Estado de São Paulo daquele período, conta que, por necessidade, criou-se em 1956 o Recolhimento Provisório de Menores (RPM). Ele foi idealizado nos melhores moldes para atender às necessidades de São Paulo para os próximos 20 anos. No RPM havia apenas 150 vagas. O autor afirma que ele foi criado para atender uma população de 7 milhões de habitantes e, em poucos anos, teve que atender uma população de 17 milhões de habitantes. O aumento populacional foi acompanhado pelo aumento de ocorrências de atos infracionais e, assim como nas demais instituições de atendimento aos adolescentes, teve como destino a superpopulação, a precariedade de materiais e de técnicos suficientes para o trabalho. Os adolescentes, ali, viviam em péssimas condições de vida. Havia maus-tratos por parte dos responsáveis pela vigilância e dos próprios companheiros, promiscuidade sexual, a necessidade de assumir atitudes de rebeldia e insolvência, de vangloriar-se das infrações reais ou imaginárias que cometeu, ou de submeter-se a toda sorte de exigência e dominação para fazer-se aceito pelo grupo de companheiros (BENEDITO, 1976, p.35).
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Os adolescentes atendidos no SAM ou no RPM iniciavam um verdadeiro processo de marginalização, pois essas situações de prisões desumanas geram um ciclo vicioso: sociedade – ato infracional – internação – sociedade – ato infracional – internação.
Diante desses problemas, alguns juristas, à época, importantes no âmbito de direito juvenil, como Francisco Bulhões, Sabóia Lima, Paulo Nogueira, entre outros, em 1961, sugeriram a cria-
ção do Instituto Nacional de Assistência a Menores, “organizado como fundação de direito público, diretamente subordinado ao presidente da República, com autonomia administrativa e financeira e a finalidade de assistência a menores, ficando extinto o SAM” (BULHÕES, 1977, p. 132). Mas, em vez disso, diz Francisco Bulhões, repetindo o erro de criar uma entidade de atendimento vinculada administrativamente ao Ministério da Justiça, sem autonomia financeira e sem servidores próprios, publicou-se a Lei 4.513, de 1º de dezembro de 1964 (BRASIL, 1964), instituindo a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem) (BULHÕES, 1977). Simultaneamente, ocorre o golpe militar de 64 e inicia-se no Brasil a ditadura militar, interrompendo por mais de 20 anos os avanços na democracia brasileira. Os governos militares, no âmbito da proteção à infância, foram marcados pela criação da Funabem e pela promulgação do novo Código de Menores em 1979. A Funabem herdou do SAM a estrutura física e pessoal e, com isso, toda sua cultura organizacional. O que, para alguns autores, como Francisco Bulhões (1977), gerou a afirmação de que o SAM foi o embrião da Funabem e, consequentemente, das Fundações Estaduais do Bem-Estar do Menor (Febem).
Ressalte-se que, apesar de a Lei 4.513, de 1º de dezembro de 1964 (BRASIL, 1964), autorizar ao Poder Executivo a criação da Funabem, a ela incorporando o patrimônio e as atribuições do SAM, nos termos legais, tais instituições tiveram características bem diferenciadas. O SAM, nos termos do Decreto-Lei 3.779, de 5 de novembro de 1941 (BRASIL, 1941), e do Decreto 42.510, de 26 de outubro de 1957 (BRASIL, 1957), era organizado estruturalmente em delegacias regionais, sendo seus diretores indicados pelo Ministério da Justiça. O corpo dirigente era formado efetivamente por policiais. Tratou-se de uma instituição com ideologia repressora e corretiva, com a ausência de qualquer política social de base. O Código de Menores de 1979 realizou uma revisão no Código Mello Mattos, mas não rompeu com a doutrina da “situação irre-
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Entre 1945 e 1964, a sociedade brasileira inicia uma fase de lutas e conquistas sociais. A mobilização da população vai, paulatinamente, surgindo nas comunidades. Nesse contexto, o SAM passa a ser considerado perante a opinião pública uma instituição repressiva e desumanizante. Francisco Pereira de Bulhões Carvalho lembra que o SAM era estigmatizado sob o título de “sangue, corrupção e vergonha” (BULHÕES, 1977, p. 132).
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A Funabem era um órgão nacional cujo objetivo era formular e implementar a Política Nacional do Bem-Estar do Menor (Pnbem). No âmbito dos Estados membros, tal política era executada pelas Febems. Antônio Chaves diz que a grande novidade da Funabem foi a fixação de uma política de governo institucionalizada, o que não ocorria com o SAM, que “era uma coisa anômala, não representava uma política de governo” (CHAVES, 1997, p. 352). Para Antônio Chaves, podia-se finalmente dizer, em 1964, que se tinha uma política de governo para os adolescentes autores de ato infracional, em que pese ser uma política retoricamente educacional, o que nem isso o antigo SAM tinha. Esse jurista e juiz aposentado afirma que, com a Lei de Segurança Nacional, o regime militar constituiu políticas de controle social em todos os setores e coube à Funabem o controle social do menor carente e abandonado. Esta, continua o autor, foi a política que se adotou até 1997, apesar dos grandes avanços nos documentos e dispositivos normativos no âmbito institucional.
A Funabem não preenchia sua finalidade de implementar uma política educacional para a reinserção social do menor. Transformou-se, na verdade, numa prestadora de “desserviços” (CHAVES, 1997, p. 408). Os funcionários estavam despreparados para atender os menores, que sofriam maus-tratos, como atestam as várias rebeliões e fugas da época. Cite-se, na oportunidade, que, em 1971, em entrevista dada ao Jornal do Brasil, perguntou-se ao presidente da Funabem se a fundação estava dimensionada para atender todos os menores necessitados e ele respondeu: “Não. A nossa função é mais dar o exemplo e criar mentalidade” (BULHÕES, 1977, p. 134). Na verdade, não havia uma política de governo palpável. 74
Todos esses inconvenientes na esfera federal repetiam-se no âmbito das fundações estaduais de atendimento ao menor, as Febems. Antônio Carlos Gomes da Costa, presidente da Febem de Minas Gerais, nas décadas de 1970 e 1980, em depoimento ao Jornal O Estado de S. Paulo, diz que:
A criança e o adolescente marginalizados eram, então, uma ilha cercada de omissões por todos os lados. Todas as políticas sociais falharam em relação a esses meninos. (...) E quando perguntam por que um menino foge da Febem, quando perguntam se lá ele é torturado, se há sevícias na Febem, eu respondo sempre: o menino foge da Febem é pelo que lhe resta de dignidade e saúde mental (COSTA, s.d. apud BULHÕES, 1977, p. 135)
Antônio Carlos da Costa, nesse contexto, propunha uma efetiva mudança institucional. Questionava as instituições postas e, com isso, exigia a criação de outros direitos e a reinvenção da política de proteção aos menores. Na verdade, Costa estava sensibilizado pelas novas exigências e necessidades no âmbito da tutela das crianças e adolescentes já positivadas, no âmbito internacional, pela Declaração dos Direitos da Criança, em 20 de novembro de 1959. Essa declaração lança os embriões de uma nova concepção jurídica de infância que vai evoluir e, no final da década de 1980, ser formulada como a doutrina da proteção integral à criança e ao adolescente.
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gular”, nem com o paradigma da arbitrariedade, do assistencialismo e da correção-repressão.
A Funabem e suas congêneres estaduais foram criadas com a proposta de uma nova política de atendimento, pautando-se pela busca de restituição das condições básicas às crianças e aos adolescentes carentes. Ocorre que, em razão da herança da organização e da estrutura do SAM, o modelo correcional-repressivo não foi, na realidade, superado. Ou seja, havia um novo modelo convivendo com práticas opostas às propostas.
No final da década de 1970, técnicos da área, incluindo educadores, unem-se em favor de um movimento de educação progressista, em que “o menino deixa de ser visto como um feixe de carência e passa a ser percebido como sujeito de sua história e da história de seu povo (COSTA, 1994, p. 129). Apesar disso não ter sido capaz de eliminar a prática corretiva e repressiva, percebe-se que esse fato insere-se num contexto inicial de repúdio dos setores sociais mais sensíveis à luta pelos direitos humanos. O ciclo “apreensão/triagem/rotulação/deportação e confinamento”, estabelecido pela centralizadora Política Nacional de
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Contemporaneamente ao fracasso do Plimec, têm-se, na segunda metade da década de 1970, a ascensão de reflexões críticas e avaliativas com respeito aos direitos da criança e do adolescente e a emergência de movimentos sociais “do tipo novo”, organizados por setores populares de baixa renda. Alguns sinais dessa emergência são citados por Antônio Carlos Gomes da Costa:
– ao lado das antigas associações de amigos de bairro, surgem novas associações de moradores independentes e combativas, desatreladas dos patrocinadores convencionais desse tipo de iniciativa; – contestando as velhas lideranças sindicais atreladas à burocracia estatal, surgem os grupos de um novo sindicalismo no País;
– movimentos contra a carestia denunciam o processo de decisão na área econômica, que impõe cada vez mais restrições e sofrimentos aos assalariados de baixa renda. Mães, trabalhadores, professores e funcionários públicos integram essa nova forma de ação social independente; – movimentos culturais e grupos de teatro e música popular organizam-se nas periferias. Muitos desses movimentos expressam em suas manifestações um forte acento na cultura afro-brasileira.
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– uma “imprensa de bairro” aparece, transformando os trabalhos, lutas e experiências do segmento mais esclarecido e resoluto em práticas e vivências compartilhadas por milhares de pessoas (COSTA, 1994, p. 125).
Além desses movimentos sociais, há ainda a participação da Igreja, que propunha aos fiéis reflexões sobre as suas condições
de vida. As Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), constituídas por novos padres, suscitavam a conscientização e organização da população, até então marginalizada.
Na década de 1980, tem-se a retomada da abertura democrática no País. Eclodiram ainda mais movimentos sociais impulsionados pelo problema da criança e do adolescente. Com a organização desses movimentos, dois grupos de interesses diversos se formaram: os menoristas e os estatutistas. Os primeiros desejavam a manutenção do Código de Menores e queriam maior regulamentação das crianças e adolescentes em “situação irregular”. Lutavam pelo fortalecimento da doutrina da situação irregular ou doutrina do direito do menor. Já os estatutistas defendiam uma mudança de código, de paradigma, instituindo novos direitos. Buscavam a promoção da criança da condição de objeto da norma para uma nova condição de sujeito do processo, titular de direitos e obrigações próprios de sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento (SARAIVA, 2009).
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Bem-Estar do Menor (Pnem), começava a ser compreendido como um ciclo institucional perverso e ineficaz. Na política, então, é proposto o Plano de Integração Menor-Comunidade (Plimec). Trata-se de uma nova opção dos dirigentes da Funabem pelo trabalho de atendimento às crianças e aos adolescentes nas comunidades de origem (COSTA, 1994). Contudo, o Plimec concebia-se como uma proposta excessivamente rígida, uniforme e centralizadora e, dessa forma, também não supria às demandas e necessidades relacionadas à efetiva proteção da infância6.
Os estatutistas iniciaram sua luta com base na busca de uma possível solução para os problemas dos meninos de rua. Constatou-se que, no início da década de 1980, a realidade de milhares de adolescentes era a luta pela sobrevivência na rua. Os meninos de rua foram, a partir de então, tratados como figuras emblemáticas da situação da infância no Brasil.
Observou-se que essa possível solução deveria partir de uma efetiva mudança paradigmática, abandonando-se a visão estigmatizante do Código de Menor e da Pnbem. Essa visão passou a ser compreendida como parte do arcabouço autoritário e como instrumento de controle social. Nesse sentido, um grupo de técnicos da Unicef, da Funabem e da Secretaria de Ação Social (SAS) do Ministério da Previdência e Ação Social iniciou o Projeto Alternativas de Atendimento aos Meninos de Rua, celebrando um acordo (COSTA, 1994). A primeira iniciativa foi aprender a realizar o atendimento aos meninos de rua com pessoas e instituições que já realizavam esse trabalho. Antônio Carlos Gomes da Costa, que participou do projeto, lembra que:
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Os resultados desses trabalhos, portanto, foram a sistematização de ideias e a emergência de um grupo de lideranças com compromisso político com os meninos de rua. Em novembro de 1984, realizou-se em Brasília o I Seminário Latino-Americano de Alternativas Comunitárias de Atendimento a Meninos e Meninas de Rua. Esse evento fortaleceu o movimento e ampliou a compreensão de que era preciso romper definitivamente com o paradigma dominante no tocante à proteção à infância.
Em maio de 1986, aconteceu em Brasília o I Encontro Nacional de Meninos e Meninas de Rua. As crianças e os adolescentes compareceram, após terem participado das discussões locais e regionais, para debaterem, surpreendendo os técnicos presentes (COSTA, 1994). Eles discutiram vários problemas, com destaque para o da violência. “Denunciavam a violência pessoal na família, nas ruas, na polícia, na justiça e nas instituições de bemestar do menor” (COSTA, 1994, p. 136).
O grau de maturidade e organização desses eventos deslanchou a luta em favor dos direitos humanos infantojuvenis, destacando-se o papel da Frente Nacional de Defesa dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes, da Pastoral do Menor da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), do Movimento Nacional dos Meninos de Rua e da Comissão Nacional Criança e Constituinte. Esta última encadeou um movimento de conscientização, sensibilização e mobilização da opinião pública e dos constituintes, conquistando o apoio até de instituições da iniciativa privada ligadas ao rádio, aos jornais e à rede de televisão (COSTA, 1994). A luta pela afirmação desses direitos, em concordância com o pensamento de Lefort (1983), suscitou a necessidade de
criar outros direitos e de renovar a política de atendimento ao adolescente autor de ato infracional. A abertura democrática da década de 1980, portanto, levou o País a uma evolução nunca vista no processo de discussão do tema. As reivindicações sociais materializaram-se formalmente com a promulgação da Constituição de 1988 (BRASIL, 2009), após a aprovação, por 435 votos a favor versus oito votos contra, do texto adaptado de duas emendas de iniciativa popular propostas. Nesse sentido, inseriu-se o tema da criança e do adolescente no novo Texto Constitucional, no capítulo destinado à proteção à família e ao idoso. Esses artigos constitucionais traziam uma novidade: a proteção prioritária e integral da proteção a crianças e adolescentes. Suscitavam, com esse alicerce, a corresponsabilidade da família, da sociedade e do Estado em relação à tutela dos direitos das crianças e dos adolescentes. Reconhecia-se, assim, que o poder público, por si só, não consegue resolver o problema da infância, principalmente a questão da criança abandonada e do adolescente autor de ato infracional. Por isso, a família, a comunidade e a sociedade em geral são chamadas para participar da tarefa de resgate da dignidade dessa pessoa em peculiar condição de desenvolvimento.
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[...] encontros que duravam uma semana e que, além de espaço de transmissão e produção de ideias, conhecimentos e posturas, serviram para oportunizar a criação e o estreitamento de laços de amizade entre as pessoas, gerando, dessa maneira, um profundo sentimento de pertinência e de vínculo entre os participantes destas jornadas (COSTA, 1994, p. 134).
Essa corresponsabilidade permite a ampliação do poder social e o reconhece como legítimo na luta por direitos humanos. Tratase de um ponto fundamental para a construção da democracia. Era um primeiro passo para a conscientização dos cidadãos em relação ao reconhecimento de seus direitos, de seus deveres e de sua força transformadora da dimensão política e social.
Com a Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 2009), incorporam-se ao ordenamento jurídico nacional os princípios que fundaram a chamada Doutrina da Proteção Integral. Essa proteção é a tutela da criança e do adolescente dos pontos de vista material e espiritual, salvaguardando-os desde o momento da concepção, zelando pela assistência à saúde e pelo bem-estar da gestante e da família. Crianças e adolescentes agora são seres humanos, sujeitos de direitos, e não meros objetos de intervenção estatal.
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Conquistada a vitória constitucional, era preciso elaborar uma nova lei que adotasse a doutrina da proteção integral e revogasse todas as legislações menoristas. Em 1989, ao buscar atualizar a legislação relativa ao menor, adaptando-a às novas diretrizes da Constituição Federal (BRASIL, 2009), o Senado Federal instituiu a Comissão Temporária Código de Menores, cujo relatorgeral era o senador Francisco Rollemberg. Na época, havia três projetos em andamento: (I) o Projeto de Lei 255/1989, de autoria do senador Nelson Carneiro, que apresentava uma revisão atualizada do Código de Menores vigente em face da Constituição Federal (BRASIL, 2009), focalizando a matéria sob o aspecto essencialmente jurídico; (II) o Projeto de Lei 193/1989, de autoria do senador Ronan Tito, elaborado em face da pressão dos movimentos sociais, que dispunha sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e focalizava a matéria não apenas sob o aspecto jurídico, mas também sob o aspecto socioeducativo; e (III) o Projeto de Lei 279/1989, de autoria do senador Márcio Lacerda, que propunha modificar o Código de Menores apenas no que concernia ao instituto da adoção. A sociedade civil foi ouvida sobre esses projetos, em reuniões ocorridas no segundo semestre de 1989. Ouviram-se juízes de menores, sociólogos, pedagogos e diretores de instituições assistenciais, entre outras personalidades, que se mostraram
atuantes na defesa de seus pontos de vista e desejosos de contribuir para o aperfeiçoamento da legislação. O senador relator da comissão afirma que havia duas correntes antagônicas: uma que defendia a revisão do código, outra que defendia o estatuto (ROLLEMBERG, 1990, p. 7). Iniciou-se, entretanto, a revisão, tendendo-se ao projeto de lei do senador Nelson Carneiro, para apenas rever o código, e quanto à parte socioeducativa, pensou-se que bastaria a sua contemplação em lei que prevê os planos da previdência e naquela que estabelecesse as diretrizes e bases da educação (ROLLEMBERG, 1990, p. 7).
Surpreendentemente, diz o senador relator, a divergência ocorreu entre os próprios juízes de menores. Os que se posicionavam a favor da revisão do código tinham anos de trabalho e dedicação à causa do menor e não escondiam o seu desencanto, não apenas diante da falta crônica de recursos para que se pudessem assegurar melhores condições de atendimento ao menor infrator, mas também diante da omissão dos poderes públicos na prestação de serviços como assistência médica, educação e atendimento propriamente dito a crianças e adolescentes carentes e abandonados, serviços que lhes dariam a proteção necessária, evitando as causas principais da marginalização e do descaminho.
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Eles, até então incapazes e irresponsáveis, nos termos do artigo 228 da Constituição Federal (BRASIL, 2009), tornam-se inimputáveis. A irresponsabilidade absoluta, fundada na doutrina da tutela do menor em situação irregular, substitui-se pela concepção de responsabilidade dos adolescentes pelos atos praticados. Ser inimputável antes dos 18 anos não significa ser irresponsável por seus atos, ou seja, os menores de 18 anos não responderão pelos seus atos sob a égide do direito penal, não sofrerão penas corretivas-repressoras. “O problema da juventude transviada é um problema social e humano e não de reação penal por parte do Estado” (DIAS, 1968, p. 212). O que interessa para a proteção à infância com base na doutrina da proteção integral é o jovem, não o delito. Enfim, a questão do adolescente autor de ato infracional não é penal, mas de estrutura da vida em comum.
Eram eles a voz da experiência, meio revoltada, talvez, em face da própria impotência ante o gigantismo do problema, cuja solução lhes fugia, pois dependia mais da decisão política que assegurasse o envolvimento de vários outros órgãos do poder público, em todos os níveis da administração (ROLLEMBERG, 1990, p. 8).
Os juízes da infância julgavam que os problemas tinham como uma das causas principais de todos os males a falta de investimento nos ensinos fundamental e médio, que vem de longa data. Para eles, não eram questões que decorriam da inadequação da doutrina do direito do menor ou da doutrina da situação irregular. Por outro lado, outros juízes de menores e demais conferencistas que optaram pelo estatuto demonstraram, igual-
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O senador ressalta que Antônio Fernando do Amaral e Silva, exjuiz de menores e professor titular da Universidade de Blumenau:
[...] ao fazer uso da palavra, mostrou-se favorável ao estatuto, porque este representa a adoção da linha doutrinária da proteção integral do menor. Segundo V. Exa., essa doutrina ‘assegura às crianças o atendimento de todas as necessidades e regulamenta todos os seus direitos fundamentais, independentemente da situação em que se encontrem’ (ROLLEMBERG, 1990, p. 8).
E continuou Antônio Amaral e Silva:
[...] a doutrina do Direito Penal do Menor não conseguiu agasalhar-se na sociedade que, embora tema a prática de ilícitos penais por menores, sabe que esses mesmos menores são vítimas da desassistência estatal que, teoricamente, lhes assegura a vida, saúde, educação e dignidade. Apená-los, simplesmente, é dispensar-lhes tratamento desigual, porquanto não têm o desenvolvimento e o discernimento do adulto (ROLLEMBERG, 1990, p. 8).
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Esse jurista defendia, principalmente, que as duas outras doutrinas, que não a da proteção integral, já tiveram aplicação prática, e não se mostraram benéficas às crianças e aos adolescentes. As legislações nelas inspiradas continham o ranço do autoritarismo e da supremacia do Estado, em perfeito desequilíbrio entre as partes: de um lado, o todo-poderoso Estado aplicador da lei; de outro, o menor, quase sempre faminto, sabidamente carente e habitualmente injustiçado.
O senador relator diz que a comissão, então, questionou: como não dar oportunidade à nova doutrina? E, diante de todo o de-
bate, os senadores voltaram seu apoio ao Projeto de Lei 193, de autoria do senador Ronan Tito, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, focalizando aspectos jurídicos e socioeducativos (ROLLEMBERG, 1990).
