Reflexões, diálogos e debates a partir da escrita acadêmica em busca da inovação

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Atilio Augustinho Matozzo (Org.) Andressa Angel Matozzo Felipe Medeiros da Rosa Gabriel M. B. Prechlhak Guilherme Klava de Farias Karina Linzmeyer Karla Adriane Goslar Lucas Gabriel Sebem Marcel Flenik dos Santos Mateus Lorenço de Souza Rodrigo Bartos dos Santos

REFLEXÕES, DIÁLOGOS E DEBATES A PARTIR DA ESCRITA ACADÊMICA: EM BUSCA DA INOVAÇÃO 1ª EDIÇÃO – DIGITAL M433r Matozzo, Atilio Augustinho. Reflexões, diálogos e debates a partir da escrita acadêmica: em busca da inovação / Atilio Augustinho Matozzo. – 1. ed. – União da Vitória: PROTAC, 2016 227 p. ISBN: 978-85-5562-018-8 Inclui bibliografia 1. Escrita acadêmica. I. Título. Produzida pelo bibliotecário Eduardo Ramanauskas CRB9 - 1813

União da Vitória – PR Kaygangue 2016

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Presidente da Mantenedora Wilson Ramos Filho Superintendente das Coligadas UB Edson Aires da Silva Diretora Geral da Uniguaçu Marta Borges Maia Coordenador Acadêmico Marcos Joaquim Vieira Revisão Atilio A. Matozzo Capa Lucas França Burgath

Apoio

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Agradecimentos Ao professor Edson Aires da Silva, Superintendente das Coligadas UB, por incentivar e acreditar cada dia mais em nosso trabalho. Obrigado! À professora Marta Borges Maia, Diretora Geral da Uniguaçu, que tem sido grande incetivadora dos projetos inovadores que fazem da Uniguaçu uma das maiores Instituições de Ensino Superior do país, bem como tem confiado em nossa capacidade para desenvolver e conduzir o PROTAC. Aos membros do PROTAC, que aceitaram fazer parte deste grupo, amigos que nos enchem de orgulho em cada linha produzida e composicionada nesta obra! Aos funcionários, e amigos, da Uniguaçu, os quais sempre nos mentêm bem em nossa segunda casa.

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Sumário Prefácio................................................................................... Parte I – Reflexões

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Capítulo 1 – Educação, conhecimento e autonomia no espaço escolar e universitário, por Marcel Flenik dos Santos.................

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Capítulo 2 – Academia, pesquisa e ciência: uma reflexão ao método, por Rodrigo Bartos dos Santos.....................................

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Capítulo 3 – Reflexões sobre a monitoria acadêmica-científica, por Guilherme Klava de Farias e Lucas Gabriel Sebem..............

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Capítulo 4 – A importância da publicação científica nos cursos de graduação: um olhar sobre o curso de Direito, por Felipe Medeiros da Rosa.....................................................................

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Parte II – Diálogos

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Capítulo 5 – A inovação acadêmica como atributo ao sucesso profissional, por Karina Linzmeyer............................................

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Capítulo 6 – A durabilidade das cargas de baterias de equipamentos portáteis: um diálogo com a inovação, por Andressa Angel Matozzo...........................................................

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Parte III – Debates

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Capítulo 7 – O Ser no caos, por Atilio A. Matozzo......................

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Capítulo 8 – A vulnerabilidade das relações sociais frente à liquidez: debate sobre a pós-modernidade e suas consequências para o direito, por Karla Adriane Goslar....................................

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Capítulo 9 – Debates sobre a democrácia e o estado democrático de direito, por Gabriel M. B. Prechlhak..................

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Capítulo 10 – Debate sobre o suicídio: rediscussão da praxis, por Mateus Lourenço de Souza................................................

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Biografias................................................................................

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Prefácio

O Ensino Superior tem passado por frequentes transformações, entre elas o fortalecimento de um de seus pilares: a escrita acadêmica, a qual passa a representar a própria essência do mundo acadêmico. A política do publish or perish tem motivado as instituições a desenvolverem publicações e mais publicações, mas há uma problemática a ser discutida aqui: qual a qualidade dos textos publicados? O forçoso processo quantitativo chegou ao seu fim, já que os fatores de impacto e as demandas acadêmicas estão no limite, sempre com publicações oriundas das mesmas fontes e dos mesmos “figurões” do mundo acadêmico. É preciso renovar, inovar e provocar o crescimento de novas fontes de conhecimento, dentro do mundo acadêmico-científico. Caso contrário, continuaremos escravos da política quantitativa, invocando o não pertencimento de nosso conhecimento, nas agruras do tempo em que passamos dentro do Ensino Superior, dilacerando teorias e não construindo nada além de atividades que visem notas, ou reproduções de ideias antiquados. Refletindo sobre isso, em meio à uma orientação sobre como escrever um artigo 6


acadêmico, surge a ideia de criar, dentro das Faculdades Itegradas do Vale do Iguaçu (Uniguaçu), um núcleo para ensinar o processo de produção de textos acadêmicocientíficos, para que a difusão do conhecimento aconteça dentro da academia e tome o rumo da sociedade. Assim, constituímos o Núcleo de Produção de Textos Acadêmico-Científicos da Uniguaçu (PROTAC), com a função de difundir as técnicas e a importância da escrita acadêmica. Deitar no papel as ideias e os conhecimentos compartilhados no decorrer dos tempos dentro da academia não é tarefa fácil. Por isso, a seleção dos primeiros membros do PROTAC foi realizada a partir da pré-disposição para escrita, evolta no desejo de construir algo além da sala de aula. Não foi difícil encontrar pessoas com essas características, o difícil foi convencê-las que seriam capazes de produzirem de forma acadêmica, buscando um bom fator de impacto dentro de suas áreas, o que não demorou muito, pois em pouco tempo estávamos todos sentados em uma sala da Uniguaçu discutindo os temas dos textos. A busca por membros do núcleo focouse na heterogeneidade dos membros, levando em consideração a interdisciplinaridade, já que o conhecimento não pode ser uno ou 7


limitado. Desta forma, o PROTAC foi constituído por acadêmicos do segundo período dos cursos de Administração, Direito, Engenharia da Produção, Engenharia Mecânica, Sistemas de Informação e um professor de Filosofia do Estado do Paraná. Com isso, a grande ideia, embora com pessoas de diferentes áreas, era dar um caráter de dialógico aos textos, construindo a verdadeira interdisciplinaridade em busca da inovação por meio de textos acadêmico-científicos. Assim, no decorrer dos encontros, para debater as metodologias, os temas e as demais proposições sobre a produção acadêmica, houve o deliamento dos textos num grande processo dialógico, tanto que num primeiro momento o trabalho do PRATAC iria ficar restrito à produção para as revistas da Uniguaçu e não tínhamos a pretensão de publicar um livro. Mas, no decorrer dos trabalhos, a evolução foi tanta, e unida ao grande e apoio da Direção e da Superintendência da faculdade, que resolvemos produzir o presente livro. Os capítulos estão divididos em três partes: reflexões, diálogos e debates. Há um grande diálogo entre os textos, partindo de reflexões sobre a educação e a produção acadêmica, passando pela inovação dentro do Ensino Superior e as possibilides de aplicação 8


do conhecimento dentro da sociedade, culminando com a experienciação social dos sujeitos que vivem dentro da academia e são constituídos e lançados à vida em sociedade, preparados ou não. Portanto, na primeira parte intitulada reflexões, o primeiro capítulo, “Educação, conhecimento e autonomia no espaço escolar e universitário”, escrito por Marcel Flenik dos Santos, discute as problemáticas do processo de ensino-aprendizagem em meio a não vontade do ser em querer desenvolver conhecimentos, já que o mundo fora da escola/universidade é muito mais atrativo a ele. No capítulo “Academia, pesquisa e ciência: uma reflexão ao método”, Rodrigo Bartos dos Santos questiona a produção acadêmica, apresentando a ciência como propulsora da vida social e acadêmica. Em “Reflexões sobre a monitoria acadêmico-centífica”, Guilherme Klava de Farias e Lucas Gabriel Sebem desenvolvem um capítulo destinado à apresetação da evolução do processo de ensino-aprendizagem a partir da constituição de monitorias, seja em escolas, ou no Ensino Superior. Para encerrar a primeira parte, o capítulo quatro, “A importância da publicação científica nos cursos de graduação: um olhar 9


sobre o curso de Direito”, produzido por Felipe Medeiros da Rosa, discute a necessidade de envolvimento dos acadêmicos e professores na busca pela produção de trabalhos acadêmicos de qualidade, já que há o incentivo por parte das instituições. Abrindo a segunda parte da obra, diálogos, o capítulo cinco, “A inovação acadêmica como atributo ao sucesso profissional”, produzido por Karina Linzmeyer, diáloga com as inúmeras possibilidades de crescimento do acadêmico em busca de um futuro profisisonal/social de qualidade, tendo na produção acadêmica o primeiro passo. O capítulo seis, “A durabilidade das cargas de baterias de equipamentos portáteis: um diálogo com a inovação”, de Andressa Angel Matozzo, apresenta como repensar a prática diária de consumo de energia, focando na necessidade do reaproveitamento da energia, dando um ótimo exemplo de aplicabildiade dos conhecimentos adquiridos no mundo acadêmico. Abrindo a terceira, e última parte do livro, debates, o capítulo sete, “Ser no caos”, escrito por Atilio A. Matozzo, mostra a construção de uma vida caótica em meio à sociedade que sempre busca explicações para problemas criados por ela mesma.

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Na sequência, no capítulo oito, “A vulnerabilidade das relações sociais frente à liquidez: debate sobre a pós-modernidade e suas consequências para o direito”, Karla Adriane Goslar apresenta o processo de liquidez que transfomou o mundo e as relações entre as pessoas a partir da chegada globalização. O capítulo nove, “Democracia como meio, ou finalidade? Coeficiente do Estado Democrático de Direito, ou exponte da temática política?”, escrito por Gabriel Prechlhak, rediscute a constituição de um estado democrático por meio da visão social e filosófica, o que reconduz o nosso pensamento sobre a real democracia. No fechamento da terceira parte, bem como do livro, no décimo capítulo, “Debate sobre o suicídio, uma rediscussão da práxis”, Mateus Lourenço de Souza desenvolve uma análise da sociedade frente ao suicídio, (re)discutindo as principais causas e o próprio suicida em meio a uma sociedade marginalizadora e opressora. Esperamos, caros leitores, que a leitura desta obra os faça compreender a importância da escrita acadêmica e de sua publicação, bem como se sintam motivados a participarem das atividades do PROTAC e venham deitar no

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papel as ideias que os rodeiam durante as noites mal dormidas. Boa leitura! Atilio A. Matozzo Organizador

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Parte I ReflexĂľes

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CAPÍTULO 1 Educação, conhecimento e autonomia no espaço escolar e universitário Marcel Flenik dos Santos Introdução Qual a função e propósito de todo e qualquer processo educativo? Ora, a resposta para a devida questão em um primeiro momento parece ser óbvia para o senso comum, pois a função e o propósito seriam: para se aprender alguma nova técnica, saber como funciona um aparelho, aprender uma nova modalidade esportiva e, assim por diante, seguiriam os exemplos. Para pessoas mais reflexivas talvez a resposta à questão de modo mais elegante, alegaria que todo e qualquer processo educativo serve para solucionar problemas teóricos ou práticos que se manifestam no mundo físico independente da área do conhecimento. Em nossa conjuntura atual, o “conhecimento” e a informação se encontram tão intensos quanto o brilho das telas de smartphones e tablets que podem ser acessadas com um toque instantâneo e ao se acessar os “oráculos digitais” é possível 14


encontrar a resposta, ou o modo de se fazer algo para a possível dúvida que se tenha. Estudantes do ensino médio e do ensino universitário questionam seus professores sobre qual a função de se estudar sobre determinado conteúdo e onde se encontra a aplicação prática, ou como será útil para ganhar dinheiro de modo imediato, pois as gerações mais jovens acostumaram-se com a resposta de maneira veloz comparada com o toque na tela do dispositivo móvel. Para as novas gerações refletirem sobre o vínculo entre o conhecimento teórico, a prática e as predisposições de pensamento que constituem a natureza humana, faz-se necessário um apelo reflexivo para o reconhecimento das faculdades intelectivas. Para tal empreitada do reconhecimento e compreensão do que sejam as nossas faculdades intelectivas, e o alcance que elas possuem, gostaríamos de trazer à baila uma problematização que se encontra presente na história do pensamento ocidental (história da filosofia), para então responder as diferenças entre teoria, prática e predisposições de pensamento. Desse modo, o presente texto se justifica na medida em que fará distinção entre as formas de conhecimento e a possibilidade deste no fortalecimento da autonomia.

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Ao se partir do reconhecimento sobre as formas de pensar, de acordo com Kant, surge uma situação que pode auxiliar os estudantes no fortalecimento da autonomia, levando-os a perceberem a natureza de suas próprias faculdades intelectivas, bem como perceberem a forma dos juízos que constituem as disciplinas que fazem parte dos currículos tanto do espaço escolar quanto do espaço da graduação universitária. Realizar a mediação entre os saberes que os estudantes possuem e entre a proposta kantiana é permitir-lhes fazer reflexões sobre a natureza do conhecimento, levando-os à possibilidade de ter autonomia individual. Essa mediação é especificamente a tarefa do professor e o resultado será um “caminhar em direção ao empoderamento” destes estudantes, tarefa esta que está em consonância com o propósito dos espaços já mencionados. Tal proposta reflexiva só se faz possível devido à efetivação e permanência de disciplinas que fomentem a reflexão e ações comunicativas. O embate entre Racionalismo e Empirismo No período moderno entre os séculos XVI, XVII e XVIII surge um embate filosófico entre as teorias de conhecimento que dominavam o cenário. As referidas teorias 16


refletiam questões como: O que é o conhecimento? Quais são as origens do conhecimento? Qual é a extensão do conhecimento? Refiro-me aqui ao Empirismo e ao Racionalismo, o primeiro com uma tradição mais forte no território britânico e o segundo com presença mais forte na França. Ambas forneciam explicações sobre o processo e a aquisição do conhecimento. A Tradição Racionalista afirmava que o conhecimento era exclusivamente o uso da “Razão” e que esta possuía ideias inatas e a disciplina que culminava no edifício do saber por excelência era a Metafísica. E essa Metafísica constituiuse como legado importantíssimo, sendo base para o conhecimento, desde a civilização grega. Já a tradição Empirista afirmava ser a experiência e a comprovação através dos sentidos a origem do conhecimento e, portanto, a extensão do conhecimento só podia ser regulada por suas comprovações e repetições no tempo e no espaço. Não é possível eleger ou favorecer uma teoria em detrimento de outra, pois ambas versam sobre as respectivas questões do que vem a ser o conhecimento. Ambas as teorias apresentavam originalidade e argumentos de comprovação que foram utilizados para legitimar e fundamentar sobre como estavam propostas as questões referentes ao conhecimento. 17


Hume, ao realizar a “Investigação sobre o Entendimento Humano”, também se utilizou da Teoria do Conhecimento para fundamentar a moralidade estabelecendo em que medida Razão e Sentimento contribuem para a formação moral dos sujeitos, uma vez que para ele a possibilidade da moral deriva tanto da capacidade de pensar, quanto da capacidade de sentir, que são inerentes à natureza humana. Hume pretendeu fundar a ciência do homem em bases experimentais utilizando a análise psicológica como método experimental. Ele nega a possibilidade de uma moral absoluta, relativizando a moral, uma vez que o gosto e o sentimento dizem respeito a cada pessoa. Contudo, ressalta-se que cada pessoa somente sobrevive em comunidade e adquire os hábitos necessários à convivência. Para Hume, a Teoria do Conhecimento, a Psicologia e a Moral estão interligadas, uma vez que sua teoria parte da distinção entre impressões e ideias, sendo que estas últimas se submetem aos princípios da causalidade, da associação e da contiguidade. Para Hume, a moral se fundamenta no sentimento. O respeito à ordem pública, a obediência às leis, a busca da justiça, decorre do desejo de obter a própria felicidade e a paz social. E existe na própria natureza humana esse sentimento comum a todos os seres humanos, o que possibilita a 18


fundação da moral, mediante um sistema geral de censura ou louvor. Será bom o que se revelar útil para as pessoas e mau o que for prejudicial. É o princípio da utilidade. Assim, a moralidade humeana pode ser resumida como aquelas qualidades que são aprovadas por todos. Este saber não encontra sua base apenas no conhecimento, mas principalmente, deriva do sentimento, posto que para Hume o homem é um feixe de impressões e o fundamento da moral é irracional bem como o conhecimento das causas nas experiências, que de acordo com o autor, podem ser conhecidas somente pela comprovação dos sentidos através do hábito. Kant, enquanto herdeiro da corrente racionalista, também será fortemente influenciado pelos estudos científicos que vinham se desenvolvendo no período moderno, especificamente pela filosofia da natureza de Newton (1642-1727). Esse novo pensar estava conquistando muitos espaços e influenciando de maneira decisiva o pensamento filosófico do referido período. Kant viveu no período considerado o ápice do Iluminismo e era um homem consciente dos fatos históricos que marcavam sua época e, consciente do embate entre as concepções filosóficas do Racionalismo e do Empirismo, que constituíram parte de sua 19


preocupação. Sua formação acadêmica teve como influência o racionalismo de Leibniz (1646-1716) e de Wolf (1679-1754). Afirmou ser “despertado de seu sono dogmático” ao ler a Investigação Sobre o “Entendimento Humano”, de David Hume. Kant (2014, p. 28) descreve o referido insight na obra intitulada Prolegômenos a toda metafísica futura que venha apresentar-se como ciência da seguinte maneira: Admito sem hesitar: a recordação de David Hume foi exatamente aquilo que, há muitos anos, primeiro interrompeu meu sono dogmático e deu uma direção completamente diversa às minhas investigações no campo da filosofia especulativa. Estive muito longe de dar ouvidos a suas conclusões, que só se escoram no fato de ele não ter repensado sua tarefa por inteiro, mas fixando-se apenas em uma parte dela, a qual, sem levar em consideração o todo, não pode fornecer nenhuma informação. Quando se parte de um pensamento bem fundamentado embora ainda não desenvolvido que alguém nos legou, pode-se muito bem esperar, por meio de uma reflexão continuada, levá-lo mais longe do que o homem sagaz a quem se deve agradecer pelo primeiro lampejo dessa luz.

no

A leitura de Hume provocou um abalo pensamento filosófico de Kant, que 20


pretendia legitimar os argumentos metafísicos que foram legados a ele através dos grandes expoentes citados. Sem perder a esperança de fundamentar a disciplina de Metafísica, Kant escreve a “Crítica da Razão Pura” no intuito de formular um tribunal crítico para verificar o alcance e o funcionamento das operações do intelecto humano, fornecendo um aparato conceitual e estabelecendo uma fronteira para delimitar os alcances da Razão, ao analisar de forma judicativa os usos de nossas faculdades e prescreve as formas de juízos que se encontram classificadas, segundo o autor, em formas puras do entendimento, que segundo ele, são o espaço e o tempo pois são intuições a priori: Para Kant (2012, p. 84-85): O tempo e o espaço são, assim, duas fontes de conhecimento das quais se podem extrair a priori diferentes conhecimentos sintéticos, tal como sobretudo a matemática pura, no que diz respeito aos conhecimentos do espaço e de suas relações, exemplifica de maneira brilhante. Tomados em conjunto, eles são com efeito, as formas puras de toda intuição sensível, tornando possíveis, assim, as proposições sintéticas a priori. Mas por isso mesmo (porque são meras condições da sensibilidade) essas fontes a priori de conhecimento determinam-

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se os seus limites, quais sejam, que elas só se aplicam aos objetos na medida em que eles sejam considerados fenômenos, e que não apresentam as coisas em si mesmas.

O autor trabalha com os juízos analíticos: nos quais é possível extrair do sujeito o predicado. Como por exemplo, na sentença “o triângulo possui três lados”. Assim como os juízos sintéticos, nos quais não é possível extrair do sujeito o predicado. A não ser que seja realizada a experiência para que haja a comprovação, como por exemplo na sentença “o fogo dilata os metais”. Com a distinção entre as formas de juízos. Assim, para Morente (1964, p. 232233): Kant emitiu sobre as coisas em si (que continuavam perseguindo os idealistas desde Descartes) uma definitiva sentença de exclusão. As coisas em si mesmas não existem, e se não existem, não podemos dizer nada delas. Não podemos falar mais que de coisas não em si, mas extensas no espaço e sucessivas no tempo.

Trazendo os questionamentos de Hume e de Kant para os dias de hoje, percebemos que é importante apresentá-los aos estudantes, mostrando-lhes as diferenças entre o senso 22


comum e os argumentos reflexivos, pois existe a tendência no senso comum de se estabelecer uma relação direta entre o mundo sensível e inteligível. A disciplina de Filosofia no espaço escolar e universitário pode auxiliar a realizar a tarefa de estruturar a ponte entre o mundo da matéria (físico) e o mundo dos sujeitos. Entendamos como Razão o processo intelectivo individual e entenda-se como Sentidos, o processo intelectivo de se ser agente passivo diante de dados recebidos do mundo exterior. Há que se destacar que no pensamento de Kant é estabelecida uma análise dos juízos. Na atualidade, conforme Bastos (2009, p. 13) de acordo com o senso comum a “linguagem natural nos dá a falsa sensação de concretude, de realidade e necessidade entre palavras e mundo, de nexo necessário”, sendo essa uma noção ingênua de que a linguagem traduz diretamente estados de coisas e ações no mundo da matéria. No intuito de questionar o conhecimento cotidiano que procede em relações diretas entre linguagem e mundo, para se fazer afirmações e inferências, até o momento de Hume e Kant houve percepção de que existe um limite para o conhecimento. E ambos desenvolveram novas terminologias para delimitar os objetos de conhecimento. Interessa-nos, neste momento, a reflexão do 23


filósofo alemão que classifica a realidade em duas esferas de compreensão estas são o noumeno e o fenômeno. De acordo com os verbetes do “Dicionário Kant”, de Caygill (2000, p. 240) eis as respectivas definições: [...] os objetos da experiência que resultam da comparação de aparências pelo entendimento (§5). Neste caso, as leis dos fenômenos incluem as leis da experiência e, de um modo geral, de todo o conhecimento sensível (§5). E entenda-se por noumenon (...) um modo de determinar o objeto apenas pelo pensamento – uma forma meramente lógica sem conteúdo para o que nos parece ser um modo de existência do objeto em si independente da intuição.

Com a criação da respectiva nomenclatura, Kant estabelece a “Revolução Copernicana”, na qual a Razão, através da Crítica, estabelece os limites para o conhecimento e inverte a adequação da mente ao objeto para o sujeito tornar-se o regulador das condições de possibilidade, assim haverá a efetivação do reconhecimento do que pode ser comprovado empiricamente, do que pode ser pensado de forma metafísica e que constituem questionamentos presentes no espírito humano, tais como: A imortalidade da alma, O Uno, o Verdadeiro, o Belo e o Bem. Diante das 24


contribuições elaboradas por Kant é possível problematizar a natureza e o alcance do conhecimento para a formação da autonomia dos estudantes, que compreenderão a si mesmos, sendo embasados para a passagem de uma menoridade para uma maioridade reflexiva, justificando os conhecimentos escolares e acadêmicos que serão mais úteis para a formação profissional e úteis, também, para a compreensão do que é ser cidadão emancipado através do uso da Razão. O Iluminismo trouxe inovações de conhecimentos que proporcionaram uma nova perspectiva de compreensão para os sujeitos, inovações estas, que consistiam em reconhecer que a grande gama de saberes poderia auxiliar e prestar serviços ao bem-estar, não só individual, mas da coletividade. Os ideais iluministas forneceram, portanto, um ideal de progresso que poderia ser garantido se houvesse uma multiplicação dos conhecimentos para haver um maior controle sobre a Natureza e de previsibilidade dos fatos. Nesse sentido, as correntes filosóficas do Racionalismo e do Empirismo forneceram uma nova atmosfera para os novos ideais em questão, pois ambos versavam principalmente sobre as possibilidades e a natureza do conhecimento humano.

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Moralidade e eticidade no pensamento kantiano Kant (1724-1804), em seu texto “O que é o Esclarecimento”, proporciona uma nova perspectiva para se ampliar a compreensão do que se entende por um ideal do que vem a ser a liberdade e a autonomia. No texto citado, o autor estabelece a distinção entre os conceitos de menoridade que pode ser submetida por intermédio de tutores, ou esta também pode ser autoimposta; a menoridade se configura por ser um estágio em que o sujeito é incapaz de servir-se de seu próprio entendimento e, portanto, vive sob o julgo de tutores. Kant (2005, p. 65) explica que: [...] até mesmo entre os tutores estabelecidos da grande massa, que depois de terem sacudido de si mesmos o jugo da menoridade, espalharão ao redor de si o espírito de uma avalição racional do próprio valor e da evocação de cada homem em pensar por si mesmo.

No texto, o autor fala sobre a passagem para a maioridade dizendo que os sujeitos se tornam emancipados através do uso das faculdades de pensamento por consciência própria. Com a leitura do texto, é possível refletir sobre o conceito de Autonomia: é 26


quando o sujeito é capaz de legislar leis para si mesmo. Kant vislumbrou esse projeto coletivo de tomada de consciência quando desencadeou a revolução francesa, esse evento no entendimento do filósofo era de que o impacto dos movimentos intelectuais foram em parte introjetados pelo povo que tomou partido para a transformação da situação dos abusos de poder, tanto dos nobres como do clero, buscando transformações maiores no aspecto social. Por contrário, o conceito de Heteronomia refere-se quando o sujeito está subordinado à vontade de outrem, ou à lei exterior imposta. Na atualidade, ao se refletir sobre o período anterior ao Iluminismo, é possível compreender que o conceito de Heteronomia regia todas as ações humanas, pois a liberdade era justificada como livre arbítrio e a prática do mal era observada diretamente aos olhos de Deus, que se assemelhava a um grande vigilante registrando as ações humanas individuais que eram louvadas ou praticadas de forma errada. A tradição religiosa, portanto, constituiu-se como um grande freio para as tentações da alma humana, assim o item que norteava a Moral era a existência e a vigilância do Deus onipotente, onisciente e onipresente. A moralidade constituía-se como Heteronomia, pois as leis, costumes e regras de convivência 27


provinham da aceitação de um Ser superior, externo que era cultuado pela tradição. A moralidade kantiana possibilita uma nova perspectiva para se compreender as ações humanas enquanto natureza racional. Na obra “Fundamentação da Metafísica dos Costumes”, o autor propõe o exemplo do dono de mercearia para explicar a natureza da ação por interesse e ação por Dever. Em sua teoria moral ele propõe que as ações sejam caracterizadas por uma determinação imperativa contrária às vontades ou inclinações particulares. Kant (1948, p. 47) diz que: É na verdade conforme ao dever que o dono da mercearia não suba os preços ao comprador inexperiente, e, quando o movimento do negócio é grande, o comerciante esperto também não faz semelhante coisa, mas mantém um preço fixo geral para toda a gente, de forma que uma criança pode comprar em sua casa tão bem como qualquer outra pessoa. É-se, pois, servido honradamente; mas isso ainda não é o bastante para acreditar que o comerciante tenha assim procedido por dever e princípios de honradez; o seu interesse assim o exigia; mas não é de aceitar que ele além disso tenha tido uma inclinação imediata para os seus fregueses, de maneira a não fazer, por amor deles, preço mais vantajoso a um

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do que a outro. A ação não foi, portanto, praticada nem por dever nem por inclinação imediata, mas somente por ação egoísta.

