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[Editorial
Expediente]
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onhecer de perto a história de Fortaleza, através de seus bairros ultrapassa qualquer turismo ou atividade profissional. É um sentimento de pertencimento. De “se sentir parte”. Nesta edição trazemos um pouco do dia -a-dia do Titanzinho, a comunidade mais famosa do bairro Serviluz, localizado na orla central de Fortaleza. Em meio ao contexto de desigualdade social e carência encontramos figuras que se reinventam diariamente. São defensores do mar, quintal para os moradores “titânicos”. Já no Montese, trazemos a narrativa do passado do bairro, com o auxílio do Sr. Raimundo Ximenes, morador mais antigo. Ele conta sobre o crescimento do bairro, que antes se chamava Pirocaia. Além disso, ouvimos a opinião dos moradores que morar ao lado do aeroporto Pinto Martins. O barulho das aeronaves incomoda, tanto que tal perturbação já originou uma Ação Civil Pública. Por fim, mostramos o intenso comércio na área, que vai desde grandes supermercados a lojas de noiva.
Email – gabriel-arg@live.com Periodicidade – Mensal Distribuição – Faculdade 7 de Setembro Editor-Chefe – Gabriel Antônio Repórteres – Assis Nogueira e Gabriel Antônio Diagramação e Revisão Textual – Assis Nogueira e Gabriel Antônio Capa – Foto Divulgação Impressão - Gráfica Editora Tipogresso Disciplina – Projeto em Mídias Convergentes Professora – Vânia Tajra Curso – Comunicação Social (Jornalismo)
BOA LEITURA! Gabriel Antônio Editor-Chefe e Repórter
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A história do bairro conhecido como Cais do Porto ou Serviluz é
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contada através de sua estreita relação com os verdes mares da capital cearense
ocalizada na orla central de Fortaleza, mas precisamente no bairro Cais do Porto ou conhecido por alguns como Serviluz, a comunidade do Titanzinho tem localização privilegiada. O local respira a junção das brisas do Mucuripe e do começo da Praia do Futuro, além de ser considerado o berço do surfe na capital, graças à ação natural e humana. Isso por que os paredões de pedra que ocupam algumas faixas de areia concentram em maior quantidade a força das ondas. A posição da praia também ajuda quando se trata de grandes ondulações que atingem o litoral cearense. Porém, viver ao sabor das ondas não parece ser ideal (ainda que para alguns moradores isso seja tudo), já que os índices de pobreza e criminalidade na comunidade são alarmantes. O “Titan”, como muitos chamam, sofre com a falta de assistência social e de políticas públicas que promovam a educação, esporte e cultura.
Gabriel Antônio Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHm), equivalente a 0,386. Nele, 90% da população é beneficiada com o Bolsa Família e 80% têm apenas o Ensino Fundamental e vivem na informalidade. Dos 21 mil habitantes, 20% sobrevivem da pesca. O que cabe aos personagens desse pedaço de terra é se reinventar diariamente, promovendo projetos que saltam de suas mentes criativas. Um desses personagens é João Carlos Sobrinho, conhecido popularmente como “fera” que conta que o batismo da área contou com a inspiração das máquinas de construção do Porto do Mucuripe, chamadas “Titan”.
“Depois que a Companhia Docas começou a fechar a área mais próxima ao Porto para começar a construção, os moradores que moravam lá se deslocaram para essa área aqui, onde o pessoal vive agora. Os moradores que vieram de lá, colocaram o nome da nova terra de Titanzinho”, conta Segundo levantamento do jornal Diário do Nordeste, o bairro é um dos que têm menor Fera. Revista Meu Bairro – Especial Fortaleza – P.3
Meu nome é Fera N
O jeito “amigo e surfista” de João Carlos Sobrinho, mais conhecido como Fera faz dele uma lenda viva do bairro
ão é preciso andar muito pelas ruas do bairro Serviluz, mas precisamente na comunidade do Titanzinho, para en“ contrar umas das figuras mais importantes do local. Dedos rapidamente apontam para a casa de João Carlos Sobrinho, o Fera, surfista quarentão, e um verdadeiro sábio em meio à realidade pobre da área.