Contudo, os movimentos sociais, que pressionaram, foram os atores mais importantes para a consolidação de um Estatuto da Criança e do Adolescente. Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 2009), articularam-se por meio de vários encontros, congressos, seminários, reuniões e jornadas em todo o País e, com base na sistematização de centenas de manifestações colhidas, formaram um grupo de redação e elaboraram o estatuto apresentado no Congresso Nacional. Além disso, esses movimentos uniram forças, durante a tramitação dos projetos de lei, com juízes, promotores de justiça, advogados, professores de Direito, assessores progressistas da Funabem e técnicos do Fórum Nacional de Dirigentes de Políticas Estaduais para a Criança e o Adolescente (Fonacriad), lutando ativamente para a aprovação do estatuto (COSTA, 1994).
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mente, grande sensibilidade e conhecimento da problemática do menor em nosso país, manifestando o seu inconformismo com a situação de abandono, e com as mais variadas formas de violência que os menores sofriam no lar, nas ruas e, muitas vezes, na própria instituição incumbida de protegê-los (ROLLEMBERG, 1990, p. 8).
Com a publicação e promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069, de 13 de julho de 1990 (BRASIL, 1990) –, inicia-se o processo de construção da proteção dos direitos humanos infantojuvenis, contemplando o que há de mais novo no âmbito do reconhecimento e do respeito às crianças e aos adolescentes.
3. O papel simbólico da doutrina da proteção integral e o seu arcabouço jurídico-político
O ECA (BRASIL, 1990) representa uma completa transformação no tratamento jurídico e político dado ao tema da proteção à infância. Em todas as dimensões, a substituição da doutrina da situação irregular do menor pela doutrina da proteção integral trouxe mudanças significativas de referenciais e paradigma. Operou-se uma transformação na ação política nacional com reflexos diretos em todas as áreas, especialmente no tocante às questões relativas ao adolescente autor de ato infracional.
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Inserida nessa normativa internacional, que fundamenta a doutrina da proteção integral, tem-se, primeiramente, a própria Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada pela Assembleia Constituinte da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1948. Essa declaração representa um marco na história da afirmação de todos os direitos humanos, inclusive no que tange à proteção à infância, prescrevendo a necessidade de proteção especial à criança.
Reflexo dessa declaração é a Declaração Universal dos Direitos da Criança, aprovada por unanimidade em 20 de novembro de 1959, pela Assembleia Geral da ONU, estabelecendo princípios para os signatários e não obrigações para esses Estados. O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (ONU, 2009b), aprovado pela Assembleia da ONU em 1966, no artigo 24, dispõe: Toda criança tem direito, sem discriminação alguma de raça, cor, sexo, idioma, origem nacional ou social, posição econômica ou nascimento, a medidas de proteção que sua condição de menor requer, tanto por parte da família como da sociedade e do Estado.
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A Convenção Americana de Direitos Humanos, conhecida como Pacto São José da Costa Rica (BRASIL, 1969), também prevê, em seu artigo 19, que “toda criança tem direito à proteção que sua condição de criança requer por parte de sua família, da sociedade e do Estado”.
Contudo, mais do que isso, a doutrina da proteção integral no âmbito internacional compreende todas as normas abaixo (Quadro 1):
Quadro 1 – Quadro Sinótico
Doutrina das Nações Unidas de Proteção Integral dos Direitos da Criança
Convenções das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança
– Adotada em Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989 – Promulgada no Brasil pelo Decreto 99.710, de 21 de novembro de 1990
Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude
– Regras de Pequim (maio de 1984)
Diretrizes das Nações Unidas para a – Diretrizes de Riad (dezembro Prevenção da Delinquência Juvenil de 1990) Regras Mínimas das Nações Unidas para a Elaboração de Medidas Não Privativas de Liberdade
– Regras de Tóquio, Resolução 45/110, de 14/12/1990
Regras Mínimas das Nações Unidas para a Proteção dos Jovens – Resolução 45/113 (abril de 1991) Privados de Liberdade
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A doutrina da proteção integral, além de se contrapor ao anterior tratamento autoritário e discriminado dispensado à criança e ao adolescente, consagra um conjunto conceitual, metodológico e jurídico que apresenta o problema das crianças e dos adolescentes como um problema de violação de direitos humanos. Busca-se consolidar uma nova ordem paradigmática estabelecida na Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 2009), no ECA (BRASIL, 1990) e na normativa internacional.
Fonte: Saraiva, 2010, p. 17.
Esses cinco documentos internacionais afirmaram a força cogente da doutrina da proteção integral entre os países signatários, que incluem o Brasil. Destaca-se como principal instrumento internacional a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, de 1989. Trata-se de um documento fundamental para a modificação da maneira de entender e agir, suscitando o reordenamento das instituições, das pessoas, dos grupos e da comunidade. Apesar de não ser cronologicamente o primeiro texto, ele é decisivo para a consolidação dessa doutrina. Aprovada após cumprir dez anos de trabalho preparatório, a Convenção sobre os Direitos da Criança complementou a carta principal descrita na Declaração Universal dos Direitos da Criança, pois trouxe normas que exigem uma tomada de decisão por parte dos Estados signatários e normas coercitivas, incluindo mecanismos de controle para verificação do cumprimento das obrigações ali dispostas. Os artigos 43 e 45 dessa conven-
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Os direitos dispostos na convenção representam o mínimo que toda sociedade deve garantir a crianças e adolescentes. Reconhece-se a criança como indivíduo, sujeito de direitos e deveres. Fixa-se, ainda, a concepção de corresponsabilidade em relação à família, ao Estado e à sociedade no tocante à defesa dos direitos da criança, estabelecendo tais direitos como prioridade absoluta em um Estado7.
A Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 2009) antecipou-se à Convenção sobre os Direitos da Criança, incorporando de forma cogente no ordenamento jurídico brasileiro a doutrina da proteção integral. Posteriormente, essa doutrina foi estabelecida como novo paradigma para a proteção à infância, nos termos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (BRASIL, 1990). Emílio García Méndez afirma que o Brasil foi o pioneiro, entre os países da América Latina, a adotar a doutrina da proteção integral em seu ordenamento. E continua: “[...] trata-se de mudanças nos padrões culturais que demonstram o absurdo de se pensar na proteção dos setores mais vulneráveis de nossa sociedade, declarando sua incapacidade e condenando-os à segregação” (MÉNDEZ, 1994, p. 32).
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Essas mudanças e a consolidação da doutrina da proteção integral representam a solidificação desse direito humano, isto é, o direito humano infantojuvenil de proteção integral. Trata-se de um alicerce simbólico que deve permear todas as ações políticas, jurídicas e econômicas de uma sociedade. Por exemplo, esse alicerce fixa o princípio da prioridade absoluta da satisfação
dos direitos das crianças e dos adolescentes como direção a ser seguida nas tomadas de decisão jurídica, política e econômica. Dispõe o artigo 4º do ECA:
É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude (BRASIL, 1990, grifos nossos).
Exige-se, com isso, prioridade na definição de percentuais orçamentários em cada nível de governo, estabelecimento de políticas públicas eficazes em matéria de saúde, educação, saneamento básico, assistência social, elaboração de legislações que contribuam para o bom funcionamento do Judiciário e construção jurisprudencial de afirmação dessa prioridade. Enfim, é preciso adaptar toda a estrutura econômica, política e jurídica com base nessa nova prioridade. Ressalte-se que chamar a doutrina da proteção integral de alicerce simbólico não significa tratá-la como algo que não será jamais concretizado. Essa doutrina, ao contrário, exige a efetividade de vários direitos em favor da criança e do adolescente, dando a direção do caminho a ser tomado no momento das decisões políticas e jurídicas. Mas, além disso, serve como referencial para a “criação ininterrupta de novos direitos, subversão contínua do estabelecido e reinstituição permanente do social e do político” (CHAUÍ, 2001, p. 11). A doutrina da proteção integral tem um papel simbólico nesse sentido.
Esta dissertação, seguindo a teoria política de Claude Lefort, assume que é preciso ressaltar a dimensão simbólica dos direi-
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ção dispõem, nesse sentido, sobre a instituição do Comitê dos Direitos da Criança, composto de peritos eleitos pelos Estados partes. Esse comitê avaliará os relatórios periódicos que cada Estado é obrigado a enviar à Organização das Nações Unidas (ONU), apresentando as medidas adotadas para aplicação da convenção e os progressos já realizados. Caso haja necessidade, o comitê poderá enviar agências especializadas aos Estados para realizarem a observação e proporem medidas que devam ser tomadas para o gozo dos direitos dispostos na convenção. Além disso, o artigo 52 da convenção dispõe sobre a possibilidade de denúncias diretas à Secretaria-Geral da ONU.
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Além do princípio da prioridade absoluta, tem-se ainda a afirmação dos direitos fundamentais, de garantias processuais, do princípio do melhor interesse da criança, da necessidade de atendimento prioritário, da ampliação das atribuições dos conselhos tutelares e dos conselhos de direitos, da necessidade de atendimento inicial integrado ao adolescente autor de ato infracional, da punição não repressiva com a aplicação de medidas socioeducativas, entre outros direitos essenciais para a proteção de uma pessoa em peculiar condição de desenvolvimento e de vulnerabilidade social. A nova orientação baseia-se em princípios fundamentais:
1 – Universalização – ‘Todos são sujeitos de Direito independentemente de sua condição social. A proteção não é só ao menor pobre, ou ao menor em situação irregular. O novo ordenamento atingirá a todos’. 2 – Humanização – ‘Este é o princípio previsto no artigo 227 da Constituição de 1988. Neste princípio cabe, sobretudo, uma mudança de mentalidade. Tradicionalmente, a defesa social, a proteção de interesses dominantes na sociedade, é dado àquilo que é normal, regular. E os pobres são considerados anormais e irregulares’.
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3 – Despolicialização – ‘Questão da criança e do adolescente não é questão de polícia. Ela tem um aspecto policial quando o adolescente ou a criança são vítimas de violação de seus direitos ou quando são autores de violência, e isso porque, em primeiro lugar, foram vítimas. Nesses casos, há um ângulo policial, no caso de alto risco para essa criança, de protegê-la com armas se for preciso, proteger sua integridade ou proteger as pessoas da sociedade de sua violência. Mas é um aspecto secundário, não é fundamental’.
4 – Desjuridicionalização – ‘A criança e o adolescente não são questão de Justiça. Somente naqueles casos de lide, de conflitos de interesses’.
5 – Descentralização – ‘O atendimento fundamental é no município. É ali que a criança nasce, é ali que ela vive, é ali que ela está. Nenhuma criança nasce ou vive na União. A União é uma abstração, não tem geografia. A geografia da União é o somatório das geografias municipais, então, a criança tem que ser atendida ali onde ela está’. 6 – Participação – ‘Esse princípio é fundamental. O artigo 227 da Constituição Federal de 1988 convoca a família, a sociedade e o Estado para assegurar à criança e ao adolescente os seus direitos fundamentais. Os conselhos tutelares são um resultado dessa convocação do cidadão para participar na nova sistemática’ (RIVERA, 1990 apud PEREIRA, 1992, p. 18)
Desses princípios, destacam-se os direitos fundamentais garantidos pela doutrina da proteção integral e que devem ser interpretados, nos termos do artigo 6º do ECA (BRASIL, 1990), considerando: “os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento”. Ou seja, qualquer interpretação jurídica e política deve levar em conta a satisfação dos direitos humanos infantojuvenis.
Além disso, é fundamental compreender que o princípio do superior interesse da criança foi substituído pelo princípio do melhor interesse da criança. O primeiro princípio, chamado por João Batista Costa Saraiva de O Cavalo de Troia do Menorismo (SARAIVA, 2010, p. 42), não conseguia compreender a condição diferenciada de crianças e adolescentes, considerando-os como incapazes. Isso resultou na concepção de que a categoria dos “menores” fosse considerada, no âmbito da doutrina do direito tutelar do menor, como mero objeto de intervenção.
Operando com o sempre invocado ‘princípio do superior interesse do menor’, diante da incapacidade destes, competia ao adulto, ‘imbuído do espírito do
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tos humanos. Essa dimensão se manifesta sem que todos esses direitos estejam engessados em uma lei ou descritos em uma constituição rígida, ou seja, a consciência do direito não precisa estar totalmente objetivada. O direito deve ser, independentemente da sua positivação, uma referência ao poder, incluindo aí a competência para tomada de decisões políticas e jurídicas.
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Sob o paradigma da incapacidade e em nome de um superior interesse do “menor”, estabelecido por um adulto, várias violações aos direitos humanos infantojuvenis foram cometidas, refletindo decisões políticas e jurídicas autoritárias e subjetivas. Por outro lado, a doutrina da proteção integral suscitou o princípio do melhor interesse do menor. A aplicação desse princípio leva em conta as necessidades da criança, sempre realizando uma análise do caso concreto. Deve-se ler esse princípio observando-se a sistemática de garantias constitucionais e processuais já expressamente reconhecidas. O conteúdo do princípio do melhor interesse da criança, então, encontra-se nos limites estabelecidos pelos direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes8. Todo esse sistema de garantias construído passa a ser a realidade dos procedimentos e ações relativas ao adolescente autor de ato infracional. Desfazem-se, assim, os pilares da doutrina da situação irregular do menor anteriormente adotada. No quadro 2, estão sintetizadas as diferenças até aqui expostas e os conceitos e nomenclaturas assumidos.
Quadro 2 – Quadro Sinótico
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Situação irregular
Proteção integral
“Menores”
Crianças e adolescentes
Objetos de proteção
Sujeitos de direitos
Proteção de “menores”
Proteção de direitos
Proteção que viola e restringe direitos
Proteção que reconhece e promove direitos
Infância dividida
Infância integrada
Incapazes
Pessoas em desenvolvimento
Não importa a opinião da criança
É fundamental a opinião da criança
“Situação de risco ou perigo moral ou material” ou “situação irregular”
Direitos ameaçados ou violados
Menor em situação irregular
Adultos, instituições e serviços em situação irregular
Centralização
Descentralização
Juiz executando política social/ assistencial
Juiz em atividade jurisdicional
Juiz como “bom pai de família”
Juiz técnico
Juiz com faculdades ilimitadas
Juiz limitado por garantias
O assistencial confundido com o penal
O assistencial separado do penal
Menor abandonado/delinquente
Desaparecem essas determinações
Desconhecem-se todas as garantias
Reconhecem-se todas as garantias
Atribuídos de delitos como inimputáveis
Responsabilidade penal juvenil
Direito penal do autor
Direito penal de ação
Privação de liberdade como regra
Privação de liberdade como exceção e somente para infratores/outras sanções
Medidas por tempo indeterminado
Medidas por tempo determinado
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bem’, determinar qual seria o melhor para a criança, sem expressas referências limitadoras deste poder discricionário, sob o sempre invocado argumento de amor à infância (SARAIVA, 2010, p. 42).
Fonte: Beloff(1999) apud Saraiva, 2010, p. 28.
Destaca-se, no quadro 2, a substituição da ideia de direito penal do autor para a de direito penal da ação. Trata-se de uma fundamental ruptura com a concepção de que o “menor” será punido pelo fato de “ser” abandonado, carente, pobre ou marginalizado. Agora, o adolescente é responsabilizado por seus atos pelo fato de “estar” cometendo um ato infracional, considerado crime ou contravenção penal no ordenamento jurídico. Isto é um grande avanço e exige uma profunda alteração de mentalidade dos operadores dos sistemas político e jurídico e da própria sociedade.
Ressalte-se que, nessa tentativa de juntos provocarem uma mudança, surgem os conselhos de direitos e os conselhos tutelares. Frise-se que não se trata de uma inovação, pois o Código de Menores de 1927 já previa a existência de um Conselho de
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Os conselhos tutelares são órgãos permanentes e autônomos, de natureza não jurisdicional, encarregados pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, devendo ser organizados ao menos um em cada município. Compõem-se de cinco membros, eleitos por mandatos de três anos, escolhidos pela comunidade local (arts. 131 e 132 do ECA) (BRASIL, 1990). São órgãos administrativos regidos por um conjunto de diretrizes e têm autonomia funcional, em matéria de sua competência, procedendo sem qualquer interferência externa. Os conselhos de direitos, ao contrário dos conselhos tutelares, não são órgãos de execução. Eles foram concebidos para que a população, a partir de suas organizações representativas, participe da formulação de políticas públicas voltadas para a proteção à infância. Nos termos do inciso II do art. 88 do ECA (BRASIL, 1990), são órgãos deliberativos, competentes para tomar decisões sobre projetos oriundos de fontes diversas e que assegurem o atendimento à infância. É um órgão especial integrado ao Poder Executivo de cada esfera do governo, criado por lei.
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No âmbito nacional, tem-se o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), criado pela Lei 8.242, de 12 de outubro de 2001 (BRASIL, 2001). Hoje, ele está vinculado à Secretaria Especial de Direitos Humanos na Presidência da República. Sua finalidade é articular e implementar políticas públicas voltadas para a proteção à infância, incluindo campanhas educativas e gerenciamento do Fundo Nacional para Infância e
Adolescência. A diretoria do Conanda é eleita por indicação das entidades integrantes do Fórum Permanente das Entidades Não Governamentais de Defesa da Criança e do Adolescente (Fórum DCA) e representantes do poder público.
Para esta pesquisa, foi de essencial importância as observações das diretrizes propostas pelo Conanda, por meio do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase)9. Trata-se de um conjunto de princípios, regras e critérios que envolve o atendimento ao adolescente autor de ato infracional. A construção do Sinase norteou todos os atores envolvidos nesse atendimento, auxiliando-os diante das dificuldades de aplicação da doutrina da proteção integral. Buscou-se construir parâmetros mais objetivos e procedimentos mais justos que evitem ou, ao menos, limitem a discricionariedade presente no atendimento do adolescente autor de ato infracional. Vê-se que a questão do adolescente autor de ato infracional, nesse contexto, não se resume à temática penal. É uma questão constitucional, relativa a direitos fundamentais, e de estrutura da vida em sociedade. Por isso, deve ser pensada e repensada como um fenômeno sociojurídico complexo que põe em xeque o Texto Constitucional, a afirmação de direitos e a consolidação do processo democrático.
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Assistência e Proteção de Menores como uma entidade subvencionada pelo Estado, cujo objetivo era coordenar ações entre o poder úblico e a sociedade para o atendimento à criança e ao adolescente (PEREIRA, 2008). Contudo, a efetiva coordenação só tornou-se algo materializável a partir da diretriz fixada pela Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 2009), de que esse atendimento é de corresponsabilidade da família, do Estado e da sociedade. As diretrizes desses conselhos foram fixadas na Constituição e regulamentadas pelo ECA (BRASIL, 1990), como uma forma de exercício de participação política.
4. Considerações finais
Contatou-se, nesta pesquisa, a dimensão simbólica de todo arcabouço jurídico e político que sustenta a doutrina da proteção integral. Restou, surpreendente, a atuação dos movimentos sociais, no sentido de provocar mudanças que resultaram em uma ruptura do paradigma dominante no tocante à proteção à infância, qual seja, a doutrina da situação irregular do menor. As reivindicações em favor dos direitos humanos infantojuvenis, principalmente no período de redemocratização do País, tiveram como consequência a positivação dessa doutrina, minuciosamente disposta na Constituição Federal de 1988 e no ECA. Trata-se de um grande passo no processo para a democratização da sociedade brasileira.
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O caminho já está preparado, teoricamente, para a concretização dessa doutrina, pois a própria doutrina orienta a atuação dos vários setores da sociedade, fixando diretrizes. Ela tem uma função simbólica, mas não é uma mera utopia. É, ao contrário, o suporte central para a efetividade dos direitos humanos infantojuvenis, que depende apenas de vontade política, lutas constantes pelos direitos, muito trabalho e ação coletiva.
Isso esbarra em graves obstáculos como, por exemplo, a superação do desagravo coletivo, despertado pelos meios de comunicação e pela opinião pública, que partem do errôneo pressuposto de que há igual oportunidade para todos os adolescentes, havendo uma opção voluntária pela vida marginal e delinquente. Nenhum desses obstáculos, contudo, foi motivo de desânimo, como ensinou Paulo Freire:
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Numa sociedade de gosto autoritário como a nossa, elitista e discriminatória, cujas classes dominantes nada ou quase nada fazem para superação da miséria das maiorias populares, consideradas quase sempre como naturalmente inferiores, preguiçosas ou culpadas por sua penúria, o fundamental é a nossa briga incessante para que o Estatuto seja letra viva e não se torne, como tantos outros textos em nossa história, letra morta ou semimorta (FREIRE, 2010, p. 95, grifos do autor).
Se, de um lado, têm-se preconceito, discriminação e dificuldade em compreender o processo de tutela de proteção integral do adolescente autor de ato infracional, de outro, tem-se, ainda, muito trabalho a ser realizado na busca pela efetividade da proteção integral do adolescente autor de ato infracional. Notas: *
Este artigo é parte da pesquisa elaborada com recursos financeiros do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Ministério da Ciência e Tecnologia (CNPq), durante o mestrado em Direito realizado pelo Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) sob orientação de Miracy Barbosa de Sousa Gustin e coorientação de Newton Bignotto de Souza. Na pesquisa, a autora verificou o atendimento inicial ao adolescente autor de ato infracional realizado em Belo Horizonte.