No âmago do ser humano, a vontade e o dever podem ser afetadas por inclinações que são contrárias à Razão. A moral kantiana irá propor que para se aprimorar o uso de nossas faculdades intelectivas e para se agir em conformidade com o dever é necessário a racionalidade que para Kant (1948, p. 25) é uma “faculdade que deve exercer influência sobre à vontade, então o seu verdadeiro destino deverá ser produzir uma vontade boa em si mesma”. O que é importante perceber é que o desenvolvimento da vontade boa em si mesma mais precisa ser esclarecida do que ensinada. A inovação presente na obra é que Kant vai explicar que toda ação moral possui como escopo o dever, pois é ele que nos possibilita ações livres e essa liberdade através dessa proposta é completamente contrária com o conceito de liberdade entendido inicialmente pelos jovens do Ensino Médio e dos acadêmicos que constituem o primeiro ano dos cursos de graduação. Pois os jovens, em primeiro momento, compreendem a liberdade como a ideia de poder fazer o que se quer na hora que bem se entende, de não ter obrigatoriedades, 29


de satisfazer desejos instantaneamente. Portanto, o desenvolvimento da Autonomia se faz importante para se possibilitar a percepção do senso de dever não só como proposta da aula no espaço escolar e acadêmico, bem como estender a utilização do conceito para o empoderamento da Autonomia e sua aplicação no mundo da vida. Considerações Finais No âmbito escolar e acadêmico surgem questionamentos por parte dos jovens tais como: para que serve a Geometria? Integral e Derivada não servem para nada! Onde vou ocupar tantas regras gramaticais? Para que necessito saber sobre Platão e Aristóteles? Para se trabalhar no setor do comércio jamais utilizarei a Biologia! E assim por diante. Essas questões que os estudantes levantam demonstram que não houve compreensão do porquê da inclusão de muitos conteúdos e disciplinas no currículo de ensino tanto escolar quanto na graduação. De fato, eles não conseguem relacionar os conhecimentos teóricos do currículo com a vida cotidiana. É aceito e visível que na juventude já existe a capacidade de abstração e a capacidade de interpretar e problematizar leituras, quando os jovens são educados 30


utilizando estas capacidades; porém o que se nota na realidade é que a educação ofertada nas nossas instituições de ensino não conseguem desenvolver essas capacidades de abstração e interpretação, ficando mais difícil o estudo não só da disciplina de Filosofia, assim como a leitura dirigida de textos fundamentais que venham a ser parte da formação intelectual. Foi percebido na aula de Filosofia, com os estudantes do Ensino Médio, o que acima se afirmou, quando responderam o que segue: “POR QUE VENHO PARA A ESCOLA”? As respostas iam sendo verbalizadas e registradas no quadro de giz e pudemos constatar a existência de visões otimistas e construtivas sobre o motivo de vir para a Escola e também pudemos perceber algumas respostas que causaram espanto. Sobre estas respostas que causaram espanto é que surgiu o motivo de escrever sobre o tema ora desenvolvido. Transcrevemos as seguintes respostas: 1º) Venho para escola porque meus pais não querem que eu fique em casa. 2º) Por determinação do Conselho Tutelar. 3º) Estou cumprindo medida socioeducativa. 4º) Não tenho a possibilidade de executar outra atividade alternativa, que não seja estar na aula. 31


5º) Para comer o lanche. 6º) Para conversar com os amigos. Diante de tal espectro dessas afirmações, justifica-se a importância da proposta deste texto, para os estudantes mais vulneráveis de subsídios reflexivos e de conhecimentos, para que possam melhor compreender a si mesmos, compreender as formas de conhecimento teórico e as possíveis relações que podem ser elaboradas dos conteúdos curriculares com o mundo da vida e da experiência. Se o processo educativo proporcionar vivências em que a capacidade de abstração e interpretação de leituras, os estudantes não terão tantas dúvidas com relação à necessidade da escolarização nem terão tantas dúvidas quanto aos conteúdos do currículo escolar. Assim o estudante pode desenvolver a autonomia individual para ampliar o entendimento sobre a instituição escolar e acadêmica e a função dos professores. Enfim, terão mais chances de compreender a dinâmica de funcionamento de um espaço público e coletivo que é regido por uma hierarquia e um conjunto e regras que se tornam necessárias para o bom funcionamento dos espaços de conhecimento. No intuito de melhorar a compreensão da problemática em questão faz-se necessário 32


caracterizar o estudante do Ensino Médio e da graduação; via de regra trata-se de um sujeito que carece de subsídios de conhecimentos para compreensão de si e do mundo. Pode-se mesmo falar em carências de compreensão, e estas podem dizer respeito quanto a reflexões de caráter teórico individual para a formação cidadã bem como podem dizer respeito ao seu pleno desenvolvimento no que se refere ao desempenho de uma futura profissão; podem também se referir a carências de âmbito social, interpessoal, política, financeira/econômicas, estética. Faz-se necessário, também, caracterizar a Escola que existe atualmente em nosso país, neste início de século XXI. Ela é a instituição que procura possibilitar o acesso aos saberes que foram construídos historicamente, realizando a “ponte” entre os conteúdos que nela residem e os estudantes, que são obrigados a frequentá-la para que aconteça a formação humana. Sabe-se que o currículo é uma construção histórica, pensado para fazer esta formação humana de um modo ideal, porém a estrutura e funcionamento da Escola brasileira impede que se concretize a formação autônoma. As possibilidades existentes para se quebrar a estrutura e a organização rígidas são metodologias diferenciadas que permitam desenvolvimento de autonomia. Desse modo, o 33


trabalho ora proposto se justifica na medida em que fará distinção entre as formas de conhecimento e a possibilidade existente de que ao se partir do reconhecimento sobre as formas de pensar, de acordo com Kant, surge uma situação na qual se pode auxiliar os estudantes no fortalecimento da autonomia, levando-os a perceberem a natureza de suas próprias faculdades intelectivas bem como perceberem a forma dos juízos que constituem as disciplinas que fazem parte do currículo escolar. Levando os estudantes a entenderem a proposta kantiana, esperamos que haja a reflexão da natureza do conhecimento permitindo-lhes a autonomia individual em consonância com o propósito do espaço escolar. Referências BASTOS, Cleverson Leite; KELLER, Vicente. Aprendendo Lógica. 18ª Edição. Rio de Janeiro – RJ: Editora Vozes, 2009. CAYGILL, Howard. Dicionário Kant. Trad. Álvaro Cabral. Rio de Janeiro - RJ: Jorge Zahar, 2000. KANT, Immanuel. Prolegômenos a qualquer metafísica futura que possa apresentar-se como ciência. Trad. José Oscar de Almeida Marques .1ª Edição. São Paulo: Editora Estação Liberdade, 2014. 34


________. Crítica da razão pura. Petrópolis – RJ: Vozes, 2012. ________. Textos Seletos: Resposta à pergunta: “ O que é o Esclarecimento”? Trad. Floriano de Souza Fernandes. 6ª. Rio de Janeiro – RJ: Editora Vozes, 2010. ________. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. Paulo Quintela. Lisboa – Portugal: Edições 70, 1948. MORENTE, Manuel Garcia. Fundamentos de Filosofia Lições Preliminares. Trad. Guillermo de la Cruz Coronado. 2ª Edição. São Paulo: Editora Mestre Jou, 1966.

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CAPÍTULO 2 Academia, pesquisa e ciência: uma reflexão ao método Rodrigo Bartos dos Santos Introdução Faz-se necessário relatar a importância da pesquisa acadêmico-científica e salientar o quanto esta agrega à vida do acadêmico, logo o presente texto pertence à área de pesquisa voltada à Educação e à Ciência e tem como objeto de estudo a problemática inerente a toda e qualquer Instituição de Ensino Superior: o baixo percentual de participação dos acadêmicos em atividades extracurriculares, assim como na produção acadêmico-científica, a qual está atrelada diretamente à pesquisa, à ciência e ao desenvolvimento tecnológico (inovação). A pesquisa é essencial ao desenvolvimento do acadêmico, sendo ela responsável por instigar a inovação e o desenvolvimento profissional, ao mesmo tempo em que o discente é submetido ao ato de pesquisar e fazer ciência de um modo rigoroso, com uma metodologia, ou seja, um estudo

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aprofundado buscando o mais próximo da “verdade”. Vemos, então, a importância na diferenciação de uma pesquisa simples de uma pesquisa científico-acadêmica, a primeira fazse em sites da internet, a partir de informações de terceiros e achismos, o que não é conveniente quando se trata do desenvolvimento científico. A maturação da ciência, propriamente dita, deve ser feita a partir de um embasamento teórico claro, que contemple diversos vieses, esgotando as possibilidades em busca da utilização do método da falseabilidade de Popper (1993), no qual um estudo teórico deve sofrer o processo da refutação por meio de hipóteses para tentar chegar a um produto mais próximo do real. Assim dividimos o capítulo em três etapas: Ciência, senso comum e publicação; Teoria e prática: a correlação de pontos intangíveis; Desenvolvimento do conhecimento em prol do desenvolvimento social. Na primeira parte é retratado a problemática inicial, a qual barra toda e qualquer vontade de se fazer ciência, a reprodução do conhecimento. Para tanto, nos utilizamos das teorias de Mario Bunge e Karl Popper, os quais retratam a importância em se fazer ciência. Na segunda parte, utilizamos a relação de pontos que são 37


considerados intangíveis, sendo eles teoria e prática, partindo das premissas de Mario Bunge, o qual retrata a importância em desenvolver a teoria no mundo real. Na terceira, e última parte, discutimos a ideia do desenvolvimento do conhecimento em prol do desenvolvimento da sociedade como um todo, a partir das ideias de Carlos Vogt. Pesquisa e ciência: uma reflexão acerca do desenvolvimento e da inovação A palavra ciência nos remete ao cientista, este ligado à ideia de um ser dotado de conhecimento e em um patamar acima de nós, meros mortais. Engana-se quem pensa desta forma, a ciência está atrelada diretamente ao senso comum, sendo esta diferida pelo fato de ao se fazer ciência utilizamos referenciais teóricos, hipóteses e provas, em busca do melhor resultado, ou seja, o resultado satisfatório ao problema encontrado. No senso comum utilizamos, muitas vezes, da primeira hipótese para solucionar um problema, por exemplo: como não derramar a água de uma jarra? Muitos cogitariam a ideia de tampá-la, porém existem inúmeros métodos de não derramar água, como, por exemplo, não virar a jarra. Aqui percebemos perfeitamente a diferença entre 38


senso comum e ciência, uma está ligada ao óbvio, à resolução imediata, outro relacionado à otimização, à resolução do problema a partir do melhor método. Utilizamos o pressuposto de que o senso comum se torna uma pré-ciência ao passo que as duas têm por objetivo a resolução das problemáticas existentes, todos nós estamos a um passo de fazer ciência, porém precisamos desenvolvê-la de uma forma correta, começando pela produção acadêmica. Para desenvolver a escrita acadêmica, ou seja, a publicação, é necessário que o acadêmico entenda a diferença entre ciência e senso comum e, ao mesmo tempo, aplique apenas a ciência, em prol de uma publicação com qualidade. Em âmbito geral, relacionado ao meio acadêmico encontramos problemas ligados à prática de atividades extracurriculares, dentre elas o desenvolvimento da produção de artigos acadêmico-científicos. Aparecem inúmeros problemas, tanto de cunho social, como de cunho acadêmico propriamente dito. Infelizmente o que encontramos no Ensino Superior, muitas vezes, é a reprodução do que é ensinado/estudado. O acadêmico se acomoda, torna-se mais um escravo do comodismo acadêmico dos tempos atuais.

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A capacidade de se modificar deve ser inerente ao pesquisador, ao cientista e à comunidade acadêmica em geral, pois a ciência deve ser sinônimo de inovação, ao passo que a partir do processo científico o mundo se desenvolve, transformando os acadêmicos, que são os agentes responsáveis pelo desenvolvimento e inovação, que consequentemente devem utilizar a pesquisa (meio) para um desenvolvimento social (fim). A partir deste pressuposto Alves (2015, p. 21) afirma que: O mesmo é verdade acerca do senso comum e da ciência. Pessoas que sabem as soluções já dadas são mendigos permanentes. Já as que aprendem a inventar soluções novas abrem portas até então fechadas e descobrem novas trilhas. A questão não é saber uma solução já dada, mas ser capaz de aprender maneiras novas de sobreviver.

Conseguimos observar que o desenvolvimento da pesquisa acadêmicocientífica no Brasil segue este mesmo rumo, crescendo exponencialmente em publicações de artigos, porém fadado à inutilidade, uma vez que esta delimita-se à reprodução do conhecimento.

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Utilizamos a dicotomia entre senso comum e ciência na indagação referente ao que deve ser pesquisado e para a explicação da relevância de algo, esquecendo que estes possuem uma linha tênue, a qual é dotada de propriedades semelhantes, estas voltadas à resolução das problemáticas existentes. O senso comum sempre regeu a vida na terra desde os primórdios, criando na sociedade os sujeitos desprovidos de uma ciência pré-existente, a qual pudesse ser seguida. Ainda hoje encontramos muitos aspectos, entre eles a crença como a única alternativa a ser seguida. Por isso Popper (1933) apresenta uma das razões para se pensar na ciência, a partir da caracterização da falseabilidade, logo algo que é simplesmente aceito, sem nenhuma indagação torna-se um dogma, certo e indiscutível, cerceando a capacidade de pensamento e reflexão do ser, como diversas teorias “incontestáveis”. De acordo com Bunge (1974, p. 226): “a ciência pode contribuir para enformar uma ideologia dinâmica em vez de estática, crítica em vez de dogmática, iluminista em vez de obscurantista, e realista em vez de utópica”. Utilizamos a ideia do desenvolvimento da ciência em prol da ideologia crítica oposta ao dogmatismo, aliando-se à relação entre 41


verdade e mentira, a qual está intimamente ligada a inúmeras questões, como o que é realmente verdade? Se há uma verdade, esta é absoluta? A partir de uma longa análise, entende-se que não há nem verdade, nem mentira, apenas fatos modificados. Alguns puros, outros manchados por opiniões diversas, muitas vezes opiniões de opiniões fundadas ao acaso, sem prerrogativas ou embasamento em algo conotado cientificamente. Logo entendemos que para algo ser puramente verdade, deve ser isento de opiniões e achismos, porém, toda e qualquer informação passa por diversas pessoas, começando em X e terminando em Y, ou seja, não há uma verdade absoluta, quiçá nem uma mentira, sendo ideias e hipóteses diversas, as quais seguiram um caminho diferente para chegar aonde chegaram, sendo a “mentira” uma modificação de uma “talvez verdade”. Teoria e prática: a correlação de pontos intangíveis Aliado às ideias sobre verdade e mentira, tocamos no ponto em que teoria e prática se tornam algo meramente ilustrativo, o acadêmico dotado de vontade de progredir dentro da Universidade e, ao mesmo, tempo destacar-se, questiona muitas vezes sobre o 42


quão importante é o estudo de determinado objeto. Chegamos aqui a uma divergência entre teoria e prática, a primeira embasada em estudos, hipóteses e inúmeros testes, enquanto a segunda, está intimamente ligada, diariamente, a problemas reais, os quais não desprezam nenhuma variável. Em meio a todo esse processo, precisamos incutir a formulação de hipóteses, as quais por meio de estudos e de testes sistemáticos consigam aliar-se a projetos que coloquem à prova a aplicação destas, saindo do âmbito puramente acadêmico, confortável, passando a um novo nível, este dotado de riscos e incógnitas, o mundo real, logo aquele em que não há escapatória, onde uma borracha não apaga as ações, e sim em um mundo onde tudo é relacionado a tempo e dinheiro. A partir da premissa de Khun (1970 apud ALVES, 2015, p. 79): A empresa científica, como um todo, de vez em quando se revela útil, abre territórios novos, revela ordem e testa crenças aceitas a muito. Não obstante o indivíduo mergulhado num problema comum de pesquisa não está quase nunca fazendo uma dessas coisas. Uma vez envolvido aquilo que o desafia é a convicção de que, se ele for bastante habilidoso será capaz de resolver um

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quebra cabeça que ninguém resolveu […] Muitas das maiores mentes científicas dedicaram toda a sua atenção profissional a quebra-cabeças desafiantes desse tipo.

A partir desta citação, conseguimos identificar a importância em produzir ciência, estudar algo a fundo, pesquisar, inovar, fazer algo tanto em cima do que já foi feito como seguir por um viés ainda não explorado. Aliamos aqui a ideia de Popper, na qual é necessário utilizar o princípio de falseabilidade para inovar, quebrar barreiras para explorar novos horizontes, novas perspectivas, em prol do desenvolvimento da sociedade como um todo. Segundo Vogt (1943, p. 56): “como organismo pensante da realidade econômica e social, cabe à universidade tomar a iniciativa. E cabe à indústria responder com um gesto de boa vontade”. Logo, faz-se necessário aplicar e utilizar projetos acadêmicos em prol da inovação, instigar o meio acadêmico ao desenvolvimento do novo. Há, ainda, um costume ultrapassado, no qual pesquisas desenvolvidas por discentes não são exploradas, não há um investimento, o lugar ao sol é infelizmente para poucos. Isso precisa mudar.

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A partir desta ideia, cabe ao acadêmico identificar a importância de todo e qualquer pensamento, sim, aquele pensamento esdrúxulo, sem sentido, infundado, aparentemente apenas um esboço. Este pensamento é o “insight” para grandes ideias, porém se o mesmo nunca for colocado no papel, não sairá da categoria de ideias esdrúxulas e acabará tendo sua vida útil suprimida pela falta da escrita, a qual nunca irá se transformar em uma publicação, logo nunca contribuirá em prol da sociedade. Compreendemos, então, que o texto acadêmico-científico faz parte de um “diferencial” para o futuro, em que apenas a formação não importará e sim toda e qualquer atividade de extensão, aquela que não vale nota, que não há nenhum tipo de recompensa, porém é aquela em que o acadêmico mais aprende e, consequentemente, se desenvolve, mostrando que este será excelente profissional, diferentemente do que presenciamos na Academia, o ser não tem “amor à camisa”. O desenvolvimento do conhecimento em prol do desenvolvimento social Todo e qualquer desenvolvimento parte de um foco, com uma relevância dada a um 45


tema que será estudado e está intimamente ligado à ideia de ordem e desordem, porém de forma simples e sucinta, revela-se como a ligação do problema a desordem, ou seja, o tema a ser estudado parte da indagação, da dúvida, do ponto fora da curva, do pensamento “fora da caixa”. A ordem não é a plena explanação de uma verdade, nada tido como absoluto, mas algo relacionado a uma hipótese, a uma possibilidade, como citado anteriormente, não existem verdades absolutas. A ciência como objetivo, a produção intelectual, faz-se necessária em tempos onde ser pessimista é tarde, ou seja, o tempo de mudança chegou, esperar o amanhã não faz sentido, a criação, a publicação, o desenvolvimento de ideias fundadas em problemáticas não exploradas devem existir, porém com a consciência de que se fazer ciência não é algo irrisório, há uma metodologia, uma diretriz a seguir, a partir dessa premissa tomamos como cerne a ideia de um valor intrínseco atrelado à sociedade, ou seja, o quão importante é o estudo. O que tange a premissa de que esperar o amanhã não faz sentido, é a ideia de liquidez em que se vive. Viver em um mundo líquido, conceituação realizada por Zigmunt Bauman, é estar aonde tudo se esvai rapidamente, como 46


algo líquido, tudo escorre, nada dura, nada é consistente. Da mesma forma que acontece com a sociedade, com as relações, consequentemente acontece com o conhecimento e com a produção deste. Neste mundo líquido, tudo está de alguma forma interligado, exemplifica Bauman (2007, p. 11): Em primeiro lugar, num planeta atravessado por ''autoestradas da informação'' nada que acontece em alguma parte dele pode de fato, ou ao menos potencialmente permanecer ''do lado de fora'' intelectual. Não há terra nula, não há espaço em branco no mapa mental, não há terra nem povo desconhecidos, muito menos incognoscíveis

Com a globalização, a produção do conhecimento está atrelada à tamanha quantidade de informação disponível, que só aumenta a cada segundo, mas também se transforma. Se cada vez mais existem novas informações logo existem novas possibilidades, novas chances de questionar o conhecimento, de refutar o que já foi conceituado como verdade, ou de valorar o que acreditavam ser mentira. O relativismo está presente, e o que deve estar junto a ele é o conhecimento, a produção, que mais uma vez demonstra ser 47


algo imprescindível, tendo em vista que, com a facilidade atual de acesso as informações, o crescimento intelectual e a quantidade de estudos devem aumentar proporcionalmente as informações disponíveis. Partindo da premissa citada acima, Bunge (1974, p. 226) afirma que: Uma economia sem base tecnológica e científica própria é rotineira e dependente. Uma cultura sem ciência é erudição fóssil incapaz de compreender o mundo moderno e de ajudá-lo a ir avante: é antes incultura. E uma ideologia sem miolo científico é anacrônica e irracional: será capaz de acender o entusiasmo, mas não de ajudar a entender; poderá ajudar a conservar ou a destruir, mas não a renovar, pois para construir é necessário saber.

Entende-se que em tempos de crise há uma necessidade eminente em desenvolver a pesquisa e desenvolvimento, as quais têm um investimento pífio do PIB, para que em um futuro próximo possamos nos tornar um país de cunho tecnológico, ao exemplo da Alemanha, com a Indústria 4.0, ou popularmente conhecida como Nova Revolução Industrial, com o desenvolvimento de pesquisas voltadas a área de automação em

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todos os setores, não se atendo apenas à Engenharia. Todos estes processos devem partir diretamente do acadêmico, com apoio das Instituições de Ensino Superior e da Indústria como um todo, porém este deve estar instigado a produzir, a criar e a recriar, pois em alguma etapa o mesmo será cobrado e apenas irá se lembrar da irreverente frase: “publique ou pereça”. Consequentemente, há uma necessidade eminente em se fazer ciência, hoje ciência se resume em apenas reprodução de conhecimento, literalmente nada se cria, tudo se copia. Refletir de forma consciente os problemas de cunho social é algo meramente utópico, existe aqui apenas uma rivalidade de interesses, estes apenas focados em mostrar o que é correto e o que é errado, não havendo uma ponderação em torno da realização científica, ou seja, extrair as coisas boas do que não deu certo e corrigir a partir de uma hipótese, aprimorando dado conhecimento em prol da busca de uma verdadeira ciência. A utilização do enfoque voltado à ciência não afasta o desenvolvimento social, ao contrário, aproxima, utiliza-se da premissa que além do desenvolvimento do conhecimento e do acadêmico em si, desenvolve-se a

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sociedade, inova-se, faz-se algo em prol da mesma. O fazer algo que se distingue do senso comum, da realização de uma ação sem um pensamento prévio, sem um estudo programado e organizado em etapas, há então a necessidade em se fazer ciência com relevância e propósito, voltado ao bem maior, à sociedade. Considerações finais Com o propósito de refletir a qualidade da ciência feita nas Instituições de Ensino Superior e da pesquisa acadêmico-científica em geral, utilizando-se de uma pesquisa qualitativa, a qual teve o intuito de colocar um ponto de interrogação na cabeça do leitor, levando o mesmo à reflexão acerca do seu valor no mundo e, consequentemente, da sua contribuição em prol de uma sociedade igualitária, que produzimos o presente trabalho. Logo, buscou-se mostrar o quão importante é a correlação da teoria e da prática em prol do desenvolvimento acadêmico e profissional, o que, no entanto, muitas vezes parece algo inimaginável, a partir da premissa de que não desenvolvemos no mundo real o que recebemos como conhecimento. 50


Aliada à ideia de teoria e prática, voltamo-nos à explanação de o que é verdade e mentira, para que haja um melhor aproveitamento do desenvolvimento da pesquisa, fundando-se em objetos mais próximos do real, saindo da ideia de testes com variáveis controladas. Tendo como foco a utilização da prática, visamos o desenvolvimento do conhecimento e, assim, pudemos aliar a ideia da qualificação a partir de um estudo sistematizado que tem como produto final o desenvolvimento social. Partindo da necessidade de se fazer ciência na Academia e desta ciência surgirem publicações que resultem no desenvolvimento da sociedade, objetiva-se buscamos a conscientização do acadêmico, bem como da sociedade em geral, visando a construção de um mundo melhor, com avanços tecnológicos, inovação e uma facilitação de processos para que não haja uma liquidez do nosso tempo. Referências ALVES, Rubem. Filosofia da ciência: Introdução ao jogo e suas regras. 19.ed. São Paulo: Edições Loyola, 2015. BAUMAN, Zygmunt. Tempos líquidos. Rio de Janeiro – Rj: Zahar, 2007

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BUNGE, Mario. Teoria e realidade. São Paulo: Editora Perspectiva, 1974. POPPER, Karl. A lógica da pesquisa científica. 08. ed. São Paulo: Editora Cultrix, 2000. VOGT, Carlos. A solidez do sonho: universidade, ciência e desenvolvimento tecnológico. Campinas: Papirus, 1993.

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CAPÍTULO 3 Reflexões sobre a monitoria acadêmicacientífica Guilherme Klava de Farias Lucas Gabriel Sebem Introdução Vários fatores influenciam na decadência do aprendizado, principalmente nas áreas de ciências da natureza e matemática no Ensino Médio brasileiro. Um deles está ligado a potencial falta de professores formados e aptos a lecionar em suas áreas de formação. Segundo dados do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) estima-se que entre 2014 e 2015 ocorreu uma queda nas médias em 1,25% em matemática e suas tecnologias e de 1,85% em ciências da natureza e suas tecnologias, ressaltando que essas áreas de conhecimento detêm as piores médias do ENEM. De acordo com os dados do Fórum Econômico Mundial (FEM), o Brasil tem uma média de 2,6, em uma escala de 1 a 7, na qualidade de ensino em matemática e ciências, fazendo com que ele ocupe a posição de 131º em um total de 144 países. Essa falta de domínio no conteúdo impacta diretamente no ingresso dos estudantes no Ensino Superior. 53


Para identificar as dificuldades dos acadêmicos das Faculdades Integradas do Vale do Iguaçu (Uniguaçu) o Núcleo de Orientação e Planejamento do Ensino Superior da Uniguaçu (NOPESU) estipulou a realização de um simulado semestral, aplicado a todos os cursos e turmas da graduação da instituição, surgindo assim o Dia e Noite da Avaliação (DNA). Após a correção e levantamento de todos os dados do DNA, o NOPESU, juntamente com a coordenação acadêmica, identifica em quais disciplinas há maior dificuldade, bem como os problemas apresentados no processo de ensino-aprendizagem. Sendo que nos cursos de engenharia as disciplinas que mais apresentam dificuldades são: física geral e experimental e cálculo diferencial e integral. Diante disso, implantou-se a monitoria, um instrumento de reforço pedagógico, no qual os alunos recebem orientações e auxílio de como sanar suas dúvidas. Essa forma de acompanhamento é uma atividade de apoio que tem sido cada vez mais implantada nas instituições. Tendo em vista que o aproveitamento durante o primeiro ano na universidade é de estrema importância para o sucesso acadêmico dos estudantes.

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A educação e sua (re)construção A educação brasileira começa antes de sua colonização pelos portugueses, com os nativos compartilhando seu conhecimento empírico uns com os outros. A partir de 1530 começa a colonização no Brasil, a educação, nessa época, não era de interesse geral, pois a sociedade era extremamente agraria e não necessitava de ensino, porém, para manter os colonos fiéis à fé católica e catequisar os nativos, missionários são enviados para todo novo mundo, incluindo o Brasil. Com a chegada dos jesuítas no ano de 1549 a responsabilidade de educar fica a responsabilidade deles. Apenas 15 dias após a chegada dos jesuítas a primeira escola “de ler e escrever” é fundada em Salvador, a criação das mesmas acontecera em várias missões jesuítas no interior do Brasil, criando, assim, locais para facilitar o processo de conversão dos índios. Além de educar os curumins, os filhos dos colonos também recebiam educação dos jesuítas, sendo um ensino mais amplo. Os índios eram educados para facilitar as suas conversões e, de certa forma, substituir seus costumes pelo dos europeus. Os jesuítas ficaram 210 anos à frente da educação brasileira sendo expulsos do império português pelo marquês de Pombal, mas o 55


estilo jesuíta de educar influência até os dias atuais. Com a expulsão, o governo pela primeira vez se encarrega da educação, contudo a saída trouxe perturbações, como Aranha (1996, p. 134) descreve: Pode-se questionar a validade do ensino dos jesuítas na formação da cultura brasileira, mas é indiscutível que de início foi prejudicial o desmantelamento da estrutura educacional montada pela Companhia de Jesus. Os bens dos padres são confiscados, muitos livros e manuscritos importantes destruídos, nada sendo reposto. De imediato, o ensino regular não é substituído por outra organização escolar, enquanto os índios, entregues à sua própria sorte, abandonam as missões.

Entre a saída dos jesuítas e a entrada do governo aconteceu um vácuo na educação, causando retrocessos. A saída trouxe mudanças. Novas matérias são adicionadas, como: língua moderna, aritmética, geometria e ciências naturais. O Iluminismo começa a chegar ao Brasil, devido ao fato de jovens irem estudar em Coimbra e voltarem com ideias de Rousseau, Locke e Voltaire, criando ideais de independência. Devido a chegada da família imperial ao Brasil colônia ocorre uma grande adaptação 56


em suas estruturas. A educação no país estava paralisada desde as mudanças feitas pelo marquês. São criadas escolas normais e superiores, para suprir as necessidades momentâneas da corte. Com a independência várias leis são formuladas, porém, nenhuma promulgada. Só em 1827 uma lei sobre a educação é decretada, estipulando a criação de escolas de primeiras letras em cidades e vilarejos e escolas para meninas em grandes cidades e vilarejos, ressaltando que a mulher no século XIX tinha um papel secundário, muitas não sabiam ler e escrever. A lei foi pouco eficaz devido a empecilhos econômicos e políticos. O Brasil não tinha uma educação bem formulada e com o Ato Constitucional realizado no período regencial, a situação só piorou. Segundo Aranha (1996, p. 152): O golpe de misericórdia que prejudicou de vez a educação brasileira vem, no entanto de uma emenda à Constituição, o Ato Constitucional de 1834. Essa reforma descentraliza o ensino, atribuindo à Coroa a função de promover e regulamentar o ensino superior, enquanto às províncias (futuros estados) são destinadas à escola elementar e à secundária. Dessa forma, a educação da elite fica a cargo

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do poder central e a do povo, confinada às províncias.