molecada tem mais suporte”, relembra Fera. O “professor”, como também é conhecido, por dar aulas de surf para as crianças da comunidade não deixa escapar seu lado de celebridade e fala das várias reportagens que concedeu a programas de TV Fera e rádio, jornais e sites. “Teve vários, mas o ‘Minha Periferia’ da Regina Casé foi marcante. Ali o Brasil conheceu o Titanzinho. E toda aquela simpatia da Regina é de verdade mesmo”, brinca. A pele escura e queimada do sol denuncia que o tempo passou, mas o sur-
Meus filhos surfam e me deixam para trás. Mas sempre que posso tento descer minhas ondinhas. O surf é uma terapia”
Ao entrar em sua casa, logo nos deparamos com vários troféus, fruto de sua longa carreira como competidor. “Aqueles tempos eram mais difíceis. Eu mesmo comprava minha camiseta de lycra e escrevia meu nome de canetinha para competir nos campeonatos. Hoje a
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fista que agora tem 46 anos de idade nãose entregou à aposentadoria. “Não tenho mais o pique de antes. Meus filhos surfam e me deixam para trás. Mas sempre que posso tento descer minhas ondinhas. O surf é uma terapia”, ressalta o surfista que já viajou por diversas praias brasileiras. O lado simpático de João Carlos Fera não esconde seu instinto de defender com unhas e dentes a comunidade onde mora. Durante a tentativa da Prefeitura de Fortaleza e do Governo Estadual do Ceará de construir um estaleiro no local, projeto que fazia parte do Promef (Programa de Modernização e Expansão da Frota), Fera bateu pé até na Câmara dos Vereadores expondo o impacto negativo que a obra traria para o Titanzinho. “Em primeiro lugar, o Titanzinho está em área de preservação ambiental e não suportaria uma obra
dessa magnitude”, garante. Antes de irmos embora o “vôvô garoto” ainda nos oferece soja cozida preparada pela esposa. “Eu tenho tudo que preciso. O mar em frente de casa e uma panela com comida. Vocês querem soja? É rica em ômega 3. Ajuda no cérebro e na memória, já que estamos ficando velhos”, brinca mais uma vez.
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A missão não é só nas ondas O
A Missão Surfistas de Cristo Titanzinho busca integrar jovens a projetos sociais, afastando-os da ociosidade e da violência
utro personagem bastante conhecido no bairro Serviluz é Carlos Irlando, o Bebeto, missionário da Missão Surfistas de Cristo, projeto que chegou ao local em 1999, graças ao missionário Marcos Santos, ‘o Marquito’. Bebeto foi umas das crianças alcançadas pelo projeto religioso que promovia encontros e diversas atividades com o objetivo de tirar crianças e jovens da marginalidade. O menino virou homem e hoje é presidente da unidade da Missão localizada no bairro. “Eu era uma daquelas crianças sem perspectivas quando o Marquito chegou com o novo projeto. Tinha aquele preconceito inicial por ser promovido por algo que tinha um cunho religioso, mas logo vi que o ob-
jetivo era muito mais assistencialista do que meramente religioso”, conta. Em parceria com outros projetos como o Ministério de Hip Hop, Salmo 23, e o Projeto Vila Mar, os voluntários da Missão Surfistas de Cristo promovem diversas atividades na comunidade, relacionados com o surf e futebol, arte e cultura. Após a brincadeira é servido um lanche para as crianças e jovens. “É muito gratificante ver que daqui saem atletas, cantores, músicos entre outros”, diz. Outro produto da Missão está voltado à área da comunicação. A Rádio MSC Titan está disponível na internet e em caixas de som espalhadas pela comunidade. Revista Meu Bairro – Especial Fortaleza – P.6
Na rádio as pessoas podem escutar Reggae, Rock, Surf-Music, Rap entre vários outros estilos musicais, todos eles com um único propósito, louvar ao criador das ondas! Temos momentos de Palavra ao vivo. A música toca 24 horas por dia”, conta Bebeto.
louvores e ensinamentos bíblicos, a promoção do esporte, da arte e da cultura são a base para futuras gerações. “O bom de trabalhar com gente é isso. Você percebe que o efeito que a Missão Surfistas de Cristo traz na vida de um jovem, futuramente poderá surtir na vida do filho dele” lembra.
O líder da MSC Titanzinho acredita que a ferramenta tem papel importante no bairro, por movimentar os jovens da comunida-
“Mas logo vi que o objetivo era muito mais assistencialista do que meramente religioso.”