1
Nesse ponto, vê-se claramente a adequação do pensamento de Claude Lefort (1983). Ele afirma a existência da consciência dos direitos e do papel simbólico dos direitos humanos como marco para a luta por novos direitos. Nesse sentido, ele questiona se não é em nome de seus direitos que as mulheres exigem igualdade e os homossexuais se insurgem contra as proibições e repressões. E, se esses direitos não se afirmam devido a uma consciência do direito pelas mulheres e pelos homossexuais, apesar da inexistência de garantias objetivas e positivas.
2
Emílio García Méndez é jurista e advogado, doutor em Sociologia do Direito Penal pela Universidade de Saarland, na Alemanha, e, desde março de 1990, é oficial de projetos da Unicef, atuando principalmente em prol da proteção do adolescente autor de ato infracional.
3
Ressalta-se que outro acontecimento internacional fundamental, à época, foi a promulgação da Declaração de Gênova de Direitos da Criança adotada pela Liga das Nações em 1924, que também consolidava e reconhecia internacionalmente essa doutrina da situação irregular do menor.
4
Mello Mattos foi o primeiro juiz a assumir o juízo de menores no Brasil.
5
Ao longo da trajetória de sua vida, o menor, infelizmente, vai assumindo o estereótipo que a sociedade lhe impõe. Isto gera problemas na construção da personalidade do adolescente e na formação da sua identidade.
6
Antônio Carlos Gomes da Costa afirma que em alguns poucos estados os técnicos ludibriaram rígidos critérios e padrões do governo central. Nestes, o programa atingiu maior legitimidade (COSTA, 1994).
7
Os principais artigos da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, das Regras de Pequim e das Diretrizes de Riad serão apreciados oportunamente, em paralelo com os dispositivos do ECA.
8
Boa parte da doutrina ainda chama esse princípio de princípio do superior interesse do menor, mas todos o definem com esses novos limites.
9
Essas diretrizes serão apresentadas juntamente com a exposição sobre o atendimento integrado ao adolescente autor de ato infracional, nos capítulos 4 e 5.
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A busca de uma possível solução para a efetividade da doutrina da proteção integral do adolescente autor de ato infracional é, na verdade, uma luta incessante pela permanente proteção à infância. Uma luta que hoje tem como pilar principal a tentativa de consolidação desse novo paradigma. Afastando-se de uma política de abandono e marginalização de adolescentes carentes, a doutrina da proteção integral trouxe novas diretrizes, compreendidas na criação de um direito e na necessidade de revisão das funções das instituições políticas envolvidas no atendimento do adolescente autor de ato infracional.
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Matilde de Souza Doutora em Ciência Política (UFMG) / Professora do Departamento de Relações Internacionais (PUC Minas ) / Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais (PUC Minas) / Secretária Executiva da Associação Brasileira de Relações Internacionais
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A cooperação na gestão das águas: estudo comparativo de três Comitês de Bacias Hidrográficas em Minas Gerais
Resumo: O objetivo deste artigo1 é discutir a experiência desenvolvida em Minas Gerais no que se refere à gestão das águas, com base na estrutura projetada pela Política de Recursos Hídricos e na constituição dos Comitês de Bacias Hidrográficas. Três foram os comitês estudados: o da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, o da Bacia Hidrográfica do Rio Paraopeba e o da Bacia Hidrográfica do Rio Piracicaba. Baseando-se numa metodologia quantitativa, procedeu-se à comparação desses três comitês em 2002 e 2011, a partir de algumas variáveis que serão explicitadas neste texto, com vistas a, fundamentalmente, discutir se a iteratividade promovida pelos CBHs produz comportamento cooperativo que se sustenta no tempo. Palavras chave: Comitês de Bacias Hidrográficas. Política de Recursos Hídricos. Cooperação. Abstract: This paper aims to discuss the experience developed in Minas Gerais with regard to water management, from the structure designed by the Water Resources Policy and the constitution of the Drainage Basins Committees (Watershed Committees, in North America). Three committees were studied: Velhas River Basin, Paraopeba River Basin and the Piracicaba River Basin. Based
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Keywords: Drainage basins committees. Watershed committees. Water resources policy. Cooperation.
Introdução A Constituição Federal de 1988 institucionalizou um conjunto de mecanismos que prevê a participação dos cidadãos em instâncias decisórias, no âmbito da estrutura de gestão de políticas públicas. Esses mecanismos, dependendo dos procedimentos adotados, da sua composição e das formas efetivas de operarem, são importantes para a tomada de decisão sobre questões extremamente relevantes para o cotidiano dos grupos sociais, afetadas por decisões coletivizadas, isto é, aquelas que, independentemente do número dos que participaram da sua definição, produzem consequências para a coletividade à qual se referem (SARTORI, 1984). Os Comitês de Bacias Hidrográficas (CBHs), órgãos que compõem o sistema de gestão das águas, constituídos pela Lei Federal 9.433, de 1997, e pela Lei 13.199, de 1999, que define a política de águas para o Estado de Minas Gerais, são organismos paritários e deliberativos, que se constituem de importantes instâncias decisórias no escopo da estrutura de gestão desse recurso natural. Conforme estabelecido pela legislação, os CBHs devem abrigar os setores sociais que representam os diversos usuários do recurso e a gama de interesses portados por eles. Compõem os comitês: representantes dos vários níveis de governo, usuários empresas privadas, usuários empresas públicas e organizações sociais diversas. Considerando que atores sociais são capazes de aprendizagem em processos sociais e políticas iterativas e que tal aprendizagem favorece, por hipótese, a adoção de comportamento coope-
rativo, este artigo pretende discutir se a iteratividade promovida pelos Comitês de Bacias Hidrográficas produz comportamento cooperativo que se sustenta no tempo. Essa proposição se ancora em questões teóricas que têm pontuado o estudo de bens como o common pool resources (CPR)2, cujas questões centrais envolvem dilemas distributivos, condições objetivas de compartilhamento, condições de governança em face da constelação de interesses que, embora legítimos, são conflitantes, bem como da garantia de direitos de cousuários.
Dividido em quatro partes, este artigo faz, na primeira, breve apresentação do modelo teórico; na segunda, uma apresentação sucinta da metodologia utilizada na investigação que deu origem a este trabalho; na terceira parte, pontua brevemente o processo de constituição dos CBHs em Minas Gerais, que apresenta um quadro completo do conjunto de comitês já formados. Na quarta parte, o artigo compara a opinião dos membros desses comitês em dois momentos – 2002 e 2011 – a respeito do órgão gestor das águas e da sua capacidade para promover e sustentar comportamento cooperativo.
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on a quantitative methodology, it proceeded to the comparison of these three committees in 2002 and 2011, from some variables which are explained in the text. We attempted to discuss if the iteration promoted by the Basin Committees produce cooperative behavior that is sustained over time.
Interatividade e aprendizagem: superando dilemas de ação coletiva Equacionar o problema da provisão e distribuição de bens e serviços ambientais pode ser um desafio, interpretado como um dilema de ação coletiva, na medida em que se observa a necessidade de orientar as escolhas de agentes quanto a cursos de ação alternativos, que lhes permitam realizar seus interesses privados, observando-se, ao mesmo tempo, os interesses da coletividade. De acordo com a perspectiva de Elinor Ostrom, sob determinadas circunstâncias, a cooperação é a melhor alternativa, ainda que para isso seja necessário arcar com algum ônus advindo da cooperação (OSTROM, 1990). Esta pode ocorrer se for alternativa vantajosa num determinado momento e em determinadas circunstâncias, no sentido de favorecer o interesse principal do ator (TSEBELIS, 1998). Nesse sentido, instituições são compreendidas como regras do jogo que constrangem o comportamen-
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Nesse sentido, instituições ordenam as escolhas, sobretudo em situações em que os interesses particulares e coletivos se encontram em conflito. Admite-se que nenhum bem público é produzido sem a instituição de regras que coíbam os desertores e limitem as expectativas quanto à realização do autointeresse (TSEBELIS, 1998).
Em seus estudos sobre a democracia contemporânea, Sartori (1994) confere lugar de destaque aos comitês, ao discutir o problema do processo decisório sobre questões de natureza política, em que as decisões são coletivizadas e se caracterizam por serem soberanas, inescapáveis e sancionáveis. Como decisões coletivizadas implicam risco para os seus destinatários, participar delas tenderia a minimizar o perigo de que seu conteúdo não atenda a interesses do público a quem se destinam. Enquanto participar implica custos internos, não participar é se expor a riscos externos. Sartori (1994) identifica os comitês com base em três características: são grupos de interação face a face, estáveis e institucionalizados, cujas decisões têm caráter contínuo. Embora funcionem segundo a regra da maioria, os comitês costumam produzir decisões unânimes, o que revela um conjunto de acordos entre interesses diversos neles presentes. A interação caracterizaria um jogo de cooperação e negociação, no qual boa parte dos conflitos seria processada, permitindo a tomada de decisão, uma vez que o número de rodadas é desconhecido e há um leque de questões a serem decididas, em que algumas catalisam mais os interesses de determinados grupos do que de outros. Para Sartori, o que é
peculiar aos comitês é que seus membros se envolvem em trocas que vão além do momento presente, tendo especialmente em vista um tempo futuro (SARTORI, 1994, p. 306).
Para realizar a discussão pretendida, é útil lançar mão da tipologia dos atores, estruturada por Orenstein (1998), com base nas contribuições de Elster (1989). Para Orenstein, o tempo e o caráter iterativo dos jogos são de fundamental importância para que o ator escolha a alternativa da cooperação.
A tipologia, que busca refletir a pluralidade dos atores, sugere seis tipos: 1) os “racionais e egoístas” – aqueles orientados para a busca de seu objetivo privado ao final da ação coletiva: são os típicos “caronas”, que utilizam a deserção como estratégia dominante; 2) os “kantianos de todo dia”: dispostos à cooperação universal, tendo-a como um resultado superior à deserção universal, são cooperadores incondicionais, segundo princípios do imperativo categórico, podendo ser considerados como insensíveis ao custo da cooperação; 3) os “utilitaristas”: dispostos a cooperar quando sua contribuição aumenta o benefício médio do grupo e sua decisão pela cooperação depende de quantos já aderiram a essa estratégia – um mínimo e um máximo de participantes; 4) os “colaboradores”: consideram imperativo participar desde que muitos já participem, seu comportamento cooperativo relaciona-se a uma norma social de adesão, baseada na obrigação coletiva; 5) os “elitistas”: cooperam enquanto o número de cooperadores é reduzido e tendem a desertar quando esse número aumenta; e 6) os “coletivistas”: sentem-se bem em movimentos de ampla adesão, como os movimentos de massa, aderindo quando há um número mínimo de cooperadores. Alguns desses atores se orientam por resultados, como os “racionais e egoístas”, os “utilitaristas” e os “elitistas”; outros, por normas, como é o caso dos “kantianos de todo dia”, dos “colaboradores” e dos “coletivistas”. Esses diversos atores procuram evidenciar características de atores políticos reais em interação e visam abrir campo para a explicação da possibilidade de se iniciar um processo de ação coletiva, que visaria à superação e/ou à prevenção do mal pú-
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to orientado para a maximização de ganhos. Trata-se, para o agente, do problema de como mobilizar as regras para a consecução de seus interesses, considerando certas condições. Nesse entendimento, instituições facilitam a comunicação e o monitoramento em situações em que a não cooperação poderia resultar em desastre para todos, favorecem o estabelecimento de contratos de compromisso, nos quais a alternativa da cooperação se coloca quando outros atores fazem o mesmo, promovem recompensas ou instituem punições.
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É preciso considerar, ainda, que o bem público objeto desta pesquisa é um bem contínuo, que demanda manutenção de cotas de cooperação no tempo. Desse modo, as etapas da ação coletiva – decisão, execução e usufruto – referem-se tanto à construção institucional quanto ao processo de manutenção da cooperação, uma vez que o bem coletivo contínuo demanda sempre a presença de cooperadores incondicionais para assegurar sua provisão num período de tempo “infinito” (ORENSTEIN, 1998). Ou seja, passada a novidade, a sustentação de uma tendência cooperativa depende da presença de cooperadores incondicionais.
Metodologia da pesquisa
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Foram pesquisados os Comitês de Bacias Hidrográficas dos Rios das Velhas, Paraopeba e Piracicaba, que banham o Estado de Minas Gerais, sendo que os Rios das Velhas e Paraopeba são tributários do Rio São Francisco e o Rio Piracicaba, tributário do Rio Doce. A pesquisa compara os comitês em dois momentos: em 2002 e em 2011. A principal estratégia metodológica foi a quantitativa: foi realizado um survey nesses dois momentos, aplicado ao conjunto dos membros titulares dos três comitês pesquisados. A composição desses comitês não sofreu alterações em sua definição normativa, mas houve mudanças tanto dos indivíduos que representam cada segmento social como das organizações que se fazem representar. Essas mudanças favorecem a observação, uma vez que o foco é para a estrutura institucional, e não para os indivíduos membros dos comitês. Quanto ao número de entrevistados, foram 100 indivíduos no survey aplicado em 2002 – 36 membros do CBH Piracicaba, 28 membros do CBH Velhas e 36 membros do CBH Paraopeba – e 95 pessoas no survey de 2011 – 34 membros do CBH Piracicaba, 28 membros do CBH Velhas e 33 membros do CBH Paraopeba3.
Considerando o problema de que os padrões de interação dos comitês e a iteratividade promovida por eles produzem comportamento cooperativo que se sustenta no tempo, a pesquisa se pautou em três hipóteses: 1) o CBH estrutura a interação entre os diversos atores que o compõe, criando condições para a cooperação, além de suas regras possibilitarem a negociação entre seus membros; 2) o tempo e a prática da negociação tendem a produzir maior disposição à cooperação; e 3) a iteratividade promove o aprendizado dos atores: a experiência anterior e a trajetória da organização – CBH – incentivam a adoção da cooperação como alternativa.
Breve histórico dos CBHs em Minas Gerais
O aumento da demanda por água, gerado tanto pelo crescimento populacional como pela intensificação dos seus múltiplos usos, é o principal motivo para a erupção de conflitos entre usuários. Uma política de recursos hídricos busca, portanto, entre outros objetivos, criar condições para o atendimento da demanda e dirimir potenciais tensões, principalmente nas regiões onde há escassez de água. Em geral, conflitos pelo uso da água ocorrem principalmente devido aos diferentes e concorrentes usos e se verificam principalmente no setor hidrelétrico, nos complexos industriais, nas necessidades de abastecimento urbano e na irrigação. As regiões brasileiras mais industrializadas são as que mais sofrem com os problemas da poluição das águas. Um dos mais graves problemas das águas no Brasil e em Minas ainda é o despejo de esgoto doméstico e industrial sem tratamento diretamente nos corpos d’água. Embora o abastecimento de água potável atinja quase 100% da população, há um deficiente sistema de coleta e tratamento dos resíduos gerados pelo uso doméstico e industrial das águas, que provoca sua poluição, tornando a ação dos comitês de bacias extremamente relevante para a preservação desse recurso. As três bacias hidrográficas em estudo neste trabalho contêm significativa concentração populacional, atividade industrial de
Cadernos da Escola do Legislativo – Volume 15 | Número 23 | jan/jun 2013
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blico e à produção do bem público. A perspectiva teórica é que o tempo e as normas que mantêm a coesão social levariam os atores a preferir os custos da produção do bem público em situações em que o mal público é extremamente oneroso para todos. Caso essa hipótese esteja correta, a tendência à cooperação no interior dos comitês, verificada em 2002, deverá se manter.
109
Itajubá*
6 CBH do Rio Sapucaí
João Monlevade Carbonita Alfenas Itabira
12 CBH do Rio Araçuaí CBH do entorno do Reservatório 13 de Furnas 14 CBH do Rio Santo Antônio
Poços de Caldas 11 CBH do Rio Piracicaba
CBH dos afluentes mineiros dos Rios Mogi-Guaçu/Pardo
Caratinga
9 CBH do Rio Caratinga 10
Betim *
8 CBH do Rio Paraopeba
Paracatu
Três Corações
5 CBH do Rio Verde CBH da Sub-Bacia Mineira do Rio Paracatu
Araguari
4 CBH do Rio Araguari
7
Divinópolis
3 CBH do Rio Pará
continua...
36(titulares) 36(suplentes)
24(titulares) 24(suplentes)
24(titulares) 24(suplentes)
36(titulares) 36(suplentes)
40(titulares) 40(suplentes)
36(titulares) 36(suplentes)
36 (titulares) 36(suplentes)
24(titulares) 24(suplentes)
28(titulares) 28(suplentes)
48(titulares) 48(suplentes)
36(titulares) 36(suplentes)
40(titulares) 40(suplentes)
28(titulares) 28(suplentes)
28(titulares) 28(suplentes)
Nº de integrantes titulares, suplentes 1 e suplentes 2)
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Decreto 42.595 – Data: 23/5/2002
Decreto 42.596 – Data: 23/5/2002
Decreto 40.931 – Data: 16/2/2000
Decreto 40.929 – Data: 16/2/2000
Decreto 40.930 – Data: 16/2/2000
Decreto 40.591 – Data: 13/9/1999
Decreto 40.398 – Data: 28/5/1999
Decreto 40.014 – Data: 3/11/1998
Decreto 39.911 – Data: 23/9/1998
Decreto 39.910 – Data: 23/9/1998
Decreto 39.912 – Data: 22/9/1998
Decreto 39.913 – Data: 22/9/1998
Águas Vermelhas Decreto 39.736 – Data: 15/7/1998
Decreto 39.692 – Data: 29/6/1998
Belo Horizonte
Decreto de Criação
2 CBH do Rio Mosquito
Cidade-Sede 1 CBH do Rio das Velhas
Nome do Comitê
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Desde 1998, foram criados em Minas Gerais 36 comitês de bacias, conforme o quadro 1. O CBH do Rio das Velhas teve sua fundação oficializada em agosto de 1998, por meio de iniciativas ligadas a um projeto de saneamento, o Prosam, que tinha como exigência a criação da Agência de Bacia Hidrográfica, órgão previsto na estrutura de gestão das águas, como braço executivo do comitê. O CBH do Rio Paraopeba teve início com a criação do Consórcio Intermunicipal da Bacia (Cibapar), em 1993, por iniciativa dos poderes públicos municipal e estadual, mas que incorporou representação da sociedade pela presença de organizações não governamentais em sua composição. O comitê nasceu dentro do próprio consórcio, por meio da mobilização que o Cibapar realizou juntamente com um conjunto de atores interessados (SOUZA, 2003). O CBH do Rio Piracicaba contou com intensa mobilização da sociedade no processo de sua criação, mobilização que se verificou principalmente a partir da “Expedição Piracicaba 300 anos depois”, que deu continuidade às descidas ecológicas realizadas no Rio Doce por ambientalistas e remadores. Quadro: Comitês de Bacias Hidrográficas de Minas Gerais
110
grande porte, sobretudo nos ramos da siderurgia, metalurgia, mineração, papel e celulose, bem como atividade agropecuária de importância para a economia mineira. São, portanto, bacias que demandam preservação para que se mantenham as condições de sobrevivência da sua população de aproximadamente 6 milhões de habitantes, do meio ambiente e do desenvolvimento econômico em sua área de abrangência.
111
CBH dos afluentes do Alto São Francisco
20(titulares) 20(suplentes)
24(titulares) 24(suplentes)
32(titulares) 32(suplentes)
24(titulares) 24(suplentes)
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Decreto 45.184 – Data: 28/9/2009
Mantena
36 CBH do Rio São Mateus
Decreto 44.955 – Data: 19/11/2008
Decreto 44.956 – Data: 19/11/2008
Decreto 44.865 – Data: 1/8/2008
Decreto 44.760 – Data: 19/3/2008
Decreto 44.758- Data: 17/3/2008
Decreto 45.183 – Data: 28/9/2009
Jequitinhonha** Almenara
12(titulares) 12(suplentes)
24(titulares) 24(suplentes)
16(titulares) 16(suplentes)
32(titulares) 32(suplentes)
Nº de integrantes titulares, suplentes 1 e suplentes 2)
continua...
36(titulares) 36(suplentes)
24(titulares) 24(suplentes)
36(titulares) 36(suplentes)
32(titulares) 32(suplentes)
24(titulares) 24(suplentes)
24(titulares) 24(suplentes)
32(titulares) 32(suplentes)
Decreto 44.690 – Data: 26/12/2007 24(titulares) 24(suplentes)
Decreto 44.433 – Data: 5/1/2007
Decreto 44.432 – Data: 4/1/2007
Decreto 44.290 – Data: 3/5/2006
Decreto 44.199 – Data: 29/12/2005
35 CBH do Alto Rio Jequitinhonha**
CHB dos afluentes mineiros do Médio e Baixo Rio
São Francisco*
CBH dos afluentes mineiros do 33 Médio São Francisco 34
Teófilo Otoni
32 CBH do Rio Mucuri**
CBH dos afluentes mineiros do Alto Monte Carmelo Paranaíba 31
Bocaiúva
CBH dos afluentes do Rio Verde Grande
São João del-Rei
29 CBH Vertentes do Rio Grande 30
Nazareno Piracicaba/SP*
27 CBH do Alto Rio Grande 28 CBH dos Rios Piracicaba e Jaguari
CBH dos afluentes mneiros dos Rio Cataguases Pomba e Muriaé 26
Juiz de Fora
CBH dos afluentes mineiros dos Rios Preto e Paraíbuna
Cidade-Sede 25
Nome do Comitê
Decreto de Criação
Decreto 44.200 – Data: 29/12/2005
Governador Valadares
24 CBH do Rio Suaçuí
Quadro: Comitês de Bacias Hidrográficas de Minas Gerais
Decreto 44.201 – Data: 29/12/2005
*** Unaí
22 CBH de Águas do Rio Manhuaçu 23 CBH do Rio Urucuia
Decreto 43.959 – Data: 2/2/2005
Decreto 43.797 – Data: 30/4/2004
CBH dos afluentes mineiros do Baixo Paranaíba
21
Uberlândia
Decreto 43.798 – Data: 30/4/2004
Decreto 43.720 – Data:21/1/2004
Decreto 43.711 – Data: 8/1/2004
Decreto 43.101 – Data: 20/12/2002 36(titulares) 36(suplentes)
CBH do entorno da Represa de Três Três Marias Marias
Bocaiúva*
Lagoa da Prata
32(titulares) 32(suplentes)
Nº de integrantes titulares, suplentes 1 e suplentes 2)
Decreto 42.960 – Data: 23/10/2002 32(titulares) 32(suplentes)
Decreto 42.594 – Data: 24/5/2002
Decreto de Criação
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20
19 CBH dos Rios Jequitaí e Pacuí
18
Ponte Nova
Frutal
CBH dos afluentes mineiros do Baixo Rio Grande
16 17 CBH do Rio Piranga
São Sebastião do Paraíso
CBH dos afluentes mineiros do Médio Rio Grande
Cidade-Sede
15
Nome do Comitê
Quadro: Comitês de Bacias Hidrográficas de Minas Gerais
112 113
** CBH não possui regimento interno.
*** Aguardando posse dos conselheiros e uma nova eleição.
Obs.: As datas acima observam o ano em que houve a regulamentação legal do CBH, e não o início dos movimentos que lhe deram origem.