Ainda se enfrentava outros problemas, desinteresse com educação num modo geral, a religião exercia uma forte influência, existia poucas escolas laicas diferente do resto do mundo, onde a ciência se tornava protagonista e a má formação de professores influenciava na qualidade de ensino. O ensino superior era uma realidade para poucos, somente para sociedade elitista da época. Com a aproximação do fim do império uma nova educação começa a ser debatida, pregando a diminuição da influência da igreja na educação, formando um ensino laico. Ideias positivistas e liberais começam a ganhar forças gerando sentimentos republicanos. Em 1889, as ideias republicanas se tornam realidade, mas a reformulação na educação não. Ocorrem debates sobre a necessidade de haver uma mudança na educação, entretanto, não há sucesso. A sociedade Oligarca e a Igreja católica não apoiavam as ideias positivistas trazidas pela primeira república, onde o ensino científico deveria ganhar mais espaço. A educação permanece, num modo geral, para elite, chegando ao ponto que na década de 20 a população brasileira era 80% analfabeta. Com o término da primeira Guerra Mundial, a 58


sociedade Brasileira sofreu mudanças, a vinda de imigrantes e a industrialização trouxe o desejo de educação gratuita para todos, surgindo movimentos educacionais como a Escola Nova, que defendia o ensino público e que a educação era o único modo de chegar a uma sociedade mais igualitária. A chegada de Vargas ao poder em 1930 trouxe mudanças para educação, com uma nova organização educacional universidades começam a ser formadas, o ensino agora preparava o aluno para sua futura vida acadêmica, mas ainda existia velhos problemas como o esquecimento do ensino fundamental e a má formação de professores. No período Vargas, a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) começa a ser formulada e debatida no ano de 1948, mas demorou 13 anos para ser aplicada, ficando assim desatualizada. Aranha (1996, p. 204) faz o seguinte comentário sobre a LDB: De certa forma, não há alterações na estrutura de ensino, a mesma da reforma Capanema, mas com a vantagem de permitir a equivalência dos cursos. Portanto quebra a rigidez do sistema, ao tornar possível a mobilidade entre os cursos. Outro avanço está no secundário menos enciclopédico, com significativa redução do número de

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disciplinas. Também a padronização é atenuada, permitindo a pluralidade de currículos em termos federais.

Com a ditatura militar, todos os segmentos da sociedade sofrem e a educação não escapa, professores e alunos são reprimidos perdendo a liberdade que a universidade necessita. Ocorre uma reestruturação administrativa e o governo toma o controle das universidades. No ensino escolar há o aumento da obrigatoriedade de ensino de 4 para 8 anos, matérias são substituídas por outras, ou unidas, criando uma só. O enfoque do ensino era gerar mão de obra para o mercado, essa reformulação fracassa devido à falta de recursos humanos e materiais para suprir as mudanças. Com a volta da democracia, a constituinte de 88 é criada e a educação reformulada, estados e municípios são obrigados a investir um percentual na educação, a volta da autonomia universitária, gratuidade do ensino público e a valorização dos profissionais do ensino. A nova LDB é formulada em 1996 trazendo novas diretrizes para educação (LDB 9394/96). O Art. 2º da LDB traz a responsabilidade de educar para o estado e família:

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Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Como visto na história da educação, o Estado brasileiro demonstra total ineficácia na forma de administrar o ensino pedagógico, sendo um dos principais motivos para o péssimo ensino brasileiro. Mas como salienta o Art. 2º, da LDB 9394/96, a família tem sua responsabilidade no processo educacional e no problema que envolve a educação. Dados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) demonstra que entre a faixa etária de 16 e 17 anos, portando faixa etária do Ensino Médio, que apenas 40% dos pais acompanham as tarefas escolares dos filhos, demostrando a falta de interesse em um período onde o indivíduo faz importantes escolhas na vida. O Art. 3º, da LDB 9394/96, aborda o padrão de ensino brasileiro: Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; IX - Garantia de padrão de qualidade.

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Segundo os dados do Enem 2015, das 100 melhores escolas que detém a melhor média, apenas 3 são públicas, sendo as mesmas mantidas pelo governo federal. Essa comparação não revela que o ensino privado seja de excelência, mas garante que na maioria das vezes é superior ao ensino público, desfazendo o que se pregoa no Art. 3º. Uma grande parte dos colégios privados têm uma estrutura superior comparada com as dos públicos, o perfil socioeconômico dos alunos da rede privada, em sua maioria, é elevado. Esse poder socioeconômico garante uma infraestrutura melhor de estudos e fácil acesso à tecnologia, sem contar que classes com renda mais baixa tendem a enfrentar problemas socioeconômicos que interferem em seus estudos. Atualmente, o Ensino Médio público brasileiro tem seu enfoque para que os alunos saibam viver em sociedade, longe da ideia dos vestibulares, não se preocupando se terminaram dominando os conteúdos de seus interesses. Outra dificuldade enfrentada pela educação pública brasileira, além da falta de estrutura, tanto física como administrativa, é a falta de professores. Atualmente um número cada vez menor de jovens está disposto a seguir a carreira na educação, mesmo tendo uma grande 62


necessidade de professores para o Ensino Médio. Uma das principais causas, senão a mais importante, é baixo salário praticado. Segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (2015, p. 12): A média de salário inicial para professores da pré-escola entre os países da OCDE é mais do que o dobro do que os professores ganham no Brasil e a diferença cresce nos níveis mais elevados de educação. Os salários iniciais dos professores no Brasil também são menores do que em outros países latino-americanos como Chile, Colômbia e México para todos os níveis educacionais, desde a pré-escola até o ensino médio. Além dos baixos salários, a baixa parcela de gastos com remuneração de pessoal também reflete o fato do Brasil ter relativamente mais estudantes por professor em todos os níveis educacionais. São 21 alunos por professor nos anos iniciais do ensino fundamental, 17 nos anos finais do ensino fundamental e ensino médio, e 27 em educação superior, todos os índices no Brasil são consideravelmente acima das respectivas médias.

As áreas que tem maior escassez de professores no Ensino Médio brasileiro são especialmente as disciplinas das ciências exatas e da natureza, mais precisamente 63


química, física e matemática. Impactando diretamente no nível de aprendizado dos alunos e no ingresso no Ensino Superior. Observações sobre alguns dados Os dados a seguir comparam as médias entre os anos de 2014 e 2015 dos participantes do ENEM, a qual destaca a queda de 1,25% em matemática e suas tecnologias e de 1,85% em ciências da natureza e suas tecnologias. Demonstrando a carência de conteúdo que os alunos têm ao terminar o Ensino Médio. Gráfico 1 – Carência de Conteúdos

Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP, 2016.

Diante destes fatos, e carregando uma série de dificuldades do Ensino Médio, o 64


primeiro ano do Ensino Superior acaba se tornando problemático para muitos estudantes e professores. O insucesso acadêmico, as desistências e o aparente desinteresse de muitos alunos e perturbador para o país, e também para as Instituições. Tendo em vista o modo como os alunos se adéquam ao ensino superior faz com que os mesmos aproveitem melhor as oportunidades disponibilizadas pela instituição. Com o propósito de auxiliar os acadêmicos nos períodos iniciais da graduação, entra o papel fundamental da monitoria, a qual é compreendida como um apoio pedagógico oferecido aos alunos interessados em aprofundar conteúdos, bem como sanar suas dúvidas em relação aos assuntos já abordados em aula. A monitoria tem sido cada vez mais implantada nas instituições de ensino superior a LDB 9.394/1996, no seu Artigo 84, estabelece que os “discentes da educação superior poderão ser aproveitados em tarefas de ensino e pesquisa pelas respectivas instituições, exercendo funções de monitoria, de acordo com seu rendimento e seu plano de estudos”. Para identificar as falhas dos acadêmicos da Uniguaçu, o NOPESU estipulou a realização de um simulado semestral, 65


aplicado a todos os cursos e turmas da graduação da instituição. O qual se intitulou DNA, “Dia e Noite da Avaliação”, sendo dado o mesmo nome à prova. O simulado de cada curso constituiu-se de 40 questões, sendo 10 questões de conhecimentos gerais, com 2 questões discursivas e 8 objetivas. Na prova específica de cada curso, são 3 questões discursivas e 27 questões objetivas. Para a aplicação da prova foi criado um sistema baseado em concursos e demais avaliações, como ENADE. O simulado segue a Teoria de Resposta ao Item (TRI) e os professores passaram por uma formação específica para a elaboração das questões da prova. Após o levantamento de todos os dados, o NOPESU, juntamente com a coordenação acadêmica, desenvolve uma análise apurada dos resultados, levando em consideração as disciplinas e a estruturação dos cursos em relação às respostas apresentadas pelos alunos, identificando assim as fragilidades. Nos cursos de engenharia, a maior dificuldade para os acadêmicos recémingressos foram nas áreas de Física Geral e Experimental e Cálculo Diferencial e Integral. Para solucionar estas falhas que, muitas vezes, vêm desde o Ensino Médio, como já visto, implantou-se a monitoria para os cursos. 66


No primeiro semestre de 2016, 334 acadêmicos das Engenharias Civil, Elétrica, Mecânica e Produção compareceram à monitoria para esclarecimentos de dúvidas e aprofundamento do conteúdo. O gráfico abaixo representa o nível de presença mensal dos acadêmicos no primeiro semestre de 2016. No qual se nota a grande procura, principalmente nos meses de abril e junho os quais antecedem as provas. Gráfico 2 – Presenças na monitoria

Fonte: Os autores, 2016.

Natário e Santos (2010) apontam que ainda são poucas as pesquisas voltadas para o que compete às atividades de monitoria em termos de avaliar sua importância no processo de ensino-aprendizagem nos cursos de graduação. 67


O objetivo da monitoria era fazer com que os alunos criassem um vínculo de estudo com física e cálculo para sua melhor compreensão, impactando diretamente no seu desempenho, atingindo, assim, o nível dos alunos que não carregam essas dificuldades, deixando a sala com o mesmo patamar de conhecimento. No gráfico a seguir, temos a comparação do desempenho no DNA dos acadêmicos que participaram da monitoria com o desempenho geral da turma. Para analisar estes dados, foram utilizadas somente questões específicas de física e cálculo do primeiro período das engenharias. Através da análise gráfica, é possível ver que isso ocorreu. Em alguns casos o aproveitamento dos acadêmicos que frequentaram a monitoria foi maior do que o aproveitamento geral da turma, como é o caso das engenharias Civil, Mecânica e Produção. Na engenharia Elétrica, o aproveitamento ficou aproximadamente o mesmo, mostrando que as atividades realizadas contribuíram muito com o avanço das mesmas.

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Gráfico 3 – Desempenho dos acadêmicos no DNA – Física e Cálculo

Fonte: Os autores, 2016.

Como observamos através da história da educação, o ensino sempre foi problemático, desigual e repleto de problemas. O Brasil procurou expandir seu sistema educacional criando oportunidades em todos os níveis, mas sempre encontrou dificuldades em melhorar sua qualidade e eficiência. Não há dúvidas do quanto à monitoria é uma ferramenta didática pedagógica inovadora e eficaz para o ensino, tornando-a um elemento importante no processo de ensino-aprendizagem. A sociedade tem que se engajar na luta pela transformação educacional, demostrando 69


seu interesse pela educação, criando a noção que a escola não é somente um lugar onde se aprende exatas e humanas, mas também um objeto de transformação social, para tornar a sociedade mais justa e igualitária. Considerações finais A preocupação com a educação vai além do processo de nivelamento da aprendizagem por meio de monitorias acadêmicas, a educação precisa de soluções viáveis e verdadeiras que sirvam como constructo de uma sociedade sólida e conscientemente preocupada com o conhecimento. O desenvolvimento deste trabalho nos mostrou o quão necessário é o processo educacional, buscando o equilíbrio entre os saberes, traçando os desafios de uma educação empreendedora do presente, pensando o futuro. Assim, verificar a evolução, mesmo que mínima, de estudantes que apresentaram dificuldades de aprendizagem no decorrer dos semestres letivos é, para nós, uma recompensa imensurável. Toda prática educacional deve começar pelo incentivo ao conhecimento, com a interpelação dos processos fundamentais que dão, ao estudante, subsídios para continuar seus estudos, mesmo que em meio às 70


dificuldades impostas pelo sistema educacional (seja secundarista ou superior). O DNA como ferramenta de análise diagnóstica se apresenta, hoje, como a melhor forma de detectar as fragilidades dos estudantes e, em pouco tempo, transformá-las em potencialidades, tendo a monitoria acadêmica como um elo de ligação entre o processo de ensino e a aprendizagem efetiva, dentro e fora da sala de aula. Portanto, o desenvolvimento do estudante depende de programas que estejam além da sala de aula, voltados às reais dificuldades dos estudantes, para que estes possam ter capacidade de desenvolver-se dentro dos cursos que escolheram, sempre tendo os auxílios necessários à evolução. Referências ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da Educação. 2 ed. São Paulo: Moderna, 1996. BRASIL. INEP. Divulgação Enem 2015 por Escola. Brasília: 2016. Disponível em: <http://download.inep.gov.br/educacao_basi ca/enem/enem_por_escola/2015/apresentac ao_enem_por_escola_2015.pdf>. Acesso em: 15 out. 2016. BRASIL. Senado Federal. Lei 9.394/96. Brasília:1996. Disponível 71

nº em:


<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/ L9394.htm>. Acesso em: 02 nov. 2016. NATÁRIO, Elisete Gomes; SANTOS, Acácia Aparecida Angeli dos. Programa de monitores para o ensino superior. In. Revista Estudos de Psicologia. Campinas, nº 27, julho-setembro, 2010. OCDE (França). Education at a Glance. Paris: Asas, 2015. 10 p. Disponível em: <https://www.oecd.org/brazil/Education-ata-glance-2015-Brazil-in-Portuguese.pdf>. Acesso em: 05 nov. 2016.

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CAPÍTULO 4 A importância da publicação científica nos cursos de graduação: um olhar sobre o curso de Direito Felipe Medeiros da Rosa Introdução Não há como negar que a partir do momento que se está inserido em uma sociedade, desde sua menor representação – a própria família – até a magna estrutura estatal nacional todos têm responsabilidade social, iniciando-se no momento em que o seu próprio comportamento venha a afetar os indivíduos a sua volta. Tal responsabilidade social é então, cobrada desde a microestrutura social até os níveis mais amplos da sociedade, seja por meio do ativismo político, legislação, ou pelos meios de telecomunicação. Mas vale destacar que a responsabilidade social não é apenas um ato normativo a ser cumprido, mas sim, implicam em um novo norte a ser seguido pelas organizações. As Instituições de Ensino Superior (IES) são grandes propulsoras e difusoras de conhecimento, bem como, buscam promover a formação efetiva, qualificada e especializada de profissionais das mais diversas áreas, 73


preparando-os para o futuro mercado de trabalho. Dessa maneira, tem-se que a contribuição das IES, no âmbito da responsabilidade social, atinge um patamar elevado em relação a outras instituições. Devido a constante e crescente necessidade das IES estarem cada vez mais conectadas às questões reais da sociedade que é no ambiente universitário no qual se possibilita a reflexão, a crítica e as competências em grau mais elevado aos estudantes, percebe-se a necessidade da concretização das diretrizes institucionais para que se proporcione a interdisciplinaridade, maior conscientização dos estudantes, pelo corpo docente, quanto à responsabilidade social e, consequentemente, maior atuação de todos. As IES se baseiam no ensino e na pesquisa, mas é na extensão que estas cumprem de maneira mais abrangente sua função, pois nesse processo que se estabelece o elo entre a Instituição e a sociedade, concretizando seu compromisso social. A divulgação do conhecimento e de novas ideias criadas no âmbito universitário que visam elucidar problemas da realidade social são as que detêm maior valor e relevância. Possui elas maior possibilidade de efetivação, mas para tal, demanda-se primeiramente que o 74


estudante esteja capacitado para identificar os problemas e depois lhes propor soluções. De acordo com o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), criado pela Lei nº 10.861, de 14 de abril de 2004, avalia-se a educação superior em 3 eixos principais: a avaliação da Instituição, dos cursos e do desempenho dos estudantes. Dentre os aspectos avaliados em torno desses três eixos estão: o ensino, a pesquisa, a extensão e a responsabilidade social. Tendo como base o exposto acima, o presente estudo se divide em quatro partes, a primeira aborda o tema “Da pesquisa à extensão”, demonstrando os pilares da estrutura, organização e desenvolvimento dos trabalhos de uma IES, bem como da sua responsabilidade e dos cursos em promover a pesquisa e a extensão. A segunda parte do estudo aborda a importância da produção acadêmica na Universidade, tratando dos processos que permeiam a pesquisa acadêmica, trabalhando brevemente com os processos de renovação, adaptação e inovação das políticas do ensino superior, dos fatores de base e diretrizes da IES, assim como os fatores que tangem em sua exposição no mercado, observando que todos estes quesitos condicionam os caminhos para o possível desenvolvimento das IES em direção ao 75


publish, appear or perish. O terceiro tópico trata-se de uma reflexão sobre a prática de produção acadêmica no curso de Direito da Uniguaçu, realizada em torno de revistas da Instituição - Revista de Estudos Vale do Iguaçu e Direito & Deriva. O quarto e último tópico trata das considerações finais acerca do estudo desenvolvido. Da pesquisa à extensão: a responsabilidade da IES e do Curso Devido à estrutura das IES, sua organização e objetivos serem diferenciados e ainda complexos, estas divergem de outros tipos de organizações. Mas assim como qualquer organização, também tem de enfrentar vários desafios, dentre eles a concorrência acirrada, exigências legais e normas impostas por entidades reguladoras. Segundo Muriel (2001, p. 12): Uma das grandes dificuldades que as IES encontram prende-se ao acompanhamento desse cipoal legislativo em que se transformam as normas relacionadas à avaliação, à supervisão e à regulamentação. É muito difícil para as IES conviver com sobressaltos a cada nova lei, decreto ou portaria, tendo que avaliar em que legislação irá atingi-las.

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Sua complexidade se dá pelo fato de ter que executar múltiplas tarefas simultaneamente, sendo elas: o ensino, a pesquisa e a extensão através de metodologias únicas. As IES são as grandes propulsoras e difusoras do conhecimento, com o intuito de promover a formação efetiva, qualificada e especializada de profissionais das mais diversas áreas, para que estes venham a desempenhar um bom papel no mercado de trabalho e que consequentemente possam dar continuidade no desenvolvimento da sociedade. Evidencia-se, desta forma, o papel elevado que as IES possuem quanto à responsabilidade social. Dentre os três pilares das IES, o ensino, a pesquisa, e a extensão, é nesta última que as instituições cumprem de maneira mais abrangente sua função, pois é na extensão que se estabelece o elo entre a Instituição e a sociedade, concretizando seu compromisso social, como podemos observar nas palavras de Calderón (2006, p. 14): Tradicionalmente, a construção das pontes entre a universidade e a sociedade, a concretização do compromisso social da universidade e a reflexão ética sobre a dimensão social do ensino e da pesquisa têm sido uma atribuição da chamada extensão universitária.

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Analisando as palavras de Calderón (2006), supramencionadas, percebe-se ainda, que a construção das pontes entre a universidade e a sociedade, tem sua base no conhecimento proporcionado pelo ensino, desta maneira, caracteriza-se a nítida e fundamental importância em fornecer um ensino com qualidade e que busque sua constante inovação e adequação às necessidades acadêmicas e sociais. Através da vertente do ensino, tem origem à pesquisa, que proporciona o levantamento, investigação e/ou crítica a respeito dos problemas e dificuldades enfrentados pela academia e pela sociedade, seja esta última no nível local, regional ou até mesmo nacional. Como consequência dos resultados obtidos pela pesquisa e de sua análise, é possível então, criar programas e projetos que visem melhorar e até mesmo solucionar os problemas identificados. Para aqueles obstáculos que já possuem projetos sendo aplicados, desencadeados através de pesquisas anteriores com o intuito de amenizálos, pretende-se uma nova análise na qual, dependendo dos resultados obtidos, o projeto poderá ser reformulado, reestruturado, poderá ser proposta uma inovação nos métodos utilizados e até mesmo nos objetivos pretendidos com sua aplicação. 78


A divulgação do conhecimento e de novas ideias criadas no âmbito universitário que visam elucidar problemas da realidade social são as que detêm maior valor e relevância. Elas possuem maior possibilidade de efetivação, mas para tal, demanda-se primeiramente que o acadêmico esteja capacitado para identificar os problemas que assolam a realidade local e regional, para que em um segundo momento, possa propor soluções através da pesquisa e da extensão. De acordo com Reis e Bandos (2012) percebe-se ainda nos dias atuais a urgência nas universidades em conectar-se com às problemáticas reais da sociedade, evitando permanecer focadas apenas na simples transmissão de matérias pouco conciliáveis. É através do desenvolvimento de pesquisas e da extensão que se possibilita a reflexão, a crítica e as competências em um âmbito mais elevado, para os acadêmicos e futuros profissionais. Observamos que a construção, disseminação e compreensão do conhecimento seguem uma sequência progressiva e constante, tanto em termos burocráticos, onde as IES se preocupam em atingir os objetivos e os cumprir desde as normas iniciais, legitimação da necessidade de se criar centros organizacionais que proporcionem a construção e disseminação do conhecimento 79


para a sociedade conforme a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), até as normas de estruturação e funcionamento, as quais geralmente lhes são impostas através de órgãos institucionalizados específicos, como o Ministério da Educação (MEC). É importante ressaltar que as Diretrizes do SINAES, elucidam a (auto) avaliação como um grande instrumento de gestão, pois põe em destaque a possibilidade da IES trilhar novos e melhores caminhos. Nas palavras de Muriel (2011) as IES possuem consciência de que necessitam ser proativas no sentido de sua autoavaliação, pois necessitam estabelecer ações institucionais de médio a longo prazo, através de informações precisas cujas quais são as ferramentas fundamentais neste processo, podendo gerar vantagens não apenas no desenvolvimento institucional, mas também, aumentando sua competitividade. Num segundo momento, observa-se a busca dos indivíduos por graduações e especializações de qualidade, as quais possam não meramente constar em seus currículos, mas que possam lhes fornecer um bom arcabouço, para que se possa desempenhar determinada profissão, dentro da área ofertada pelo curso, com eficiência e eficácia. 80


Ao embasar a concepção da extensão como atribuição da universidade, os princípios da integração entre o ensino e a pesquisa desvela uma nova forma de pensar e fazer, consolidando uma postura organizacional e intervencionista na realidade, na qual a comunidade se torna ativa, crítica e auxilia na construção da cidadania e de modos de organização social em conjunto com as novas informações e conhecimentos transmitidos através das universidades. Tal afirmação da extensão como uma prática acadêmica no âmbito universitário vai além da interação entre ensino e pesquisa, necessita sua implantação no ambiente de formação, tanto do aluno quanto do professor, mas também da sociedade, através da construção de um projeto político-pedagógico que tenha como pilares da formação e da produção de conhecimento a crítica e a autonomia entre universidade e sociedade. A extensão reúne em sua área de planejamento e execução a tarefa de ensinar, ao ser um elemento de disseminação e socialização do conhecimento e de pesquisar novos fundamentos para as soluções dos problemas da sociedade. Ao identificar que tais funções são exclusivas do ensino e da pesquisa, observa-se que a função da extensão é ainda mais complexa do que se poderia 81


imaginar em um primeiro momento. Nesse raciocínio, relação constante entre ensino, pesquisa e extensão não são apenas os pilares das IES, mas também edificam a formação humana/profissional e a estreita interação entre sociedade e universidade, por meio do cumprimento da função social da instituição educacional. Portanto, em consonância com as palavras de Jezine (2004) a extensão universitária, na perspectiva acadêmica, objetiva transcender os limites da ciência técnica, da visão do homem como objeto manipulável e de um currículo fragmentado, orientando-se à uma noção multidimensional, onde as dimensões política, social e humana façam-se presentes na formação do indivíduo, sendo este concebido como ser histórico. A importância da produção acadêmica na Universidade Quando falamos em Universidade, logo vem à cabeça a palavra ensino, a imagem de uma instituição onde o conhecimento é a fonte de todo o processo que a permeia é também a imagem de um possível futuro melhor, tanto no âmbito intelectual quanto na questão financeira.

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Até algum tempo atrás, a Universidade era tida como um “sonho”, difícil de ser alcançado pela maioria da população, havia um status idealizado e até mesmo inocente, referente aos poucos que concluíam o ensino superior, que estes eram, e ainda continuam sendo, chamados de doutores, mesmo sem deter a titulação oficial decorrente do processo de pós-graduação. Ao longo das décadas, com os movimentos de reforma, adaptação e inovação que as políticas do ensino superior proporcionaram para este nível de ensino, denota-se o quão inclusiva se tornou a Universidade. Em todo o território nacional houve um expoente surgimento de centros universitários de pequeno e médio porte, que através da grande disponibilização de vagas para os mais variados cursos superiores, propiciaram o aumento da inclusão e acesso dos indivíduos ao nível superior. Independentemente de serem universidades particulares, tais instituições proporcionam bolsas de incentivo a nível federal, estadual e regional/local, bem como programas de financiamento estudantil federal, como o ProUni e o FIES, nos quais a instituição, ou o governo, proporciona abatimentos, em variadas porcentagens, nos

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valores de mensalidade, facilitando ainda mais o acesso ao nível superior. As bolsas de ensino e pesquisa são uma das opções, porém apresentam concorrência mínima para as vagas oferecidas. Muito se deve ao fato dos acadêmicos ficarem receosos quanto ao quesito publicação, pois os mesmos detêm várias dúvidas sobre os procedimentos e métodos utilizados para se redigir um artigo científico. Levando em consideração que as IES são avaliadas, também, pelo fator da pesquisa acadêmica, cujo qual ocorre em paralelo com a produtividade das publicações, percebe-se a importância e a necessidade das instituições em incentivar e proporcionar programas que conduzam e favoreçam a produção de pesquisas com qualidade na academia. Em decorrência destes fatos e de que a política de financiamento de bolsas do sistema universitário brasileiro baseia-se na problemática “publish or perish” (“publique ou pereça”), termo este originado no âmbito das universidades norte-americanas, é que se solidifica o papel das IES em proporcionar meios pelos quais os acadêmicos possam adquirir confiança, conhecimento e experiência necessários para uma publicação de qualidade.

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Nas palavras de Zuim e Bianchetti (2015) a expressão “publish or perish” é vista como um mantra sobre os acontecimentos do âmbito acadêmico de criação e difusão do conhecimento, tanto para a instituição que pressiona a produção, quanto para os acadêmicos pesquisadores que são pressionados a publicarem. Nesta perspectiva, o termo “publish or perish” remete-nos a uma análise das IES numa contextualização empresarial/industrial e não apenas como um centro de ensino, portanto, evidencia-se, de acordo com Zuim e Bianchetti (2015) uma estreita relação entre universidade e empresa, a massificação deste quadro como moldura do mundo de produção, a concorrência cada vez mais acirrada entre as IES em decorrência dos rankings – que proporcionam recompensas ou punições em relação ao nível de publicações – ou ainda pela própria competição extra e infraconstitucional. Tal termo passa a ser sinônimo de pressão sobre professores e alunos pesquisadores, como pré-requisito para que estes possam se manter, ou progredir, na carreira e para que escrevam e publiquem cada vez mais. A grande exigência e a pressão que se impõe aos acadêmicos pesquisadores são tamanhas, que se denotam consequências negativas e tendenciosas a proceder numa 85


subsunção da quantidade pela qualidade, passando a fazer sentido a denominação de “produtivismo”. Há outro aspecto que soma a ideia de produtivismo, seria o fator de impacto (FI) o qual é mensurado através do número de vezes que um artigo foi citado em determinado intervalo de tempo, em média dois anos, dividido pelo número de artigos total que foram publicados, além disso, o FI desnuda os objetivos de uma cultura, materializando-os em uma determinada forma de produção, seja esta a acadêmica. Por ser resumido em um número, possibilita o processo de comparação. Desta comparação tem-se que os periódicos com um maior índice de FI e, consequentemente, os artigos neles indexados, serão considerados com maior importância e relevância neste universo. Como afirmam Zuim e Bianchetti (2015, p. 15): “historicamente, talvez nunca a palavra impactar tenha estado tão associada com a palavra aparecer, de preferência de forma espetacular”. Percebe-se que ambos os fatores de base e diretrizes da IES, bem como os que remetem à sua exposição no mercado, afunilam os caminhos de desenvolvimentos possíveis em direção ao “publish, appear or perish” 86


“publique, apareça ou pereça”. Cedo ou tarde todas as IES se defrontarão com tal realidade, aquelas que de antemão passarem a considerar a inclusão de projetos e demais inovações em sua estrutura organizacional a fim de proceder no intuito de obter êxito, são aquelas que a médio/longo prazo terão um expoente crescimento qualitativo não apenas midiático, mas consequentemente em sua estrutura de corpo docente e acadêmica. A prática de produção acadêmica no curso de direito da Uniguaçu: uma reflexão. O Ensino Superior como meio de transformação do sujeito tem buscando mecanismos de preparação dos estudantes por meio de várias ferramentas, entre elas o incentivo à produção acadêmica. Escrever um trabalho com conteúdo e que transmita segurança aos leitores não é uma tarefa fácil, bem como não é para todos os que estão ocupando os bancos universitários. A leitura de diversas obras, dentro e fora da área de pesquisa, precisa estar conectada ao feeling do autor, o que dará corpo a um trabalho que deverá servir como referência para próximos trabalhos. Foi o que encontramos no transcorrer de nossa pesquisa, ao analisarmos produções 87


dos integrantes do curso de Direito. Primeiramente analisamos a revista específica do curso, a Direito & Deriva, a qual teve, em sua primeira edição (2008), muitos autores de cursos de pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado) e nenhum acadêmico da graduação. Entendemos, então, que a revista era destinada à uma camada mais elevada academicamente, ficando distante a possibilidade da publicação por parte dos acadêmicos. Porém, já em sua segunda edição (2012), como se apresenta no prefácio da revista há uma indicação de que ela mudou de perspectiva, passando a publicar, também, textos dos acadêmicos sobre a orientação dos professores do curso de Direito. Diferentemente da primeira edição, a segunda já apresenta, também, mais textos dos professores do curso. Essa mudança faz com que o processo de publicação se aproxime mais dos acadêmicos e professores, fortalecendo a proposição do Ensino Superior em renovar a ciência, bem como a própria academia, por meio da produção acadêmica. Ao mesmo tempo em que aconteceu a facilitação de publicação por parte da Direito & Deriva, ainda é baixo o número de artigos publicados pelos integrantes do curso de Direito – acadêmicos e professores –, 88


principalmente na revista de maior impacto, a Revista de Estudos Vale do Iguaçu (R.E.V.I.), que é conceito B4 da CAPES. O fator de impacto para uma publicação conta muito. Lembramos que em nosso trabalho o foco está nas revistas da Uniguaçu e em nenhuma mais. Gráfico 1 – Publicações na R.E.V.I

Fonte: O autor, 2016.