Bebeto
de, que passam a operacionalizar o equipamento, além de estar sempre passando uma “mensagem amiga”. “Não duvido que diferentes pessoas escutem a Rádio, inclusive os traficantes, usuários que infelizmente vivem numa vida triste, dependente das drogas. Uma palavra amiga as vezes pode fazer muita diferença”, ressalta. Para Bebeto, o trabalho do projeto que ele encabeça tem sido eficaz e pode ser notado no exemplo dos jovens que coordenam as atividades atualmente. Os cultos com Revista Meu Bairro – Especial Fortaleza – P. 7
Do luxo ao lixo Para o ex-funcionário do Farol do Serviluz, Walsi Chaves, “o farol não merece o esquecimento”
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alsi Chaves, aposentado, tem muitos empregos na carteira de trabalho. Entre eles, um que lhe causa nostalgia. O senhor de jeito simples logo nos conta dos meses em que foi vigilante do Farol do Mucuripe ou Farol do Serviluz para os moradores do bairro. “Eu trabalhei quase um ano no Farol e não era como hoje. Não era essa destruição toda”, conta.
do Mucuripe voltou recentemente a atrair olhares dos fortalezenses, não curiosos como antes, mas preocupados com sua história e as consequências do esquecimento. As paredes de um prédio considerado ícone da identidade praiana da capital estão deterioradas e com pichações, o interior do forte está sujo e cheira a urina, Walsi sem contar seus arredores cobertos pelo mato. “É triste pra quem viu como era e ver como está hoje”, diz Walsi.
“O farol era bonitinho, bem pintado. Vinha muita gente aqui pra ver, subir até o topo. A visão é linda lá de cima”
Walsi lembra com saudades da fase “bonita” da construção, quando ônibus levavam turistas que se admiravam com a imponência do farol, levemente depositado sobre uma elevação de forma a auxiliar os pescadores e as embarcações que por ali navegavam. “O farol era bonitinho, bem pintado. Vinha muita gente aqui pra ver, subir até o topo. A visão é linda lá de cima”, ressalta. Símbolo da história de Fortaleza, o Farol
O local que antes era para visitação pública, hoje abriga marginais. “Eles ficam tudo aí, usando droga”, afirmou uma senhora que passava pelo local. O Ministério Público Federal (MPF) recomendou ao Poder Público a elaboração de um projeto destinado à revitalização do Farol, com restauRevista Meu Bairro – Especial Fortaleza – P. 8
ro, ocupação, e requalificação da área.
“É triste pra quem viu como era e ver como está hoje” Walsi
Para o ex-vigilante da construção, a torcida é que o velho farol volte a ser novo. “Quanto ao projeto do governo aí eu não sei muito dessas coisas, mas eu espero ver, ainda em vida, esse farol restaurado. Não moro no bairro, mas voltaria aqui pra ver”, garante Walsi.
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Farol do Mucuripe ou Farol do Serviluz foi construído entre os anos de 1840 a 1846, pelos escravos. No período de 1981 a 1982, recebeu sua mais significativa reforma a fim de abrigar o Museu do Jangadeiro, atual Museu do Farol, cujo acervo faz referência a Fortaleza Colônia, e o Ceará provincia do Brasil Império. Tombado pelo Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), o farol hoje faz parte do Patrimônio Histórico, sendo um dos mais belos pontos turísticos da cidade de Fortaleza. Fica localizado Av.Vicente de Castro,S/N - Serviluz, Fortaleza, Ceará, Brasil. Sua construção em alvenaria, madeira e ferro, representando uma das mais antigas edificações de Fortaleza. Foi durante muito tempo, referência para embarcações que aqui aportavam, porém, o velho olho do mar, como era conhecido, foi desativado em 1957. Fonte: Blog Fortaleza Nobre Revista Meu Bairro – Especial Fortaleza – P. 9
Concentrado em toda a extensão de duas importantes vias de circulação do bairro, de tudo se pode encontrar. De vestidos de noiva, até peças para carro Assis Nogueira
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ode-se dizer que o bairro do Montese tenha vida própria por conta da influencia de seu centro comercial. Quem mora por aqui, conta que dificilmente vai ao centro da cidade a procura de algum produto ou serviço. Com mais de 25 mil habitantes, de acordo com o último levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Montese é considerado um dos bairros mais importantes dentre os 19 que fazem parte da Regional IV, tanto pelo lado comercial, como habitacional. Os principais corredores do bairro, a Rua Alberto Magno e a Avenida Professor Gomes de Matos, são vias paralelas, porém se complementam pois formam um dos principais centros comerciais da cidade onde o comércio variado é seu forte, com espaço para tudo, sem exageros. “O mais importante para sua história é a presença
de agências bancárias, uma variedade imensa de casas comerciais e predominando o comércio de autopeças. Além de outros serviços, que atraem pela certeza de encontrar o que procura sem precisar ir ao centro”, descreve Raimundo Nonato Ximenes, fundador do bairro, em seu livro “De Pirocaia a Montese - Fragmentos Históricos”. Um dos exemplos pode ser citado a Auto Peças Padre Cícero. Há quase quarenta anos no mercado, com 12 lojas pela cidade, o gerente da loja, Jonas Soares, explica que o Montese foi o ponto de partida para o crescimento da empresa. “Aqui é o cérebro da rede, de onde se distribui para as filiais e partem as normas, procedimentos e o comando”, explica Jonas. Novos empreendedores também tem espaço no comércio local, como explica Maria Nelma. Costureira há pelo menos Revista Meu Bairro – Especial Fortaleza – P.10
15 anos em uma empresa, decidiu sair do emprego de carteira assinada e trabalhar por conta própria e montar uma loja de noivas.“Eu já trabalhava em outra área do comércio e resolvi mudar para confecção por achar que tinha maior rotatividade de mercadorias”. O comércio de Nelma con-
corre diretamente com outros da mesma área, adjacentes. O que serve como estimulo para a empresária seguir ousando. “Temos pelo menos sete lojas de aluguel de vestidos por aqui perto, mas isso não me impede de ter clientela. Pelo contrário, só me faz pensar no que investir para diferenciar minha loja das demais”, relata Nelma.