Gráfico 1: Distribuição dos membros titulares por gênero – 2002 e 2011 120%
Fonte: Elaboração própria a partir de informações disponíveis em: http://comites.igam.mg.gov.br/new/index.php?option=com_content&task =view&id=410&Itemid=140.
100%
Comparando os comitês: 2002 e 2011
60%
Esta parte do texto está dividida em quatro tópicos. No primeiro, será comparado o grupo social pesquisado, a partir do survey aplicado em 2002 e em 2011, considerando o perfil dos membros titulares dos comitês e a motivação deles à participação. No segundo tópico, será discutido o conhecimento que os representantes têm do órgão do qual participam. Isto considerado, o grau de participação será abordado no terceiro tópico e, no quarto, será feita uma discussão acerca dos custos e dos benefícios da participação. A exposição desses elementos discutirá as hipóteses apresentadas anteriormente.
40%
Como era esperado, não há alterações no número de membros dos três comitês em estudo, uma vez que esta é uma exigência legal. A diferença que se observa em 2011 deve-se ao fato de que cinco representantes não foram localizados – três por estarem de férias e dois por ainda não terem sido eleitos ou indicados pela organização integrante do comitê4. 2002 Total
2011 Total
Rio das Velhas
28
28
Rio Paraopeba
36
33
Rio Piracicaba
36
34
Total
100
95
Comitês
114
Dessas pessoas, ao considerar a variável sexo, observa-se que houve ligeiro aumento do número de mulheres participantes, passando de 24, entre os integrantes dos comitês em 2002, para 29 em 2011.
Fonte: Banco de dados da pesquisa: 2002 e 2011.
80% Mas c ulino F eminino
20% 0% 2002
2011
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*A cidade-sede é itinerante e coincidirá com a cidade de sua Secretaria Executiva e/ou Presidência, que poderá contar com escritórios regionais aprovados pelo comitê. Por conseguinte, a cidade apontada corresponde à cidade-sede durante a realização da pesquisa.
Fonte: Banco de dados da pesquisa: 2002 e 2011.
Quanto à escolaridade, constatou-se que é bastante alta entre os integrantes dos comitês nos dois períodos estudados. Gráfico 2: Grau de escolaridade dos membros dos comitês – 2002 Pós-graduação
Superior completo Superior incompleto Velhas Paraopeba Piracicaba
Ensino médio completo Ensino médio incompleto Ensino fundamental completo Ensino fundamental incompleto
115 0
5 10 15 20 25
Fonte: Banco de dados da pesquisa: 2002.
Gráfico 3: Grau de escolaridade dos membros dos Comitês – 2011 Pós-graduação
Ensino superior completo Ensino superior incompleto Velhas Paraopeba Piracicaba
Ensino médio completo Ensino médio incompleto Ensino fundamental completo Ensino fundamental incompleto 0
2
4
6
8
10
12
14
16
18
20
Fonte: Banco de dados da pesquisa: 2011.
Gráfico 4: Grau de escolaridade do conjunto dos membros dos comitês – 2002 e 2011 100 90 80
Pós-graduação Superior completo Superior incompleto Ensino médio completo Ensino médio incompleto Ensino fundamental completo Ensino fundamental incompleto
70 60 50 40 30 20 10
116
0 2002
2011
Fonte: Banco de dados da pesquisa: 2002 e 2011.
Não há dúvida de que esse perfil demonstra, por um lado, maior qualificação dos membros dos comitês, mas, ao mesmo tempo, um distanciamento maior do perfil dos seus integrantes, quanto ao grau de escolaridade, da média dos brasileiros em geral. Certamente, essa tendência indica aspecto importante do próprio comitê, que é a demanda por conhecimento técnico. Tal demanda se deve, em parte, à atividade do órgão gestor, relacionada aos instrumentos de que dispõe para efetivar suas competências legais: Plano Estadual de Recursos Hídricos, Plano Diretor de Bacia Hidrográfica, sistema de informações sobre Recursos Hídricos, enquadramento dos corpos d’água em classes de usos preponderantes, cobrança pelo uso dos recursos hídricos, compensação a municípios pela exploração e restrição de uso de recursos hídricos, outorga e penalidades.
Há que se considerar, ainda, que os comitês se organizam internamente em câmaras técnicas, nas quais são apreciados os problemas da bacia, as demandas dos usuários, os projetos referentes à execução do Plano Diretor, as regras para cobrança pelo uso da água, entre outros assuntos, a partir do que as câmaras informam ao plenário do comitê acerca de cursos alternativos de ação e sugerem uma orientação quanto àquele mais adequado, tendo em vista a tomada de decisão. Essa atividade, certamente, exige, em geral, conhecimentos especializados por parte dos seus membros, muito embora elementos de natureza política estejam presentes na avaliação dos membros dessas câmaras quanto às alternativas disponíveis. Quando perguntados a respeito de qual processo teria levado à criação do comitê do qual fazem parte, ressalta-se que a percepção dos entrevistados quanto à relevância da participação da sociedade civil na criação dos comitês de bacia tem perdido acento, ganhando força a percepção de que a criação dos comitês atende a uma exigência legal. No histórico de fundação dos três comitês pesquisados, os membros do CBH do Rio das Velhas percebiam uma influência mais direta da exigência legal no processo de sua criação. Os integrantes do CBH do Rio Paraopeba identificavam a influência exercida pelo consórcio intermunicipal preexistente – Cibapar – na criação do comitê e os
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Os membros do CBH do Rio das Velhas são os que têm maior grau de escolaridade, considerando a proporção de indivíduos com pós-graduação. Contudo, nos três comitês verificou-se alto grau de escolaridade entre seus membros. Na composição de 2011, há dois movimentos interessantes quanto ao grau de escolaridade: desaparecem os indivíduos com grau menor do que o ensino médio incompleto e aumenta substantivamente a quantidade de indivíduos com pós-graduação.
117
Gráfico 5 – Opinião dos membros dos comitês sobre a motivação para a criação do órgão gestor
NS/NR
Outros Exigência da legislação 2011 2002
Financiamento de obras Por iniciativa da sociedade civil Consórcio preexistente 0 20 40 60 80 100 Fonte: Banco de dados da pesquisa: 2002 e 2011.
De fato, o processo gradativo de institucionalização dos CBHs confere a esses organismos maior estabilidade, característica própria das instituições (PETERS, 2003), relacionada à prevalência das regras e dos recursos da instituição sobre as personalidades ou idiossincrasias dos seus membros, ou mesmo da capacidade de mobilização de organizações sociais em geral.
118
Levando-se em conta que os comitês são órgãos previstos na política de recursos hídricos, mesmo considerando a exigência de participação de organizações sociais em sua constituição, esse processo pode prescindir de uma mobilização social para acontecer. Tal tendência pode significar, por um lado, a burocratização dos comitês e, por outro, o arrefecimento dos movimentos ambientalistas. Considerando a dinâmica das instituições, esse processo é esperado. A questão relevante é se a gradativa formalização do comitê como organismo gestor dos recursos hídricos di-
ficulta ou, no limite, impede a participação da sociedade ou a torna mais uma rotina, entre as demais rotinas da vida dos comitês.
Os entrevistados também opinaram sobre os principais problemas ambientais da região de abrangência da bacia hidrográfica onde atuam os comitês nos quais participam. Os comitês foram criados para gerir as águas e buscar soluções para os problemas da bacia, tendo em vista tanto a preservação da qualidade das águas quanto a observância dos direitos dos usuários. Assim, o principal problema identificado pelos entrevistados ainda é a poluição dos rios, embora fosse mais fortemente percebido pelos membros dos comitês em 2002: 64 entrevistados à época consideravam a poluição o principal problema das águas da bacia. Por outro lado, entre os atuais membros dos comitês estudados, 45 consideram que a poluição é o problema central. Perguntados sobre quais seriam as principais atribuições dos CBHs, as respostas dadas pelos entrevistados em 2002 e em 2011 também apresentam diferenças interessantes.
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integrantes do CBH do Rio Piracicaba afirmavam que o comitê foi fruto da mobilização da sociedade civil (SOUZA, 2003). Assim, verifica-se uma mudança na percepção quanto ao fator que informa e legitima a existência dos CBHs.
Gráfico 6 – Opinião dos entrevistados sobre as atribuições dos comitês: 2002 e 2011
119 Fonte: Banco de dados da pesquisa: 2002 e 2011.
Quando perguntados sobre qual é a regra decisória adotada pelo comitê, os entrevistados em 2011 também apresentam diferenças de opinião em relação aos respondentes de 2002. Certamente, a regra decisória do CBH, prevista no decreto de sua criação, é maioria simples para a deliberação sobre questões normais dos CBHs e maioria qualificada para alterações na composição e em outros aspectos normativos do órgão.
Isto considerado, de acordo com os dados coletados, não fica claro se os entrevistados estão expressando a regra que é efetivamente praticada ou a regra formalmente prevista. Assim, 21 entrevistados em 2002 admitiam a unanimidade como a regra decisória do comitê e apenas um dos entrevistados em 2011 concordava com essa percepção. Fica, por ora, a pergunta: se os CBHs têm deixado gradativamente de funcionar como comitês conforme o conceitua Sartori (1994), ou se os entrevistados apenas expressam maior conhecimento das normas que regem tais órgãos?
120
Em 2002, os três comitês estudados eram recentes e muitos dos seus fundadores ainda eram membros titulares. Entre os integrantes atuais, parece bastante reduzido o número daqueles que participaram desde os primórdios da constituição dos comitês. Essa dinâmica é normal: não apenas há rotatividade entre as organizações que constituem o comitê, como também há rotatividade entre os indivíduos que representam tais organizações. Verifica-se, desse modo, uma renovação no quadro de representantes.
Tabela 2 – Tempo de participação – Comitês dos Rios das Velhas, Paraopeba e Piracicaba 2002
Velhas
Paraopeba
Piracicaba
Total
Desde que iniciou o debate para criação do comitê
Tempo no comitê
10
19
17
46
Desde o começo do funcionamento do comitê
11
7
9
27
Quando o comitê já estava formado e atuando há algum tempo
7
10
10
27
Nunca havia participado
0
0
0
0
Total
28
36
36
100
Fonte: Banco de dados da pesquisa: 2002.
Em 2002 a maior parte dos membros dos CBHs teve alguma participação no início do processo, seja como cofundador do comitê, seja aderindo ao órgão em momento imediatamente posterior à sua fundação. Assim, 47 entrevistados disseram ter participado do processo de criação dos comitês pesquisados e 27 deles afirmaram ter iniciado sua participação desde o início de funcionamento dos comitês.
Cadernos da Escola do Legislativo – Volume 15 | Número 23 | jan/jun 2013
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Na percepção dos entrevistados, a proposição de planos e programas para a utilização dos recursos hídricos permanece a atribuição principal; é importante observar a redução do número de respondentes que consideravam a decisão sobre conflitos como atividade importante, o que pode indicar a consolidação do comitê e o grau de formalização de suas regras para dirimir conflitos existentes. Esse elemento pode ser um indicador da efetividade do comitê para lidar com conflitos no âmbito da bacia hidrográfica, muito embora se reconheça que os dados do survey não são suficientes para sustentar afirmações nesse sentido.
Essas informações possibilitaram a compreensão da dinâmica da interação nos comitês, pois se entende que o desenho institucional favorece a cooperação vis-à-vis o interesse particular, e o tempo e a iteratividade favorecem a adoção da alternativa da cooperação (TSEBELIS, 1998). Tabela 3 – Tempo de Participação – Comitês dos Rios das Velhas, Paraopeba e Piracicaba 2011
Tempo no comitê
Velhas
Paraopeba
Piracicaba
Total
Desde que iniciou o debate para criação do comitê
6
5
4
15
Desde o começo do funcionamento do comitê
4
3
1
8 continua...
121
Quando o comitê já estava formado e atuando há algum tempo
8
7
8
23
Nunca havia participado
10
18
21
49
Total
28
33
34
95
Fonte: Banco de dados da pesquisa: 2011.
Entre os entrevistados em 2011, o maior número de membros sem participação anterior está nos Comitês do Rio Paraopeba (18 representantes) e do Rio Piracicaba (21 representantes). Certamente, esses números indicam renovação dos quadros referentes à área ambiental, o que pode ser uma informação muito positiva se vista por esse prisma. Perde-se, porém, algo da memória histórica dos comitês, o que não deixa de ser também relevante para os objetivos desta pesquisa.
É interessante notar que, apesar da recente inserção da maioria dos entrevistados como membros dos comitês em estudo, a participação deles revela-se mais intensa do que a dos integrantes dos comitês em 2002, se forem consideradas as alternativas “participa de todas as atividades” e “participa de quase todas as atividades”, incluídas no questionário respondido pelos entrevistados. É importante notar, também, a ausência, entre os respondentes de 2011, de membros que “não participam” das atividades dos comitês. Gráfico 8 – Assiduidade dos entrevistados nas atividades do órgão gestor – CBH Velhas, CBH Paraopeba e CBH Piracicaba – 2002 e 2011
Assim, apenas 15 representantes entrevistados em 2011 afirmam ter participado desde o início dos debates para a criação do CBH. Registram-se 31 representantes que têm um grau maior de participação e 49 que afirmam não ter participação anterior, o que pode ser uma razão plausível para se explicar uma visão mais técnica e a perda das referências do “momento da fundação” como um ato de criação do novo (ARENDT, 1997). Gráfico 7 – Tempo de participação nos comitês – 2002 e 2011
122 Fonte: Banco de dados da pesquisa: 2002 e 2011.
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...continuação
Fonte: Banco de dados da pesquisa: 2002 e 2011.
Apesar do grande número de novos integrantes, verifica-se, portanto, uma intensificação da participação nas atividades dos comitês pesquisados, o que sugere dinamismo do órgão no que se refere aos debates que lá ocorrem. Considerando que o tema mais polêmico entre os assuntos em pauta nos comitês é o da cobrança pelo uso das águas, que suscitava manifestação de conflitos entre os usuários (SOUZA, 2003), e, ainda, que esse tema ainda não estava efetivamente na pauta dos comitês em 2002, possivelmente a participação mais intensa de um maior número de membros dos CBHs pode se relacionar ao fato de que a cobrança é tema atual e muito importante. Neste caso, pode-se sugerir que a participação está associada à expectativa de se evitar ou reduzir riscos de decisões coletivizadas (SARTORI, 1994).
123
`
Nota: No survey de 2002, como houve 14 integrantes que não participavam de nenhuma atividade do comitê, o universo dos respondentes foi ajustado para 86 indivíduos. Fonte: Banco de dados da pesquisa: 2002 e 2011.
Nos três comitês pesquisados, ampliou-se a intensidade da participação dos membros nas reuniões. São raros os que afirmam não se envolverem nos debates. Entende-se que a consolidação dos comitês como órgãos gestores das águas favorece essa intensidade e que, possivelmente, a intensidade da participação gera maiores oportunidades para o aprendizado, redundando em disposição à cooperação.
124
Pode-se afirmar que é consequência da intensa participação dos integrantes na dinâmica dos comitês a propensão a negociar, tendo em vista a construção de acordos. Claramente, tal tendência revela propensão à busca do consenso, e não a tomada de decisão pelo voto, utilizando a regra decisória regulamentar, que é a de maioria simples. Essas informações podem esclarecer a questão da regra decisória: os entrevistados possivelmente aludiram à regra prevista no regimento, mas a prática da tomada de decisão funciona pelo consenso.
Assim, 69 representantes entrevistados no survey de 2002 afirmaram que prefeririam adiar a decisão, propondo mais tempo para discutir os assuntos polêmicos, no intuito de se obter um acordo. Esse número sobe para 89, entre os 95 respondentes do survey de 2011. É praticamente unanimidade entre os membros titulares dos três comitês pesquisados que a decisão deve ser precedida da construção de consenso em torno das questões polêmicas, o que pode ser um interessante indicador de como se processa a tomada de decisão internamente ao órgão.
Considerando a intensa participação dos membros dos comitês pesquisados, o custo associado a ela é percebido pelos entrevistados, tanto entre aqueles ouvidos em 2002 quanto entre os ouvidos em 2011. A percepção do custo da participação está relacionada ao tempo gasto nas reuniões e aos custos financeiros – em alguns casos, viagem e alimentação nos períodos de reunião. Entre os entrevistados em 2002, 56 admitiram ter custos de participação e, entre estes, 15 identificavam os dispêndios financeiros e 23, o dispêndio de tempo com os custos mais relevantes. Entre os 95 entrevistados em 2011, todos consideravam haver custos na participação, e o dispêndio de tempo é o principal custo para 61 deles. Embora os representantes não sejam remunerados por sua atuação, parte dos dispêndios financeiros é paga com recursos do comitê, pelo menos naqueles casos em que a Agência de Bacia já está em funcionamento. Resta, assim, o tempo dispendido pelos participantes, não somente aquele devotado às reuniões, mas também o tempo consumido nas atividades das câmaras técnicas do CBH e que exigem, muitas vezes, estudo e investimento intelectual na elaboração de parecer técnico sobre temas da competência do comitê. Considerando os dilemas de ação coletiva, a percepção de que a participação é onerosa dificulta o entendimento de por que os integrantes dos comitês pesquisados mantêm intensa participação na vida do órgão. Isto pode ser mais bem compreendido quando se analisa o que os entrevistados consideram como benefícios, levando-se em conta a ponderação, já feita, sobre os riscos da não participação em decisões coletivizadas.
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Gráfico 9 – Intensidade da participação dos entrevistados nos comitês – 2002 e 2011
125
2002
Principais benefícios
Velhas
Paraopeba
Piracicaba
Total
Aprimorar conhecimento e ampliar experiência
6
8
11
25
Interação com outros setores
2
1
1
4
Pela cidadania
7
7
5
19
Tentar mudar a maneira de utilizar os recursos hídricos e cuidar do meio ambiente
3
6
3
12
Outros
6
5
8
19
NS/NR
2
0
1
3
Total
26
27
29
82
Fonte: Banco de dados da pesquisa: 2002.
Tabela 5 – Benefícios da participação – 2011 2011
Principais benefícios
Velhas
Paraopeba
Piracicaba
Total
Aprimorar conhecimento e ampliar experiência
15
21
20
56
Interação com outros setores
2
4
4
10
Pela cidadania
4
2
2
8
Tentar mudar a maneira de utilizar os recursos hídricos e cuidar do meio ambiente
6
6
3
14
Outros
0
0
2
2
NS/NR
0
0
1
1
Total
26
33
32
91
Fonte: Banco de Dados da Pesquisa: 2011
126
Verifica-se uma diferença bastante clara entre os dois grupos de entrevistados: entre os indivíduos que compunham os comitês pesquisados em 2002, havia certo equilíbrio entre o benefício da cidadania (19 respondentes) e do aprimoramento do conhecimento e ampliação da experiência (25 entrevistados). Entre
os atuais componentes dos mesmos comitês, 56 percebem a agregação de conhecimentos como o principal benefício da sua participação, sendo que a cidadania é percebida como benefício por apenas oito dos entrevistados. Parece se consolidar o caráter técnico do comitê e se expressar um ganho individual, embora intangível – aprimoramento do conhecimento –, mas que, em tese, poderá ser útil para a coletividade, se for considerado que o próprio comitê demanda conhecimento por parte dos seus membros e que suas decisões dependem também de conhecimento técnico para serem produzidas.
Perguntados sobre se os CBHs são uma resposta adequada à gestão das águas em Minas Gerais, verifica-se quase uma unanimidade entre os seus integrantes: em 2002, 83 entrevistados consideravam que a resposta CBH é adequada para a gestão das águas no Estado; em 2011, 87 entrevistados tiveram a mesma opinião. E a principal razão que justificaria essa adequação seria, para 44 dos representantes nos comitês em 2002, o fato de o comitê agregar segmentos da sociedade portadores de interesses diversos quanto ao uso dos recursos hídricos. Já para 46 dos entrevistados em 2011, a razão alegada é o fato de o comitê ser um órgão deliberativo, democrático e participativo. Tanto para os entrevistados em 2002 quanto para os entrevistados em 2011, a participação é fundamental na avaliação que fazem da adequação dos CBHs como resposta adequada à gestão das águas em Minas Gerais.