Este primeiro gráfico nos mostra a relação de publicações na Revista de Estudos Vale do Iguaçu de 2002 a 2009/1, pelas áreas de cursos, em comparação com o curso de Direito. Percebe-se que o curso de Direito da Uniguaçu apresenta períodos de inércia quanto à publicação de artigos acadêmicocientíficos, ficando até um ano e meio sem produzir estudos. 89


Gráfico 2 – Publicações na R.E.V.I

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CIÊNCIAS AGRÁRIAS

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SAÚDE

N26 -…

N24 -…

N22 -…

N20 -…

N18 -…

0

N16 -…

5

N14 -…

Nº de Artigos Publicados

Publicações na R.E.V.I. (N14 a N27)

CIÊNCIAS TECNOLÓGICAS CIÊNCIAS SOCIAS

Volume/Ano da Revista Fonte: O autor, 2016.

O segundo gráfico apresenta a relação de publicações na Revista de Estudos Vale do Iguaçu de 2009/1 a 2016/1, pelas áreas de cursos em comparação com o curso de Direito. Como podemos observar nos gráficos acima, as publicações acadêmico-científicas que o Curso de Direito apresenta na revista com maior fator de impacto da Uniguaçu – Revista de Estudos Vale do Iguaçu – ainda permanece com baixos índices. Apesar do Curso de Direito possuir uma revista específica para publicações do curso – Direito & Deriva – denota-se que há poucos artigos acadêmicocientíficos considerados relevantes a ponto de 90


serem publicados na revista de maior FI da Instituição, mesmo o curso tendo batido seu recorde de publicações no primeiro semestre de 2016 – 4 artigos publicados na R.E.V.I. Em 2013, o curso de Direito conquistou a nota máxima no ENADE, demonstrando a eficiência e a eficácia do ensino prestado na Instituição. Tal resultado elevou a visibilidade e o status do curso ao mais elevado patamar de ensino do país, porém, tal resultado cria sobre a própria Instituição, o curso, o corpo docente e os acadêmicos, a necessidade em demonstrar tal qualidade no âmbito da pesquisa e da extensão, estruturando novos e melhores caminhos e solidificando suas bases com qualidades que vão além de resultados técnico-teóricos específicos. Considerações Finais Ao alcançar a reta final deste estudo, percebemos que há vários fatores que condicionam o desenvolvimento de uma IES, desde sua criação, até a obtenção de resultados que proporcionem maior visibilidade no mercado local/regional e nacional, mas também no amplo cenário acadêmico científico. Percebemos, ainda, que as políticas de bolsas do ensino superior, delineiam caminhos 91


específicos ao publish, appear or perish, na medida em que as IES se veem na obrigação de publicar e acabam pressionando os professores e acadêmicos a publicarem, enfatizando exclusivamente a quantidade e em menor grau a qualidade. É necessário realizar uma observação sobre o quesito quantidade de publicações. Quantidade nem sempre está aliada à qualidade, porém, em cursos que possuem uma grande demanda de alunos, como é o caso dos cursos de Direito espalhados por todo o território nacional, cujo curso é visto com outros olhos não apenas pelas IES, mas também por toda sociedade, não é adequado que se apresente um baixo nível de publicações acadêmico-científicas. A capacidade de raciocínio crítico e emancipatório, dos membros da academia e da área jurídica, em relação às questões socias e as mais variadas ideologias que permeiam a humanidade, é algo muito declarado, porém, é possível constatar que tal afirmação não se solidifica com plena qualidade e nem sempre em quantidade. Observa-se, ainda, que o Direito como uma área em que é incumbida o dever de delinear os limites e os caminhos para que seja possível viver em conjunto e com harmonia, conduzindo ainda a sociedade a novos e melhores horizontes, levando em consideração 92


que durante estes processos contínuos e ininterruptos a sociedade também intervém na estrutura do Direito, torna-se praticamente impossível aceitar o fato deste curso apresentar extremos negativos em relação às publicações acadêmicos-cientificas, sejam em termos de quantidade sem qualidade, ou de grande qualidade, mas em um número extremamente reduzido de publicações. Desta maneira, percebe-se a necessidade da aplicação de um processo de avaliação interna e externa aos cursos, para que possa ser analisado quais aspectos que merecem reconhecimento no que tange ao planejamento estratégico das produções científicas. Fomenta-se aqui o uso deste estudo como uma ferramenta de análise para os gestores, voltada para o desenvolvimento de projetos que proporcionem as bases de conhecimento metodológico e técnico e a experiência necessária aos acadêmicos e até mesmo aos docentes, no âmbito das publicações científicas; e ao coordenador, fornecendo uma constatação evolutiva, com o objetivo de embasar a reafirmação ou o replanejamento estratégico da graduação, da pesquisa e da extensão. Portanto, um possível caminho a ser desenvolvido para propiciar um curso mais produtivo tanto academicamente quanto socialmente é incentivar a produção 93


acadêmica, o curso já está no caminho e conta com incentivos por parte da própria IES, basta e integrar ao processo de produção. Referências CALDERÓN, Adolfo Ignácio. Responsabilidade social universitária: contribuições para o fortalecimento do debate no Brasil. Revista da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior, Brasília, v.24, n. 36, p. 7-22, jun. 2006. Edição Especial. JEZINE, Edineide. As práticas curriculares e a extensão universitária. In: Congresso Brasileiro de Extensão Universitária. 2004. p. 1-5. MURIEL, Roberta. Avaliação institucional: marco regulatório – portarias normativas 40/2007 e 23/2010. Belo Horizonte: Carta Consulta, 2011. REIS, Amanda Lime; BANDOS, Melissa Franchini Cavalcanti. A responsabilidade social de instituições de ensino superior: uma reflexão sistêmica tendo em vista o desenvolvimento. In.: Gestão & Conhecimento, Poços de Caldas, p. 423-432, nov. 2012.

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ZUIN, Antônio; BIANCHETTI, Lucídio. Productivism in the age of the "publish, appear or perish” a difficult and necessary balance. Caderno de Pesquisas, São Paulo, v. 45, n. 158, p. 726-750, dez. 2015.

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Parte II Diรกlogos

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CAPÍTULO 5 A inovação acadêmica como atributo ao sucesso profissional Karina Linzmeyer Introdução Atualmente, no mundo contemporâneo e competitivo no qual nos encontramos umas das poucas maneiras de acompanhar o desenvolvimento das gerações é através da criação do novo, ou seja, o vislumbre de oportunidades e ideologias que ultrapassem a forma atual de comportamento, comunicação e pensamento. Olhando por este lado, este perfil é utilizado por uma pequena porção da humanidade, já que, estar em um ambiente cômodo e constante parece ser a melhor opção no ponto de vista de boa parte da sociedade. No entanto, a transformação faz parte do nosso cotidiano, seja em uma necessidade, ou desejo de mudança. O que difere um agente desta transformação e aquele que somente acompanha o fluxo evolutivo está resumido em “ação”. Ou seja, toda intenção, desejo ou necessidade se não portada de um perfil proativo com anseio ao novo e destemido do 97


desconhecido não passará jamais de um pensamento ou sensação. Em contrapartida poderá interferir e transformar não somente a vida particular do indivíduo, como também os demais seres e membros da sociedade. Para esta visão ampla e original dos fatos atuais nada mais bem proposto do que voltar os olhos à comunidade acadêmica, onde literalmente o fluxo de informações e ideias impacta dentre as áreas de estudos e as ideologias de cada acadêmico. E é por meio deste contexto que se se destaca o livre arbítrio para expor e propor opiniões e conceitos sobre os mais diversos assuntos através de artigos científicos que ao mesmo instante em que propõem a inovação e mutação dos conceitos sociais respeitem os anseios e interesses da sociedade. No campo nacional, assim como nos territórios mundiais, a voz retumbante da sociedade clama pela reforma e transformação no âmbito social. Este é mais um dos motivos da população jovem receber espaço na contribuição desta manutenção. Os tempos mudaram e é de fato inviável permanecer em uma ideologia que não cabe mais ao contexto no qual nos encontramos. É preciso expor novos conceitos e oportunizar os seus responsáveis a divulgarem o novo perfil social portador de liberdade e racionalidade, que 98


decide por si e luta pelo bem comum acima de qualquer hierarquia. A mobilização social não sede lugar a ocultação dos direitos, partindo do princípio de que o poder administrativo exerce função sob os asseios da sociedade, onde o inverso desta afirmação, apesar de exercido, terá total aversão aos olhos do bom cidadão. O incentivo à atividade acadêmica voltada ao esboço dos estudos prédeterminados pela originalidade dos interesses de cada membro, é o meio condicional para o alcance da excelência na produção de textos e aprimoramento de ideias, na qual o desenvolvimento das potencialidades cognitivas acelera o processo perfeccionista no desempenho das modalidades. Não é inteligente aplicar obrigatoriedade em áreas nas quais o acadêmico não se identifica, da mesma forma com que jamais se julgara um peixe como retardo por não portar as habilidades de voo. Inovação e desenvolvimento Desde os primórdios, uns conglomerados de reações constituíram a face da terra em sua magnitude, desde então, tudo aquilo que nasce, cresce e se desenvolve neste ambiente torna-se fruto desta raiz evolutiva. Os seres por si, mutantes de sua própria 99


existência desenvolveram-se de maneira fantástica criando dentre suas capacidades a comunicação, criação de ferramentas e transformação de sua estrutura natural. A espécie humana não somente transformou a forma de vida na terra como também mudou o rumo da evolução das espécies e do próprio ambiente com a capacidade de “criar” a ciência, tecnologia, designer, normas e tantas outras qualificações que acrescem as artérias da evolução, gerando novas possibilidades onde a humanidade torna-se manipuladora de todas as demais formas de vida. Logo, a inovação predomina sobre fatores que dizem respeito ao cotidiano humano social onde, segundo a afirmação de Drucker (2013 p. 42), sobre este conceito: “uma razão importante, talvez a maior delas, é a opinião predominante de que a inovação diz respeito a coisas e se baseia em ciência e tecnologia”. Neste caso, a criação do novo é sustentada por sua validez da vida comum, o sendo de utilização prevalece sobre estes princípios. A comunicação e a tecnologia permitem a extração de informação de forma prática e objetiva, garantindo na maioria das vezes a veracidade deste conteúdo que abre portas ao racionalismo de nossa espécie. Este fluxo, contém em sua estrutura a mescla de culturas, 100


raças, religiões, ideologias e crenças do mundo todo. Assim, sua funcionalidade permite o impacto de ideias, esta dinâmica mantém a revolução da diversidade que implica aos aspectos contemporâneos abordagens relacionadas a todas as áreas que competem ao ser, desde seu contexto acadêmico até o relacionamento familiar, amoroso e profissional. Em nosso cotidiano, não é necessário grande esforço para encontrarmos necessidades raízes de uma inovação. Está por toda parte, da roupa que vestimos ao alimento que ingerimos. A mutação faz parte do dia-adia humano, onde, não há necessidade produzida sem a incessante busca de seu suprimento. Esta razão, esclarece, dentre outas coisas, os conflitos provenientes do impacto cultural dentre os grupos sociais. A transformação submete a sensação de desconforto e temor ao ambiente desconhecido, encobrindo a essência do benefício. Neste contesto, uma cultura adequada inspira indivíduos e potencializa suas mentes no intuito de promover a crença de que o diferente acima de tudo é proveniente do fator gerador de um bem comum.

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Princípios e caminhos da inovação acadêmica

O desejo de “ser diferente” remete as pessoas a buscarem constantemente uma forma diferenciada de manifestarem suas ideologias e desenvolverem seus empreendimentos. Mas afinal, de que formar podemos inovar? De certa maneira não existe uma fórmula específica de inovação, já que se trata de um assunto amplo, complexo e abrangente. Cada indivíduo possui uma personalidade e uma diferente percepção do mundo, neste caso, as possibilidades de transformar um processo, criar um novo produto, ou expor uma ideologia são determinadas pelo contexto em que se encontra cada um destes agentes de mudança. Drucker (2003, p. 44) afirma que: Não podemos, por enquanto, elaborar uma teoria de inovação. Contudo, já sabemos o suficiente para dizer quando, onde e como se busca sistematicamente as oportunidades inovadoras e como se avaliam as chances de seu sucesso, ou riscos de seu fracasso. Sabemos o bastante para desenvolver, embora, ainda, somente em linhas gerais, a prática da inovação.

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Esta informação nos permite identificar os meios pelos quais uma inovação recebe forma. Mesmo que ainda não prevista, a ação inovadora requer um minucioso planejamento sendo nocivas as situações inesperadas, não desejadas e de êxito. Por se tratar de uma condição que generaliza vários aspectos não há uma fórmula para inovar, apenas são determinados atitudes de precaução que fornecem suporte para o bom desempenho de um projeto. Embora sejam atitudes de cunho próprio, as ações para a mudança dependem de alguns caminhos a serem seguidos para que possua um bom andamento de seu desenvolvimento. O passo primordial ao início desta jornada certamente vem a ser o pensamento estratégico que é a visão holística do objetivo alvo. Em outras palavras, este pensamento diz respeito a todos os fatores ligados direta, ou indiretamente ao objetivo final e devem ser analisados, distinguindo os meios pelos quais podem interferir ou contribuir no processo. A pesquisa em segundo passo é um dos itens mais importantes desta jornada, afinal, nada podese concretizar sem fundamentação e conhecimento para formalização e intencionalidade do alvo. Por último, e mais importante, a ação transformadora, que 103


finalmente gera vida à ideia e impacto no ambiente aplicado. A adesão deste roteiro assegurará maior viabilidade da ação, além de transmitir confiança e credibilidade ao responsável. Toda transformação necessita causar comoção no indivíduo, pois, este só irá aderir à determinada ideia, produto ou comportamento se suas percepções captarem pontos positivos através do vislumbre da precisão em seu próprio sentindo. Neste caso é fundamental a formulação de um projeto estruturada segundo os fundamentos já existentes gerando confiança e fidelidade aos protagonistas. O artigo acadêmico como fonte de inovação A criação científica está a cada dia ganhando mais espaço nas instituições de ensino. Este trabalho abrange a cultura universal dentre as áreas do conhecimento e tem como sua principal finalidade a extensão, o ensino e a pesquisa sendo voltada aos atores profissionais que atuaram na sociedade futuramente. A sua formulação é tratada dentro de rigorosos tratamentos para filtrar e processar as informações adicionadas, de forma exponencial à veracidade das afirmações 104


em questão, sendo avaliada de forma a garantir a originalidade do trabalho produzido. No entanto, a criação e inovação de novas perspectivas requer uma ideologia multifuncional dos aspectos que constituem a sociedade e o mundo. O acadêmico empreende a partir da identificação de polos ainda não descobertos. Segundo Dolabela (2008, p. 24) este indivíduo é alguém que prefere seguir caminhos não percorridos, que define a partir do indefinido, acredita que seus atos podem gerar consequências. Em suma, alguém que acredita que pode alterar o mundo. É protagonista e autor de si mesmo e, principalmente, da comunidade em que vive.

A referência deste perfil trata-se da “importância” da coletividade do ser. No sentido de importar as esferas sociais no intuito de explorar e expandir a pesquisa e a inovação em prol da mutação dos padrões sociais que determinam muitas vezes a imparcialidade dos benefícios e sua distribuição heterogênea. Existem diversas formas de praticar a inovação enquanto acadêmico. Porém, o artigo em sua particularidade permite ao acadêmico dispor de suas práticas de pesquisa utilizando 105


de todos os meios dispostos na defesa de um conceito, ou estruturação de um novo produto. O fluxo de conhecimento depende da pesquisa científica para o desenvolvimento físico e intelectual da sociedade. Há muito tempo, cientistas reformulam métodos para garantirem maior vitalidade a todas as espécies e garantir o bem-estar das mesmas, assim como estudiosos das ciências sociais usam de suas habilidades no controle mediador da paz social. Esta estrutura de conhecimento e inovação, que é ensinada ao acadêmico, garantem o progresso da humanidade em todos os segmentos que a constituem. Assim como afirma Drucker (2010, p. 62): A inovação é o instrumento específico dos empreendedores, o meio pelo qual eles exploram a mudança como uma oportunidade para um negócio diferente ou um serviço diferente. Ela pode ser apresentada como disciplina, ser apreendida e ser praticada.

Portanto, a inovação e a prática de ideias revolucionárias, são ações que de modo geral são aprendidas e não originadas do ser em si. Podemos tomar como exemplar as diversas teorias e pesquisas científicas que 106


transformaram a forma de vida da sociedade, como as teorias da administração que formularam um novo conceito sobre o mercado de trabalho, atribuindo técnicas que permitem a multifuncionalidade de setores, a criação de novos equipamentos eletrônicos que interferiram diretamente no cotidiano dos indivíduos, a descoberta de novos fármacos que acrescem a qualidade de vida das espécies e as demais teorias que inspiram o convívio pacífico dos grupos sociais. Todas estas atribuições partiram de um estudo científico, que com a aplicação da pesquisa desencadearam inúmeros meios de inovação e transformação em prol do bem social. Além disso, o desenvolvimento de trabalhos científicos contribui de forma significativa para o progresso do acadêmico enquanto profissional. Garante o polimento do seu conhecimento e a pulverização de suas capacidades, ou seja, sensibiliza o senso bilateral dos acontecimentos científicos, tecnológicos e sociais permitindo aos acadêmicos desenvolverem as habilidades de percepção a algo novo. Não obstante, este benefício depende da continua qualificação e estudo de áreas diversas para um melhor desempenho quanto às tendências de mercado e caminhos para a evolução humana. Além do mais, a estruturação profissional recebe uma 107


concepção complexa perante desenvolvimento social. Segundo Zabalza (2004, p. 36):

o

[...] a formação é cada vez mais necessária e profunda à medida que as atividades (profissionais, sociais e, inclusive, pessoais) tornam suas exigências mais complexas. Por isso há muitas denominações dadas a esse momento histórico: sociedade da aprendizagem, sociedade da formação, formação contínua, etc. Essa presença universal do aspecto formativo e sua incorporação à dinâmica do dia-a-dia da vida das pessoas trouxeram consigo efeitos relevantes.

Estas condições também abrem portas a novas oportunidades de ampliação dos estudos em questão, onde o acadêmico pode ingressar em instituições especializadas na área e de grande renome no mercado. Estes fatores não só contribuem ao desenvolvimento pessoal, como também da sociedade em geral que atribuirá ao seu cenário profissionais qualificados para a administração e manipulação de fatores sociais, técnicos e científicos.

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Perspectivas para o futuro Acredita-se cada vez mais no papel da educação como ferramenta para ampliação dos horizontes de nossa evolução. Assim como a ciência e tecnologia contribuem para com as atribuições aliadas ao desenvolvimento de ensino, em que a qualquer momento e em qualquer lugar, obtêm-se informações em tempo real dos acontecimentos no universo. Neste sentido, a comunicação torna-se o grande alicerce desta evolução, partido do ponto em que não se torna mais necessário percorrer caminhos já descobertos, ou seja, prossegue-se a inovação do ponto em que foi estagnada não comprometendo, no entanto, a qualidade na geração de novos conceitos e abrindo portas para direções ainda não aventuradas. Diversas profissões vêm surgindo com as mudanças ocorridas no mundo, tanto com relação à forma de aquisição de renda e produtos, como também ligadas às novas formas de vida da sociedade, novos costumes, gostos e produtos que mudaram o cotidiano social. Estas transformações estendem-se à estrutura de trabalho, onde o empreendedorismo recebe um considerável espaço para a criação de novas fontes de renda individuais. Estes aspectos estão diretamente 109


ligados à inovação e a percepção por parte destes indivíduos referente às tendências futuras. Neste contexto a preparação e o ensinamento ao acadêmico sobre a importância no desenvolvimento de diferenciais e a inovação também são formas de preparar o futuro profissional para o cenário social e econômico no qual irão se deparar futuramente. A projeção de novas ideologias depende exclusivamente da proliferação da pesquisa constituída veridicamente às demais pessoas através da comunicação, ou seja, a sua publicação serve como força propulsora a novas ideias e determina a aceitação, crítica, complemento e continuidade de projetos através dos seus próprios leitores. A esfera da informação digital mantém o fluxo de conhecimento em um estado de constante mutação. A qualificação de projetos já estabelecidos também é de grande valia a manutenção da linhagem temporal ideológica e à constante mutação das perspectivas futuras. Quanto ao futuro, apesar de não possuirmos ferramentas que nos permitam seu vislumbre, apostamos em perspectivas elaboradas a partir da ampliação das plataformas de conhecimento e aumento da extensão acadêmica como uma grande 110


oportunidade para usufruir de talentos ocultos e quem sabe ainda aqueles que surgirem, no intuito ainda, de resolver os grandes problemas e conflitos da humanidade. Despertar o senso de criatividade e principalmente inovação, partido do princípio de que a criatividade é um pensamento diferenciado e a inovação é a sua prática. Considerações finais O ensino superior de qualidade proporciona a formação acadêmica um ambiente propicio ao seu desenvolvimento cognitivo além dos padrões do exercício metodológico dentro das salas de aula e até mesmo a aplicação prática destes métodos. O que diferencia uma instituição inovadora das demais, nesta perspectiva é o incentivo da ação acadêmica que subsidiara meios para o crescimento da credibilidade da instituição perante à sociedade e utilizará destas ações como atributos ao profissional desenvolvido em seu meio. O artigo científico em especial, abre portas para a aplicação da pesquisa sobre ideologias criadas pelos próprios acadêmicos, a qualificação destas ideias inovadoras aliados à base teórica dos estudos referentes a mesma, propicia a estruturação da pesquisa com uma 111


face verídica, o que gera credibilidade a sociedade científica. Logo, a publicação deste material torna válida a percepção exposta em seu contexto. Obviamente se, ao contrário desta afirmação, o trabalho não publicado agrega valor à intelectualidade do acadêmico. No entanto os princípios da coletividade e progresso ressaltam a importância da publicização do pensamento como inspiração e base para novas perspectivas. A ação acadêmica engrandece o desenvolvimento da instituição, do acadêmico e da humanidade. O valor agregado a esta fonte de inovação merece a devida atenção e incentivo por parte das instituições de ensino. Aprimorando, orientando e fornecendo subsídios para o desenvolvimento de todos. Referências DOLABELA, Fernando. O segredo de Luísa: Uma ideia, uma paixão e um plano de negócios: como nasce o empreendedor e se cria uma empresa.1.ed.Rio de Janeiro: Sextante,2008. DRUCKER, Ferdinand Peter. Inovação e espírito empreendedor: Prática e princípios. 1.ed. São Paulo: Pioneira Thomson, 2003.

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DRUCKER, Ferdinand Peter. Inovação e Espírito Empreendedor: Práticas e princípios. 12. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2010. ZABALZA, M. A. O ensino universitário: seu cenário e seus protagonistas.1.ed.Porto Alegre, RS: ARTMED, 2004.

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CAPÍTULO 6 A durabilidade das cargas das baterias de equipamentos portáteis: um diálogo com a inovação Andressa Angel Matozzo Introdução Neste trabalho apresentaremos um estudo geral sobre algumas formas possíveis de armazenamento de energia, analisando suas características vantagens e desvantagens sem esquecer do meio ambiente. Focaremos em baterias de equipamentos portáteis, analisando o possível aumento da durabilidade das cargas. Sendo apresentado alguns elementos, como as matérias prima utilizadas para que esse processo de durabilidade seja possível, incluindo o grafeno que é uma das formas cristalinas do carbono, assim como o diamante, o grafite, os nanotubos de carbonos e fulerenos. O grafeno de alta qualidade é muito forte, leve, quase transparente, um excelente condutor de calor e eletricidade, podendo ter um alto impacto na natureza, porém, tentando manter um equilíbrio com o menor número de descartes se a vida útil das baterias forem 114


maiores, trazendo um benefício em prol à natureza. As primeiras baterias foram criadas há mais de dois milênios por iranianos, sendo na época conhecidas como acumuladores de energia. Desde então vem sendo gerada e armazenada de diversas formas. Capacitores foi o termo usado por Benjamin Franklin em 1748, no sentido de formar um conjunto (a bateria). Os primeiros foram gerados para poder testar cargas em experimentos químicos. Apresentaremos também algumas formas de renovação tecnológica por meio de sistemas Fotovoltaicos, implantação de duas baterias no mesmo aparelho e suas distribuições funcionais. Assim apontamos a importância da economia da energia, os principais problemas dessa tecnologia e os fatores de unidades de medidas que são representados por watts-horas/quilos da bateria entre outras, numa tentativa de propor uma discussão em prol da inovação tecnológica. Importância da energia renovável e sua economia O termo energia, no contexto da sociedade humana e das humanidades, 115


geralmente é usado no sentido de recursos energéticos, e muito frequentemente refere-se a substâncias como combustíveis, derivados do petróleo e eletricidade em geral. Em relação a expressões populares como crise energética e a necessidade de conservar energia, a utilização do termo energia pode ser vista como uma contradição à lei de conservação de energia das ciências naturais. As práticas de eficiência energética exigem um esforço direcionado à conservação dos recursos energéticos disponíveis. A necessidade da energia em nosso meio é cada vez maior. Nossas vidas, nossas rotinas são movidas por energia. Em nossas residências é usada uma quantidade significativa, sendo que com ela obtemos a luz, a manutenção dos alimentos em geladeiras e freezers, ar condicionado, banho quente e o uso cada vez maior dos aparelhos eletrodomésticos e eletrônicos. Mas o que não se sabe é que toda energia é extraída da natureza, ou seja, todas as formas de utilização das energias (eletricidade, combustíveis e outras). Mesmo assim, já não imaginamos nossa vida diária sem a energia elétrica. Por isso dizemos que se trata de uma forma de energia útil. Além disso é uma forma que se transporta com rapidez e segurança. 116


Uma das principais energias é a solar, que é uma das alternativas mais promissoras do nosso século, sendo inesgotável tanto como fonte de luz e de calor. O sol é fonte de energia renovável e seu aproveitamento é uma das alternativas energéticas mais promissoras para o futuro. É importante na preservação do meio ambiente, pois tem muitas vantagens sobre outras fontes de energia, como não ser poluente. Esta é a condição para a existência de nossa indústria, nossos meios de transportes e até mesmo a agricultura e a vida urbana. Enfim, é a condição para a existência de nossa sociedade como a conhecemos, sendo impossível imaginar em uma sociedade sem a energia seja ela qual for, ou melhor, que origem essa energia tem, sendo de essencial importância. A energia solar, como o próprio nome diz, é a energia gerada pelo sol, é uma fonte de aproveitamento inesgotável na escala terrestre de tempo. Por muitos anos a humanidade sobreviveu com base no trabalho braçal e animal. As primeiras fontes de energia inanimadas, como rodas hidráulicas e moinhos de vento, significaram um importante incremento quantitativo do regime de trabalho. É a partir da energia do Sol que se dá a evaporação, origem do ciclo das águas, que 117


possibilita o represamento e a consequente geração de eletricidade (hidroeletricidade). Segundo Fernandes (2002) no Brasil a utilização da energia teve seu aumento na década de 70, quando notamos que o país possui um grande potencial energético solar, sendo uma boa solução para as áreas afastadas e que ainda não possuem energia elétrica. Atualmente, no mundo, mais de 80% de nossa energia provém dos combustíveis fósseis, e no Brasil não é diferente. Quanto aos riscos são elementos inerentes a qualquer um que deseja manuseála, seja na mitigação ou retenção de sua exposição ou transferência. Pode-se criar um programa bem estruturado e balanceado para gerencias a exposição de cada modo a ser trabalhado, trazendo acessibilidade e conforto para cada especialista, observador e pesquisador. Baterias As baterias são construídas por diversos tipos de elementos como lítio, grafeno, níquel, cádmo, carbono, magnésio, sódio-enxofre, chumbo, ácido-lítio, cobalto-bolzano, etc. As principais formas de controlar a eficiência da bateria de magnésio–ar é por meio da composição da liga, da oxigenação, do pH, da 118


temperatura e da concentração de sais NaCl no eletrólito. Segundo Nelson e Bolin (1995) as baterias são um conjunto de células eletroquímicas (pilhas) que podem ser usadas para entregar corrente, ou potência para uma carga. Para Suberu, Mustafa e Baschir (2014) existem quatro tipos de acumuladores de energia: os mecânicos, os elétricos, os químicos e os térmicos. As aplicações destes acumuladores são em usos militares, aeroespaciais, indústria médica e eletrônica. Já nas baterias secundárias (do dia-adia), o ciclo de vida refere-se à quantidade de ciclos de carga/descarga que a bateria pode realizar até a sua capacidade se reduzir ao percentual limite mínimo (especificado por tecnologia). As baterias com temperaturas baixas, que operam normalmente em temperatura ambiente, são chumbo-ácido, níquel-cádmio, íon-lítio e de hidreto metálico de níquel. As com temperaturas altas são de sódio-enxofre, cloreto de níquel-sódio e de fluxo. Segundo a Sociedade Gestora de Resíduos de Pilhas e Acumuladores (2003) as baterias podem ser classificadas como: primárias e secundárias. As primárias são utilizadas apenas uma vez porque o produto químico não volta a sua forma original sendo descartado após o final de seu ciclo. As 119


secundárias podem ser recarregáveis porque sua transformação de energia química em elétrica pode ser reversível tendo até 500 ciclos conforme o fabricante. Uma análise das possibilidades de aumento da durabilidade das cargas das baterias As baterias passaram por poucas evoluções nos últimos anos. Muitas empresas de pesquisas revelam estratégias na tentativa de identificarem os aplicativos que mais consomem bateria e, assim, tentam reduzir suas tarefas, mesmo assim nos parece uma ação sem destino, pois nada resolve. Em uma análise, realizada por nós, algumas opções podem ser desenvolvidas. A primeira seria introduzir duas baterias ao invés de uma. Enquanto uma bateria seria usada apenas para jogos e mídia, a outra seria utilizada para processos realmente relevantes, como chamadas e agendas ou ainda indispensáveis como contatos de empresas entre outros. A segunda opção seria inserir uma tela com sistema fotovoltaico, sendo aquele que transforma a luz solar (irradiação) que incide sobre células fotovoltaicas, normalmente dispostas em forma de painel convertida em energia elétrica. 120


A intenção dessas proposições e repensar a projeção das baterias e criar um protótipo para que seja realizado ensaios, o que deverá acontecer no decorrer da nossa pesquisa. Esperamos resultados que apontem possibilidades de duração que supera 119 horas com apenas a carga. Isso seria uma forma de dar suporte aos usuários contínuos de equipamentos eletrônicos portáteis. A base para tal procedimento está centrada na energia solar, entre outras fontes renováveis, bem como a possível utilização de ar comprimido em um futuro próximo. Considerações Finais Os principais problemas de toda e qualquer tecnologia são os altos custos dos materiais necessários para a sua construção, os riscos ambientais de contaminação por metais pesados precisam ser corretamente descartados e o chamado efeito memória, pois a bateria precisa ser totalmente carregada ou descarregada para não diminuir o seu tempo de vida. Outra dificuldade é a execução correta dos ciclos de carga e descarga que garantem uma vida útil para a bateria, igual ou maior do que a especificada pelo fabricante.