Vizinhos do Aeroporto
Quem mora próximo ao equipamento, convive com barulho das aeronaves que chegam a 75 decibéis em momentos do dia
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or várias vezes ao dia, e até a noite, os moradores de áreas do bairro do Montese têm de parar sua rotina para se proteger do incômodo barulho gerado pelas turbinas das aeronaves. O fato acontece porque estas casas estão na rota de pouso dos aviões que chegam ao Aeroporto Internacional Pinto Martins. Incômodo que acabou se tornando um costume, como relata o aposentado João de Oliveira, 68. “Tenho um netinho de seis meses aqui em casa, ele já se acostumou com o barulho. Nem se acorda mais”, brinca o aposentado. Porém a frequente exposição ao barulho pode vir a ocasionar perda de audição, como aconteceu com a mãe do servidor público Antônio Andrade, 53. Ele conta que há 10 anos, ela vinha perdendo a audição, e que teve de apelar ao uso de aparelhos auditivos. “Ela quando veio morar comigo aqui, dez anos atrás, já era aposentada. Aí ela se queixava do barulho, depois não escutava nem mais o que a gente dizia com ela”, relata Andrade. A moradora Vera Marques, 46, diz que antes a região “se resumia a mato. Quando colocaram o aeroporto par cá, foi que o povo foi chegando, desordenadamente, a ponto de ter casas bem dizer perto do começo da pista pro avião pousar”.
A reclamação é partilhada entre os moradores da área, como também de bairros adjacentes. O incomodo chegou a gerar uma Ação Civil Pública em 2013, no Ministério Publico Estadual. O relatório elaborado – a época pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SEMAN)-, constatou o nível de ruídos emitidos pelas aeronaveis bem superior aos recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), e que a principal causa dos distúrbios sonoros na cidade, se deve a falha de operações específicas no Aeroporto. Ou seja, não há procedimentos específicos para pouso e decolagem dos aviões. O estudo sugeria também que as atividades de chegadas e partidas dos voos fossem interrompidas, entre meia noite e quatro da manhã, como já ocorre em aeroportos de grandes cidades brasileiras, como o Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, e o Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, mas a determinação foi negada pelo Ministério Público Federal. A Infraero, responsável pela operação do Aeroporto diz fazer estudos regulares relacionados ao impacto das operações do Aeroporto, na cidade e seus habitantes próximos. As reclamações podem ser feitas através do número 0800.727.1234. Revista Meu Bairro – Especial Fortaleza – P.11
“Do que vivi no bairro,fiz um livro” Morador do Montese ainda do tempo que o bairro se chamava Pirocaia, Raimundo Ximenes reune a hisória de 65 anos em livro
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ntre os prédios comerciais da via mais movimentada do bairro, a Avenida Gomes de Matos, está à casa de seu Raimundo Nonato Ximenes. Atualmente, com 92 anos de idade, ele é considerado um dos mais antigos moradores do bairro. Já debilitado, porém conta com riqueza de detalhes a quem lhe visita, o crescimento do bairro desde 1944, quando veio do interior do Ceará, prestes a servir na Segunda Guerra Mundial.