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Tabela 4 – Benefícios da participação – 2002
Considerações finais As conclusões da pesquisa realizada sobre os Comitês de Bacias Hidrográficas em Minas Gerais são, principalmente:
1. Desde 2002, houve um significativo desenvolvimento institucional relativo à gestão das águas em Minas, com a adoção de uma tecnologia de gestão expressa pela constituição de um tipo de organização híbrida (ELSTER, 1986), os Comitês de Bacias Hidrográficas. 2. Esse desenvolvimento se ampara em um conjunto altamente sofisticado de normas legais e em diretrizes para a atuação
127
3. Verificou-se que esse desenvolvimento tem propiciado condições institucionais favoráveis ao estabelecimento de práticas cooperativas entre os segmentos sociais que constituem os órgãos colegiados estudados. Tal evidência já havia sido identificada em 2002, quando se concluiu que os CBHs são um formato institucional que propicia a produção da cooperação, por serem um tipo de instituição eficiente (TSEBELIS, 1998) que atende aos elementos conceituais de um comitê (SARTORI, 1994), e abrigarem atores portadores de racionalidades distintas – os “elitistas”, “os kantianos de todo dia” e os “coletivistas”, fundamentais para a adoção da cooperação como forma de atuação no interior do órgão (ORENSTEIN, 1998).
Muito embora não se tenha buscado localizar esses atores nos comitês atuais, não se descarta a presença deles, uma vez que os “kantianos de todo dia” são caracterizados por sua atuação não instrumental, que não tem por objetivo os ganhos privados ou mesmo imediatos. O que fica evidenciado, atualmente, é a robustez institucional, com a produção de um ambiente pautado por um padrão democrático de interação. Assim, mesmo considerando a pouca experiência dos membros atuais em gestão de bacia hidrográfica, a participação é intensa, há produção e difusão de conhecimento técnico e benefícios imateriais identificados claramente pelos entrevistados: a prática da cidadania, a possibilidade de participar de processos deliberativos e o conhecimento que se adquire ao participar. 4. Pode-se, também, afirmar que o desenvolvimento institucional verificado e o amadurecimento obtido pelos Comitês de Bacias Hidrográficas têm permitido e favorecido a implementação do modelo de gestão participativa, integrada e descentralizada, no que se refere às suas normas.
5. Os entrevistados são praticamente unânimes em considerar que os CBHs são adequados para a gestão das águas, preservando e aprofundando a cooperação no interior dos comitês pesquisados.
Notas 1
2
3
4
Este artigo foi elaborado com base em pesquisa realizada com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ), instituições que agradecemos pelo apoio. Colaboraram como bolsistas na pesquisa: Joyce Gesuilo Gonçalves, Érika Heyden Neves e Maiara de Aquino Venceslau. Common pool resources: bens caracterizados por serem de difícil exclusão de usuários e de alta rivalidade quanto ao seu uso. Para mais detalhes ver: Buck, 1998, e Ostrom, 1999.
No survey realizado em 2011, dois representantes titulares ou suplentes do CBH Piracicaba não foram substituídos após a finalização de seus mandatos, e três representantes do CBH Paraopeba não estavam disponíveis para responder ao questionário.
Os comitês são compostos de organizações públicas, privadas ou de economia mista. As organizações é que designam a pessoa que a representará no comitê. O representante tem um mandato em nome da organização à qual pertence. As entrevistas foram feitas com o representante, e não com a organização da qual ele faz parte.
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desses órgãos colegiados, que incluem metodologias para a sua constituição, instrumentos de gestão e planos de atuação.
129
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131
5
Guilherme Andrade Silveira Estudiante de la Carrera de Gestión Pública en la Universidad Federal de Minas Gerais. Trabajo Final de la materia de Política Latinoamericana – Cátedra Toer, de la Universidad de Buenos Aires, hecho durante la participación del autor en el Programa de Intercambio Académico Escala Estudiantil en el primer semestre de 2012.
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De la ruptura a la convergencia: análises de la transición de los gobiernos neoliberales y el giro a la izquierda en Argentina y Brasil
Resumen: Para muchos, los países de América Latina parecen estar inmersos en el océano, moviéndose por medio del balance del agua. El artículo pretende ir más allá de la idea de giro general a la izquierda y discutir, específicamente, qué factores influenciaran para que conformase una crisis del proyecto neoliberal en Argentina y Brasil y el ascenso de Kirchner y Lula. Los hechos que ocurrieran a lo largo de las últimas décadas criaran condiciones diferentes para los cambios y, por su vez, estos tuvieran profundidades y características muy distintas. Palabras-clave: Neoliberalismo. Izquierda. Latinoamérica. Argentina. Brasil. Resumo: Para muitos, os países da América Latina parecem estar imersos em um oceano, movendo-se por meio do balançar da água. Este artigo pretende ir além da ideia de giro geral à esquerda e discutir, especificamente, que fatores influenciaram a formação de uma crise do projeto neoliberal na Argentina e no Brasil e a ascensão de Kirchner e Lula. Os feitos que ocorreram ao longo das últimas décadas criaram condições diferentes para as mudanças e, por sua vez, estas tiveram profundidades e características muito distintas. Palavras-chave: Neoliberalismo. Esquerda. América Latina. Argentina. Brasil.
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Keywords: Neoliberalism. Left. Latin America. Argentina. Brazil.
Introducción A fines de la década de 1980, dominaba en América Latina la idea de que era preciso superar el modelo económico del pasado, basado en la intervención estatal y en el progresivo aumento del gasto público. Los gobiernos neoliberales, que hicieran frente a la difícil situación económica y social que estos países enfrentaran, no fueron capaces de dar respuestas a los nuevos problemas generados y la región, en el comienzo del siglo XXI, pasa por un nuevo giro, ahora direccionado al retorno del papel del Estado en la economía y en la distribución de los recursos.
Este artículo pretende ir más allá de los análisis regionales y discutir, específicamente, qué factores influyeron para que se conformase una crisis de las administraciones de Fernando de la Rúa, en Argentina, y de Fernando Henrique Cardoso, en Brasil, y el ascenso de los gobiernos de Néstor Carlos Kirchner y Luiz Inácio Lula da Silva.
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Si por un lado, podremos percibir grandes similitudes en los procesos que llevaran al ascenso de la nueva izquierda, el análisis desarrollado en el texto demuestra que, mismo anclados en causas y procesos comunes, los hechos que ocurrieran en los dos países a lo largo de las últimas décadas criaran condiciones diferentes para los cambios y, a su vez, estos tuvieran profundidades y características que no pueden ser descalificadas.
El artículo pretende describir los proyectos neoliberales desplegados en Argentina y Brasil y así dibujar el clima de la época que permitió la transición de esos gobiernos y la implementación de
proyectos más progresistas, marcando los aspectos más singulares e importantes de ambas transiciones.
Más allá de la generalización Como una ola, los países latinoamericanos, mismo gobernados por partidos y líderes ideológicamente no alineados con estas políticas, empezaron a desarrollar una serie de cambios en el seno de las políticas orientadas al mercado. Muchas suelen ser las explicaciones para el viraje general hacia el reformismo. Sin embargo, como ha señalado Lopes, “mesmo os que focalizam preferencialmente os aspectos domésticos da política latinoamericana para explicar as reformas neoliberais não escapam de um olhar internacionalista” (LOPES, 2007: 627). El poder de coerción de organismos multilaterales, como el Fondo Monetario Internacional – FMI y el Banco Mundial, y la reproducción “mimética” del caso exitoso de los Estados Unidos, evidenciado por la inserción periférica de los países de la Región, con recursos asimétricos, mismo reconociendo la relevancia de cada Estado, son condicionantes internacionales que contribuyeron fuertemente para la conformación de las políticas neoliberales a finales del siglo XX (LOPES, 2007). Para Mocca, “la preocupación principal estaba centrada en cómo administrar políticamente las demandas reformistas neoliberales, que se consideraban un proceso necesario e ineluctable” (MOCCA, 2008: 128), haciendo referencia a las políticas de apertura económica, liberalización y privatización que llevaran a cabo eses gobiernos.
Sin embargo, América Latina estaba frente nuevamente a una situación de crisis, evidenciado por un estancamiento de la economía y una grave condición social. “Al combinarse con una modernización fragmentada y un bajo crecimiento económico, esta agenda prolongó la pobreza, aceleró las desigualdades y desmanteló las estructuras de asistencia social” (RAMÍREZ GALLEGOS, 2006: 33). A fines de la década de 1990, se planteaba la vulnerabilidad del modelo económico a los choques financieros externos y la importancia del Estado para el buen funcionamiento del mercado (PARAMIO, 2006). Con el general sentimiento de
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Abstract: For many, Latin American countries appear to be immersed in the ocean, moving according to the tides. This article seeks to go beyond the idea of a “full turn to the left” to discuss, specifically, which factors influenced the formation of the neoliberalism crisis in Argentina and Brazil, and the rise of Kirchner and Lula. The events that occurred over the past decades have created different conditions for changes and, in turn, have had very different characteristics and depths.
137
Tras esa difícil situación, la Región vivió en los primeros años del nuevo siglo una convergencia hacia el progresismo: “giro a la izquierda” es el nombre del movimiento de proliferación de gobiernos de partidos ubicados en la izquierda del espectro ideológico, que han cambiado el panorama de América Latina. El ascenso de eses gobiernos, que tienen su estallido en la crisis económica y política en Argentina, en 2001, y la elección de Lula a la Presidencia de Brasil, en 2002 (PARAMIO, 2006), es caracterizada por la participación electoral, sobre todo, de los sectores pobres y medios de cada país y por una alta heterogeneidad en la agenda programática y en la composición organizativa e histórica de los partidos (RAMÍREZ GALLEGOS, 2006). Sin embargo, y aun con esas especificidades, el paisaje regional tiene rasgos comunes: el regreso del Estado y de la política al centro de una escena antes ideológicamente ocupada por la lógica del mercado y del individuo calculador de costos y beneficios personales; la centralidad de la agenda de la igualdad y la lucha contra la pobreza; la emergencia de nuevos actores sociales y nuevas prácticas políticas; la crisis – fuertemente desigual entre los diferentes países – de los partidos políticos tradicionales y el desarrollo de una nueva oleada de movilización y conflictividad social parecen ser algunos de esos rasgos (MOCCA, 2008: 128)
138
Mientras la inédita situación política vivida, en que pese al suceso de los medios democráticos, por los cuales los gobiernos de izquierda se sostienen, ellos lograran una fórmula que ha cambiado el cuadro general que tenía la Región. El crecimiento de la economía, acompañado de un equilibrio macroeconómico sin precedentes. A esto se suma el aumento del nivel de empleo y la reducción de la desigualdad y de la pobreza, junto a la aplicación de políticas públicas en la salud, educación, vivienda y saneamiento, además de los programas de transferencias de renta (GARCIA, 2008).
En general, la literatura reconoce la existencia de más de una “izquierda” en el Continente. Las interpretaciones más conocidas, califican los nuevos gobiernos según tipos ideales. Para Paramio, los gobiernos de Argentina, Bolivia y Venezuela pueden ser clasificados como populistas, sobre todo porque sostienen el discurso de verdaderos representantes de los intereses populares, pidiéndole el máximo respaldo de su población (PARAMIO, 2006). Por otro lado, Garcia establece similitudes entre los cambios vividos por los países del Cono Sur, en el que observa un crecimiento de la economía, seguido de mejoras en los indicadores sociales, y de los países andinos, con economías primarizadas, basadas en los recursos energéticos, en que los cambios remplazan la elite por un gobierno con fuertes componentes étnicos de sus pueblos originarios (GARCIA, 2008).
Aunque la agrupación que hacen estos autores sea importante al construir un esquema analítico, que permite distinguir los casos, para comprender mejor el giro a la izquierda en América Latina es preciso “explorar los particulares contextos de su emergencia, los bloques de poder sobre los que se apoyan y los márgenes de maniobra que dejan las herencias institucionales forjadas en el largo período neoliberal” (RAMÍREZ GALLEGOS, 2006: 32). Para Mocca, esa calificación debe ser puesta en cuestión:
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abandono de la población, la indiferencia hacia las instituciones políticas y una fuerte crisis del Estado, se desmanteló el “Consenso de Washington”, marcando el fin de la era de las reformas neoliberales en los países latinoamericanos.
El nuevo escenario político latinoamericano es complejo, heterogéneo y cambiante. Su tendencia general es promisoria, en la medida en que ha devuelto al territorio de la política un conjunto de temas que habían sido naturalizados y sometidos a la lógica del pensamiento único neoliberal. […] En esas condiciones, no es aconsejable la utilización de herramientas analíticas más cercanas a la descalificación política que a una intelección profunda de los procesos en curso (MOCCA, 2008: 131).
En ese sentido, el texto pretende examinar los giros que ocurrieron en Argentina y Brasil y caminar más allá de las distinciones hechas basadas en los rasgos generales, examinando las causas, los actores y los factores fundamentales para la comprensión de los cambios de los dos países.
139
Para entender lo que se pasó en Argentina y Brasil en los años 2000, tenemos que regresar un poco en la historia de esos dos países, en un intento de recomponer las piezas que, juntas, conformaran las crisis que, en mayor o menor grado, ellos vivieron. En Argentina, la trayectoria que culminó en el ascenso de la izquierda en el poder tiene sus raíces en su última dictadura militar, en los años de 1976-1983, con la aplicación de un modelo económico que “debilitó al sector industrial (volviendo de alguna manera a un perfil agro exportador) y consolidó el predominio del sector financiero. Abrió la economía, y comenzó el creciente endeudamiento externo” (PÍREZ, 2002: 456). Los militares rompían con la alianza de los sindicatos e industriales, orientadas hacia al mercado interno, heredada del Peronismo, y aplicaban elementos aislados del modelo del “Consenso de Washington” (HALDENWANG, 2002).
Sin embargo, mientras la transición democrática y el gobierno de Raúl Alfonsín (1983-1989), no se hace grandes cambios en el modelo desarrollado por las Fuerzas Armadas y, sobre la presión del Banco Mundial y del FMI, que cortaran el financiamiento en el cual se sostenía el Plan Austral, el presidente estaba inerte frente una inflación galopante y la devaluación de la moneda en relación al dólar, en el que Campos (2009) nombra de “golpe de mercado”. Una serie de protestas fueran puestas en marcha en los principales centros urbanos de Argentina, con una “población atomizada que utilizaba diferentes estrategias individuales de supervivencia” (CAMPOS, 2009: 102).
140
En 1989, el mundo estaba delante de la quiebra del comunismo, con la simbólica caída del Muro de Berlín, y la crisis de los Estados de Bienestar europeos, que resultaran en un nuevo clima de época basado en la liberalización, en la libertad individual y en la globalización. En Argentina, comenzaba un período de diez años gobernados por Carlos Menem (1989-1999). “Los sectores más progresistas del peronismo tenían que dar cuenta del hecho notable de que era un gobierno peronista el que ponía
en marcha un proceso de transformaciones raigales en clave neoconservadora” (MOCCA, 2008: 134).
La adopción de las políticas del “Consenso de Washington” está en el seno de la administración de Menem, y “la apertura indiscriminada del mercado argentino al capital extranjero se correspondió con una nueva manera de vincularse con Estados Unidos en las llamadas ‘relaciones carnales’” (CAMPOS, 2009: 105). Se abría la década de los “superministros”, que tenían mayor concentración de poder que el propio presidente y representaban el nexo entre la Argentina, las empresas transnacionales y los organismos globales de crédito (CAMPOS, 2009). Así, para salir del contexto hiperinflacionario, llevaron a cabo el Plan de Convertibilidad y una reforma del Estado, sostenida en la “desregulación de las actividades económicas y la privatización de las empresas públicas, así como de algunas funciones cumplidas por aparatos estatales” (PÍREZ, 2002: 457). El cerramiento o privatización de las empresas perjudicaban la clase obrera y parte del funcionalismo público. A su vez, el Plan Brady, para la restructuración de deuda externa, inauguró “un nuevo ciclo de dependencia financiera con organismos multilaterales de crédito como FMI o el Banco Interamericano de Desarrollo (BID)” (CAMPOS, 2009: 106).
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Breve recurrido del neoliberalismo en Argentina y Brasil
Pírez bien sintetiza los efectos de las nuevas políticas para Argentina:
En los primeros años de la década de los ‘90 el producto creció en forma considerable, pero también lo hizo el desempleo y por ende empeoraran las condiciones de los sectores populares. A partir de mediados de esa década el crecimiento se detuvo y hacia el final la economía estaba en recesión (PÍREZ, 2002: 458).
Otros fueron los efectos del neoliberalismo menemista: concentración económica en las empresas monopólicas nacionales o extranjeras; colapso de las economías regionales protegidas por el Estado; aumento de la corrupción por la intermediación estatal en las ventas de activos públicos o en las inversiones extranjeras; pérdida inédita del salario real; retirada del Estado
141
En Brasil, a su vez, el neoliberalismo se hace presente desde el gobierno de Fernando Collor de Mello, entre 1990 y 1992, y, después de su proceso de impeachment, de su vice-presidente, Itamar Franco, entre 1992 y 1995, y de Fernando Henrique Cardoso, en dos mandatos: 1995-1998 y 1999-2002. Estos presidentes tenían en las manos la recién otorgada Constitución Federal de 1988, nombrada por el presidente de la Asamblea Constituyente de “Constitución Ciudadana”, con rasgos que se puede entender como un choque a la tendencia neoliberal. Llevar a cabo las políticas neoliberales fue, para FHC, algo aún más costoso, pues tenía que dar cuenta de la imagen generada por los escándalos de corrupción de Collor de Mello y la fuerte convulsión popular que el facto trajo.
El sociólogo y ex-ministro de la Hacienda de Itamar Franco logró obtener la estabilidad de la moneda brasileña, por medio de la aplicación del Plan Real, combinado con la apertura económica y una política cambiaria volcada a la atracción de capitales extranjeros, con la particularidad de tener la tasa de interés real más alta del mundo (SADER, 2002; SADER, 2004; SADER 2004), “apertura abrupta de la economía, privatizaciones enfocadas en las empresas estatales, desregulación, retiro del Estado de la economía, promoción del mercado como eje central de las relaciones económicas, criminalización de los movimientos sociales, descrédito de los funcionarios públicos, retracción de las funciones sociales del Estado” (SADER, 2009: 27). Mismo contando con mayoría parlamentaria en ambos gobiernos, FHC hizo gran parte de sus políticas por medio de las medidas provisorias. 142
La adopción tardía de las políticas neoliberales y las dificultades de atraer investimentos (sobre todo por el decreto de moratoria, en 1987, que elevó el “Costo Brasil”) son dos variables importantes. Si hasta su reelección, FHC parecía sostener buenos
avances en la economía, en su segundo gobierno se evidenciaron los malos resultados. “Embora durante o primeiro governo Cardoso a sobrevalorização do câmbio e as altas taxas de juros tenham produzido estabilidade monetária, também conduziram a economia brasileira a um desequilíbrio externo bastante sério” (SALLUM, JR., 2003: 45/46). Brasil había captado una gran cantidad de capital especulativo, promoviendo una financiarización del Estado, que vivió en función del pago de los intereses de sus deudas (SADER, 2004). El fuerte endeudamiento del sector público fue otro resultado catastrófico para el presidente y el discurso de su Partido de la Socialdemocracia Brasileña – PSDB. Para Sader, “al debilitar la capacidad regulatoria del Estado, terminó fragilizando el otro lado de ese Estado – el de la extensión de los derechos de ciudadanía mediante la extensión de la cartera de trabajo y del contrato formal, con sus derechos y deberes” (SADER, 2004). Así, la administración de FHC es provocó la precarización del mundo del trabajo, profundizando, también, la escisión de la clase media.
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de áreas sensibles, como educación y salud; endeudamiento del servicio público, entre otros (CAMPOS, 2009; PÍREZ, 2002). Este círculo vicioso parece ser la amalgama de la política argentina de los ‘90.
Para Sallum Jr., “embora o governo tenha adotado algumas políticas compensatórias para proteger a economia doméstica, sua orientação macroeconômica básica foi mantida até a crise cambial de janeiro de 1999” (SALLUM JR., 2003: 46). El modelo brasileño de FHC vía (?) su fragilidad frente a las circunstancias económicas internacionales. La dependencia financiera había generado gran endeudamiento del Estado y, después de enfrentar la Crisis Mexicana (1994), se quedó rehén de los ataques especulativos, resultado también de la crisis financiera asiática (1997) y de la moratoria rusa (1998) (SALLUM JR, 2003). El gobierno de FHC fue marcado también por la privatización de empresas estales, desplazamiento de parte de la prestación directa de servicios públicos a organismos particulares y por la creación de agencias reguladoras, lo que permitió la expansión del control de la actividad económica.
Si el gobierno logró, por un lado, mantener la estabilidad económica, las altas tasas de desempleo eran un costo bastante alto
143
Fuente: Hochstetler (2007: 12)
Las políticas económicas de estos presidentes y sus consignas sociales son fundamentales a la hora de entender el cambio general hacia la izquierda. La introducción del neoliberalismo, el descaso con los sectores populares y trabajadores y las fallas políticas que tuvieran están en el seno de sus propias derrocadas.