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Na aplicação de baterias recarregáveis em projetos eletrônicos portáteis é a necessidade de carregadores específicos para cada tipo e modelo de bateria. Ressaltamos que o cádmio e o níquel são tóxicos, apresentando sérios riscos para a saúde humana, assim sendo estudado uma maneira possível de reverter essa situação e logo nos trazendo futuros avanços tecnológicos. Referências NELSON, Johana; BOLIN, Willian. Basics and advances in battery systems. In.: IEEE Transactions on Industry Applications, v. 31, n. 2, p. 419-428, 1995. SOCIEDADE GESTORA DE RESÍDUOS DE PILHAS E ACUMULADORES, LTDA. Tecnologia ínCentea. Ecopilhas, 2003. SUBERU, Hanoo Woo; MUSTAFA, Mohd Wazir; BASHIR, Nourudden. Energy storage systems for renewable energy power sector integration and mitigation of intermittency. In.: Renewable and Sustainable Energy Reviews, v. 35, p. 499-514, 2014.

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Parte III Debates

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CAPÍTULO 7 O ser no caos Atilio A. Matozzo Introdução O ser humano, como indagador de sua própria existência, desenvolve-se em meio ao processo de causa e efeito, o qual o constitui no delinear de sua história. As escolhas são determinantes, por isso, resíduos das más escolhas, que um dia foram realizadas, sempre retomarão, de forma aguda e sem anestesia, justamente em um tempo de sobriedade, não mental, mas de vivência, provocando o sofrimento, elemento mais importante para o homem, pois é o motivador das mudanças. Para Schopenhauer (2011, p. 113): O sentido mais próximo e imediato de nossa vida é o sofrimento, e se não fosse assim, nossa existência seria o maior dos contra-sensos, pois é um absurdo imaginar a dor infinita, que nasce da necessidade essencial à vida, da qual o mundo está pleno, é meramente acidental e sem sentindo.

Nossa receptividade para a dor é extraordinária, já que estamos sempre em 124


busca dela, seja para que mudanças aconteçam, seja para chamar a atenção de alguém. A regra para a construção do caos é a infelicidade, que emerge, no mundo pósmoderno, como uma faca pontiaguda que destrincha a existência do ser não deixando chances para reações estabilizadoras, já que o ser emocional não mais tem forças e dá lugar ao ser da dor, do sofrimento e da angústia. Memorialisticamente as sensações mais tenras de sofrimento são delineadas em parcelas de tempo, mesmo assim a sensação de que o caos foi instaurado é maior que as possibilidades de ajuste da dor, isso que define o ser humano como o próprio prólogo do sofrimento, para Schopenhauer (2011) é aí que se encontra o fundamento da negatividade do bem-estar, já que ninguém deixa de lado os efeitos do caos, formando uma famigerada positividade da dor. O ser insiste em viver em um modelo cartesiano, projetando em sua existência um parâmetro de vida que traceja o tempo como ferramenta de manipulação de si e dos outros e se isso não der certo, o início do caos projeta a dor e a busca pela piedade, socraticamente não estamos delineando um processo de causa, mas de busca para entender os princípios de angústia de ser em meio ao caos que nos mesmos provocamos para que a 125


piedade e as mudanças nos instituam como seres melhores, meta e fisicamente. Desse modo, este trabalho irá discutir possibilidades do ser nas transformações temporais como a construção de um eu melhor, não em sentido pleno, mas um eu real que não projeta, mas vive a intensidade do tempo que lhe é de direito, provocando no outro a responsabilidade da construção de uma sociedade não estagnada que espera pela piedade, mas que promove a acesso aos direitos, à vivência e à felicidade nos preceitos kantianos, tendo na dor a experiência de ser. Assim, dividimos essa discussão em três partes: na primeira apresentaremos prospectos sobre a vida e a construção do eu em meio à projeção do caos; na segunda buscaremos o delineamento do ser em meio à construção da felicidade e, por fim, discutiremos o ser como provocador da dor e da piedade, o qual transborda necessidades de viver em meio à morte de seu eu. Configurações da vida em caos, ou apenas um amanhecer em dificuldade A projeção de uma vida centralizada em modelos cartesianos serve como um acalento à dor da existência numa sociedade considerada desestruturada e perdida em meio às 126


demandas da pós-modernidade. O medo das projeções realizadas para o futuro sequer se estabiliza no presente, o pensamento sobre aquilo que não se conhece e o projetar sobre o não conhecer determinam o quão é importante para o homem sofrer. Para Sócrates, isso não passa de um princípio de ignorância (no sentido de não saber), pois não há ignorância maior do que supor saber o que não se sabe. As suposições são as roldanas da força motriz do ser humano, pois supor está no projetar e no estabelecimento de metas contraditórias que confluem em um sistema universal de vida: a busca pelo que é bom. Ninguém quer o mal, ninguém quer o sofrimento, mas por que há o provocar de ambos? Para que o conflito entre o sentir e o existir possa ser mais valioso quando se estabelecer a vitória do bom contra o ruim, do bem contra o mal. Eis a construção de nossos enredos de vida, conduzimos o nosso pertencer por meio do inevitável sofrimento causando pelo eu em deriva no ser, no constructo da vitimização e do sofrimento. Para Sócrates é muito melhor sofrer a injustiça do que cometê-la, mas ao produzirmos uma reflexão sobre essa máxima, resta-nos a indagação a respeito das injustiças que produzimos contra o nosso eu, não o deixando livre pelo simples fato de que a dor 127


provocada pelo instante em que vivemos deve ser necessária, para que o gosto de ter passado por isso, ou ter vencido o mal, seja maior, mais triunfante. Caímos, novamente, no enredo do heroísmo, não comum ao reles mortal, mas aos melhores e de detentores do poder, o qual nunca é um poder intelectual, mas de pertencimento. Isso tudo determina um princípio poético de nossa existência. A determinação de um campo espiritual, como reforço da existência e apego à superioridade do nosso próprio ser auxilia o tráfego pelo caos, o que acaba transformando o homem em matéria e, supostamente, em um organismo que vive apenas em relação ao tempo que lhe é de direito, mas e seus feitos, como ficam? Não se acaba apenas em carne e as contas não são acertadas como se estabelece, para tanto, a ideia de que sofrer em vida e vencer esse sofrimento com a ajuda metafísica alivia o pensar de que poderá haver, pós mortem, mais sofrimento antes de navegar nas nuvens do paraíso. As intermitências do ser em sofrimento fazem com que a própria existência dos outros seres faça mais sentindo, mas não seria mais simples se não houvesse o sofrimento? Mas o caos se transformou na mais pura manipulação do eu, projetando uma vida de nefasta sensação baseada no outro que poderá 128


ser o controlador total do eu, servindo de regulador do sofrimento, já que a liberdade de ser não está em nossas determinações, mas na compreensão de eu em meio ao caos em que vivemos. Tracejamos a visão do poeta e ensaísta Edgar Allan Poe (1999, p. 203) que afirma: Há pessoas, bem sei, que, ocupando-se em tentativas para atingir o inatingível, adquirem mui facilmente, por foça do jargão que empregam, entre aqueles que se pensam pensadores e para os quais profundeza e escuridão são sinônimos, uma espécie de reputação de profundeza turva; mas a mais bela qualidade do Pensamento é ter conhecimento de si mesmo e, com pouco engano, pode-se dizer que nenhum nevoeiro do pensamento pode ser maior do que aquele que, estendendo-se até os limites do domínio mental, furta à compreensão até mesmo nesses limites.

Conhecer a si mesmo antes de projetar a vivência social é uma tarefa socraticamente difícil, já que somos programados para buscarmos modelos cartesianos de vida que sobreviveram ao caos humano e experimentaram o sofrer, pois somos movidos pela menor bagatela de sofrimento que possa nos abater. Podemos passar momentos tenros e perfeitos durante o dia, mas um simples 129


deslize no decorrer do tempo será lembrado com maior força do que os bons momentos. Cabe, aqui, uma nova indagação: o bem sempre, realmente, vence o mal? Para Schopenhauer (2011) o fundamento da negatividade da felicidade e do bem-estar em oposição à positividade da dor se fundamenta nesse ponto. O mal tem vencido o bem para que o haja uma superioridade do bem quando as tormentas passarem, mas será mesmo um mal, ou a projeção de que há algo errado e com a real necessidade de um combate? Com isso podemos pensar nos movimentos do intelecto humano, o qual deveria ser o moderador e o combatente do caos, pois explicações e soluções imediatas à dor seriam lançadas e determinadas não sendo necessário curar o espírito/alma, mas a consciência, pois ela provocará as dores futuras, refugando a reconstrução penosa da moral do ser ao vencer a intermitências da vida. Desse modo, nunca a moral será reestabelecida, e o ideal kantiano será um mero rabisco na instabilidade do ser, provocada pela angústia infinita do viver. Para Kant (2010, p. 57): A moral já é em si mesma uma prática no sentido objetivo, como um conjunto de leis que ordenam de forma incondicional, segundo as quais

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devemos agir, e é um evidente absurdo, depois de se ter concedido a este conceito de dever sua autoridade, ainda querer dizer que, porém, não se pode obedecer.

O caos é estabelecido para que a ordem moral tenha mais valor, isto é, viver moralmente em uma sociedade sem caos não é tão válido quanto ter moral em uma sociedade anárquica e sem valores. Assim, é-nos mais glorioso passar pelas duras penas da vida, nos momentos mais difíceis de um amanhecer doloroso do que estarmos glorificados em um mundo igualitário, justo e sem dor. Mas viver em um mundo perfeito aniquilaria a compaixão, força que move a humanidade, pois nossa infelicidade é acalentada pela nossa observação do outro, eis a força da alteridade, que sofre mais do que a nós mesmos, aí nos damos por satisfeitos e seguimos os rumos tortuosos de nossa vida esquizofrênica e autista. Sim, nossos amanheceres de sofrimento são necessários para que nos sintamos com vida, já que utopicamente o projetar da melhora sempre nos é útil. Para Schopenhauer (2011, p. 115) “a felicidade de um certo curso de vida não é avaliado segundo suas alegrias e prazeres, mas sim como positivo, pela ausência de sofrimento [...]”, vamos mais 131


longe, ampliando essa afirmação no consenso da construção de nossa teoria, pois não seria a ausência do sofrimento que causa a felicidade, mas combatê-lo e vencê-lo, pois a catarse se estabelece nisso, já que desta forma “vencemos na vida”. Uma máxima prolixa, já que vencer tem se configurado como uma forma mais valiosa de viver. Nascer em berço de ouro e ter tudo o que quiser parece, hoje, não representar o valor de uma vida, pois não há sofrimento. Pobre senso comum, como não há sofrimento, se o ser em existência já faz parte de um caos causador do sofrimento, mesmo que não seja necessário ou real, o sofrer é primordial para o processo de valia. Para Nietzsche (2012, p. 45) “nenhum mal nasce em ti, a não ser aquele que brota da luta das tuas virtudes”, virtudes essas que se configuram em meio ao combate do caos, vencê-lo é se transformar digno em meio à desapropriação da moral. Lutamos pela moral e nada melhor que configurar, segundo Kant (2010), um princípio exaurido na fé, ou na projeção de um acreditar. Já para Durkheim (2009, p. 66): Os atos que tendem não mais a conservar, mas a desenvolver o meu ser, não teriam maior valor moral? Sim, ainda, se eu procuro me desenvolver não por um interesse pessoal, nem

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mesmo por um interesse estético, mas para que esse desenvolvimento tenha efeitos úteis para outros seres além de mim. Mas, se procuro somente desenvolver minha inteligência e minhas faculdades para brilhar, para prosperar, para fazer de mim uma bela obra de arte, meu ato jamais será considerado moral.

É o que o ser humano faz, desenvolve o ser para que este tenha o conhecimento para si, o esforço, as dificuldades são para si o mecanismo de autoglorificação e apropriação do direito moral do existir. Mas e o princípio social? O ser para si também aflige o sujeito o transformando injusto. Os problemas mundanos nunca nos deixarão livres, pois nossa liberdade se mescla a ter moral para estar livre, mas não é o que fazemos para sermos livres, mas como fazemos. Eis o fel do caos estabelecido em nosso projetar, na vivência mais simples do cotidiano com noções básicas de dever e poder sancionadas a todo o momento por alguém que nos serviu de modelo. Na práxis isso ocorre quando alguém morre, geralmente não estamos com essa pessoa em nossa mente, mas a sua morte provoca a sua aparição, aí nos lançamos à memorialística das coisas boas projetadas por essa pessoa, mas e as más? Essas somente em vida, pois ele precisa pagar, 133


sentir e remoer os seus erros também no plano terrestre, para termos a certeza de que ele pagará, pois não há definição de nada ao longo do pós mortem. Assim usurpamos a vida do outro, numa projeção descabida do sofrimento em meio ao caos de ser. Em todos os nossos anoiteceres pensamos que o próximo dia será melhor, desejo intenso e providencial, mas nós somos pessoas melhores para configurar um amanhecer melhor? Na maioria das vezes não, apenas projetamos melhoras, não nos transformamos em melhores, já que sempre nos resta o princípio da dúvida como mecanismo regulador do nosso ser. Enquanto descansamos nosso corpo, nossa mente produz a dor, para que não haja descaso, mas dúvidas sobre amanhecer, sobre o ser. Na verdade, se nos embebedássemos de conhecimentos e, aos poucos, enveredássemos para o lado dos outros, ao invés dos outros para o nosso lado, poderíamos nos transformar e (re)transformar os outros. Mas muitas vezes nos encontramos aleijados em nossas ideias frustradas, culpabilizando o outro por nossas falhas. Isso nada mais é do que falta de virtude nos moldes kantianos.

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Ser feliz, feliz ser A conditio sine qua non para o movimento da felicidade está nos momentos em que o caos não domina o ser, mas sem caos também não há o porquê ser feliz, já que a própria etimologia “felicidade” não existiria, não teríamos um estado a ser alcançado, todos seriam felizes, não seria mais uma condição temporal, mas um estado permanente do ser. Assim, a virtude, como espaço para a conquista da paz perpétua se conflui aos resquícios da dor e do sofrimento. O apego ao divino tem funcionado para muitos, levando em consideração o projeto kantiano, o próprio Schopenhauer (2013) delineia traços de apelo a uma força superior, que poderá, meio a filosofia moral e real, segundo ele, leva à existência e ao merecimento do ser nos mais altos rincões da felicidade, que muitas vezes pode ser tardia, mas não falhará. Mas vamos poupar um pouco a transcendencialização de métodos metafísicos que afirmam uma conduta do homem em virtude de uma existência nunca comprovada, mercantilizando a sua vida na terra em prol de uma paz perpétua em outros planos. O mesmo acontece quando se pensa em fazer o bem, para se ter o bem, ou para que seja bom. Quando o melhor seria fazer o bem 135


para que nada tenha, como um princípio moral de cada ser humano. Doce ilusão que conduz essa discussão. Para o próprio Schopenhauer (2011 e 2013) eu estaria praticando heresias filosóficas, sendo um filósofo da indústria, mas não sou eu que me uno ao coro de louvor a algo que não se comprova fisicamente, pelo simples fato que o ser pode precisar de algo além do seu próprio ser. Amém aos gritos felizes, e a saída do templo, como fica? A luta diária para vencer o leão na arena do desafio, as dores e as fétidas feridas causadas pelo tempo transcorrido e não vivido, quem ajudará o ser a dar conta disso? A força metafísica da crença em um cosmos de soluções, mais uma vez o outro intercedendo pelo eu, que se esconde na fraqueza de ser, como um torturador de si mesmo. A vida como cilício que corrói até o osso e nada pode ser dito, pois a pena pode ser maior, vai que realmente exista a regulação da nossa existência por meio do uma força superior e que tem o dom da felicidade. Infelizmente, tudo isso é o que nos faz humanos. Durkheim (2009, p. 71) mostra que “o que faz de nós, seres verdadeiramente humanos, é aquilo que chegamos a assimilar” no decorrer de nossa vida, dessa forma, mesmo vivenciado um fatigado estado espiritual como uma virtude humana e necessária para a 136


conquista da moral, nunca deixaremos de sermos humanos. A felicidade custa, realmente, muito, não capitalistamente falando, mas temporalmente, já que o tempo que dispomos para sermos felizes é escasso, na maioria silenciosa do tempo estamos apaziguando nosso sofrimento e carência do belo através do ter e não do ser. Segundo Sócrates o que há de realmente honesto e belo nada concedem os Deuses os homens sem sacrifício e diligência, nada mais precisa ser dito, já que o belo para o humano está na práxis metafísica de temer algo maior que si mesmo e sofrer as penas provocadas por si, como uma controvérsia metafísica. Como isso é possível, se o compêndio da felicidade do ser está na sua redescoberta como sujeito centrado e capaz de produzir não apenas a sua felicidade, mas felicidades globais, transcendendo o eu para que auxilie a sociedade nas suas mais distintas e infinitas buscas pela felicidade, num contínuo e real convívio social. A priori a constatação da necessidade do conhecimento como ferramenta fundamental para a reconfiguração do ser e de todos os seus princípios deve ser maior que a busca da felicidade por meio da moral, ou de regras intransigentes e desconexas em pleno movimento pós-moderno. 137


Para Sartre (2010, p. 42): [...] todo conjunto da realidade é dado primeiramente como participado da consciência, ou melhor, como consciência: caso contrário, essa realidade jamais poderia tornar-se consciente, isto é, adquirir um caráter que seria estranho à sua natureza.

O autor se esquece de que a consciência, como essência fundamentadora do ser real, estabelece-se em pequenos lapsos de sobriedade, já que na maioria das vezes o que determina o ser é o outro que lhe compõe e as argurias dos desejos projetados para o futuro feliz e árduo que poderá ser construído. Sartre, como cartesiano que é, deixa de lado a esquizofrenia social e o autismo que comandam a sociedade na busca pelo ser ideal, moralisticamente construído e temente a algo que nunca viu. Seria muito mais fácil se o conjunto da realidade fosse determinado pela produção do ser, independente se sua consciência, para que um novo conceito de belo pudesse existir. Agudamente ser feliz não significa um feliz ser, justamente porque a necessidade de sentir a dor do nada, como um pesar que assola a existência, da mais longa a mais breve, derrama sobre o ser as infinitas torturas de viver dias mais prósperos de moral e não de 138


conhecimento, desvencilhando o homem de sua paz perpétua kantiana e produzindo um ser abstrato que usa traços da racionalidade para cumprir suas tarefas coordenadas pelo padrão engrenado socialmente, com pesar por não estar em outro tempo, mas como medo de pensar nesse processo, pois ainda seu sofrimento é pouco, comparado a outro ser que tem mais bocas para sustentar, ou lutar contra uma doença terminal. Eis modelo de motivação à felicidade constituída e mantida pela sociedade positivista que brada por liberdade, mas tem medo de morar sozinha. A (in)finitude do sofrer: um delírio do ser O medo tem sido o maior regulador da humanidade, logo o sofrimento faz parte do medo, porém necessário, o que modifica com o medo é o tamanho do sofrer. Nietzsche (2012, p. 148) aponta que: “não é a altura que terroriza é o declive! O declive donde o olhar se precipita para o fundo e a mão se estende para o cume”. Isso acaba dando ao ser inspiração para que não chegue ao fundo e se lá já estiver, palavras de consolo e tentativas inspiratórias para que ressurja fenixmente do nada são lançadas e acompanhadas da metafísica da fé pregoado em modelos já banalizados.

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A inspiração para o combate à dor e ao sofrer deveria vir do conhecimento do ser, da sua projeção intelectual, sem esquecer a sociedade que lhe dá aporte e ao mesmo tempo o tortura. Rohden (2007, p. 100) mostra que: A inspiração é, pois, a idoneidade de receber o influxo do Infinito no Finito; de perceber algo do Absoluto para dentro do relativo; de canalizar algo do Todo para dentro da parte. Essa idoneidade é uma potencialidade, que admite alargamento e estreitamento, expansão e contração, majoração e minoração.

Como vemos, a inspiração é um processo completo, em que mais de uma força é envolvida, porém nós sempre a atribuímos apenas a um acontecimento, ser, ou momento, facilitando o pensar e o esforço da devolutiva, a qual não está no cumprimento do dever de fazer algo inspirado, mas de servir como inspiração ao mesmo processo que nos ajudou. Como isso é possível? Deixando de lado a crença de que o sofrimento como fenômeno providencial deve ser aceito como destino do ser. As crenças não nos fazem humanos, nos fazem tolos. Não há um fim para o sofrer, já está enraizado na vivência humana, acabar com o 140


sofrimento também seria provocá-lo. É impossível controlar efetivamente o que se sente, logo haverá a dor em um eterno movimento cíclico. Cabe ao ser humano a não centralidade na dor e a construção de seus valores em seu ser, não no estar/pertencer, já que cada um de nós têm uma representação do mundo, bem como uma verdade em cada tempo vivido. Viver na realidade tem sido cada vez mais difícil, a fuga que temporalmente se constrói para dar conta dos pensamentos em prol da melhora de vida acaba anulando as vivências do presente, servindo como uma forma metafísica e positivista de vida. Se não houvesse essa anulação, o viver real faria do homem uma máquina manipulada pelo sofrimento e seu tratamento para com o outro seria mais ou menos assim: amigo da dor, companheiro do infortúnio, pobre diabo, etc., não mais teríamos os tratamentos formais aos quais nos acostumamos, todos seriamos seres moribundos dotados de dor. A esperança de melhora deveria vir com passar do tempo, com o desenvolvimento do conhecimento, porém isso não se efetiva, o que se tem é a perspectiva de que o que é ruim irá piorar para que seja realmente válida a possibilidade de reconstrução da moral.

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Prendemo-nos num delírio contínuo de sermos infelizes, com a possibilidade de superação, mas não esquecimento, do mal que nos cerca. Somos criados e educados desta maneira, acostumados com as intempéries da vida. O delineamento de um princípio de entendimento do ser seria o procedimento ideal para se estabelecer uma vivência configurada no conhecimento como fonte de solução dos problemas causados pela ausência do viver em meio ao tempo presente que se solidifica e não o vemos passar, apenas o recordamos com pesar como mais uma forma de sofrer. Considerações finais As necessidades humanas sempre estiveram centralizadas no viver, mas não um viver legítimo, mas que lhe traga prazer e satisfação. Para que isso ocorra, o estabelecimento de dificuldades, ou o sentimento de dor e caos, sempre estão presentes construindo mazelas “nunca” esperadas. A cumplicidade com que a sociedade se apresenta nisso tudo define, como caráter legítimo, que não pode ter vida sem dor. É típico do ser sofrer, nem que seja por poucas coisas, ou poucas horas. A

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necessidade do caos é iminente a todos, sempre. Escrever um trabalho como esse, justamente durante o considerado século da psicologia, (re)produz uma inconsolável dúvida: o ser humano produz seu próprio sofrimento como uma forma de clamar pela atenção, seja humana ou divina? A resposta é simples, curta e já estabelecida pelo nosso texto: sim. É necessário a ele sofrer, a compaixão, etimológica e semanticamente falando, só existe porque alguém precisa dela, alguém precisa produzir a compaixão, mesmo que esteja sofrendo, pois seu sofrimento é menor do que do próximo, ao ajudá-lo há a sensação de dignidade extrema. Eis o sentido da vida para muitos e a busca da redenção. As batalhas travadas pelo ser, na reconstrução de sua moral estabelece modelos de viver, o que, por sua vez, traz o certo e o errado, mais uma vez, como formas prédefinidas, pragmaticamente há dois lados para que o sujeito siga, o modelo bom de viver, passando pelas dificuldades e encarando tudo como desafios, lamentando e mostrando lamento, bem como buscando piedade, ou o modelo ruim, que é não se preocupar com problemas, viver e deixar que o tempo faça o seu trabalho. Mas há algo errado nisso tudo, logicamente, já que o fator tempo integra a 143


todos igualmente, a diferença é que um viverá no caos, o outro na tranquilidade. Ao que parece aqui é que estejamos escrevendo uma teoria do vagabundo, o qual espera que tudo se resolva pelo próprio tempo, não é isso, mas sim uma tentativa de mostrar que toda a dor e caos é causada pelo que nós pensamos que está errado, sem mencionar o fato de que somos os culpados por tudo que acontece. Eis mais uma forma de sofrer, parece-nos cara a ideia de que podemos ter uma vida sem caos. O transgredir do ser também é natural, assim nunca terminará o sofrimento do ser. A sensação de mea culpa é determinante para o ser, dessa forma podemos tracejar inúmeras linhas teóricas, mas a práxis sempre interrompe o pensar para apresentar novas formas de viver. O tempo, além do limite das vinte e quatro horas, passa a exercer profunda influência no viver do ser. Para tanto, discorreremos mais sobre esse assunto em outros textos, buscando tracejar linhas teóricas que possam, em sumo, alinhar-se à práxis, neste tentamos isso, esperamos que o efeito seja compreensível.

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Referências DURKHEIM, Émile. Sociologia e filosofia. Trad. ANDRADE, Fernando Dias. São Paulo: Martin Claret, 2009. KANT, Immanuel. À paz perpétua. Trad. ZINGANO, Marco. Porto Alegre: L&PM, 2010. NIETZSCHE, Friedrich. Assim falava Zaratustra. Trad. SOUZA, José Mendes de. Ed. Especial. Rio de Janeiro, 2012. POE, Edgar Allan. Poemas e Ensaios. Trad. MENDES, Oscar; AMADO, Milton. 3ª ed. São Paulo: Globo, 1999. ROHDEN, Huberto. Filosofia da Arte: a metafísica da verdade revelada na estética da beleza. São Paulo: Martin Claret, 2007. SARTRE, Jean Paul. A imaginação. NEVES, Paulo. Porto Alegre: L&PM, 2010. SCHOPENHAUER, Arthur. Da morte; Metafísica do Amor; Do sofrimento do mundo. Trad. NASSETTI, Pedro. 7ª Ed. São Paulo: Martin Claret, 2011. _______. Sobre a vontade na natureza. Trad. SILVA, Gabriel Valladão. Porto Alegre: L&PM, 2013.