to de armas do Exército Brasileiro, na época, ficava no Pirambu. Após o término da guerra, com vitória da FEB, Raimundo decidiu comprar o terreno em que mora até hoje. “Tinha um terreno pra vender, vim olhar. Era conta seu Ximenes tanta água, rapaz. Isso foi em 1946, depois de dar baixa no Exército. Fiquei com o terreno, fui pagando. Plantei muita coisa aqui, peguei uns pedaços de pau e construí uma casinha de taipa. Um ano depois da baixa, lembrei de tudo, do sertão... Me deu uma saudade danada do meu sertão. Era abril de novo e eu estava aqui sozinho. Não tinha nada. Minha noiva no Interior, meus Revista Meu Bairro – Especial Fortaleza – P.12
“Antes era tudo mato, não se tinha vizinhos, nem calçamento tinha. Só em 1954 que veio chegar aqui o calçamento, e em 1968 o asfalto.”
Natural da cidade de Groairas (distante 220 quilômetros de Fortaleza), filho de agricultores, nunca tendo frequentado uma sala de aula, seu Raimundo chegou a Fortaleza para se alistar no Exército. Lá, ele conta que foi incorporado a servir pela Força Expedicionária Brasileira (FEB) para a chamada “batalha de Montese”, mas acabou sendo remanejado para o depósi-
parentes longe, e eu nessa casa de taipa. Mas eu fiquei. Não fui embora”. Após a baixa no exército, trabalhou como motorista de ônibus, escrevia para jornais de época, até que em 1962 passou para o curso de Odontologia da Universidade Federal do Ceará (UFC). Desmanchou a antiga casa de taipa por uma de tijolos, trouxe a noiva que estava no interior. Casou e teve sete filhos. Como viu a família crescer, viu também o bairro se desenvolver. “Antes era tudo mato, não se tinha vizinhos, nem calçamento tinha. Só em 1954 que veio chegar aqui o calçamento, e em 1968 o asfalto. Aqui só se ouvia o balançado dos chocalhos dos bois. Depois do calçamento, veio os automóveis e aquela coisa toda”, conta Ximenes.
90 anos) no sertão, numa tarde fria de abril de 46. Passou um filme da minha vida. Os colegas que voltaram, sem recursos nem nada, porque o Getúlio (Vargas, presidente do país entre 1937 a 1945) não deu nada pra ninguém. Morreu muita gente. Lembrei disso tudo, da batalha de Montese e da guerra, que acabou 26 dias depois. Juntei isso tudo e disse: Meu Deus, vou chamar esse meu lugarzinho de Montese em homenagem aos companheiros que ficaram lá e aos que voltaram. Antes, a região toda era Pirocaia. Só era mato. Saí divulgando (o nome novo).” Todas as histórias relacionadas ao crescimento do bairro, seu Ximenes colocou no livro “De Pirocaia a Montese- Fragmentos Históricos”. “É um raio-x do bairro. seu Ximenes Fala de saúde, de comida, calçamentos, budegas, prostíbulos, depósitos de construção, e por ai vai. Tem muita coisa da minha memória também. Por exemplo, um acidente de avião em 62. Morreram 12 pessoas e um jumentinho. Era um avião militar”, descreve.
“Já me ofereceram dinheiro pra sair daqui, mas eu não quis. A casa não vale tanto, mas o terreno, sim”.
Hoje ele conta que se preocupa com outras coisas. A regalia de poder dormir com a porta aberta, por exemplo, acabou. A violência e a especulação imobiliária ditam o modo de vida de quem mora em pleno centro comercial do bairro. Embora tudo isso, seu Ximenes conta que a relação dele com o bairro não mudou. “Eu poderia ter ido embora daqui já. Teve um dia em que eu fui assaltado dentro daqui, de casa. Entrou um cara com revólver e levou as coisas de valor que tavamali em cima. Ele chegou a dar um tiro, mas a arma não disparou. Depois disso mandei colocar alarme e cerca elétrica aqui. Hoje tenho certo medo de viver aqui, eu e minha mulherzinha, só nós dois aqui nessa casa. Já me ofereceram dinheiro pra sair daqui, mas eu não quis. A casa não vale tanto, mas o terreno, sim”. Morador do bairro há pelo menos 65 anos, seu Ximenes relata que antes o bairro se chamava Pirocaia, e a mudança- provocada por ele mesmo- foi uma forma de homenagear os combatentes da FEB na Segunda Guerra Mundial. “Sozinho aqui, ela (a esposa, dona Libânia Feijão Ximenes,
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Mais uma produção dos alunos de Jornalismo da Faculdade Sete de Setembro
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