“Que se vayan todos”
A fines de los años ‘90 y comienzo de los 2000, las administraciones neoliberales, la difícil situación económica y social y los escándalos de corrupción, había difundido en América Latina un sentimiento de incredulidad en la política para obtener respuesta a sus demandas. Una idea común era la de que “los políticos son todos iguales”, asociadas, sin embargo, a la noción de que todos ellos eran corruptos. Para Pousadela, “crisis [de representación] hace referencia a la falla del lazo representativo por ausencia de reconocimiento de ese vínculo por parte de los representados” (POUSADELA, 2004: 129). En las líneas siguientes, pretendemos exponer como se conformaron las crisis de los dos países y demonstrar cuál fue su profundidad y de qué manera esto se reflejó en el ambiente político y social de la época.
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Impeachment y renunció Contestado y completó Contestado y completó
Sí Sí Sí Sí Sí Sí
Sí No No
Renunció Completó Completó Renunció
1990/1992 1995/1999 1999/2002
Políticas Neoliberales
No Sí Sí Sí No No Sí No Sí Sí Sí Sí 1983/1989 1989/1995 1995/1999 1999/2001
Brasil Collor FHC FHC
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País/ Presidente
Fecha del Mandato
Minoría Escándalos Parlamentar Relacionados
Argentina Alfonsín Menem Menem De la Rúa
Fin del Mandato
El cuadro de las sucesiones presidenciales del período que estamos analizando, se configuró de manera diferente, por lo tanto, en los dos países:
Tabela 1 – Destinos de los presidentes argentinos y brasileños – 1983-2001
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a ser pagado. El gobierno de FHC, mientras había consolidado el consenso neoliberal en el país en su primer mandato, hizo importantes cambios en la relación Estado/economía y dejó importantes legados para su sucesor, Lula.
Aunque el Plan de Convertibilidad de Menem garantizó estabilidad económica para Argentina, el panorama político evidenciaba un Estado deteriorado, con prolongada recesión y una población carente de la oferta de servicios públicos. La ubicación de Menem por las espaldas de la bandera del peronismo, contuvo, así mismo, las manifestaciones populares (GALAFASSI, 2002). Para Ansaldi, “la década de 1990, signada por todas las taras asignadas al menemismo, exacerbó el descrédito de los partidos y los políticos y puso en cuestión la representatividad de unos y otros. En particular, los políticos y el funcionamiento de la política quedaron asociados con la corrupción” (ANSALDI, 2007: 442). Es en este contexto, en 1999, asume la Alianza, con el conservador Fernando de la Rúa, de la UCR, a la cabeza, mostrándose más fuerte que los propios objetivos iniciales de combatir el modelo neoliberal. La parálisis en la toma de decisiones caracterizó la gestión del radical, lo que permitió el avance de la concentración
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Caballo, Ministro de Hacienda de Menem, asume después de la renuncia del ministro Machinea, y profundiza aún más la ortodoxia del Estado argentino. A fines de 2001, se sucedió el derrumbe de la convertibilidad y la quiebra general de los contratos públicos internos y externos. “No era la crisis de un gobierno: el propio régimen político y hasta la supervivencia de la comunidad política estuvieron en entredicho en aquellos días” (MOCCA, 2008: 136). La respuesta estaba en la calle, con la activación de la sociedad, que incluyó saqueos a supermercados y al comercio de alimentos. Después del decreto de Estado de Sitio, en diciembre de 2001, la población inauguró el “cacerolazo” e hizo gran movilización con el grito “que se vayan todos”, un rechazo a todos los políticos sin distinción. Con la quita del apoyo del Partido Peronista (GALAFASSI, 2002) y frente la proporción que tomara las protestas, De la Rúa renuncia a su cargo. La presidencia pasa por un gran período de inestabilidad, hasta que los grandes bloques parlamentarios otorgan la presidencia a Eduardo Duhalde. El segundo mandato de FHC, también mostraba la gran transformación que Brasil iba enfrentar y las debilidades del neoliberalismo.
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Embora a reeleição de Fernando Henrique Cardoso em 1998 e a manutenção quase total de seu suporte político (no Congresso e entre os governadores) tenham confirmado a aquiescência da maioria em relação ao programa liberal, o governo perdeu sua força política anterior, pois deixou de ter controle sobre sua política econômica (foi levado a desvalorizar da moeda em janeiro de 1999 mesmo depois de recorrer ao apoio do FMI e do governo norte-americano) e foi constrangido por enormes dificuldades econômicas (SALLUM JR., 2003: 47).
Mismo con los cambios hechos por el Banco Central, el Producto Interno Bruto (PIB) brasileño había reducido cerca de 2% anual en 2001 y 2002 (SALLUM JR., 2003). El gobierno continuó priorizando la estabilidad de la moneda, ahora centrada en la política fiscal. Sin embargo, las promesas del presidente no habían sido cumplidas y el real estaba sistemáticamente desvaluado, haciendo a FHC perder buena parte de su prestigio. Los partidos, mismo estando muy permeables al liberalismo, retiraron su apoyo al presidente en el Congreso, lo que hizo más difícil aprobar leyes. Por más que los dos países vivieran trayectorias con rasgos generales muy cercanos, ellos construyeron caminos muy diferentes y tuvieron su inflexión con aún mayor diferencia. En Argentina, el gobierno de Alfonsín, Menem y De la Rúa generaron una profunda crisis del propio régimen democrático. La asociación de la democracia al conservadorismo liberal y a los malos resultados que esto generó puso en riesgo a supervivencia de la propia sociedad y de la política argentina. Mocca nos recuerda “que a principio de 2002 tuvo amplia circulación periodística un paper que proponía la declaración de quiebra del país y la delegación de las decisiones a un comité internacional de expertos que administrara la situación” (MOCCA, 2008:136).
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económica, la exclusión y pobreza, así como no hubo combate a la corrupción (GALAFASSI, 2002). La crisis que se conformara tenía sus facetas económica, política y social. En 5 de octubre de 2000, renuncia el vice, Carlos “Chacho” Álvarez, y, en las elecciones legislativas de octubre de 2001, tienen un mal resultado frente al Partido Justicialista.
Lo que tuvo lugar en la Argentina en las elecciones legislativas de 2001 y en los episodios posteriores – que culminaran con el desplazamiento de un presidente que había sido votado masivamente dos años antes y con la instauración de nuevas (y efímeras) prácticas participativas por parte de un ciudadanía desencantada con sus representantes y con la propia representación – fue, efectivamente, una crisis de representación (POUSADELLA, 2004: 129).
No obstante, en Brasil, el neoliberalismo había ganado demasiada fuerza y alcanzado penetrar en los líderes de los partidos, incluso de partidos más de izquierda, como el Partido de los Trabajadores – PT. La hegemonía construida por el PSDB cerca de la liberalización fue muy importante para la formación del viraje que tuvo lugar en la izquierda hacia el centro y que permitió a Lula alcanzar el puesto de presidente. Mismo contestado, sobre toda por la reducción del PIB, internacionalización de la econo-
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El viraje hacia la “nueva izquierda”
En la Presidencia Argentina, Duhalde logró restablecer el orden, controlar la violencia general y cambiar la regulación del sistema financiero, bancario y comercial. Eduardo Duhalde controla el justicialismo bonaerense y la solidez de esta corriente del partido le permitió, al mismo tiempo que rompía el pacto con el menemismo, romper con la constante amenaza del pueblo. En el segundo semestre de 2002, el presidente avanzaba frente a la “recomposición política”: manteniendo alto el cambio del dólar, logró controlar la inflación; distribuyó recursos por planes sociales, conteniendo las protestas; y aumentó la represión contra las fuertes movilizaciones populares (ANSALDI, 2007).
La decisión de Duhalde de adelantar las elecciones puede tener varias lecturas y razones. Sin embargo, para Ansaldi, el cambio
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influyó sobre las tres tendencias a partir de las cuales el gobierno realizó un programa de reconstrucción mínima de institucionalidad: a) la consolidación, e incluso la baja, del precio del dólar, y la recuperación de una economía en descenso desde 1998; b) la apertura de un proceso electoral sobre los restos de los partidos políticos, en condiciones desfavorables para los candidatos, todos con muy bajos niveles de popularidad, y con un justicialismo (o peronismo) que, merced a una jugada de Duhalde, presentó no una sino tres candidaturas, una por cada línea interna; c) crecientes niveles de represión de las experiencias contestatarias, en particular de los piqueteros, con intervención de grupos armados sin uniforme, y la reactivación del aparato judicial para ordenar – antes de la primera vuelta electoral – el desalojo de fábricas ocupadas por sus trabajadores (ANSALDI, 2007: 451).
La crisis económica, política y social que vivió Argentina en 2001 y 2002 había fraccionados los partidos políticos, incluso el Justicialista, y eliminado el Frepaso. El debate político en la es-
calada presidencial fue bastante ausente y los cuatro principales candidatos oscilaban en las intenciones de voto entre los 13 y 14% (ANSALDI, 2007). Cuando las primeras encuestas daban cuenta de una posible victoria de Menem, se produzco un viraje “anti menemista”.
En las elecciones, Menem obtiene la mayor cantidad de los votos (24,45%) y Néstor Kirchner obtiene 22,24%, seguidos por López Murphy, Rodríguez Saá y Carrió (16,37%, 14,11% y 14,05%, respectivamente). El resultado llevaría a una segunda vuelta (ballotage) entre los dos candidatos más votados, pero no se hizo por el temor de Menem de una “derrota plasmante” (MOCCA, 2008), no presentándose. Kirchner tuvo durante todo el proceso electoral el apoyo de Duhalde, que logró la cohesión del justicialismo de Buenos Aires, que representó buena parte del caudal electoral del nuevo presidente.
El mensaje inicial de Kirchner estaba en “construir una herramienta política superadora de los partidos tradicionales y generar una dinámica de competencia entre centroizquierda y centroderecha. Desde las primeras medidas puestas en marcha, el gobierno muestra una manifiesta inclinación reformista” (MOCCA, 2008: 138). Con su capacidad de liderazgo, consiguió retomar legitimidad al proceso político. Ansaldi hace un buen resumen de las políticas aplicadas por el presidente, que muestran su dislocamiento, que no había sido percibido desde su gobierno en la provincia patagónica, en sentido a centroizquierda: Kirchner redefinió la agenda política y puso en primer plano cuestiones políticas y éticas devenidas centrales, incluso cuestión de Estado, como en el caso de la defensa de los derechos humanos y el enjuiciamiento de quienes los violen o hayan violado. También demostró capacidad de mando con la profunda renovación de las cúpulas de las Fuerzas Armadas, buscando no sólo dejar de lado a jefes presuntamente más cercanos a Menem, sino, sobre todo, contar con una conducción exenta de vinculaciones con la dictadura y la violación de los derechos humanos.
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mía y por el descaso con la clase trabajadora, FHC termina su segundo gobierno manteniendo la estabilidad democrática en Brasil y garantizando la no ruptura con su modelo económico.
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A su vez, en 2002, Brasil decidía la sucesión presidencial al gobierno de FHC. Lula, histórico militante de lo Partido de los Trabajadores (PT), venía disputando elecciones presidenciales desde 1989, en la cual ganó Collor, y había se constituido en un símbolo de la izquierda y del sindicalismo brasileño. Pero la aplicación de lo que Emir Sader (2009) nombró del “primer proyecto coherente de implementar el neoliberalismo en Brasil”, por FHC, consolidó un amplio consenso alrededor del neoliberalismo, que pudo ser visto, incluso, en el Parlamento, a respecto, por ejemplo, de la prioridad en el combate a la inflación.
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El PT, pronto para enfrentar Serra, candidato del PSDB, hace un proceso de transformaciones ideológicas, que permitieron la aceptación de su mismo candidato, pero ahora renovado: se trataba de un nuevo Lula, o el “Lula paz y amor” como se decía en Brasil. La primer señal de ese cambio, se expresó en la “Carta al Pueblo Brasileño”, firmada por Lula en 2002, en la cual se comprometía con el pago de la deuda externa, históricamente rechazado por la izquierda del país. La lectura de la Carta muestra bien cómo Lula garantizaba que la necesidad de avances progresistas se daría dentro de los marcos legales,
sin rupturas, sobre todo, económicas, sin demasiado control del capital y, para eso, garantizando aún la independencia del Banco Central:
há outro caminho possível. É o caminho do crescimento econômico com estabilidade e responsabilidade social. As mudanças que forem necessárias serão feitas democraticamente, dentro dos marcos institucionais. Vamos ordenar as contas públicas e mantê-las sob controle. Mas, acima de tudo, vamos fazer um Compromisso pela Produção, pelo emprego e por justiça social. (LULA DA SILVA, 2002).
Sin hacer grandes contestaciones e incorporando aspectos del modelo de FHC y hasta por la propia hegemonía lograda por la derecha, reformulando la correlación de fuerzas políticas, el PT hacía cambios significativos en su posición ideológica.
De fuerza antisistema, el PT se convirtió, primero, en una fuerza reformista, de carácter socialdemócrata, y luego de las transformaciones operadas en la campaña electoral y el primer mandato presidencial de Lula, en un híbrido de social-liberal, hegemónico, con una política externa soberana, que lo aleja de cualquier semejanza con la “tercera vía” de Tony Blair y con las políticas sociales redistributivas (Sader, 2009: 29).
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En materia de seguridad comenzó un proceso depurador en la Policía Federal, si bien menos radical que el operado en Ejército, Marina y Aeronáutica. La embestida contra una Suprema Corte de Justicia, desprestigiada y funcional a los designios del menemismo, generó una renovación en la que primó el talento por sobre la obsecuencia. Asimismo, planteó un discurso de firmeza frente a las posiciones y pretensiones del Fondo Monetario Internacional y los acreedores internacionales, a menudo acompañado de acciones de igual tenor. Se posicionó muy bien en el plano de la política exterior, especialmente acordando posiciones con el presidente de Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e incluso con el de Venezuela, Hugo Chávez, entre ellas las relativas al relanzamiento, expansión y fortalecimiento del Mercosur. En cuanto a la relación con los Estados Unidos, una cuestión obviamente clave, el mensaje siempre ha sido claro: no habrá con ellos las “relaciones carnales” practicadas por Menem (ANSALDI, 2007: 453/454).
Además, el Partido cambiaba su propia base de apoyo, con el alejamiento del Movimiento de los Sin Tierra (MST) y las alianzas con sectores capitalistas, que le permitieran alcanzar confianza suficiente para ganar las elecciones.
Después de vencer FHC en la segunda vuelta, Lula sigue el legado económico de su antecesor. Para eso, nombra un equipo ortodoxo para el Ministerio de la Hacienda y el Banco Central y sigue garantizando seguridad a los inversores, mientras la tasa de interés y el nivel de desempleo son altos y, solo en 2004, la economía vuelve a crecer. Sin embargo, en 2005, un gran escándalo de corrupción, el “Mensalão”, será un parte aguas en su gobierno y un golpe muy fuerte a su base partidaria. A ese caso, se suma una serie de otros escándalos que igualmente tuvieran
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Pero la oposición no contaba con el crecimiento sostenido que tuvo la economía brasileña de 2004 a 2006, ni tampoco con el lanzamiento del programa Bolsa Família, que reunía varios pequeños programas de transferencia de renta del gobierno de FHC y que, después, se transformó en el mayor programa de transferencia de renta del mundo, produciendo una gradual mejora en las condiciones de vida de los más pobres. “Entre 2003 e 2006, a Bolsa Família viu o seu orçamento multiplicado por 13, pulando de R$570 milhões de reais para 7,5 bilhões de reais, atendendo cerca de 11,4 milhões de famílias perto da eleição de 2006” (SINGER, 2009: 91). “Combinados, o crescimento econômico mais rápido e a distribuição de renda mais ampla conseguiram a maior redução na pobreza na historia brasileira” (ANDERSON, 2011: 29). El nuevo Lula había conquistado importantes fracciones del electorado brasileño, sobre todo sectores del Norte y Nordeste, impulsando el poder de consumo de la clase media y de las clases más bajas y estabilizando la economía con gran crecimiento, lo que permitió a Brasil, incluso, enfrentar la crisis económica de 2008 sin grandes dificultades. Además, Lula logró llevar a cabo una política externa que ubicó el país como líder, por las relaciones que tuvo con los países latinoamericanos y con los otros países del sur mundial. Su gobierno tuvo niveles de popularidad y aceptación muy altos y le permitió elegir, en 2010, su ex-ministra, Dilma Rousseff, a la Presidencia, en el tercer mandato consecutivo del Partido de los Trabajadores.
De la ruptura a la convergencia
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En el desarrollo del texto, pretendemos examinar los caminos que llevaran Argentina y Brasil hasta un punto de inflexión (inflexión con distintos grados) en los cuales los gobiernos neoconservadores de De la Rúa y FHC fueron reemplazados por una fila asociada a la izquierda y al progresismo, en el ascenso de Kirchner y Lula. Es verdad que en ambos países “la supuesta definitiva impotencia de los Estados nacionales para intervenir en el funcio-
namiento del capitalismo global ha dejado su lugar a una visión neodesarrollista que […] procura devolverle a la política su capacidad de intervención en la distribución social” (MOCCA, 2008: 138/139). Sin embargo, hay que posicionar Argentina en un marco institucional e histórico bastante singular frente a la situación de Brasil. El primero convive desde 1976, en medio a un periodo dictatorial, con el despliegue de las políticas neoliberales, en la que se percibe la profundización del conservadorismo argentino, que provocó fuertes marcas en las instituciones y en la política del país. Los hechos de 2001 a 2003 representan una mudanza de rumbo, una reacción de las fuerzas políticas, como un intento de una reversión de un ciclo histórico y del legado de su derecha. Fue “una ruptura, una situación de confrontación entre lo instituido y lo destituyente que no alcanzó a convertirse en un nuevo instituyente” (ANSALDI, 2007: 457), con la recomposición del sistema de partidos, ahora basado en los fuertes liderazgos alternativos (ANSALDI, 2007 y MOCCA, 2006).
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gran cobertura de los canales de televisión y generaran, incluso, la idea de impeachment del presidente Lula.
Así, el conservadurismo social de los argentinos no se expresa, hoy, en un correlativo conservadurismo político, sino en uno moderado que, a su vez, no es reacio a tender un puente hacia el gelatinoso espacio del centro-izquierda que pareciera organizarse en una nueva expresión política caracterizada por el, en su momento, llamado transversalismo, impulsado por Kirchner, y que luego se reconfiguró como convergencia pluralista (ANSALDI, 2007: 458).
En Brasil, la tardía introducción de las políticas neoconservadoras bajo una Carta Constitucional acentuadamente democrática y ciudadana, e hasta la propia relatividad a la cual puede situarse su implementación son importantes a la hora de diferenciar su giro hacia la izquierda. Sobre todo, el gobierno del PSDB logró algo que es de gran importancia a los brasileños: la estabilidad de la moneda puso la ortodoxia económica como marco fundamental de la política. “A continuidade do pacote ‘FHC’ foi posta pela burguesia como condição de não haver ‘guerra’ de classes e consequente risco de o governo ser acusado de destruir o real” (SINGER, 2009: 97). La Carta hecha por Lula en 2002, otra clave significante en el
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O mais importante, no entanto, é que essa percepção aguda do fracasso do atual modelo não está conduzindo ao desânimo, ao negativismo, nem ao protesto destrutivo. Ao contrário: apesar de todo o sofrimento injusto e desnecessário que é obrigada a suportar, a população está esperançosa, acredita nas possibilidades do país, mostra-se disposta a apoiar e a sustentar um projeto nacional alternativo, que faça o Brasil voltar a crescer, a gerar empregos, a reduzir a criminalidade, a resgatar nossa presença soberana e respeitada no mundo (LULA DA SILVA, 2002).
Garantizar la estabilidad económica significó espantar el fantasma de la pobreza, que pudo ser percibido claramente en la reelección del presidente, cuando una masiva población del Norte y Nordeste adhirieron al proyecto de Lula. No obstante, los cambios en la identidad de PT complementarían el proceso de moderación ideológica, mientras disminuía la capacidad de movilización de los movimientos sociales (SADER, 2009).
En los primeros años del siglo XXI, tuvieron lugar en Argentina y Brasil transformaciones profundas en la economía, la política y la sociedad de esos países, que emergen de un punto crítico o de crisis. Así, hay que diferenciar las experiencias argentinas y brasileñas en cuanto el grado de inflexión vivida. En el primero, las malas condiciones económicas y sociales generadas por el neoliberalismo colocó en riesgo la propia supervivencia del Estado, en una profunda crisis política. El grito “que se vayan todos” representa sino la necesidad de un cambio total, al cual la Argentina tuvo que someterse. Asociar la democracia al conservadorismo, resultó en el propio cuestionamiento del régimen democrático. En Brasil, por más que los cambios producidos por el Gobierno de Lula sean visibles y no puedan ser olvidados, el país vivió una transición más atenuada, garantizada, sobre todo, por la estabilidad del real, que representa condición indispensable para una gran porción de la población brasileña.
Mismo considerando los aspectos y la importante valoración democrática en ambos países, lo que tuvo lugar en Argentina fue una fuerte ruptura del régimen y de la política, con una visible crisis del sistema de representación. Brasil, pudo hacer cambios con fuertes aspectos de continuidad.
Aunque ellos pasaran por procesos que, mismo con matices similares, fueron completamente diferentes, la presencia de un fuerte liderazgo y la orientación de una nueva izquierda cercana al centro ideológico fueron condiciones fundamentales para los cambios. “El firme, enérgico liderazgo mostrado por Néstor Kirchner revaloriza la figura presidencial y contribuye a reconstruir la institucionalidad” (ANSALDI, 2007: 456). La personalidad del presidente argentino puso en marcha un proceso de regreso de la importancia de la política para el país, en un escenario donde el acenso del líder puede ser ubicado en una profunda crisis del Estado. En Brasil, Lula pudo llevar al PT a un viraje ideológico, que desmovilizó la base histórica del partido, cambiando su propia imagen personal para alcanzar a un electorado que antes no confiaba en su personalidad. El líder sindical tuvo el gobierno en sus manos y, además de conquistar, incluso por su biografía, las camadas más pobres del pueblo brasileño, condujo el país hacia una nueva inserción internacional, ubicándose como liderazgo mundial.