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CAPÍTULO 8 A vulnerabilidade das relações sociais frente à liquidez: debate sobre a pósmodernidade e suas consequências para o direito Karla Adriane Goslar Introdução A partir da pretensão de suscitar uma sociedade perfeita, a modernidade e a globalização atreladas tornam-se o princípio de uma transfiguração da sociedade e das relações que a constroem em algo dissoluto. O que antes era essencial e inerente ao ser, no cenário de transformação em questão, modifica-se rapidamente, alterando o curso anterior. Neste contexto, Bauman (2007) elabora o conceito de ''liquidez'' e através deste, temos como intuito fazer uma reflexão sobre a transformação social e a vulnerabilidade das relações, causadas pela modernidade, tão logo a apropriação do direito desse novo modo de organização. Portanto, o acesso ao direito, o modo que esse influenciará a sociedade e o que mudou a partir de preceitos corrompidos na “crise moderna”, ou pós-modernidade. É de 146


suma importância essa relação dialética entre direito e sociedade, pois é esse direito que garante o fundamental, o inerente ao ser que mudará conforme as necessidades da sociedade. Num primeiro momento, serão apresentadas as características de um paradigma moderno denominado pósmodernidade, a fim de situar a explicação sobre o mesmo. Num segundo momento, abordaremos o conceito de liquidez, de Bauman (2007), que é a base da reflexão de nosso trabalho, para contextualizar a problemática abordada, também irá ser demonstrada a diferenciação entre dois paradigmas: a modernidade e a pósmodernidade, a fim de explicar onde se origina a perspectiva de Bauman e o que ela contrapõe. Por fim, um terceiro tópico irá demonstrar as consequências para o direito, o qual não se faz apenas como um apêndice da sociedade, portanto é intimamente ligado a ela e a transforma devido às suas alterações. A pós-modernidade Conforme Hespanha (2005) a pósmodernidade é um momento de transição paradigmática, representa uma reação contra as tendências generalizadoras e racionalizadas 147


da modernidade, ou seja, vai contra a generalidade, a abstração, a racionalidade, a planificação, a heterodisciplina, a funcionalidade. O geral é adverso ao particular; ao grande pequeno; o modo de percepção macro (direito deve vir de cima para baixo, do estado para todos) opõe-se ao micro (que o direito vem dessas relações e características locais); atividade exclusiva do Estado transforma-se em autorregulação. Por fim, nasce uma sociedade com viés subjetivo contrariando as perspectivas objetivas anteriores (modernas). Essa idade de transição acontece por diversos motivos, a tecnologia, por exemplo, todos os dias temos uma nova verdade e a tecnologia é uma das coisas que acentua e proporciona diferentes alcances de transformações. Na Modernidade existia apenas uma única verdade, aquela proveniente do homem médio que valeria para todo o restante, ignorando as culturas e os modos de vida dos pequenos grupos que formavam a sociedade, o que pretendia tornar o direito como algo justificado pela ciência, tornou o direito algo extremamente superficial, que não servia a todos, pois não observava as diferentes características do povo, mas será que esse modelo que tem apenas uma única verdade acompanha a realidade que tem várias 148


verdades? Será que esse modelo que tem uma identidade fixa (homem médio) é válido? Por isso, na pós-modernidade existe um caráter relativizador (semelhante ao caráter relativizador do historiador na modernidade para que não houvesse um imobilismo inatural) aonde a relativização encontra-se na oposição desse modelo geral que pensa algo para um todo para um modelo particular, local, aonde então há a relativização de várias verdades, portanto a pós-modernidade assume a ambiguidade de todos nós. Para Hespanha (2005) o pósmodernismo herda um relativismo cultural em relação da validade do conhecimento e dos valores, isso dá origem, no plano existencial, a uma forma de expressão crítica irônica ou de uma superficialidade provocadora tendo em vista que não possui certeza sobre coisa alguma é melhor tratar como se tudo fosse banal. Já no plano dos saberes esse relativismo acarreta uma recusa, uma aversão a teorias gerais que tentem fundar e afirmar universalmente valores ou métodos (grandes narrativas, meta-narrativas, a título de exemplo de uma delas é a teoria marxista, o qual objetivo encontra-se em perspectiva universalista) e também a valorização do multiculturalismo, do pluralismo, da heterogeneidade, da conflitualidade, de 149


paradigmas e de valores. Acarreta também uma leitura política, cuidadosa já que a lei podendo não ser verdade pode ser um instrumento de manipulação, como a rejeição do vanguardismo, a valorização do lúdico, a reapreciação do cotidiano e do senso comum (popular culture) e a um certo decadentismo. Dado um conceito simplista ao organismo social, é citado a transformação de um paradigma a outro, como apenas uma mudança, porém, a partir de análise mais densa, não acontece apenas uma transformação, e sim esta fragmenta-se em todos os seres humanos que a compõem em busca de um processo evolutivo. Tão complexa é essa relação, que um novo paradigma não se molda único em uma sociedade que, muitas vezes, continua convivendo com o seu anterior, e até mesmo anteriores, tendo em vista, que as relações sociais não se modificam tão rapidamente. Entre as rupturas e continuidades do modelo moderno, de fato ocorreram diversas transformações na sociedade, mas a tecnologia é um diferencial favorável à globalização é imprescindível a esse momento de transição moderno. Berman (2007, p. 10) exemplifica o modo de vida na pós-modernidade:

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Isto é um tipo de experiência vital — experiência de tempo e espaço, de si mesmo e dos outros, das possibilidades e perigos da vida — que é compartilhada por homens e mulheres em todo o mundo, hoje. Designarei esse conjunto de experiências como “modernidade”. Ser moderno é encontrar-se em um ambiente que promete aventura, poder, alegria, crescimento, ato transformação e transformação das coisas em redor — mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos. A experiência ambiental da modernidade anula todas as fronteiras geográficas e raciais, de classe e nacionalidade, de religião e ideologia: nesse sentido, pode-se dizer que a modernidade une a espécie humana. Porém, é uma unidade paradoxal, uma unidade desunida, ela nos despeja a todos num turbilhão de permanente desintegração e mudança, de luta e contradição, de ambiguidade e angústia. Ser moderno é fazer parte de um universo no qual, como disse Marx, “tudo o que é sólido desmancha no ar”.

Em virtude desta conceituação, é possível perceber algumas características do paradigma em questão como ele propicia uma mescla de sentimentos como aventura, poder, alegria e transformações rápidas, constantes, as quais fazem com que tudo possa se dissolver rapidamente, que em um momento 151


algo possua validade e no seguinte não. A partir do medo causado por mudanças bruscas, como citado anteriormente, as pessoas não conseguem mudar tão rapidamente, mas os órgãos da sociedade que as rodeia, na modernidade, mudam, e mudam bruscamente. A partir desse sentimento de ''insegurança'' em que tudo o que é, pode não mais ser, surge o medo, a angústia, os quais tornam-se inerentes ao indivíduo, e é justamente neste contexto que Bauman crítica a pretensão de solidez moderna que culmina em uma liquidez na pós-modernidade, tornando as relações cada vez mais vulneráveis. Liquidez - uma reflexão acerca do pensamento de Zigmunt Bauman Em contrapartida ao que foi antes evidenciado sobre a pós-modernidade, na modernidade tudo pode ser conhecido e explicado racionalmente. Ela se procede necessariamente, ou seja, tudo deverá ser do modo determinado, portanto revela-se como uma estrutura engessada, estável. Deve achar o que valerá para sempre (aspecto temporal) e em todo o local (aspecto espacial). Existe uma verdade absoluta, universal e imutável, tanto quanto uma sobrevalorização da razão e da ciência. Na modernidade existe então a 152


objetividade (independe dos valores pessoais e do meio das pessoas) que é contrária subjetividade. Contrariando essa estabilidade, que Bauman denomina como sólido, o autor demonstra a liquidez, que seria a rapidez, a velocidade, a dissolução, das relações e da sociedade, uma característica pós-moderna evidenciada dialeticamente através dos indivíduos, logo do direito. Em ''Tempos Líquidos'' Bauman demonstra sua perspectiva sobre a realidade, realizando uma metáfora com o adjetivo ''líquido'' para evidenciar a realidade do mundo atual, um mundo onde as relações ocorrem de forma acelerada. A globalização, por si só, tem uma característica, logicamente observada em sua própria denominação que é estar por toda a parte e nessa perspectiva, na obra fica claro que em uma situação de livre comércio e livre circulação de pessoas algo que acontece em um local ''x'' causa certo impacto em local ''y'', tanto é que Bauman afirma que nada pode ser caracterizado como do ''lado de fora'', ou seja, estaria tudo, de alguma forma, conectado. Conforme as ideias de Bauman (2007, p. 11):

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Em primeiro lugar, num planeta atravessado por “autoestradas da informação” nada que acontece em alguma parte dele pode de fato, ou ao menos potencialmente, permanecer do lado de fora intelectual. Não há terra nula, não há espaço em branco no mapa mental, não há terra nem povo desconhecidos, muito menos incognoscíveis.

O autor rejeita a titulação de pósmodernista, para ele, pós-moderno é quem concorda com a ideia desse paradigma e ele, ao contrário disso, é um crítico deste. Para Bauman (2007) vivemos em tempos líquidos nada é para durar e aonde nada dura, tudo se esvai, tudo é líquido, a sociedade vive com medo, angustiada, vulnerável. Bauman (2007) remete ao medo, pois, em um cenário globalizado, o bem-estar de um ser humano nunca é inocente em relação à miséria de um semelhante. Portanto, o autor afirma que o indivíduo (no caso, um indivíduo pós-moderno) compartilha sentimento e esse sentimento é o medo e o grande acúmulo de capital viria através desse medo. Para Bauman (2007, p. 18): “grande parte do capital comercial pode ser acumulada a partir da insegurança e do medo”, portanto a própria economia usaria essa consternação de insegurança e de medo para crescer, para se 154


alimentar, desenvolver-se. Essa ordem econômica, seria um resistente sólido. A esta perspectiva estaria intimamente ligada à ideia de liquefação do Estado-Nação, que nada mais seria, que uma incapacidade de um país a responder aos estímulos causados pela globalização. A partir desse viés, o autor aborda que a população não seria mais protegida pelo Estado (tendo em vista que este não consegue ter controle, já que tudo de alguma forma foi unificado pela globalização). Dentro de um relativismo moral, no qual o que é moral, o que é certo e errado dependem, pois, os valores são relativos, tudo é relativo, abre espaço para que as mídias manipulem e relativizem mais ainda as ideias, coagindo as pessoas a tornarem-se cada vez mais frágeis pelo próprio excesso de informação e relativização. Tão grande é este excesso que Bauman acredita que os relacionamentos, as relações sociais estão em um momento de extrema vulnerabilidade. Bauman (2004, p. 20) ironiza esse cenário em uma explicação genial da vulnerabilidade das relações sociais em um paradigma pós-moderno: Não se levam relações para o próximo capítulo, advertiria o especialista seus clientes, fazendo coro às premonições transformadas em certezas das

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pessoas, ensinadas pela experiência, que tiveram as vidas fatiadas em episódios e que vivem como servas dos episódios futuros. É provável que seu relacionamento se rompa bem antes do fim do capítulo. Mas se isso não acontecer, dificilmente haverá outro.Com certeza, não um capítulo a ser saboreado e desfrutado.

As consequências para o direito a partir deste paradigma Como postula Miranda Rosa (2001) o direito é fato social. Ele se manifesta como uma das realidades observáveis na sociedade. Portanto, se a sociedade se modifica, logo o direito também se transformará. Ao seguir essa lógica aristotélica, se um novo paradigma (ou como é considerado por muitos, um momento de transição) surge ao social, isso ao direito ocasionará diversas mudanças e consequências, como o direito tornar-se cotidiano, flexível e também a existência de um pluralismo jurídico. Hespanha (2005) cita o direito cotidiano como uma constelação estilhaçada de sistemas jurídicos e autônomos. A vida cotidiana constitui direitos diferentes, portanto não se faria mais eficiente um direito geral falho em questões como observar as características locais. Logo, se temos diversos níveis de 156


organização em nossa sociedade e as normas que neles singularmente se produzem melhor se encaixam no comportamento de determinado local, por isso o direito do cotidiano é o mais autêntico de todos, porque é o efetivo direito, é perfeitamente adequado as situações. Em um cenário de informação constante os mass media constituem uma nova realidade desse cotidiano pós-moderno, realizando influências sobre os indivíduos através de conteúdos de TV e das demais mídias sociais. A ideia de direito flexível nasce da perspectiva micro que contra ao macro, busca pela pequena dimensão do particular e do flexível. O cuidado pela identidade particular, pela individualidade e pela diferença que corresponde a rejeição da massificação, da indiferenciação e da generalidade (na modernidade o sistema jurídico seria a forma mais simples de se perceber a realidade tendo em vista que era deixado de lado a pluralidade). Por outro lado, o Direito Flexível tem a ver também com o impacto que vem tendo na teoria das organizações, as ideias de substituir a estrutura burocrática por algo mais maleável e produtivo, como induz o próprio nome, seria de fato uma organização flexível. 157


O Direito que na modernidade podemos chamar de rígido extremamente cordial ao sentido epistemológico de direito (directum, rectum) perdia informações de determinado caso por conta de seu sistema geral e abstrato, ou seja perdia informações de suas particularidades. Hespanha (2005, p. 500) afirma que em contradição a esse modelo geral e abstrato estaria um novo direito, o flexível o qual teria sua estrutura caracterizada por uma arquitetura em rede, em que cada polo fosse administrado de forma autônoma e não heterônoma levando em conta todas as particularidades do caso concreto. Em que a flexibilidade e a adaptabilidade do conjunto fossem garantidas pela inexistência de um polo central. Portanto, a inexistência de uma padronização. São diversos direitos existentes, com lugar e ''encaixamento'' próprio, distintos quer quanto suas normas quer quanto aos seus princípios. Um direito que contrário à modernidade, possui uma especificidade. O pluralismo jurídico advém de uma pluralidade cultural, tendo em vista que as práticas e os comportamentos surgem práticas locais, ou seja, cada um está organizado sobre uma ótica diferente, por isso o contexto deve ser local. Isso ocorre justamente por conta do relativismo existente na sociedade. 158


Com isso, molda-se, necessariamente, a ideia da liquidez e as consequências que essa acarreta. O direito torna-se plural, pois deve olhar as particularidades de cada localidade, que mudam constantemente e de forma veloz. Justamente, por isso, também é transfigurado como uma ferramenta flexível, para que consiga olhar o caso concreto, de maneira a apreender o que acontece de fato na realidade, já que em um mundo líquido tudo o que acontece é relativo, é transformador, portanto necessita de atenção individual e cuidadosa. Considerações finais Proferir sobre paradigmas, qualquer que seja, sobre a sociedade, sobre o mínimo de mudança que ocorrem nela, faz-se necessário falar na mudança do direito. Não é possível pensar um direito que não se relacione com a realidade, que não conversa com ela, que não seja seu reflexo. Um direito que não culmina como fato social, sendo influenciado pela realidade, pela lex, é apenas loy, nas palavras de Grossi (2004), ou seja, como foi o direito Moderno, é algo inacessível pelos indivíduos, algo que não tange a vida em sociedade e muito menos as relações que nela permeiam. Em nosso trabalho, buscamos realizar um processo dialético sobre o direito com o 159


paradigma que rege a sociedade atual, o pósmoderno, as suas diferenças frente ao paradigma moderno (visto que a mudança de um para outro também é uma forma de afetar e mudar a realidade). Dentro do paradigma pós-moderno, foi utilizada a ideia de liquidez que demonstra o relativismo da sociedade. Se a sociedade é relativa, é líquida, tão logo o seu direito será, como foi demonstrado nos aspectos de direito do cotidiano, flexível e também no aspecto de seu pluralismo. É de suma importância, portanto, perceber, entender e apreender o significado dessa estrutura e conjuntura, entender o funcionamento social para, após isso, entender o direito e por fim os reflexos que irradia novamente o social. E, dessa forma, com inquietamentos e questionamentos é possível entender o que rege as relações sociais, o direito. Ao usar metalinguagem, esses inquietamentos e questionamentos são característicos do paradigma estudado. Se não tivesse essa característica seria novamente um paradigma moderno: impositivo e sem preocupações com o particular. Conclui-se, portanto, que não se deve seguir o direito apenas pelo simples fato deste ser certo, deve ocorrer um policiamento para que perceba se ele, como ferramenta, cumpre o seu papel e é adequado à sociedade em que se vive. 160


Referências BAUMAN, Zygmunt. Tempos líquidos. Rio de Janeiro – RJ: Jorge Zahar, 2007 _________. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro – RJ: Jorge Zahar, 2004. BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. GROSSI, Paulo. Mitologias jurídicas da modernidade. Tradução de Arno DalRi Júnior. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004. HESPANHA, António Manuel. Cultura Jurídica Europeia – síntese de um milênio. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005. MIRANDA ROSA, Fade. O Direito como Fato Social: Sociologia do Direito - o fenômeno jurídico como fato social. 16 ed. Rio de Janeiro - RJ: Jorge Zahar Editor, 2001.

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CAPÍTULO 9 Democracia como meio, ou finalidade? Coeficiente do Estado democrático de direito, ou exponente da temática política? Gabriel M. B. Prechlhak “Deus concedeu-nos o dom de viver; compete-nos bem viver”. (Voltaire). “Ninguém pretende que a democracia seja perfeita ou sem defeito. Tem-se dito que a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos”. (Winston Churchill). Lex est quod populus iubet atque constituit.

Introdução A democracia e seus alicerces ontológicos, provenientes das discussões da Grécia Antiga, em anos anteriores a Jesus Cristo, fundamentaram-se a partir de uma visão própria do momento histórico em questão; não era, a democracia grega, tão democrática; entrementes, iniciou o pensamento acerca desta, que em cronologia historiográfica evolutiva, acabaria por resultar na realidade democrática contemporânea, parcialmente em vigência no mundo, mas na 162


integralidade das convicções de legitimidade acerca do poder governamental em todo o cenário global em voga. Passou-se pela Idade Média e seu absolutismo, chegando, após os contratualistas, na teoria em voga na hodiernidade, com fundamentação na “vontade geral” rousseaniana, incorrendo na tese do Estado e do soberano a partir da doutrina democrática. Constitui-se em amplitude, porém, em princípios políticos e de arbítrio, sempre como uma finalidade própria e integralidade em si, autossuficiente, constituindo esta, como um objeto próprio, alheio às demais proposições formativas do Estado, que tem nos meios para a esta buscar a si mesma; democraticamente busca-se a Democracia. Esta é, todavia, utópica e quimérica. Uma vez existente, as autoridades políticas acabarão por destruí-la e extirpar a doutrina democrática da civilização moderna, enquanto representativa, incorrendo em um despotismo oligárquico com a máscara da democracia. Há, intrinsecamente interligado à democracia, o Estado de direito; para que, com essa, tenha-se o Estado democrático de direito: um Estado de direito, meio para o exercício pleno da doutrina democrática. Estado de direito de finalidade plena, enquanto totalidade do ordenamento jurídico, que tendo 163


por meio os princípios da democracia, busca, em premissas deontológicas, a isonomia, a manutenção do justo e do devido, além da defesa dos direitos positivados, por meio da normativa promulgada, se é possibilitado pela democracia, e emancipa-se, tornando-se superior à democracia representativa e conjugado a esta: é o Estado de direito democrático, apogeu da democracia. Todavia, isso é mera teoria. A democracia é a soberania e a autodeterminação do povo, sobre o que lhe diz respeito; enquanto finalidade, porém, sobrepõe-se ao próprio povo e às próprias premissas que lhe constituem. A democracia não é pura e, há muito, tornou-se mero subterfúgio da autarquia representativa. A democracia, só não é nada; precisa do Estado de direito para defendê-la e conjugarse a si. O Estado de direito só, não tem na defesa do certo e do justo, nem no positivamento jurídico, veridicidade; a democracia é que lhe torna legítimo. Caso contrário, é apenas atributo da autarquia despótica vigente e no poder. Precisa-se um do outro. E sem qualquer um destes, a contemporaneidade é a reminiscência do absolutismo e do despotismo, do totalitarismo e da calamidade. O Estado de direito confere legitimidade à democracia e esta àquele. Juntos e em sua junção, são o prenúncio da 164


civilidade contemporânea e dos bons vaticínios da civilização; separados, são insustentáveis e inexistentes; inexiste, também, à própria busca pela utopia e a legitimidade do Poder e do Estado. A democracia e o Estado de direito, emancipações humanas e civilizatórias, emancipam-se mutuamente, sem as quais o despotismo faz-se real. Dir-se-ia da relevância democrática a mais pertinente temática política, referente à finalidade em sua legitimidade, enquanto ontologia de sua proposição existencial e da representatividade popular enquanto premissa transcendente do próprio caráter máximo de compleição constitutiva do paradigma de arbítrio e poder duma referida sociedade, e do Estado em questão, em um momento histórico pertinente; ou do Estado de direito, enquanto asserção fundamentada em axioma democrático? É a democracia, meio instrumental à eficácia e à própria existência do ordenamento jurídico verídico e do Estado democrático de direito pleno, e coeficiente à normativa jurídica; ou finalidade, enquanto asseveração preceitual antiautoritária de derivativa popular, referente ao exponente principiológico básico e integral da temática política, e de formulação de uma assertiva condizente ao poder “do povo” e “para o povo”? É a democracia, meio ou fim? 165


Democracia é, afinal, um meio inalienável à devida manutenção (plena) do Estado de Direito; sem esta, acabar-se-á por incorrer-se em um governo autoritário, e, a já utópica isonomia estará, cada vez mais, aquém da realidade. As leis, em sua acepção enquanto normativa jurídica, proveniente da lex romana, evoluída ao ordenamento jurídico hodierno, encontram sua legitimidade, enquanto postas, como afirma o preceito hierárquico kelseniano, na lei superior e, portanto, na Constituição; esta, por sua vez, fundamentar-se-á no Poder Constituinte, ao qual compete sua promulgação. No viés democrático, a presente premissa, é, afinal, resultante da “vontade geral” rousseauniana, ou ao menos, do paradigma democrático enquanto representatividade e soberania popular, constituinte do exercício da autodeterminação por meio de seus representantes; uma constituição democrática é, afinal, promulgada por aqueles cuja autoridade para tanto torna à sociedade em questão; as premissas democráticas que lhes fazem competentes para tanto, encontram seus alicerces na representatividade popular. Entrementes, a partir do instante de tal promulgação, e ao constituir-se um novo ordenamento jurídico, e conquanto, um novo ordenamento político, submeter-se-á, o Estado 166


(enquanto conjunto de governo e poder; no qual assentam-se os fundamentos de ação) às leis; e o próprio exponente democrático, o próprio poder fundamentado na legitimidade popular, sujeitar-se-á, então, à limitação positivada e, nominalmente, às leis; tal qual os homens, ao Contrato Social. A partir de então, tornar-se-ão as leis, o Soberano sob o qual a manutenção da ordem social harmônica será feita, e sobre o qual nem mesmo o poder representativo poderá sobrepor-se. As leis positivadas significarão a premissa máxima de ordem e licitude, além de, impreterivelmente, tornarem-se a proposição máxima de uma sociedade fundamentada em doutrina de democracia, a chegar-se em um momento histórico de leis totalitárias, no qual as normas terão a máscara do absolutismo: serão as leis, o condicionante máximo do Estado. E oriundas da prerrogativa popular, terão a legitimidade. O império das leis é o apogeu da legalidade; e seu totalitarismo, a ressalva à ditadura do governo e a defesa dos direitos fundamentais; justamente por ser, então, um Estado de leis, e não de homens. Partindo dos indivíduos constituintes do povo democraticamente a ser representado, há, em seus representantes, a legislação das leis, às quais hão de submeterem-se, legalidade, e a reminiscência de sua própria vontade. As leis são, 167


indiretamente, pelo povo, postas; e o povo estará então, submisso à lei. O Estado será de império das normas e não das vontades, senão a vontade geral e democrática do povo que constitui o Estado no qual se apresenta o ordenamento jurídico em questão, assim caracterizado pela representatividade, resumidas à norma positivada. Podendo-se asseverar, por fim, do Estado de direito, um plano ideal, constituído a partir da democracia, e constitutivo da democracia; e esta como finalidade utópica e meio inalienável à legitimidade, enquanto legitimação, das proposições jurídicopositivas, enquanto normativa jurídica positivada. A lei como condicionante democrática, e democracia como integrante do ordenamento jurídico A lei, enquanto asseveração abstrata e genérica, universal, é o fundamento primeiro da isonomia; caso contrário, a isonomia é mera demagogia e mero sofismo, quando não, mera falácia. A isonomia só poderá ser considerada se o Estado de direito se assentar em, e agregar a si, doutrina democrática. Sem democracia não poderá haver isonomia, e nem igualdade – não em termos de um materialismo histórico, em emancipação material, mas no termo 168


formal; enquanto governo do povo, compreendido em sua integralidade, a junção de todos os indivíduos – minorias e maioria – constituirá o axioma constituinte do poder de fato. O Estado de direito deverá ser, uma vez positivado, fundamentado nas premissas formais – não cabe ao direito a Economia, enquanto igualdade “material” (social); cabe ao direito, enquanto premissa formal, a desconsideração de classes econômicas e a descaracterização dos materialmente afortunados, para que se resumam então, a pessoas, a partir da isonomia, subservientes às leis e ao Estado de direito, imparcial, de maneira totalmente igualitária e sob as premissas da formalidade e materialidade legais. O império das leis e do Estado democrático de direito é, enfim, a unanimidade dos não unânimes, e o procurador da “vontade geral”; é, o Estado de direito enquanto democrático, em preceitos deontológicos, o totalitarismo da isonomia e do ordenamento jurídico positivado, enquanto conjunto de normas vigentes. Não é o Estado de direito formado por homens; as leis não o são. Estas derivam de mera função, uma vez que, em representativa forma de governo, os representantes do povo estão desconstituídos, enquanto parlamentares – resumidas a esta, todas as funções oriundas de voto eleitoral e 169


popular – de sua individualidade. Representam o povo, e sendo, talvez, a menor das minorias, sua voz é equivalente à unanimidade; o cargo político, enquanto abstração, é unanimidade. São de Rousseau (2013, p. 26) as palavras: “a lei da pluralidade dos sufrágios é, ela mesma, uma instituição da convenção, e pressupõe, ao menos uma vez, a unanimidade”; justamente por, na democracia ser, a pluralidade dos sufrágios, o fundamento maior de sua ontologia, e a asseveração primeira de sua legitimidade. As pessoas que a formam, tendenciosas a partidos e não à totalidade, representam-se, afinal, indivíduos; são os meros indivíduos, cujo povo enquanto povo não pode legiferar, mas enquanto eleitos, tornam-se falácia baseada em premissas democráticas; a nomenclatura que por si se atribuem, não constitui democracia, e sim, sofismo. O “poder representativo”, constituído pelo povo, representa a totalidade de seu poder, não a unanimidade de suas vontades; o Parlamento, porém, só tem legitimidade se, sua unanimidade, puder dizer-se a unanimidade de todo o povo; e a possibilidade desta deveria, por fim, ser superior à do povo; caso não, por que são necessários? Poder-se-ia fazer-se instituições munícipes responsáveis por, em cada decisão a tomar-se, serem tomadas pelo 170


escrutínio dos votos populares e não por aqueles que, o voto popular legitimou, e os interesses individuais corromperam; possível seria a democracia direta, no momento histórico contemporâneo da tecnologia. Não sendo possível a unanimidade, nas deliberações populares, é a possibilidade desta, que legitima as instituições representativas. Cada cidadão, enquanto indivíduo, um e único, tem o direito de falar por seus interesses, resumindo-se, afinal, aos interesses de sua razão; não o têm os representantes eleitos o mesmo; sua voz deve visar ser a de buscar a unanimidade, e a concentração, em seu polo representante, dos polos inconjugáveis das oposições. A vontade geral não é a de todos, e a minoria eleita pela maioria, quando deveria equivaler por esta maioria, torna-se, então, a minoria de seus próprios poucos componentes. A legitimidade deste está em tornar possível a expressão da vontade geral, não o decair-se em oligarquia. Os políticos passaram, há muito, da legitimidade democrática, para a incoerência absoluta à vontade geral, e pela representação de seus interesses individuais, e não à representatividade popular por deveras. O poder representativo poderia ser mensurado, idem às palavras de Rousseau (2013, p. 105): “à medida que certo número de 171


homens reunidos se considera como um só corpo, eles não têm senão uma só vontade, que diz respeito à conservação comum e ao bemestar em geral”; seria, pois, a Democracia, se pura, e se livre de interesses senão os interesses de moralidade, a vontade conjugada das vontades individuais de cidadãos. A democracia enquanto meio ao Estado de direito, fará com que os representantes populares, e o próprio governo (e o próprio povo) encontrem-se sob a égide da normativa jurídica, e que sejam limitados por esta; contudo, como finalidade, presumindo-se pura e plena, a representatividade popular estaria acima de qualquer lei; seria a voz do povo, e o povo é a democracia. Esta é um fim em si mesma, à qual pertence, como meio para atingir-se, o Estado de direito; nem um meio sobrepõe-se ao fim. Para que se atinja o fim democrático, podem-se permutar os meios; ainda que seja o Estado de direito. Não haveria constitucionalismo, a não ser o “legislativismo” que, em contrapartida a viés constitucionalista, limitaria as leis à observância dos interesses daqueles que constituem o poder legiferante. Enquanto finalidade, a democracia pura é, afinal, a representatividade do povo que constitui a pátria; dir-se-ia, além de qualquer teoria positivista, válida e lícita – algo, talvez, menos 172


submisso às leis escritas, enquanto premissa constitucional, que o próprio sistema adotado na Inglaterra, referente à soberania de seu parlamento. Nem o Legislativo, ainda que eleito; nem o Executivo, enquanto executor institucional das ações governamentais, também eleito; nem o próprio Judiciário, que não está, idem, acima da lei. O complexo de leis, cuja nomenclatura de ordenamento jurídico, enquanto complexo de normas, é o soberano legítimo da ordem e da paz social e da sociedade. Uma vez instituído o poder constituinte, e por este, promulgada a Magna Charta, e assim, constituída a pedra angular do Estado de Direito, à Democracia estará imposto, também, coeficientes limítrofes. A Democracia, enquanto fim em si mesma, jamais consentiria à supracitada premissa; pois, enquanto poder representativo da soberania popular, estaria acima de qualquer lei que pudesse vir a legislar-se (ainda que por meio dos representantes eleitos, constituintes do Executivo e Legislativo; e o Constitucionalismo, assim, inexistiria. Não haveria nem cláusulas pétreas, nem direitos fundamentais e, muito menos, a limitação do poder; afinal pertenceria, aos representantes do povo, irrestrito poder). Não se submeteriam às leis os representantes políticos, uma vez que seriam a própria política, e nos quais haveria o 173


reflexo da legitimidade popular, tal qual a soberania desta enquanto democracia. Caso fosse, porém, tal representação popular e tais asseverações puras, não haveria questionamentos plausíveis; a soberania popular emancipada está sobre si própria, e sobre os atos por si instituídos. Na Democracia enquanto finalidade, tal premissa é legítima. À democracia finalística atribuir-se-iam poderes do rei absolutista; far-se-ia, porém, da democracia o findar da doutrina democrática, não sendo esta, deveras, emancipada ou moral. Disserta Rousseau (2013, p. 30): Ora, o soberano, não sendo formado senão por indivíduos que o compõe, não tem nem pode ter interesse contrário ao deles; consequentemente, o poder soberano não tem necessidade de garantia em relação aos súditos, pois é impossível que o corpo queira prejudicar todos os seus membros, e veremos que não pode prejudicar a ninguém em particular. O soberano, pelo simples fato de sê-lo, é sempre tudo o que deve ser.

Poder-se-ia dizer, então, do soberano, ou falácia, ou quimera que nunca existiu; se fosse a Democracia real, e enquanto finalidade, pura e emancipada, talvez fosse fidedigna a confiança a depositar-se no soberano. Todavia, 174


se não fosse o soberano órgão legislativo algum, mas sim as próprias leis, oriundas das deliberações democráticas, e sendo as leis, e o ordenamento jurídico o soberano, no Estado de direito encontrar-se-ia em forma do juspositivismo, a emancipação da própria cidadania. Talvez tais asseverações sejam impertinentes; contudo, in totum, à asserção presente, não deixam de ser possíveis e, indiferente às criticas, passíveis de serem feitas. A democracia deve ser, deveras, meio ao Estado de direito; todavia, partindo-se da premissa da Democracia enquanto finalidade per si, não há obrigatoriedade alguma de impor-se o Estado de direito, sendo pois, a Democracia a resultante necessária e, embasada na vontade do povo, rompe com a ideia de sua limitação e da normativa, e tornase o déspota de então; o povo é o rei, e o rei, submisso a seus representantes, é mera pantomima; a democracia se tornará equivalente ao absolutismo, e em seu âmago já estará morta. Morta pela falta da virtude dos representantes, ou pela sobrevalorização, per si, do povo sobre sua atribuição. Dispõe Léon Deguit (2009, p. 62), acerca da tendência do povo do julgar-se absoluto, tal qual seus representantes: “Mediante o voto, criaram-se 175


parlamentos contra o despotismo dos reis; devemos reconhecer agora o precário direito do indivíduo contra o despotismo dos parlamentos”, de tal premissa reitera-se vez mais, o fundamento do despotismo das leis. Despotismo tal refere-se ao absolutismo de seus preceitos deontológicos, que ao originarse na democracia, tem legitimidade, e é o absolutismo puro da própria democracia, por em princípios de abstração, revelarem-se o absolutismo da própria constituição democrática de um Estado; o povo se submeterá às leis, e as leis far-lhes-á, livre. Justo despotismo das justas leis: soberania do Estado de direito e o absolutismo juspositivista São imorredoiras Rousseau (2013, p. 32):

as

palavras

de

[...] poder-se-ia acrescentar, ao que foi dito antes sobre as vantagens do “estado civil”, a liberdade moral, que apenas torna o homem verdadeiramente senhor de si; [...] a obediência à lei que se prescreve é liberdade.

Nada mais seria, então, que se afirmar o despotismo do Estado de direito puro, o despotismo da liberdade. Puras também 176


seriam as leis se fosse pura a democracia representativa; na doutrina democrática, partindo-se do poder “do povo”, as leis têm a legitimidade. Democracia pura, leis puras, e em seu princípio deontológico, legítimas e propícias, se a moralidade fosse universal. A democracia deveria reger-se pela Virtude e Moralidade, e em sua finalidade seria pura; e juntamente com o Estado de Direito, um só todo, não se é, pois, possibilitado pela representatividade, que nada mais é, que o reflexo da moralidade do povo. Podendo a vontade geral dirigir as forças do Estado, se fosse, como se deveria ser, o fim da instituição, deveras o bem comum (Rousseau, 2013), sendo a retidão das leis e da democracia, relativas e consequentes à retidão dos homens. Assevera Rousseau (2013, p. 46) sobre a questão maior: Então, forma-se entre o todo e sua parte uma relação que o torna dois seres separados, dos quais um é a parte e o outro é o todo menos essa parte. Mas o todo menos uma parte não é, de modo algum, o todo, e, à medida que essa relação subsiste, não há mais o todo, mas duas partes desiguais; daí seguese que a vontade de uma não é, de modo algum, mais geral em relação à outra. Mas quando todo o povo estatui para todo o povo, não considera senão a si mesmo, e, se ele forma uma relação, é

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do objeto inteiro de outro ponto de vista, sem nenhuma divisão do todo. Então a matéria que estatui é geral como a vontade que decreta. É a este ato que chamo lei.

A necessidade do Estado de direito e do despotismo das leis é justamente a busca de fugir-se, então, do despotismo do povo, para Duguit (2009) o que constitui uma asserção de ordem metafísica ou religiosa análoga à concepção do direito divino dos reis. O despotismo das leis, em seu caráter universalizante, poderia remontar à premissa lógico-jurídica, enquanto suposta, da lei não posta que fundamenta e legitima o ordenamento jurídico posto, da normativa positivada, enquanto norma hipotética, de princípios fundamento-transcendentais. Bobbio (2014, p. 67) dissera outrora: Se não postulássemos uma norma fundamental, não encontraríamos o ubi consistam do sistema. E essa norma última não pode ser senão aquela da qual deriva o poder primeiro. Tendo definido todo poder jurídico como produto de uma norma jurídica, podemos considerar o poder constituinte como poder jurídico somente se o considerarmos também como o produto de uma norma jurídica. A norma jurídica que produz o poder constituinte é a norma fundamental.

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Que essa norma não seja expressa não significa que ela não exista: a ela nos referimos como fundamento subentendido de legitimidade de todo o sistema.

Poder-se-ia asseverar, portanto, que a norma hipotética fundamental, proveniente de pensamento kelseniano, enquanto plano lógico-jurídico, fundamenta todas as premissas jurídico-positivas, e, também, presta fundamento à própria democracia; se o poder constituinte torna às autodeterminações democráticas e legitimidade popular, sendo legitimamente posta, e de tais asserções, é proveniente a própria democracia. A norma fundamental legitima o despotismo das leis (não do Poder Judiciário), e a própria democracia, que oferece à norma dissertada e abstrata, fatores concretos. Embora não se considere posta, a norma fundamental, além de existente é legítima, e legitima, além de estabelecer, todo o ordenamento jurídico, não se fazendo submissa às asserções democráticas, mas integralidade alheia e própria, a fazer-se presente na realidade de civilidade, e a tornar-se legítima em praticidade, nas doutrinas democráticas. A norma fundamental transcende as leis; mas o positivamento das leis, apenas pode ser, legitimamente posto, por deliberação 179


democrática. A norma fundamental transcende a democracia e esta, a normativa jurídica componente do ordenamento jurídico. A democracia é, portanto, completude do ordenamento jurídico, possibilitando o positivamento legítimo de normas e, a fazer-se, então, um coeficiente para que sua imperatividade, então, como normas de conduta, mantenha-se passível de legitimidade, em fatores de isonomia e atributos de imparcialidade. Considerado pois, a manifestação democrática enquanto promulgação juspositivista, oriunda das premissas da vontade geral, resumir-se-ia à manutenção da legitimidade da norma fundamental, agora na forma das leis positivadas; não lhes fazendo iguais, mas em sua desigualdade, tendo por princípios a doutrina democrática, constituindo em si própria, passível de legitimidade. A democracia enquanto finalidade resumir-se-ia, enfim, às proposições ontológicas de um poder oriundo do povo, e do povo constituída, constitutiva da civilização em questão; cabível é, à democracia enquanto meio, a integração ao Estado de direito e sua fundamentação, legitimação e, por fim, legiferação; sendo, pois, o Estado democrático de direito, deontologia, e enquanto asseveração deontológica, fundamento de civilidade à 180


civilização democrática. É, in finis, império de leis democraticamente constituídas e aplicadas; promulgadas e a fazerem-se sanções; e a fazer da democracia, civilizada e não apenas legitimada. À democracia enquanto finalidade, atribuem-se características de sua própria unidade, e das premissas que se lhe constituem em si mesma, referentes à temática política e forma de governo, e, principalmente, da doutrina democrática representativa, isenta de vícios totalitários e despóticos. A democracia finalística é, em suma, o conjunto no qual o povo é o Soberano, se não diretamente, por meio daqueles que elegem para nesta finalidade representá-los, e, teoricamente, fazer valer suas soberanas vontades; e eleitos, tornam-se instituições próprias, às quais confere-se, em prerrogativa popular e legítima, inobstante e ilimitado poder de fato; o povo é o soberano e delega seus poderes ao conjunto representativo de indivíduos institucionais além da própria democracia, institui-lhes coroa, sem o cetro da monarquia. Como finalística, a democracia é integral, e, sendo representativa, a integralidade do poder e das execuções acionárias cabem aos políticos que eleitos sobrepõe-se à prerrogativa de suas próprias funções e à finalidade de seus atos, de maneira 181


absoluta e legítima – em teoria, em prol do povo. O povo está sobre si próprio o sendo, e sendo a unidade da qual se trata a democracia, é, o “poder representativo” – no qual se sintetizam as funções legislativas e executivas, mas que, em prerrogativa fundamental, bastase a legiferante. Os políticos não são eleitos, o povo elege-os; cabendo à nomenclatura democrática a ênfase devida, não à classe eleita, mas àquela que elege, e em nome da qual se faz valer tais características atribuídas. Não são os políticos representantes, monarcas, e nem suas competências pertencentes a nome próprio; são subordinados ao povo, não efeito constituído por subordinação popular, a seus mais incoerentes e prepotentes desmandos. O poder pertence ao povo, e a falácia mantém-se em seus sofismos. Para Rousseau (2013) o povo permanece em sua ilusão, e a democracia em sua mais tenra infância e alienação. Não podendo deixar de dizer-se findar da “república”, enquanto res publica, a coisa pública, a coisa do povo e, portanto, a coisa, de negócio público, a influência dos interesses privados, sendo o abuso das leis pelo governo, inferior à corrupção do “legislador”, enquanto este representa, enfim, as buscas dos interesses particulares.

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Utópico seria considerar o supracitado, fidegigno; descabido seria, considerar o mesmo, verídico. A partir do instante da eleição, tornam-se conhecidos os mais novos legisladores, e os mais enfadonhos déspotas; não se manterá a democracia pura; decair-seá em demagogia. Acerca da forma não pura da democracia, já se dissertava acerca de suas proposições, numa antiguidade de clássicos. Para Platão o rei-filósofo se lhe sobreporia, para Aristóteles a demagogia; e na modernidade, para Rousseau, a oclocracia. A partir de tais premissas, o erro da democracia finalística, enquanto forma de governo impura; e a esfinge da legitimidade, em nome do povo, e do governo e atos de Estado em nome popular desempenhados, conquanto mantenha-se o povo subordinado às suas próprias premissas, e o “poder representativo” à premissa própria de sua autoridade instituídas. A democracia enquanto finalidade é o absolutismo de todos os indivíduos alienado à vontade de poucos eleitos. Faz-se na democracia já não ideal, mas legítima, do Legislativo - e Executivo - o rei leges soluto. Caracteriza Montesquieu (2014) que o Direito Político como as leis sobre as relações que os que governam têm com os que são governados, e, como Direito Civil, leis sobre a 183


relação que todos têm entre si. Pode-se asseverar, então, que, em premissas democráticas, os governantes estão sujeitos, como pessoas comuns, às leis comuns; e como não mais pessoa, mas subterfúgio funcional, os governantes (do povo representantes) submetem-se à disposição política maior, de sua submissão à legitimidade de soberania do povo constituído, enquanto paradigma de democracia e cidadania. Os políticos não são, pois, então, reis sobre as leis, mas cidadãos, que ao submeterem-se à eleição, isentam-se de sua individualidade sem, em hipótese qualquer, isentarem-se do jugo das leis e dos mandamentos jurídicos inequívocos. Democracia sendo, portanto, instável, passível às vicissitudes e impropérios das deliberações ''democráticas'', reitera o fato da legitimidade do povo, e não de sua cognoscência: o povo é legítimo, não sapiente; a democracia é legitimadora, não absoluta. Pode legitimar o Estado de direito e as relações governamentais, é o cenário no qual as atuações jurídicas possibilitar-se-ão, em isonomia, e enquanto temática política, tornam ao povo em questão, tal qual legitima a promulgação das leis. Enquanto meio, medio tutissimus íbis, a democracia seria o único condicionante que apregoaria às relações jurídicas uma 184


legalidade possível; na ditadura, a lei é a voz do déspota, no absolutismo, a do rei; na democracia, a lei é a lei, e esta, resume-se à consonância da legalidade à norma previamente positivada, legiferada em teórica consonância à “vontade geral”. Na democracia, não havendo indivíduo sobre outro indivíduo, as condições da nação fundamentar-se-iam na legalidade absoluta e na relação integral à “vontade geral” positivada, após trâmite devido, na forma das leis. Em nenhum outro meio, que não a democracia, haverá nos indivíduos, cidadãos de direito; a democracia é fundamental ao Estado de direito, e o Estado democrático de direito é, in finis, o único passível de legitimidade – não dá legitimidade das leis vigentes (no qual qualquer Estado ainda pode sê-lo) – mas deveras a legitimidade da Justiça e das proposições jurídicas oriundas de manifestações democráticas, enquanto paradigma do ordenamento jurídico e da Jurisprudência, em seu significado, no termo referente à ciência do Direito. Se a Democracia é uma finalidade cabem aos meios incorrerem em si, e o sendo, coerente seria dizer que os meios poderiam ser, para que em si chegasse-se, permutados; ainda que o meio fosse o Estado de direito. O meio não está acima do fim; e tendo um império de leis que regem as relações políticas, 185


o absolutismo dos “democratas” estaria restrito; dizendo-se em prol da geral vontade, se extinguiria, pelos representantes da mesma, a vontade geral. Ou seja, o Estado de direito poderia ser extinto pelas premissas de poder enquanto oriundo das manifestações democráticas mascaradas. Poder-se-ia dizer, se houvesse uma democracia pura, a alienação à vontade absoluta dos eleitos, por parte do povo que elegeu, válida? O povo pode eleger um déspota, e alienar-se a tal. Mas continuaria viva a democracia? Sim em suas premissas; compatível como finalidade; e extinta em sua proposição existencial, e em sua legitimidade plena, enquanto deontologia substancial. A democracia estaria, a partir de resoluções democráticas, finda. Motivo mais, à necessidade fundamental do absolutismo do Estado de direito. Mas, como aqueles que são eleitos e que deveriam em nome do povo legislar, não o fazem, uma vez usado o cargo conquistado às próprias pretensões, o fim do Estado das leis, seria o início de seu despotismo. E haveria, no próprio Estado de direito, o vício na confecção das leis, o que legitima que houvesse, justamente, a submissão da atividade legiferante à legiferação anterior. As leis, além de segurança jurídica, enquanto ordenamento jurídico e Estado de direito, referentes à tese 186


constitucionalista, regularão a própria legiferação; não é uma premissa da estagnação jurídica e da imutabilidade da lei; mas justamente que não haja a mutabilidade de garantias fundamentais inequívocas, mesmo tomado o devido processo formal. Se é necessário à segurança jurídica, a estagnação de algumas leis, que por meio do povo, e de sua representação, foram instituídas; garantias fundamentais devem ser, justamente, imutáveis, tal qual a submissão do “poder representativo” às leis positivadas (da integridade, da privacidade, da dignidade, da vida humana). Enquanto perde-se, a democracia, nas veredas da inconstância, tem-se o Estado de direito; a democracia que institui o direito, e o direito que destitui o amplo poder da democracia. O Estado de direito, o rule of law, o Rechtsstaa, o império das leis; se na democracia a premissa de fato é o império dos direitos do povo, agregado e alienado; é no Estado de direito, o império dos deveres atribuídos à própria ontognoseologia referente à sua matéria, e à sua promulgação democrática. Da democracia às leis, nas leis, a civilidade; de sua junção, a civilização. Muito mais que às preposições postitivadas, resumese o Estado de direito ao contitucionalismo. O constitucionalismo é, contudo, parte do 187


Direito, não sua totalidade; o próprio constitucionalismo submete-se ao direito e às leis; a Constituição é a resolução do poder originário, muito aquém de materialidade, isolado em sua formalidade; o Estado de direito é, enquanto detentor do alicerce primo do constitucionalismo, a diáspora da isonomia, e não o êxodo da falácia: apenas a democracia permitirá ao Estado de direito a isonomia da abstração e a disseminação da justiça. O axioma problemático está no meio termo entre democracia e Estado de direito; o Estado democrático de direito é, ainda, dependente da democracia primeira, a democracia é o caos a chegar-se na ordem jurídica. Cabe assegurarse no Estado de direito, que a democracia não seja apenas da maioria, mas sim da integralidade dos indivíduos; a unanimidade é a morte da democracia, enquanto estagnação evolutiva, e à “vontade geral”, enquanto escrutínio da maioria, cabe a legitimidade, permutando-se ora na maioria das muitas minorias, ou de poucas minorias, enquanto parte de uma maioria. Ora uma, ora outra: eis a legitimidade democrática. Mas assim o sendo, simplesmente assim seria, e numa democracia pura, plausibilidade seria devida. Portanto permuta-se à asseveração do Estado de direito; o erro crasso está em dizê-lo meio; o Estado de direito é fim 188


em si mesmo, cuja democracia é meio para a manutenção devida, e ambos, fins próprios, constituem exponente finalístico único: a finalidade da civilidade: e da cidadania, bem como de “Estados constitucionais”, nos quais imperem as garantias fundamentais. O Estado de direito é a síntese nos tempos contemporâneos do “convencionalismo” e a si, resume-se o Contrato Social; na democracia há, enfim, o resumo dos direitos naturais. O Estado de direito é o “estado civil” e a democracia o pendor do “estado de natureza” a constituírem, reduzidos à unidade, à emancipação humana e à proposição fundamental de Estado e Poder. Na tese de democracia enquanto finalidade, os representantes do povo estariam acima da lei, pois supõe a emancipação da democracia; supõe-se um Estado puro e pleno, no qual as leis derivariam da vontade geral, representada pelo Legislador; no modelo democrático, a vontade geral estaria acima da lei, ou seja, se enquanto indivíduo não pudessem estar os “cada quais” acima da lei, o Legislador que é a unanimidade da força das vontades individuais, enquanto vontade geral, e a totalidade do determinismo jurídicopolítico, não estaria submisso às leis, mas enquanto déspota, soberano enquanto leis em forma de Legisladores, pelo próprio fato de não 189


mais resumirem-se às próprias vontades, pela eleição desconstituindo-se do determinismo de sua vontade, ao qual abdicam, tal qual aos interesses de suas paixões, mas por permutarem-se, então, a representantes da vontade geral, e do povo que a constitui, estando acima do próprio povo e sendo a vontade geral, ainda que contrário à geral vontade. Pois, enfim, a democracia considerarse-ia acima das próprias proposições democráticas e, sendo em si deontológica, imiscui-se à lei e sobrepõe-se às mesmas, pois é, então, enquanto decisão política, ainda que com máscara da democracia, superior ao Estado de direito, e superior à normativa jurídica, superior às próprias leis e à própria “vontade geral” e superior à própria democracia e soberania democrática; a Democracia seria pura, e portanto, finalidade (dir-se-ia de si própria, finalidade), o que não seria, na representatividade, uma possibilidade, senão com o princípio universal de Moralidade. A democracia é, resumida à representatividade, enquanto finalidade, a decisão política pura, e o determinismo jurídico-político integral, sobre as premissas do Estado de direito, e sobre as próprias nomenclaturas ou terminologias democráticas; o Estado de direito, por outro 190


lado, é o condicionante legítimo da democracia, não sendo mais essa sequer uma finalidade, mas apenas um meio, ao Estado de direito e ao império das leis. Considerações finais É, acima de qualquer asseveração jurídica ou política, a moralidade e a retidão dos cidadãos que fará da democracia pura, e possibilitará que seja, por fim, uma finalidade; Rousseau (2013, p. 40): “[...] ajuizando sobre o que se é alheio, não se tem nenhum princípio verdadeiro de equidade para guiar”. A necessidade, portanto, é de que a representatividade democrática seja composta pela aristocracia enquanto moralidade, de representantes dignos da função a desempenhar-se; da democracia à Democracia, utopia. Tornando a Rousseau (2013, p. 72): “em sentido estrito, jamais pôde existir democracia verdadeira, e jamais existirá”. Nada mais seria a democracia verdadeira, a democracia pura, e finalidade; é enquanto finalidade, no plano deontológico, a democracia o máximo da completude de direitos, enfim, e das proposições de legitimidade de poder secular, referente à autodeterminação popular e sua soberania, que constituirá as leis, e, por fim, a 191


liberdade; a Democracia possibilita-se por leis; as leis, pela democracia. Os ordenamentos político e jurídico complementam-se; cada qual parte, cada qual todo, cada qual parte do todo conjunto e do todo próprio e integral da temática distinta. Por fim, a normativa jurídica, no campo do posto, enquanto asseveração do plano jurídico-positivo, considera sua possibilidade a partir do campo lógico-jurídico, e a partir deste, legitima-se; não existe, senão, em suposição. Sendo suposta, é, porém, universal; e, assim o sendo, está alheia ao ordenamento jurídico, é seu condicionante maior e puro, não se pode dizer, porém, condicionado pela normativa jurídica. Há no campo do suposto, a norma fundamental, e no campo do posto, as normas positivadas; o único meio, porém, de manterse a legitimidade, superado a abstração universal da norma fundamental, que é, por si, integralmente legítima e pura, além de determinações jurídicas, considerando-se a metafísica da norma positivada, é a legitimidade convencionalista oriunda da manifestação democrática, de uma Democracia emancipada. Já dissera Kant (2009), acerca da possibilidade de submeter grande quantidade de questões à fórmula de um só problema, possibilitando a asseveração 192


do ordenamento jurídico, como preceito de razão, e a normativa jurídica como terminologia a posteriori. A norma fundamental, se considerada a partir do pensamento kantiano, juízo a priori, referente à sensibilidade e à doutrina transcendental, que por meio das deliberações democráticas poderá tornar-se real e concreta, no campo jurídico-positivo, das normas positivadas, de denominação a posteriori. O ordenamento jurídico fundamenta-se em asseverações apriorísticas, que por meio da democracia, passará da norma fundamental, às normas positivadas legítimas, da abstração à normativa concreta e positivada. A norma fundamental existe além da política e do Estado, é “metafísica jurídica”, nada tem a ver com normas positivadas, que provém de poderes legislativos, nem por aqueles a quem cabe legiferação; transcende a Jurisprudência; é o âmago da Jurisprudência, não subserviente ao ordenamento jurídico, mas que o legitima, não deixando de estar, porém, alheio a ele. Da norma fundamental, universal e pura, alheio às manifestações humanas senão no campo apriorístico de sensibilidade ao entendimento, constrói um ordenamento jurídico, que se fundamentará em uma Constituição, e, posteriormente nas leis ordinárias; estas só terão legitimidade, se 193


oriundas das manifestações democráticas. A Democracia é a concretização das normas jurídicas legítimas, sendo meio ao Estado democrático de direito, e este perpetrará a deontologia na democracia. E a democracia será então, legítima; uma finalidade que terá o Estado de direito (democrático) como meio. Sendo, pois, a Democracia finalidade, será, pois, moral; a Moralidade não se escusa da Democracia emancipada; é sua emancipação. Tem-se na democracia, o meio para concretização, além da validação, das normas positivadas, contemplado, pois, uma vez, a norma fundamental; esta idealiza o Direito e o ordenamento jurídico, e é legítima, sendo universal e absoluta; à norma posta, cabe, porém, legitimidade, oriunda da doutrina democrática. A democracia como meio ao direito, é a evolução da norma fundamental, em premissas legítimas, às normas postas e positivadas; norma fundamental é legítima, e a democracia, a legitimação das normas postas, pertencentes ao campo jurídico-positivo. É na norma fundamental a legitimidade, a democracia (ou o meio pelo qual se estabelecem normas de modo legítimo, a partir de determinações democráticas) é legitimação, e as normas postas, enquanto normativa positivada, a ação legitima do fenômeno do ordenamento jurídico, e das relações 194


fenomênicas da normativa em vigência, que se forma, então, a normativa e o ordenamento jurídico do Estado de direito, que submeterá a si, também a Democracia. À Democracia enquanto finalidade, porém, atribui-se emancipação; não está sujeita às regulamentações jurídicas, sendo, pois, totalidade de sua ontologia; é autossuficiente, e seria, se a Moralidade fosse universalizada, plausível; isento da Moralidade, a Democracia é mero cenário do despotismo mascarado e não de liberdade, não tendo legitimidade. Uma Democracia não guiada pelos princípios maiores da Moralidade e da retidão - e das leis, e destas como lei maior – não é mais passível da nomenclatura que se lhe atribui, de maneira então, não mais legítima. Porém, anteriormente às proposições, ambas são um único todo, e uma redução à unidade; do qual depende os bons vaticínios da civilização e da civilidade. Os ordenamentos político e jurídico complementam-se (cada qual parte, cada qual todo, cada qual parte do todo conjunto e do todo próprio da temática distinta). Estado de direito e democracia devem, por fim, reduzirem-se à unidade, deve haver um reductium ad unum, para que, deveras, haja a coesão unitária a constituir um Estado democrático de direito e de harmonia 195


da cidadania às garantias fundamentais positivadas, e que, possa dizer-se, então, a democracia além de um meio ou de uma finalidade, mas, em si, e na junção dos termos, uma realidade emancipada e plausível, finalística e mediadora das relações convencionais, enquanto convencionalismo substancial, e libertadora dos impropérios democráticos, uma vez abdicado da democracia das terminologias alheias à retidão e à moralidade; que esteja subserviente às leis e não às determinações despóticas de uma Parlamento que diga, por fim, lex est quod notamos, e que tampouco transforme a decisão política, uma força normativa além do Estado de direito (e da Constituição e do Constitucionalismo). Tal qual, uma democracia que não seja superior ao povo, mas tampouco submissa a este; que por meio desta (e por meio do povo) promulguem-se leis legítimas, e que as leis puras (além da legiferação e do Judiciário) tornem-se o novo soberano de então, resumida à Democracia, a vontade geral, e resumida a democracia, ao Estado democrático de direito como propositura máxima do Estado liberal e emancipação da cidadania e da legalidade, resumidos à Moralidade absoluta do Estado em questão, além do parlamento e do povo,

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mas tendo nas leis positivadas o apogeu democrático; que seja um Estado de direito. Nas palavras de Duguit (2009, p. 89): O Estado, elaborando a lei, obriga-se a respeitá-la enquanto ela existir. Pode modificá-la, revogá-la, mas durante o tempo de sua vigência só pode agir no limite fixado pela mesma lei; e, ainda nesse sentido, constitui um “Estado de direito”.

Seria, pois, em princípios de analogia, a fundamentação da normativa jurídica positivada (legitimação) o rei-filósofo platônico, que permitiria chegar-se à norma fundamental, enquanto suposta, no plano suprassensível (mundo das ideias), e trazê-la (legitimamente) ao campo do posto, no plano da normativa jurídica positivada, enquanto mundo sensível, e asseveração concreta da asserção enquanto abstração da norma hipotética fundamental, por meio de uma fundamentação válida, a chegar-se às normas fundamentadas, a partir do fundamento primeiro, enquanto abstração, universalidade e pureza, da norma fundamental, à legitimação da normativa jurídica positivada, que se lhe constitui oriunda das manifestações em totalidade democráticas. O ordenamento jurídico será então passível de legitimidade e poderá dizer-se o novo soberano, enquanto 197


Estado de direito, e será plausível, então, uma terminologia despótica fundamentada (observado as proposituras de legitimidade) das leis. Pela democracia permuta-se às normas positivadas, legitimidade; a democracia é, enquanto legitimidade, a reminiscência da legitimidade universal da máxima primeira, de paradigmas apriorísticos, da norma fundamental; da norma fundamental, por meio da democracia, chegar-se-á no plano das normas postas, enquanto proposição jurídicopositiva, a compor o silogismo jurídico e a fazer, então, do Direito, o rei-filósofo; todavia, não é de pertencimento do Direito a promulgação de normas, e sim da “vontade geral”; o Direito, uma vez que pressupõe a cognoscência de um objeto cognoscível, que tem por matéria a Jurisprudência, da qual seria o rei-filósofo platônico, da sapiência do objeto, e da reminiscência de suas abstrações e ideias, agrega-se e conjuga-se à Democracia, para que, então, componham a harmonia “perfeita”, à qual se atribuirá a devida nomenclatura do rei-filósofo, no referente à legitimidade, uma vez composto da máxima da reminiscência; fazendo-se das normas positivadas, legitimas. Todavia, uma vez constituído a legitimidade jurídicodemocrática, permutar-se-á, ao Estado de 198


direito, em sua junção à Jurisprudência, o absolutismo; o absolutismo das leis far-se-á o rei-filósofo de então. A monarquia das leis, dotada da reminiscência da legitimidade da norma primeira, legitimada pela doutrina democrática, constituinte então, das leis legitimadas e, por fim, universais e soberanas. Tem-se então o despotismo das leis, superada a democracia; e uma vez soberana, constituirse-á um Estado democrático por deveras de direito, na veridicidade de suas palavras e verbete, muito além da demagogia, pressupondo-se, então, a retidão e a Moralidade, enquanto reminiscência maior, e afirmação da legitimidade das leis, e destas como o exponente do absolutismo despótico da legalidade e do juspositivismo, a formar, então, um ordenamento jurídico de direito, enquanto Estado democrático de direito. Referências BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 2. ed. São Paulo: EDIPRO, 2014. DUGUIT, Léon. Fundamentos do Direito. 3. ed. São Paulo: Martin Claret, 2009. KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. São Paulo: Martin Claret, 2009. (1781).