La observación de los casos específicos permite caminar sobre el proceso de “giro a la izquierda” y distinguir los rasgos singulares que conformaran los cambios en cada país. Sin embargo, la perspectiva comparada y el análisis de la transición del neoliberalismo argentino y brasileño evidencia dos rumbos diferentes, originados por la conformación histórica del proceso, de las instituciones y de los actores políticos, económicos y sociales en los dos países. De la ruptura argentina a la convergencia brasileña, el giro a la izquierda, aún situado en un contexto regional e impulsado por fuerzas internacionales, con características comunes y orientaciones que pueden, de hecho, ser agrupadas, es un proceso que tiene diferencias importantes en el ámbito local y que explican, en gran medida, la actual situación de los países.
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proceso que permitió el ascenso de Lula, ya reconocía la no existencia de una crisis en Brasil, sino una necesidad de avanzar, de sumar a la estabilidad el crecimiento y la redistribución.
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Ângela Cristina Salgueiro Marques Doutora em Comunicação Social pela UFMG. Professora do Programa de PósGraduação em Comunicação Social da UFMG.
Resumo: Neste texto, pretende-se refletir, em um primeiro momento, sobre como Habermas define, por meio da ética do discurso, o processo capaz de permitir o autoentendimento e o entendimento mútuo a partir da articulação e da negociação entre a pluralidade de pontos de vista articulados argumentativamente nas sociedades atuais. Em um segundo momento, é conferido destaque ao papel que a ação comunicativa desempenha na formação de sujeitos políticos que, inicialmente, não se apresentam prontos para o debate, mas que desenvolvem suas capacidades enunciativas e competências comunicativas a partir de oportunidades e situações de interlocução nas quais aprendem a formular pontos de vista, a serem reflexivos, a produzirem julgamentos críticos e trocá-los com os outros justificando a própria posição, conquistando assim sua autonomia e seu reconhecimento como interlocutores válidos e dignos de serem considerados.
Cadernos da Escola do Legislativo – Volume 15 | Número 23 | jan/jun 2013
A ética do discurso e a formação do sujeito político em Habermas
Palavras-chave: Ética do discurso. Sujeito político. Autonomia. Intersubjetividade. Abstract: The aim of this paper is to reflect on how Habermas defines, through the concept of discourse ethics, the process which is capable to allow selfrealization/self comprehension and articulation/negotiation among the plurality of points of view in the current societies. In addition, I emphasize the role of communicative action in the constitution of political subjects who, at first, aren’t ready for public debate, but then develop their enunciation and communication skills through opportunities and dialogues in which they learn to formulate points of view, to be reflexive, to produce critical judgments and communicate them. In interpreting and appropriating other people’s arguments, as well as in engaging in negotiation dynamics in the public sphere, citizens are invited to take responsibility for their actions and judgments. It is in this communicative process that they acquire political autonomy and recognition. Keywords: Discourse ethics. Political subject. Autonomy. Intersubjectivity.
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A reflexão acerca das relações entre ética e processos comunicativos está principalmente associada aos modos por meio dos quais, nas sociedades complexas atuais, torna-se possível conectar demandas de natureza subjetiva, ligadas a diferentes concepções de bem-viver, a demandas morais que dizem respeito a como nos relacionamos com os outros na busca pela definição de regras e normas vistas como justas para todos. Para Habermas (2004), o modo mais adequado de definição e resolução de problemas morais deve ser fundado na ampliação dos horizontes éticos individuais, tendo em vista a consideração de questões que dizem respeito ao que é visto como bom para uma dada coletividade. Segundo esse autor, faz-se necessário buscar maneiras de conciliar necessidades particulares, interesses que emergem em esferas públicas parciais de interação de grupos e interesses mais gerais, que envolvem preocupações inerentes a todos aqueles potencialmente concernidos por uma questão ou problema. A proposição de Habermas tem o mérito de apontar as interações comunicativas (e o uso racional da linguagem) como forma de auxiliar não só a organização moral da sociedade, mas também o autoentendimento e a autorreflexão dos sujeitos, o que os conduziria à emancipação via concretização relacional de sua autonomia política. Para ele, sociedade e indivíduo constituemse mutuamente. As configurações de ordens institucionais e das tradições da sociedade e da cultura implicam, ao mesmo tempo, “um processo de socialização para sujeitos dotados de capacidade de fala e de ação que tanto se formam no mesmo processo como, por sua vez, renovam e estabilizam a sociedade, enquanto totalidade de relações interpessoais legitimamente ordenadas” (HABERMAS, 2010, p. 207).
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A construção concomitante da sociedade e do sujeito seria possível graças ao trabalho da linguagem, que, utilizada para o esclarecimento recíproco de pontos de vista, permite uma forma de diálogo mais elaborada (discursiva), articulada por meio da troca de argumentos que se embasam em premissas passíveis de serem compartilhadas e defendidas publicamente. E, nesse movimento
reflexivo, as ligações entre contexto de interação, linguagem e indivíduos substituem o confronto direto do homem com o mundo, revelando que as respostas e os argumentos subjetivos são examinados por meio da justificação pública e recíproca obtida na comunidade de comunicação. A justificação seria a ponte entre a experiência subjetiva e a transparência intersubjetiva, sobretudo quando se trata de melhor entender e/ou solucionar problemas de natureza coletiva. Para que essa conexão se estabeleça, é necessário, segundo Habermas, seguir determinados princípios normativos no decurso da interação discursiva. Nesse sentido, a ética do discurso (ou da discussão), tal como elaborada por Habermas (1995), baseia-se na tentativa de apontar um modo reflexivo de comunicação intersubjetiva para a solução de conflitos e impasses normativos de fundo moral. Valoriza-se o uso da linguagem voltado para a busca de um entendimento que seja livre de coerções e violências de toda sorte, fundado na igualdade entre parceiros de interlocução que se atribuem reciprocamente o status de moralmente dignos de serem ouvidos e considerados em debates sobre leis e questões de interesse coletivo. A ética do discurso visa à ampliação dos horizontes éticos individuais (e não à sua supressão, como apontam muitos dos críticos de Habermas), tendo em vista a consideração de questões que dizem respeito ao que é bom para todos. Para tanto, faz-se necessário encontrar princípios gerais que possam, ao nortear discussões e diálogos, conciliar interesses e necessidades particulares – que emergem em esferas públicas parciais de interação de grupos e indivíduos – com preocupações inerentes a todos aqueles que integram uma sociedade complexa, pluralista e diferenciada (HABERMAS, 2004). De modo a revelar como, por meio da interação discursiva na esfera pública, os indivíduos poderiam chegar a um entendimento acerca de seus interesses e necessidades, Habermas procurou esboçar um conjunto de procedimentos normativos, a ética do discurso, capaz de evidenciar como o uso comunicativo da linguagem é capaz de promover o entendimento mútuo e um acordo provisório entre os participantes de discussões práticas. Quando sujeitos capazes de fala e ação usam a linguagem de
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Introdução
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Mas, para desenvolver sua abordagem, esse autor teve que explicar como indivíduos e grupos, partindo dos princípios éticos ligados a seu autoentendimento e concepções de bem-viver, podem se engajar em debates para entenderem e/ou solucionarem questões e problemas que abrangem um horizonte de interesse coletivamente partilhado. Essa tensão entre as concepções e as demandas subjetivas e particulares e a necessidade de uma generalização negociada de interesses suscita uma reflexão sobre as tensões que perpassam a constituição do sujeito na teoria de Habermas: de um lado, ele deve buscar sua emancipação e autonomia por meio da prática do discurso e da justificação pública, passando, assim, a contribuir para o progresso moral coletivo. Entretanto, de outro lado, críticos de Habermas apontam que a busca da autonomia política via justificação pública leva a pressupor a existência de atores moral e linguisticamente competentes sem revelar o delicado e demorado processo de desenvolvimento de habilidades comunicativas, expressivas e cognitivas que induz o sujeito a posicionar-se diante de outros, a elaborar e proferir argumentos com segurança e desenvoltura, a justificar e defender tais argumentos quando questionado. Além disso, as estruturas institucionais, políticas e culturais, que deveriam oferecer oportunidades de desenvolvimento e aprimoramento dessas habilidades, são perpassadas por assimetrias de poder e coerções pouco tematizadas por Habermas (FREITAG, 1992; KOHN, 2000). Não se pode afirmar, como já o fez Mouffe (2005), que a ética do discurso adota uma concepção do sujeito como anterior à sociedade, como agente racional capaz de ampliar seus horizontes e
adotar um ponto de vista moral sendo abstraído de relações sociais de poder. Como já visto, Habermas afirma que o indivíduo se constitui na ação discursiva e, nessa mesma prática, produz, molda e modifica o contexto social. O que talvez não esteja claro na abordagem habermasiana é o processo pelo qual um sujeito ordinário se torna “interlocutor” e se sente capaz de tomar a palavra e de integrar uma deliberação pública. Neste artigo, um dos objetivos é explorar esse processo de transformação do sujeito em parceiro de interlocução e, para tanto, são recuperadas algumas dimensões do conceito de autonomia política presente na obra de Habermas.
O artigo encontra-se dividido em duas partes principais: a primeira explora as principais características da ética do discurso, buscando salientar a centralidade do agir comunicativo para a solução de conflitos de ordem moral. A segunda busca refletir sobre algumas das facetas do sujeito no pensamento de Habermas, destacando o papel que a autonomia política tem em sua constituição.
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forma racional para que possam chegar ao entendimento sobre algo no mundo (ação comunicativa), eles instauram, simultaneamante, uma esfera pública parcial (associada potencialmente em rede a outras esferas públicas) e um processo deliberativo e cooperativo de construção da opinião pública. Por meio dos conceitos ideais de esfera pública, opinião pública e ação comunicativa, Habermas salienta, então, a importância da criação e manutenção de uma dinâmica argumentativa na sociedade, pois é somente por meio dela que passamos a dialogar, debater e negociar continuamente normas, valores e necessidades.
Ética do discurso e discurso prático Ao refletir sobre a realidade plural das sociedades altamente complexas, Habermas (2004) procura destacar a importância da criação e manutenção de uma dinâmica argumentativa na sociedade, pois seria somente por meio dela que se passa a dialogar, debater e negociar continuamente normas, valores e necessidades. Assim, ele busca desenvolver um conceito procedimental de democracia baseado em um modelo que “se interessa pela função epistêmica do discurso e da negociação” (2006, p. 413). Uma de suas preocupações centrais consiste em encontrar “um princípio formal para a legitimidade das normas em uma sociedade que é plural e composta de indivíduos com distintas concepções de bem-viver” (COHEN e ARATO, 1992, p.357). Para Habermas (1987, 1995, 2004), a ética do discurso funda um espaço para os fenômenos que constituem a aceitação discursiva de normas em contraposição à sua mera internalização.
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Alguns críticos de Habermas, sobretudo Thompson (1998) e Mouffe (2005), argumentam que essas condições ideais da discussão geram o entendimento de que Habermas estaria negando as preocupações individuais dos sujeitos para universalizar aquilo que dificilmente pode ser generalizado: parâmetros de percepção do mundo constituídos por meio de experiências subjetivas, sejam elas positivas ou negativas (danos morais como desrespeito, violência, negação de direitos, humilhação, etc.). Esse tipo de interpretação deve estar ligado a afirmações ambíguas de Habermas a respeito de sua distinção entre ética e moral no contexto das interações práticas dos sujeitos que negociam sobre a validade de normas que os vinculam coletivamente. Veja o seguinte exemplo:
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Os envolvidos nessas interações precisam deixar de lado a pergunta sobre que regulamentação é ‘melhor para nós’, a partir da respectiva visão que consideram ‘nossa’; e só então checar, sob o ponto de vista moral, que regulamentação ‘é igualmente boa para
todos’, em vista da reivindicação moral prioritária da coexistência sob igualdade de direitos (Habermas, 2004, p. 319 e 322, original sem grifos).
Duas considerações podem ser feitas com base nessa citação. A primeira é a constatação de que, para Habermas, questões éticas e morais possuem naturezas diferentes. Segundo ele, questões éticas são aquelas que são colocadas do ponto de vista da primeira pessoa (do singular ou do plural).2 Elas dizem respeito a indagações que buscam dar respostas a “quem sou eu e quem gostaria de ser, ou como deveria levar minha vida”, ou, ainda, como os membros de uma comunidade “se entendem, quais os critérios segundo os quais deveriam orientar suas vidas, o que seria melhor para todos a longo prazo, etc.” (HABERMAS, 2004, p. 40). Já as questões morais referem-se à busca de normas e regras justas capazes de permitir a coexistência em sociedades pluralistas, pautada pelo interesse de todos e não pelo que é melhor para todos. Assim, enquanto as questões éticas estão voltadas para o autoentendimento e para o que é “bom para mim ou para nós”, as questões morais se destinam a descobrir “qual a regulamentação mais adequada ao interesse equânime de todos os atingidos (sobre o que é bom, em igual medida, para todos)” (HABERMAS, 2004, p.313). O discurso (discussão reflexiva) possibilitaria expressar desejos, sentimentos e necessidades, de modo a reconhecer quais são aqueles que pertencem ao domínio do julgamento pessoal e quais são aqueles que deveriam ser compartilhados e entendidos como pertencentes ao âmbito coletivo da justiça, das normas e dos direitos. A ética do discurso volta-se, portanto, para a tentativa de ampliação do horizonte de julgamento do sujeito, para que ele avalie questões coletivas não sob os preceitos éticos que o guiam cotidianamente (e que valem para ele e seus próximos), mas sob princípios normativos capazes de contemplar experiências alheias de maneira justa. A partir do horizonte de suas respectivas autocompreensões e compreensões de mundo, as diversas partes em diálogo referem-se a um ponto de vista moral pretensamente partilhado, que induz a uma descentralização sempre crescente das diversas perspectivas, sob as condições simétricas do discurso (HABERMAS, 2004, p. 316).
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De modo a revelar como, por meio da interação discursiva na esfera pública, os indivíduos poderiam chegar a um entendimento acerca de seus interesses e necessidades, Habermas procurou esboçar uma teoria capaz de evidenciar como o “uso racional da linguagem”1 é capaz de promover o entendimento mútuo e um acordo provisório entre os participantes de discussões práticas, voltadas para o acordo sobre a validade de normas que afetam a coletividade. Assim, na esfera pública, sujeitos capazes de fala e ação usam a linguagem e o conhecimento intuitivo de como proceder em determinadas situações (adquiridos no processo de socialização), de forma racional (o que não significa isenta de elementos estético-emocionais), para que possam chegar a um acordo (sempre sujeito à revisão). Os princípios estabelecidos pela ética do discurso requerem “que os indivíduos escutem uns aos outros, respondam a críticas e justifiquem suas posições reciprocamente, colocando-se sempre no lugar do outro” (CHAMBERS, 1996, p.100). Além de entender o que o outro diz, os parceiros precisam empenhar-se em um confronto discursivo que exige o distanciamento crítico dos próprios interesses e necessidades (tendo em mente que estes ganham forma na comunicação intersubjetiva).
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adotar a perspectiva do outro, buscando posições que permitam um acordo racionalmente motivado e aberto a futuras revisões (HABERMAS, 1987, 1996). É porque os indivíduos são incapazes de desafiar suas próprias interpretações de necessidades e interesses que precisam ser desafiados por outros. Quando as pessoas precisam se explicar aos outros, argumenta Habermas, passam a entender por que se sentem de determinado modo ao justificarem desejos e interesses aos outros.
A ética do discurso reúne, então, princípios que tentam direcionar os indivíduos para a resolução cooperativa de problemas que atingem a todos. Ela determina que uma norma só pode ser considerada válida ou justa se for discutida abertamente por todos os concernidos, sob condições livres de quaisquer constrangimentos (HERRERO, 2002). Mas como fazer com que diferentes grupos e indivíduos – que sustentam diferentes visões éticas e concepções de bem-viver – coloquem-se de acordo a respeito do que é considerado justo para todos? A resposta de Habermas a esse dilema (inspirada em Karl-Otto Apel3) consiste em encontrar um princípio moral do respeito indistinto por toda e qualquer pessoa e da corresponsabilidade pelas consequências de ações e julgamentos. Segundo esse princípio, leis e normas só podem ser válidas no sentido moral quando forem livremente aceitas por todos os participantes do discurso, de modo a refletirem um interesse generalizável (HERRERO, 2002). Sob esse aspecto, a ética do discurso (ou da discussão) exige a mediação argumentativa concreta dos conflitos, pela qual se aprende a providenciar razões para sustentar argumentos e a
Sob esse aspecto, o ponto de vista moral constituído pela ética do discurso não demanda um anulamento de necessidades, interesses e desejos subjetivos (como se o que fosse da ordem particular fosse egoisticamente ruim e só o que remete ao coletivo fosse bom), mas sim requer o exercício de “não olhar para nosso próprio entendimento de nós mesmos e do mundo como o padrão por meio do qual podemos universalizar um modo de ação” (HABERMAS, 1990, p. 112). Se os sujeitos avaliam determinados problemas coletivos unicamente à luz de sua própria experiência particular e de seus preceitos éticos de conduta e ação, correm o risco de se tornarem moralistas, de quererem impor seu próprio ponto de vista aos outros, desconsiderando condições de comunicação capazes de proporcionar o exame público e coletivo das perspectivas de cada um.
A teoria do discurso introduz a distinção entre questões éticas e morais de maneira que a lógica das questões relativas à justiça passe a exigir a dinâmica de uma ampliação progressiva do horizonte de interpretação. A partir do horizonte de suas respectivas autocompreensões e compreensões de mundo, as diversas partes em diálogo referem-se a um ponto de vista moral pretensamente partilhado, que induz a uma descentralização sempre crescente das diversas perspectivas, sob as condições simétricas do discurso (e do aprender com o outro) (HABERMAS, 2004, p. 316, grifos meus).
Todavia, os procedimentos de generalização de perspectivas e necessidades não impõem a supressão de particularidades ou o esquecimento de dimensões do bem-viver, mas apontam a situação discursiva como um processo moral transformativo que permite uma aproximação do universo do “outro”, possibilitando a emergência de novos vínculos e interesses. Como afirma Habermas, “se os atores não trouxerem consigo, dentro de seu discurso, suas histórias de vida individuais, suas identidades, suas necessidades e desejos, tradições e pertencimentos, o discurso prático será esvaziado de todo o seu conteúdo” (1982, p. 255).
Os discursos são essenciais para a ética, pois, por meio deles e de suas componentes de razoabilidade – emoção e empatia –, aprende-se a adotar o ponto de vista dos outros, ou seja, que aprendemos a adotar o ponto de vista moral. Nesse sentido, os
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Uma segunda consideração aponta para o fato de que a distinção entre ética e moral não pode ser concebida como uma tentativa de isolamento ou apagamento da subjetividade em prol da coletividade. Habermas reafirma constantemente em seus textos que julgamentos morais só se concretizam a partir da perspectiva subjetiva dos concernidos, que, ao buscarem um acordo ou entendimento, devem avaliar as diferentes dimensões do problema, buscando ampliar suas perspectivas e não mantê-las herméticas e impenetráveis às considerações dos outros.
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O discurso envolve mais do que um tratamento igual àqueles afetados. O ponto de partida analítico da ética do discurso não é uma concepção de soberania desconectada e isenta da individualidade, mas a infraestrutura comunicativa e intersubjetiva da vida social cotidiana. Os indivíduos agem em relações de reconhecimento mútuo nas quais adquirem e afirmam sua individualidade e liberdade de forma intersubjetiva. No processo do diálogo, cada participante articula seus pontos de vista e interpretações de necessidades e desempenha papéis ideais em uma discussão prática e pública. Isso promove o quadro analítico no qual o entendimento da interpretação das necessidades dos outros se dá por meio de um insight moral e não da empatia (COHEN e ARATO, 1992, p. 376).
O que Habermas chama de discurso prático refere-se, portanto, a uma forma de comunicação ideal para justificar, validar ou questionar normas morais de modo reflexivo. O objetivo do discurso é resolver uma disputa normativa, abrindo espaço para a manifestação e consideração de todos (CHAMBERS, 1996, p. 98). Sob esse aspecto, os discursos, em sua dimensão prática, são formas normativamente aceitáveis de resolução de conflitos por meio do teste público de demandas de validade4, e uma de suas funções é interpretar e testar quais interesses e necessidades podem ser comunicativamente compartilhados e generalizados e quais não podem.
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O discurso prático é tido por Habermas como um processo responsável por “testar a validade das normas que estão sendo propostas e consideradas para adoção” (1995, p. 100). Dito de outro modo, o discurso prático reflete o modo como os interlocutores definem e avaliam o conteúdo das normas às quais irão se submeter, que têm por função regular as chances de verem seus desejos satisfeitos (HABERMAS, 1996). Isso requer que atuem como “avaliadores críticos” de possibilidades, elegendo autonomamente caminhos e alternativas de atuação e de solu-
ção de problemas de modo a construírem argumentos próprios e passíveis de serem endereçados ao espaço público ampliado e defendidos nele.