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MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. Do Espírito das Leis. 2. ed. São Paulo: Martin Claret, 2014. (1748). ROUSSEAU, Jean-Jeac. Do Contrato Social. São Paulo: Martin Claret, 2013. (1762).

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CAPÍTULO 10 Debate sobre o suicídio, uma rediscussão da práxis Mateus Lourenço de Souza Introdução O Suicídio vem ocorrendo cada vez mais em regiões afastadas, onde a falta de informação e o preconceito para com o problema são elevados, logo, o presente texto visa explicar como se dá o suicídio, as formas mais comuns, além de uma análise de caso, a qual se dá a partir do momento em que cada suicida tem uma característica diferente dentro do ato, porém partindo de um mesmo princípio. Nosso trabalho busca explicar os “porquês” de um suicídio, especificadamente nas cidades do sul do país, onde o suicídio é tratado como epidemia grave, baseando-se obras como: “Sobre o Suicídio, de Karl Marx, na qual temos a opressão como principal foco, principalmente sobre as pessoas do sexo feminino, opressão essa que ocorre a partir da vida moderna com relações entre classes específicas, basicamente relacionadas com as expectativas de vida dentro do mundo onde o 201


giro de capital, por exemplo, é mais importante que as próprias pessoas. Baseando-se na obra de Émile Durkheim, “O Suicídio”, na qual vemos o suicídio como acontecimento que pode se dividir em suicídio egoísta e suicídio altruísta, por exemplo, fazendo uma análise a fundo e comparando as diferentes mortes decorrentes deste ato, partindo todos de uma mesma interpretação, também relacionando o suicídio com os status sociais e como estes levam o suicida até o “fundo do poço”, para tanto, o suicídio social gera o suicídio? Ou este condiciona o outro? Identificaremos, então, o suicídio como um todo. A partir da análise do ato social, levando em consideração a obra de Hannah Arendt, “Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal”. Que vem justamente para questionar os tabus de uma sociedade que visa matar o sujeito antes mesmo que ele se dê conta que não mais existe dentro da família, sociedade e afins, pois a sociedade busca de forma hipócrita colocar o suicida como um “show man” apenas para chamar atenção, uma conclusão que erroneamente é colocada em jogo quando o egoísmo fala mais alto, ou seja, “você pode se matar desde que isto não me afete de nenhuma maneira”. O suicídio é uma fatalidade, ele é um 202


fim para não somente a pessoa em si, mas também para as pessoas que realmente se importam, por isso, com este trabalho, tratamos o assunto como epidemia grave, com estatísticas reais de problemas que não são tão corriqueiros quanto a sociedade pensa e o trata. Um grande exemplo disso é o cantor Kurt Cobain, que a partir da análise de sua carta de despedida, vemos que ele não passava de uma “criança” incompreendida, que encontrou em uma Espingarda calibre 20 uma maneira rápida e prática de acabar com toda a sua dor e fracasso por não ser quem ele gostaria de ser para os outros, e também mostrar que ele não queria sentir o que sentia. O texto irá dividir-se em três partes, iniciando com uma discussão sobre as causas do suicídio, partindo da ideia da opressão da vida moderna sobre o indivíduo que foi preparado apenas para cultivar os bens familiares sem refletir sobre o ser que é. Logo após, trataremos sobre o suicídio epidêmico ou como epidemia, usando o exemplo da região sul que liderou entre 2014 e 2015 os rankings de suicídio nacional. Finalizando o âmbito do suicídio em sí, entramos em um tópico que abrangerá o impacto do suicídio na sociedade e o quão banal, as pessoas podem tratar o suicídio em escala epidêmica assim como acontece na região sul do Brasil. 203


As obras de Karl Marx, Émile Durkheim e Hannah Arendt são utilizadas neste trabalho com o intuito de criar uma linha de raciocínio que leva à explicação sobre a opressão. Para tanto, dialogaremos com Foucault sobre o suicídio específico, finalizando com Arendt, falando sobre as causas, com uma dose de insignificância por parte da sociedade para que este tabu seja quebrado e para que possamos entender o que ocorre em um suicídio, apresentando casos e reflexões para que os debates referentes ao tema sejam feitos com mais frequência e com a devida importância. A Opressão da vida moderna Não é de hoje que a sociedade se embasa em padrões opressores para que se construa uma pseudo ideologia, na qual as pessoas abrem mão do pensamento crítico para se levar em conta todos os conhecimentos alheios que nem sempre podem ser considerados de grande valia, por isso a sociedade, desde seus primórdios, faz da opressão uma ferramenta eficaz de coerção e também de doutrinamento, com a qual os indivíduos agem e vivem de maneira que todos possam ser iguais, mas iguais de uma forma que pareçam soldados, ou robôs. Além de 204


fazerem deste doutrinamento uma lavagem cerebral para que o indivíduo, muitas vezes, passe a pensar que tudo o que ele segue e acredita é uma verdade absoluta, sendo intolerante quem pensa o contrário. Marx (2006) diz que há o suicídio na maneira como a sociedade oprime a mulher, colocando-a submissa perante os desejos da burguesia. Para Marx (2006) as pessoas mais covardes, as mais incapazes de se contrapor, tornam-se intolerantes, assim que podem lançar mão de sua autoridade absoluta de pessoas mais velhas. O mau uso dessa autoridade é igualmente uma compensação grosseira para o servilismo e a subordinação aos quais as pessoas estão submetidas, de bom ou mau grado, na sociedade burguesa. Isso mostra que as pessoas se tornam alienadas dentro de um sistema que se dá muitas vezes hereditariamente, como acontece por exemplo, com as mães que passam para as filhas o sonho do casamento, mesmo que as filhas nem saibam o significado do casamento, e este sonho que é passado pode fazer com que a criança cresça achando que se caso não realize os sonhos de outrem, ela irá queimar no inferno, por exemplo. Isso pode parecer banal, mas acontece com muita frequência em famílias com um elevado grau de fanatismo religioso aliado à ignorância. Porém, esta 205


opressão ocorre também quando se trata de cultura, pois muitas famílias dão uma importância maior a uma cultura que foi criada, do que aos seus próprios filhos. Toda a cultura, bem como também a religião, quando contrariada, faz do indivíduo um ser incompleto o que pode fazer com que aconteça o que Durkheim (1982) denominava de suicídio social, ou suicídio egoísta, fazendo dele um ser excluído da sociedade. Atualmente, a opressão pode ocorrer como uma fuga da realidade, a qual pode ser imaginária, para que suas doses de realidade sejam mais intensas, mas isso pode ser extremamente desgastante para o indivíduo. Viver mecanizado e oprimido a cada momento, além de viver pseudo sonhos e ideologias que são nele moldadas por terceiros. Geralmente isso vem de berço, em que a realidade do indivíduo reflete um conglomerado de pensamentos que para ele foi direcionado, fazendo com que muitas das realidades vividas hoje, não sejam realidades propriamente ditas, mas apenas uma compra de ideia que faz com que todas as frustrações e stress a ele dirigido atuem de forma que ele pense ser a causa do erro caso algo não dê certo, ou saia do controle. Por isso, muitas pessoas vivem em uma falsa expectativa de vida, ou se subordinam à expectativa coletiva, que é tratada por 206


Durkheim (1982) como suicídio Altruísta, ou seja, um excesso de regulamentação de poderes periféricos, sendo eles religiosos, culturais, entre outros. Como fuga de todo esse turbilhão da vida moderna, muitas pessoas encontram no suicídio as respostas das questões que a sociedade ignora. Esses problemas, em sua maioria, segundo Durkheim (1982), levam ao suicídio altruísta, decorrente da cultura e, em especial, da religião, que prega que o indivíduo deve ser honroso, mas ao mesmo tempo dependente de outrem, como deuses, por exemplo, e isso tira todos os méritos do indivíduo, colocando suas vontades em segundo plano, mas o coloca em primeiro plano para Deus, Alá, ou qualquer outra figura mística/religiosa. Suicídio como epidemia Segundo Durkheim (1982) o suicídio pode ter uma característica diferente, alterando-se de indivíduo para indivíduo, como por exemplo, o fator impulsionador, mas este ato identifica-se como uma marca coletiva. Ainda Durkheim (1982) diz que o suicídio é baseado em um contexto de fator social e não somente individual, o que faz com que entendamos o suicídio, como parte de nossa 207


influência, gerando um certo grau de culpabilidade. Um exemplo disso é o suicídio anômico, que de acordo com Durkheim (1982) é caracterizado em tempos de crise, falta de emprego e afins, no qual as pessoas têm a frustração de serem pessoas sem a expectativa de vida ao que tange o parâmetro social. Em sua maioria, os suicídios por enforcamento lideram o ranking nacional, justamente por ser uma forma considerada mais rápida, em geral o suicida, quando não alcança a perfeição dentro de uma sociedade, constituí o que podemos chamar de vergonha. Uma vergonha que faz com que ele não se encaixe mais nos parâmetros da sociedade, por isso o suicídio por enforcamento é um dos mais rápidos, ficando atrás apenas de alguns venenos. O suicídio por arma de fogo é um dos modos mais bizarros de demonstrar a vergonha perante à sociedade, pois isso ocorre quando as metas internas são colocadas em segundo plano, ou até mesmo não são cumpridas. Quando uma pessoa acaba com a própria vida com uma arma de fogo, pode ser um ponto crucial de aceitação que nunca ocorreu, o suicida não quer mais que os outros vejam o fracasso que é ser ele, viver a vida que vive e decepcionar quem ele decepcionou. O suicídio por arma cortante nos indica uma blindagem a dor, como se o indivíduo estivesse 208


autopunindo-se pelas derrotas da vida. O suicídio passou a ser uma taxa alarmante no Brasil e também na região sul, sendo considerado até uma epidemia, pois muitas pessoas de várias idades, suicidam-se diariamente e estes suicídios ocorrem das mais diversas formas, no gráfico a seguir, vemos as formas mais comuns de suicídios que mais ocorrem. Gráfico 1 - Frequência de suicídios segundo método empregado, Rio Grande do Sul, 1980-98

Fonte: Meneghela et al, 2004.

Além das formas mais comuns de suicídio, podemos verificar no próximo gráfico que pessoas entre 70 e 80 anos são as que 209


mais comentem o suicídio. Geralmente este coeficiente está relacionado ao processo cultural, principalmente na região sul, que sempre pregoa a extrema masculinidade e o grande poder da masculinidade baseada na honra e isso pode ser devastador para pessoas que cresceram ouvindo o famoso “vire homem”, este nem sempre está ligado à sexualidade, pois não é esse o ponto, mas sim a petrificação das culturas que poderiam ser mais humanizadas ao que tange à aceitação da diversidade, não só sexual, mas também intelectual, principalmente no que rege à reflexão para o mundo, ou seja, entender de uma vez por todas que a cultura não é algo incrível quando oprime alguém e que ser diferente não é sinônimo de ser errado, para que todos possamos viver em uma sociedade mais unida e desenvolvida é de extrema valia que o processo cultural seja múltiplo, visando a defesa da vida, independentemente de como a pessoa se apresentar, ou escolher viver a sua vida, o que deve importar é o respeito.

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Gráfico 2 – Coeficientes de mortalidade por suicídio segundo grupo etário, Rio Grande do Sul, 1980-84, 1985-89, 1990-94 e 1995-99.

Fonte: Meneghela et al, 2004.

Em relação à variante de idade, ou faixa etária, o gráfico representa que os mais velhos tendem a cometer o suicídio, justamente por pensarem que não se enquadram mais na sociedade, que a há muito tempo os excluiu, o mesmo é feito pela família, pois quando os laços sociais e familiares são enfraquecidos, o indivíduo passa não querer mais viver, perde a função de existir, mas este continua vivo, cometendo o chamado suicídio egoísta segundo Durkheim (1982), o qual pode ser entendido como uma desintegração do suicida antes mesmo da morte material, por isso, quando uma pessoa se mata, na realidade ela já estava morta dentro da sociedade. E quando 211


a morte social ocorre, partimos da premissa de banalização do mal, ou seja, algo ruim que passou a ser banal na medida em que o suicida não é tratado como um ser com emoções, mas sim como mais um nas estatísticas, tudo isso em uma sociedade predominantemente religiosa, por isso o suicídio segundo Durkheim (1982), é uma grande falta de coesão social e integração dos povos. Muitas vezes uma pessoa dá sinais de que está cada vez mais perto da morte e para que entendamos o suicídio e tentemos identificar os sintomas de uma pessoa com tendências suicidas, elencamos os principais transtornos de humor que podem resultar em tentativas de suicídio:  Mudanças acentuadas na personalidade;  Mudanças acentuadas na aparência;  Alteração nos padrões de sono;  Alteração nos hábitos alimentares;  Prejuízo no rendimento escolar;  Falar sobre morte ou suicídio;  Provocar ferimento em si próprio;  Pânico ou ansiedade crônica;  Distribuições de objetos pessoais;

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Análise de um suicida A seguir apresentamos a carta de despedida do cantor Kurt Cobain, seguida de uma análise da mesma, o cantor nos deixou através um suicídio por arma de fogo, em sua residência em Lake Washington Boulevard, N°171, em Seattle nos Estados Unidos: Falo como um simplório homem com experiência que obviamente preferia ser uma criança castrada e reclamona. Este bilhete deve ser bastante fácil de entender. Todas as advertências das aulas de Introdução ao Punk Rock ao longo dos anos, desde minha apresentação à, digamos, ética envolvida na independência e o acolhimento de sua comunidade, se provaram verdadeiras. Eu não tenho sentido a excitação de ouvir, bem como criar música, juntamente com a leitura e a escrita, faz muitos anos. Eu me sinto culpado por essas coisas além do que posso expressar em palavras Por exemplo, quando estamos atrás do palco e as luzes se apagam, e o ruído ensandecido da multidão começa, isso não me afeta do jeito que afetava Freddie Mercury, que parecia amar, se deliciar com o amor e adoração da multidão, que é algo que eu admiro e invejo totalmente. A verdade é que não consigo 213


enganar vocês, nenhum de vocês. Simplesmente não é justo nem com vocês nem comigo. O pior crime que posso imaginar seria enganar as pessoas sendo falso e fingindo como se eu estivesse me divertindo 100%. Às vezes eu sinto como se eu tivesse que bater o cartão de ponto antes de subir ao palco. Eu tentei tudo ao meu alcance para gostar disso (e eu tento, por Deus, acreditem em mim, eu tento, mas não é o suficiente). Eu gosto do fato que eu e nós atingimos e divertimos um monte de gente. Devo ser um daqueles narcisistas que só dão valor as coisas quando elas se vão. Sou muito sensível. Preciso ficar um pouco dormente para ter de volta o entusiasmo que eu tinha quando criança. Nas nossas últimas três turnês, eu tive um apreço muito maior por todas as pessoas que conheci pessoalmente e pelos fãs de nossa música, mas eu ainda não consigo superar a frustração, a culpa e a empatia que eu tenho por todos. Existem coisas boas dentro de todos nós. Eu acho que simplesmente amo demais as pessoas e isso me deixa muito triste. O pequeno, sensível, insatisfeito, pisciano, Jesus triste. “E por que você simplesmente não aproveita? ” Eu não sei. Eu tenho uma deusa como esposa que transpira ambição e empatia e uma filha que me lembra demais como eu costumava ser, cheia de 214


amor e alegria, beijando cada pessoa que ela encontra porque todos são bons e ninguém a fará mal nenhum. E isso me apavora ao ponto de eu mal conseguir funcionar. Eu não posso suportar a ideia de Frances se tornar um triste, autodestrutivo, e mortal roqueiro, como eu virei. Eu tive muito, muito mesmo, e eu sou grato por isso, mas desde os sete anos, passei a ter ódio de todos os humanos em geral. Apenas porque parece tão fácil para as pessoas que tem empatia se darem bem. Apenas porque eu amo e lamento demais pelas pessoas, eu acho. Obrigado do fundo do meu ardente e nauseado estômago por suas cartas e preocupação nestes últimos anos. Eu sou um bebê errático e triste! Eu não tenho mais a paixão, e por isso lembre-se, é melhor queimar de vez do que se apagar aos poucos. Paz, amor, empatia. Kurt Cobain Kurt começa sua carta explicando que gostaria de ser uma criança, graças a inocência, pois no mundo das crianças ninguém é mal, e isto contrapõe as interpretações da carta feita na época, onde os investigadores denominaram Kurt como um espirito jovem e embasavam a questão com uma das músicas de maior sucesso do astro “Smells like teen spirit”, porém esta música 215


teria sido feita para demonstrar seu amor por Courtney Love, sua esposa, que na época usava um desodorante, o qual ainda existe, com o nome de “Teen Spirit”, que poderia denominar que sua esposa estaria sempre jovem com a fragrância do desodorante. Seguindo a carta, Kurt explana que não fazia parte da gama de rockstar’s que existiam na época, pois ele não aceitava a fama e não gostava do assédio, assim como notamos no trecho: “Todas as advertências das aulas de Introdução ao Punk Rock ao longo dos anos, desde minha apresentação à, digamos, ética envolvida na independência e o acolhimento de sua comunidade, se provaram verdadeiras. Eu não tenho sentido a excitação de ouvir, bem como criar música, juntamente com a leitura e a escrita, faz muitos anos”. Percebemos, também, que Kurt se culpava por não gostar da fama que tinha e por isso se desculpa com os fãs no trecho: “Eu me sinto culpado por essas coisas além do que posso expressar em palavras”, isso prova que ele não queria sentir o que sentia. Além de não querer sentir o que sentia, não queria que sua filha sentisse o mesmo, pois sabia que algum dia ela seria corrompida pela sociedade, assim como aparece no trecho: “. Eu não posso suportar a ideia de Frances se tornar um triste, autodestrutivo, e mortal roqueiro, como eu 216


virei”. Para finalizar a carta, Kurt faz uma dedicatória, que segundo familiares seria a Boddah, o qual podemos entender que é um alter ego do cantor, que foi criado ainda quando criança e o seguia durante toda a vida, como uma figura que representaria Kurt quando pequeno e por isso Boddah era considerado um amigo imaginário, mas na verdade, era apenas a fuga da realidade que Kurt tanto queria, Boddah era tão importante que recebeu uma música exclusiva em um álbum do Nirvana. A banalidade do Mal Muitas pessoas não dão a devida atenção para o suicídio e o tratam como um problema corriqueiro. Arendt (1999) nos dá o conceito de banalidade do mal, que seria a massificação da população quando essa perde o senso crítico, ficando apenas com o senso maquinário que seria a aceitação das ordens sem saber se estas eram realmente valoradas ou justas. Por isso Arendt (1999) fala sobre a banalidade do mal, mostrando que as aparências poderão enganar, pois um homem comum, trabalhando para o sistema poderá ser, fora dos olhos alheios, outra pessoa, que se encaixa em uma engrenagem diferente, 217


pode tanto ser o opressor, como oprimido. Devemos entender esse contexto, pois estamos inseridos nele. Precisamos ter uma visão mais crítica, não apenas sobre o nosso ordenamento mas sobre as pessoas que são coagidas e regidas pelos diversos fatores socias, pois muitas pessoas quando impedidas e coagidas a fazer algo, sentem-se incompletas e inúteis por não terem conseguido cumprir a única missão que poderia mudar a vida dela, ou do outro. Por isso devemos tentar ajudar antes de criticar, para que não nos deixemos levar por uma boa oratória assim como Arendt (1999). A perca do senso comum pode nos ajudar em muitos aspectos, como por exemplo, em não julgarmos casos de suicídio, pois não devemos esquecer que uma pessoa molda seu caráter e seus objetivos de vida de acordo com as pessoas que a cercam, então, todos de certa forma temos um dedo no gatilho do suicídio de alguém. Isto é, de certa forma todos estamos com as mãos sujas de sangue quando ocorre um suicídio, mas antes devemos entender a diferença de culpa e responsabilidade. Segundo Arendt (1951) a culpa sobre algo que alguém não fez só poderá ser entendido de uma forma metafórica e este sentido metafórico da culpa só é entendido quando você aplica uma outra questão não 218


sua, sendo assim não é culpa genuína, tratase mais de um conhecimento que de um ato, como acontece no exemplo de todos temos culpa pela fome no mundo. Sendo assim a culpa sempre será algo individual enquanto a responsabilidade será algo coletivo. De acordo com Arendt (1951) as duas condições para a responsabilidade coletiva são a imputação de algo que você não fez e o pertencimento a uma coletividade que existe pelo fato de que este ato que lhe foi imputado realmente ocorreu. Sendo assim, não somos responsáveis por um suicídio, mas somos culpados a partir do momento que também fazemos parte da sociedade opressora que nos cerca, pois isso nos foi imputado desde o nascimento, cabendo a nós uma visão crítica e desmistificadora de toda essa opressão assassina que vem ocorrendo desde que o ser vem agindo somente por sonhos ou ambições sem levar em consideração o bem-estar social e a inclusão de todos na coletividade. Bauman (2009) afirma que toda as ações sociais, em meio ao mundo líquido, acabam corrompendo toda a liberdade pessoal da qual as pessoas lutam tanto para adquirir, pois esta alienação construída no caráter “antibomba” desencadeia todo um enfraquecimento do desenvolvimento social e 219


interpessoal, aumentando o individualismo, tornando o Estado mais ambicioso também. Todos, ou a maioria dos problemas seriam resolvidos, ou amenizados com a nova junção do poder e da política, para que todo este aparato de incertezas que ronda a atualidade e que também são implantados, possam também ser amenizados. Além do fim do terrorismo ser quebrado de uma vez por todas e parar de ser bancado para gerar lucros para os governantes desorientados de hoje. Considerações finais Consta-se, assim, ao fim do trabalho, que muitas pessoas tiram a própria vida por problemas que não são delas, ou seja, o ser quando nasce sujeita-se a viver em sociedade até o fim da sua vida, mas isso pode ser nocivo a partir do momento que o ser é moldado a ser o que a sociedade espera dele e quando isso não acontece, as mágoas e os sentimentos de derrota tomam conta do indivíduo. Todos os mecanismos de coerção usam do inconsciente do indivíduo para dizer que ele está errado e merece ser punido, por isso, quando participamos, de forma direta ou indireta, desta sociedade, automaticamente estamos com as mãos sujas de sangue, pois de uma forma ou de outra, influenciamos todos que 220


nos cercam. O ser é conduzido pela cultura, pela religião, pela família e por outros meios, todos estes sistemas moldam o indivíduo dizendo o que ele deve fazer e o que ele deve pensar, colocando inimigos imaginários que são usados para que de fato algum ato seja cumprido sem nenhuma objeção, mas a questão é a forma como estes oprimem o indivíduo, fazendo com que se sinta incompleto e incoerente caso não se molde aos padrões adotados pela engrenagem social. Sendo assim, devemos diferenciar fanatismo e fé e também amor e sujeição, para que entendamos de uma vez por todas que devemos nos ajudar e não nos corromper, que façamos isso de forma a agregar todos e tratálos como iguais, assim como de fato somos, e não deixarmos que nada seja mais importante que a nossa vida e a vida do próximo e, principalmente, deixar de ter o senso comum como único e absoluto, pois “cabeça vazia oficina do Sistema”, no ditado popular costuma-se colocar o Diabo, mas em uma sociedade em que até mesmo o dito mandado de Cristo cobram pelo evangelho, pode ser que o Diabo seja o único e verdadeiro humanista sendo o único que trata todos como iguais.

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Referências ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém: Um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. _________. Origens do Totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1951. BAUMAN, Zygmunt. Tempos Líquidos. Zahar: Rio de Janeiro, 2007. DURKHEIM, Émile. O suicídio: estudo sociológico. Rio de Janeiro: Zahar; 1982. MARX, Karl. Sobre o Suicídio. São Paulo: Boitempo Editorial, 2006. MENEGHELA, Stela Nazareth et al. Características epidemiológicas do suicídio no Rio Grande do Sul. In: Revista de Saúde Pública, vol. 3. Jun. Porto Alegre, 2004.

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Biografias

Andressa Angel Matozzo natural de Porto União – SC. Estudante de Sistemas de Informação. Membro do Núcleo de Produção de Textos Acadêmico-Científicos da Uniguaçu (PROTAC). Atilio Augustinho Matozzo natural de Porto Vitória – PR, nascido em 05 de dezembro de 1982. Graduado em LetrasPortuguês/Espanhol, pela Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de União da Vitória - Paraná (FAFIUV) (2005). Especialista em Língua Portuguesa e Literatura pela Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de União da Vitória – Paraná (FAFIUV) (2006). Mestre e Doutor em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Professor das Faculdades Integradas do Vale do Iguaçu de União da Vitória - Paraná (Uniguaçu). Membro do Núcleo de Orientação e Planejamento do Ensino Superior da Uniguaçu (NOPESU). Presidente da Comissão Própria de Avaliação 223


(CPA) da Uniguaçu. Membro do Núcleo de Acessibilidade da Uniguaçu (NAU). Coordenador das Revistas Científicas da Uniguaçu. Coordenador do Centro de Línguas da Uniguaçu (CELU). Membro do Corpo Editorial da Revista Eletrônica O Guari. Editor do Suplemento Literário Pandorga, do Jornal O Comércio de União da Vitória. Pesquisador e Coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Gêneros Textuais da Universidade Estadual do Paraná, Campus de União da Vitória (UNESPAR). Coordenador do Núcleo de Produção de Textos Acadêmico-Científicos da Uniguaçu (PROTAC). Felipe Medeiros da Rosa nascido em União da Vitória-PR, em 13 de dezembro de 1993. Morou, no decorrer dos anos, em Balneário de Piçarras, Penha, Matos Costa, Ireneópolis e Porto União, nesta última, residiu durante boa parte de sua infância e é onde reside atualmente. Formado em Educação Física (2014) pelas Faculdades Integradas do Vale do Iguaçu (Uniguaçu). Aspirante a Oficial R/2 do Exército Brasileiro. Discente do curso de Direito da Uniguaçu (2016). Membro do Núcleo de Produção de Textos Acadêmico-Científicos da Uniguaçu (PROTAC).

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Gabriel M. B. Prechlhak discente do curso de Direito das Faculdades Integradas do Vale do Iguaçu. Membro do Núcleo de Produção de Textos Acadêmico-Científicos da Uniguaçu (PROTAC). Guilherme Klava de Farias natural de União da Vitória – PR, nascido no dia 6 de junho de 1996. Tem fascínio pela área de exatas, principalmente pelo campo da ciência e seus mistérios. Discente do curso de Engenharia Mecânica. Monitor do curso de Engenharia Mecânica nas disciplinas de física e cálculo. Membro do Núcleo de Produção de Textos Acadêmico-Científicos da Uniguaçu (PROTAC). Karina Linzmeyer natural de Santa Terezinha – SC. Discente do curso de Administração das Faculdades Integradas do Vale do Iguaçu. Membro do Núcleo de Produção de Textos Acadêmico-Científicos da Uniguaçu (PROTAC). Karla Adriane Goslar nascida em União da Vitória (PR) em 16/11/1998. Discente do curso de Direito das Faculdades Integradas do Vale do Iguaçu (Uniguaçu). Membro do Núcleo de Produção de Textos Acadêmico-Científicos da Uniguaçu (PROTAC). Membro discente da Comissão Própria de Avaliação (CPA) da Uniguaçu.

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Lucas Gabriel Sebem nasceu em 01 de abril de 1996, na cidade de São Mateus do Sul-PR. Em 2015 começou a cursar Engenharia Mecânica na Uniguaçu. Monitor do Curso de Engenharia Mecânica nas áreas de física, cálculo e laboratórios. Membro do Núcleo de Produção de Textos Acadêmico-Científicos da Uniguaçu (PROTAC). Marcel Flenik dos Santos natural de União da Vitória – PR. Graduado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Especialista em Ética pela PUCPR. Professor de Filosofia da Rede Pública de Educação do Estado do Paraná. Membro do Núcleo de Produção de Textos AcadêmicoCientíficos da Uniguaçu (PROTAC). Mateus Lorenço de Souza nascido em Porto União, Santa Catarina em 1998. Acadêmico do curso direito das Faculdades Integradas do vale do Iguaçu (Uniguaçu). Membro do Núcleo de Produção de Textos Acadêmico-Científicos da Uniguaçu (PROTAC). Rodrigo Bartos dos Santos nascido em Porto União (SC), em 29/06/1997. Discente do curso de Engenharia de Produção pelas Faculdades Integradas do Vale do Iguaçu (Uniguaçu). Membro do Núcleo de Produção de Textos Acadêmico-Científicos da Uniguaçu 226


(PROTAC). Membro discente da Comissão Própria de Avaliação (CPA) da Uniguaçu. Coordenador de Projetos do Centro Acadêmico de Engenharia de Produção Uniguaçu (CAEPRU). Representante Institucional da Uniguaçu no Núcleo Paranaense de Estudantes de Engenharia de Produção (NUPREEP).

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