Como sugere Chambers (1996), as pessoas, ao se engajarem na prática discursiva, acreditam que suas posições morais possam estar corretas e que podem demonstrá-las e sustentá-las por meio de argumentos. Paralelamente, devem estar envolvidas em uma revisão contínua e na reinterpretação de desejos e necessidades, pois o discurso prático não se refere à descoberta de verdadeiros interesses, mas é um procedimento que demanda “aos participantes que reflitam e avaliem suas necessidades e interesses racionalmente do ponto de vista de sua generalidade” (CHAMBERS, 1996, p.103). O sucesso dessa avaliação (seu grau de reflexividade, inclusividade e equidade) e reflexão depende, mais do que da elaboração, publicização e constante revisão de regras e normas de discussão, de como as pessoas tratam aqueles que com elas trocam argumentos e formulam demandas e desejos.
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discursos não devem ser entendidos como atividades destinadas a encontrar regras que conectem diferenças isoladas, mas como práticas necessárias à compreensão de como as diferenças se sobrepõem e se interpenetram (BENHABIB, 1996).
Para que, em uma situação de troca de argumentos, todos sejam vistos como iguais e considerados como parceiros do diálogo, o discurso prático se configura como um procedimento que, ao mesmo tempo, leva em consideração os entendimentos individuais da situação em causa (geralmente expressos na discussão sob a forma de narrativas biográficas e testemunhos) e estimula “os participantes a perceberem que pertencem a uma comunidade ilimitada de comunicação” (HABERMAS, 1990, p.98). Tal comunidade asseguraria redes de reconhecimento recíproco derivadas do esforço de perceber os problemas pelo olhar dos outros. O igual tratamento exigido nessa relação tende a procurar formas de inclusão no debate que não sejam niveladoras de diferenças, permitindo que o “outro” seja respeitado em sua alteridade. Assim, pode-se ter em mente que o discurso prático é uma maneira ideal de se deliberar sobre interesses e necessidades, exigindo que os participantes percebam seus interlocutores não como obstáculos a serem driblados para a conquista de objetivos particulares (ação estratégica), mas como parceiros dignos
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A ética do discurso requer que nossos interlocutores sejam vistos como indivíduos que merecem igual consideração e que sejam moralmente capazes de elaborar, defender e revisar seus pontos de vista em público. O igual tratamento exigido nessa relação tende a procurar formas de inclusão no debate que não sejam niveladoras de diferenças, permitindo que o “outro” seja respeitado em sua alteridade.
Para Habermas (1987), a autonomia é construída de maneira intersubjetiva e dialógica: o indivíduo adquire autonomia somente por meio de seu envolvimento em uma rede de relações comunicativas com os outros. A autonomia se desenvolve pelo uso da linguagem nas interações sociais e, por isso, envolve competências comunicativas que não existem como propriedades individuais, mas como parte de uma atividade compartilhada de busca comunicativa por entendimento. Tal abordagem está intimamente ligada ao modo como Habermas define o sujeito e seu processo de constituição. Segundo ele, o sujeito não é fruto de um processo de autorrealização solitária e livre, pautado por uma forma de agir espontânea, mas de um processo de socialização mediado pela linguagem, por meio da qual também formula, reflexivamente, uma história de vida.
A autonomia se desenvolve pelo uso da linguagem nas interações sociais e, por isso, envolve competências comunicativas que não existem como propriedades individuais, mas como parte de uma atividade compartilhada de busca comunicativa por entendimento. A autonomia não está relacionada ao individualismo ou à autossuficiência. Em vez disso, sua construção é intersubjetiva e exige competências comunicativas originadas nas redes interativas que as pessoas estabelecem umas com as outras.
Ao buscarem o entendimento recíproco de forma ao mesmo tempo conflitual e cooperativa, os atores tomam contato com a história de vida e com o mundo dos “outros”, ou seja, seus parceiros de interação. Esse contato permite que os atores reproduzam e renovem suas tradições e modelos culturais de entendimento e interpretação. Permite, ainda, que desenvolvam e afirmem suas identidades pessoais e coletivas. Portanto, quando em interação dialógica, os atores podem desenvolver suas identidades por meio da troca argumentativa que realizam uns com outros. Mas nem só argumentos racionais são trocados na interação comunicativa voltada para a busca de entendimento. Constantemente, as pessoas oferecem a seus interlocutores testemunhos e narrativas relacionados aos eventos marcantes de sua história de vida. Assim, a prática narrativa supre não só as necessidades triviais que levam ao entendimento mútuo entre os participantes da interação (que coordenam suas ações em direção a objetivos comuns),
A formação do sujeito político e a autonomia
Para que tenham chance de participar desse processo de discussão, todos devem ser capazes de exercer sua autonomia política, isto é, de formular, de maneira autônoma, razões próprias e passíveis de serem compreendidas e aceitas, de iniciar debates e interpretar suas necessidades de maneira reflexiva e de serem reconhecidos como moralmente responsáveis por seus julgamentos e ações, sendo capazes de explicá-los aos outros se houver necessidade, expondo seus interesses sob uma perspectiva generalizante (COHEN, 1997; CHRISTMAN, 2001). Além disso, a autonomia política (ou pública) abrange a “habilidade de assumir papéis dialógicos, de se engajar reciprocamente na prática de assumir o lugar do outro, de alcançar a reflexividade diante desses papéis e articular suas próprias necessidades, seus interesses e valores, a fim de chegar a um acordo comum sobre normas gerais” (COHEN e ARATO, 1992, p.398).
A identidade de indivíduos socializados constitui-se, simultaneamente, no medium do entendimento linguístico com outros e no medium do entendimento intrasubjetivo e biográfico. A individualidade constitui-se, pois, em condições de reconhecimento intersubjetivo e de um autoentendimento mediado em nível intersubjetivo (HABERMAS, 2010, p. 215).
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de respeito e agentes autônomos com capacidade moral para elaborar e defender publicamente as próprias posições com base em argumentos e razões.
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A prática narrativa não serve somente a necessidades triviais para o mútuo entendimento entre membros que tentam coordenar seus interesses comuns; ela também funciona no autoentendimento das pessoas. As pessoas têm que objetivar seu pertencimento ao mundo da vida do qual, em seus papéis atuais como participantes em comunicação, elas fazem parte. Somente podem desenvolver identidades pessoais se reconhecerem que as sequências de suas próprias ações formam histórias de vida apresentáveis narrativamente; elas podem desenvolver identidades sociais somente se reconhecerem que mantêm seu pertencimento em grupos sociais através da participação em interações, e que essas pessoas estão presas em histórias de coletividades apresentadas por meio da narrativa (HABERMAS, 1987, p.136).
É no cotidiano que a comunicação com o outro se fortalece e se redefine, redimensionando os sujeitos e o meio no qual se inserem. Contudo, deve-se pensar que os sujeitos que se inserem nas práticas comunicativas do cotidiano desejam ter sua singularidade reconhecida, suas habilidades devidamente respeitadas e seu modo de viver incluído na “gramática” dos estilos de vida aprovados pela sociedade. Nesse sentido, os sujeitos elaboram demandas e reivindicações de reconhecimento social por meio das trocas discursivas e da linguagem. Por isso, as pessoas se realizam por meio da linguagem e do uso que dela fazem para se verem inseridas dentro de uma comunidade de sentidos, na qual são negociados pontos de vista para além das diferenças de cada um. O sujeito habermasiano é resultado de um duplo movimento de autorrealização: o primeiro é o da busca de uma autocompreensão ética, que coloca o sujeito constantemente em relação a uma segunda pessoa, uma vez que o sujeito (e seu projeto de vida) tem necessidade da confirmação por parte de outros, sejam eles parceiros concretos ou possíveis em uma interação. Na medida em que os outros pressupõem a minha capacidade de responder pelas minhas ações, eu faço de mim mesmo, passo a passo, aquele em
que me tornei na convivência com os outros. Não posso manter apenas pela minha força própria, o Eu que me parece ser dado, na minha autoconsciência, como um bem absolutamente próprio – ele não me pertence. Esse Eu conserva, antes, um núcleo intersubjetivo, porque o processo da individuação de que provém atravessa a rede das interações mediadas pela linguagem (HABERMAS, 2010, p. 232).
O segundo movimento abrange a emancipação alcançada pelo desenvolvimento da autonomia política e das habilidades comunicativas de exposição argumentativa e justificação públicas. Habermas não trata a autonomia como algo dado aos indivíduos, nem como um pressuposto lógico ou uma precondição empírica para a democracia. Ele a vê como uma possibilidade de desenvolvimento do sujeito que está associada às relações sociais vistas sob o aspecto das capacidades humanas para a autorreflexão. O sujeito autorreflexivo é capaz de, primeiro, olhar para a sua trajetória de vida como algo que tem continuidade, permitindo-lhe projetar objetivos futuros e organizar o presente, tendo em vista tais objetivos. E, segundo, ele é capaz de fazer “um exame crítico de si mesmo e dos outros, de se engajar em processos de troca de razões e chegar a julgamentos que defende através de argumentos” (WARREN, 1995, p.172). De um lado, o sujeito se desenvolve e se autocompreende a partir de reconhecimentos recíprocos por meio dos quais os indivíduos definem suas identidades. Assim, o ponto de vista da reciprocidade pertence ao conhecimento interativo dos sujeitos falantes e agentes. De outro, o sujeito busca emancipação por meio da construção da autonomia, que depende da participação na interação linguística e requer o reconhecimento recíproco das identidades dos falantes. A autonomia, ao depender da igualdade no sentido do reconhecimento recíproco dos sujeitos interlocutores, implica a adoção de uma atitude reflexiva em relação às próprias necessidades e desejos que não se restringe a um exercício interno, mas que só se concretiza em processos de trocas de razões em que os indivíduos devem: a) expressar publicamente suas necessidades aos outros; b) elaborar justificativas aceitáveis para suas próprias ações cotidianas; e c)
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mas desempenha também um importante papel no processo de construção das identidades.
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Não se pode deixar de salientar que a conquista da autonomia política, em seu viés relacional, depende de componentes externos aos sujeitos, ou seja, de dimensões comunicativas, sociais e institucionais que, consideradas as assimetrias de poder e de discurso, permitam que eles participem da vida pública, sendo respeitados, ouvidos e considerados. Habermas quer mostrar que, à medida que competências interativas gerais se desenvolvem, elas também produzem capacidades para a autonomia. Essas capacidades já estariam sempre envolvidas nas relações comunicativas e sociais, fazendo-se latentes em estruturas gerais de interação. Contudo, é importante que não se confunda uma teoria da transformação discursiva do self, tal qual oferece Habermas, com uma teoria do próprio self (WARREN, 1995). O self construído via discurso revela que o uso cognitivo, reflexivo e recíproco da linguagem em busca de entendimento implica um individuo autônomo, capaz de motivação cognitiva e de reflexão, que pode distinguir entre o uso discursivo da linguagem e outros usos, e que está motivado para alcançar um nível discursivo diante do conflito. Mas o self construído via discurso também está submetido a assimetrias e desigualdades de acesso e uso da linguagem. Uma perspectiva como essa deveria levar em conta o fato de que qualquer forma de solução para problemas morais que coloca “entre parêntesis” o fato de que a competência linguística é desigualmente distribuída está privilegiando a reprodução de desigualdades sociais e políticas. Enfatizar o modo argumentativo e discursivo de busca de solução e/ou melhor entendimento de problemas coletivos significaria, para vários críticos de Habermas, desprezar outras formas de expressão e de uso de competências linguísticas, além de desconsiderar o modo como a opressão, o poder e a desigualdade operam na dinâmica de discussão. A ênfase no discurso esconde o fato de que mesmo a competência linguística é distribuída hierarquicamente/desigualmente e está implicada na reprodução de exclusões. Os participantes não usam
as mesmas expressões linguísticas e da mesma forma. Se a racionalidade está no uso que os sujeitos fazem da linguagem, então não existe uma só forma de racionalidade, nem uma só forma de linguagem. E todas elas têm relação intrínseca com o poder (KOHN, 2000, p. 408).
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reconhecer seus interlocutores como dignos de valorização e consideração (Cf. COOKE, 1999, p. 26).
Para Habermas, se a ideia-chave da democracia discursiva é que a democratização também produz os tipos de indivíduos que possibilitam a política discursiva, então, temos que olhar mais de
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De acordo com Young (2001), os princípios propostos por Habermas deixam de fora aqueles que não têm a educação ou o vocabulário exigido para a argumentação abstrata, sendo necessário conceder-lhes formas alternativas e culturalmente situadas de expressão. A capacidade de argumentação não se encontra distribuída de modo uniforme na população. Sob esse aspecto, ainda que a ética do discurso e a formação do sujeito autônomo e reflexivo sejam abordagens promissoras que Habermas traz para a teoria democrática, ele não problematiza com profundidade o processo de transformação de um sujeito em interlocutor. Dito de outro modo, se, para ele, a constituição de uma sociedade democrática e plural (que saiba solucionar coletivamente e racionalmente seus problemas de ordem moral através do discurso) depende do desenvolvimento das capacidades ou competências comunicativas dos indivíduos, seria necessário explicitar o processo de formação do “eu discursivamente competente” do ponto de vista cognitivo, moral, linguístico e motivacional. Se os indivíduos adquirem essas competências na própria sociedade, em suas interações mediadas e nos processos de socialização e constituição identitária, seria preciso mapear os espaços cotidianos e institucionais mais propensos ao seu desenvolvimento e aprimoramento. Tal mapeamento nos ajudaria a evidenciar que o sujeito político discursivamente competente e autônomo em Habermas, ao contrário do que afirma Mouffe (2005), não é anterior à interação argumentativa, mas se produz e se transforma pelo diálogo. Além disso, poderia revelar também que a democracia discursiva não é um processo ao qual só têm acesso as elites, os políticos, os especialistas e os homens cultos (os quais já dominam as estratégias racionais de construção, exposição, justificação e revisão de argumentos).5
A questão da formação do sujeito político em Habermas envolve, de um lado, a busca pelo autoconhecimento e pela autorrealização via constituição da identidade e da autonomia política e, de outro, a tensão que se estabelece entre o desenvolvimento de capacidades comunicativas e os constrangimentos (institucionais, simbólicos, políticos, econômicos, etc.) que minam as possibilidades de transformação do sujeito em interlocutor paritário, moralmente digno de ser considerado e reconhecido como cidadão. O fato de esses constrangimentos serem capazes de impedir que as pessoas se tornem interlocutores em pé de igualdade deriva não apenas da dependência econômica e da dominação política, mas também da “internalização do direito que se tem de falar ou de não falar, da desvalorização do estilo de discurso de alguns indivíduos e da elevação de outros” (YOUNG, 2001, p. 370).
Considerações finais
O princípio discursivo desenvolvido por Habermas norteia o ideal de que, nas sociedades complexas atuais, os indivíduos coordenam seus assuntos coletivos e legitimam as normas que os vinculam mediante o uso público da razão e da troca de argumentos, visando alcançar acordos mutuamente motivados. Tais acordos não se separam do mundano, do rotineiro, dos significados compartilhados cotidianamente no mundo da vida6, mas fazem parte do processo de socialização humana.
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A perspectiva moral de Habermas estabelece uma diferenciação entre problemas ligados às normas coletivas que asseguram nosso viver-juntos e problemas referentes ao bem-viver de indivíduos e grupos particulares (McCARTHY, 1995). No entanto, questões éticas e morais se sobrepõem quando se trata de estabelecer a solidariedade entre indivíduos que buscam reconhecer-se mutuamente como parceiros capazes de justificar racionalmente suas ações, falas e desejos.
O grande objetivo da ética do discurso é alcançar o mútuo entendimento por meio de uma discussão racional entre interlocutores plurais e motivados pela busca da compreensão. Para isso, o primeiro passo a ser dado é definir coletivamente a situação de ação, na qual se instaura entre o “eu” e o “outro” um espaço que é ocupado por certezas e intuições que são pré-reflexivas, mas que somente é moldado e (re)modelado no decorrer das interações comunicativas. Nesse espaço, os sujeitos se constituem na medida em que se expressam, justificam seus pontos de vista e redefinem seus interesses em interação. Tal dinâmica permite, além da construção da autonomia política, a fundamentação de um conceito universal de responsabilidade solidária, direcionado para a resolução de problemas coletivos por meio de processos públicos de entendimento discursivo entre todos aqueles potencialmente concernidos, em todos os níveis e esferas públicas parciais em que se colocam os problemas. A ética do discurso, e sua aplicação via discussão prática, reúne os elementos capazes de possibilitar a interconexão dessas diferentes esferas e níveis em que os problemas se manifestam e demandam por soluções.
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perto a relação entre política e auto-transformação para produzir uma abordagem que não pressuponha os tipos de indivíduos que ela precisa para funcionar (WARREN, 1995, p. 182).
A dimensão ética da discussão encontra-se nos princípios de igualdade, cooperação, reciprocidade e não coerção, que, nos debates práticos, auxiliam os interlocutores a se colocarem no lugar do outro, ultrapassando a dimensão individual e alcançando uma ampliação de horizontes de interpretação. Essa relação entre ética e moral marca a busca da corresponsabilidade de todos, cada um a partir de suas próprias experiências, pelas consequências das ações que asseguram um “ser com os outros” e um contexto de vida partilhado. O reconhecimento do mundo do outro deve envolver, além de laços afetivos, éticos e políticos, uma comunicação ligada ao engajamento dos sujeitos sociais na produção de um mundo comum. Nesse mundo partilhado, o indivícuo se apresenta diante do outro e espera dele compreensão, uma certa abertura ao diálogo, pois, por meio dessa relação é que as narrativas identitárias se moldam e se expressam, que as relações se estreitam ou são cortadas. Como destacam Cohen e Arato (1992), uma discussão pública pode mostrar que, apesar das discordâncias e diferenças, há
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Em sociedades plurais, ou seja, aquelas nas quais vários grupos e indivíduos lutam por reconhecimento (HONNETH, 1995) e argumentam com base em suas experiências subjetivas, esse processo de esclarecimento recíproco é fundamental para a revisão e reformulação das representações simbólicas que norteiam as interações comunicativas e para a integração de questões morais coletivas a um amplo debate público. Afinal, significados compartilhados não são unicamente dados pela imposição de uma tradição, mas são também implementados pelos discursos reflexivos dos indivíduos, pela linguagem e, até mesmo, pelas reapropriações dos recursos simbólicos midiáticos.
Notas 1
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2
Segundo Habermas, a racionalidade de uma pessoa mede-se pelo fato de ela se expressar racionalmente e poder prestar contas de seus proferimentos adotando uma atitude reflexiva (2004, p.102). A racionalidade dos atores (adquirida intersubjetivamente), portanto, está menos ligada à posse de conhecimento do que ao uso que os atores fazem dele. Para Habermas, é essa racionalidade que nos acompanha na prática comunicativa cotidiana e na atividade discursiva que envolve transformar um argumento subjetivo num argumento que possa ser compreendido universalmente. Quando os atores estão socialmente integrados e sua motivação para a fala e a ação é racional, ou seja, baseada na disputa entre argumentos e em processos não coercitivos de entendimento, isso lhes permite uma postura reflexiva com relação à linguagem e ao outro.
Aqui, a perspectiva da primeira pessoa não significa a limitação egocêntrica às preferências individuais, mas garante a referência a uma história de vida que está sempre ligada a tradições e formas de vida intersubjetivamente compartilhadas (HABERMAS, 2004, p. 40).
Ver o texto: APEL, K.-O.“Ética do discurso e as coerções sistêmicas da política, do direito e da economia”. In: HERRERO, F. J. E NIQUET, M. (eds.) Ética do Discurso. São Paulo: Loyola, 2002, p.201-223.
3
4
As demandas de validade estão conceitualmente ligadas à idéia de que todos deveriam concordar que aquela norma que está em debate, buscando validade, deve ser válida para todos (Habermas, 1998). As demandas de validade são três: a) verdade (quando o ato da fala se refere a algo que existe no mundo objetivo); b) correção (quando o ato da fala se dirige a normas que sustentam as relações sociais) e c) veracidade (quando o ato da fala expressa algo que é de domínio subjetivo, a que o sujeito tem acesso privilegiado).
5
A racionalidade é uma construção social que beneficia aqueles que já estão no poder. O poder torna-se mais efetivo quando pode se travestir de objetividade e racionalidade. O apelo a normas validadas intersubjetivamente pode ser uma forma de estruturar o dissenso e as formas de contestação para perpetuar o modelo neoliberal (KOHN, 2000, p. 409).
6
O mundo da vida é estruturado por tradições culturais e ordens institucionais, assim como pelas identidades que se originam dos processos de socialização. Por essa razão, ele não se constitui como uma organização à qual os indivíduos pertencem como membros, nem como uma associação na qual eles se encontram, nem como um coletivo composto de participantes individuais. Em vez disso, práticas comunicativas cotidianas nas quais o mundo da vida está centrado são nutridas pelos modos de interação da reprodução cultural, da integração social e da socialização. Tais práticas, por sua vez, estão enraizadas nesses modos de interação (HABERMAS, 1998:251).
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algo em comum. Nesse sentido, o conceito de solidariedade associado à ética do discurso requer uma habilidade de se identificar com o “não idêntico”, ou seja, “envolve a aceitação do outro como outro, o qual precisa ter a mesma chance de articular necessidades e argumentos” (COHEN e ARATO, 1992, p. 383) a fim de chegar ao entendimento comum. “As questões de justiça só podem ser respondidas sob uma igual consideração das perspectivas de interpretação do mundo ou de si mesmos de todos os envolvidos. (...) Essas condutas comunicativas estão entrelaçadas à reciprocidade e a relações de reconhecimento mútuo” (HABERMAS, 2004, p. 56 e 314).
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