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SÉRGIO CABRAL: ‘RECOMEÇAR É SEMPRE UM DESAFIO’
A TRIBUNA – Quem é Sérgio Cabral hoje?
Sérgio Cabral – Cara, assim, estou com 60 anos de idade, mas com a idade metabólica do último exame, de 42. Estou muito feliz por estar vivendo esse momento. Recomeçar a vida é sempre um desafio. Depois de 30 anos na chamada ‘gôndola do supermercado’, exposto aos consumidores, recomeço como jornalista, como profissional de marketing. Fui por oito anos chefe do Poder Legislativo, oito anos como chefe do Poder Executivo. Fui deputado, senador e governador, tenho uma história que pode colaborar para os mais jovens. Quero trocar ideias e aprender muito com os mais jovens, e ao mesmo tempo passar para eles essa experiência e conversar.
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AT – E como está essa nova fase nas redes sociais? Você está bem ativo no Instagram, tem andado pela cidade. Como está sendo essa experiência?
Sérgio Cabral – Eu estou adorando. As redes sociais foram um fenômeno que eu desprezei na minha vida pública. Quando elas aparecem, eu já estava muito consolidado politicamente e não tinham a força que têm hoje. Os movimentos de 2013 nas ruas, por exemplo, foram muito puxados pelo Facebook. No ano anterior, em 2012, tinha ido às ruas para apoiar os meus candidatos a prefeito em Niterói, São Gonçalo, Rio Bonito, Itaboraí, e onde eu passava, a galera chegava pra mim ‘Cabral, tira uma foto aqui para o meu Facebook’ e eu nem sabia como fazia isso. Depois, eu fui preso e fiquei distante disso. Quando eu saio, eu me senti um pouco como o Nelson Mandela. O Mandela conta na autobiografia dele o susto que tomou quando ele saiu da prisão e se deparou com a revolução tecnológica da década de 60 para a década de 90. Todo dia é uma novidade e é uma coisa recíproca. Eu sinto que os usuários também querem uma novidade, todo dia, e todo dia tem um aplicativo novo, um novo uso, dentro do aplicativo, e eu estou curtindo muito. Realmente, é um veículo diferente.
AT – E como tem sido a reação das pessoas com você nas ruas?
Afinal, você deixou de ser governador, não teve muito tempo desse convívio, foi preso logo em seguida, e agora você sai numa situação completamente diferente...
Sérgio Cabral – Olha, tem sido muito bom. Eu te confesso que durante seis anos e um mês (em que ficou preso) algumas coisas me sustentaram: minha fé em Deus, a minha família, meus cinco filhos preciosíssimos. Ah, e a Adriana (Ancelmo, ex-esposa), com todas as dificuldades que ela tinha, me apoiando sempre. E a minha mãe, que foi uma coisa extraordinária. Sempre fomos muito amorosos com meus pais, mas na prisão, ela se revelou uma leoa. Então, a família toda foi muito importante, ter os testemunhais. A cada visita na prisão, os familiares dos outros presos pediam para ir na minha mesa me cumprimentar
Quero trocar ideias e aprender muito com os mais jovens, e ao mesmo tempo passar para eles essa experiência e conversar
AT – Você ainda é muito popular, pensa em voltar à política?
Sérgio Cabral – Nesse momento, não sou mais político, não sou mais um homem público. Quer dizer: homem público eu sou, por causa das redes sociais, mas não pretendo disputar a eleição. E nem posso, pois os processos hoje me tornam inelegível.
AT – Você sabia que ia ser preso?
Sérgio Cabral - Não imaginava, não. Sabia que havia um clima tenebroso no Brasil, avançando a passos largos, quando os jornais da noite, do horário nobre da televisão, de todos os canais, passam a ter, no mínimo, um bloco inteiro, dois blocos sobre a ‘República de Curitiba’. Em 2013, eu já tinha comentado sobre isso com a Dilma pelo telefone. Ela me ligou para querer a minha opinião sobre o que estava acontecendo no Brasil, naquelas manifestações. Eu falei: ‘olha, tem um sentimento de insatisfação com o ambiente no Brasil, mas tem sobretudo um movimento que vocês, do PT, estão achando que é uma espécie de maio de 68. Mas não é. É março de 64, é a marcha com Deus pela família’. Dito e feito. Em 2015, naquelas primeiras manifestações anti-Dilma, pelo impeachment. E quando o Bolsonaro aparecia, a galera se entusiasmava. Eu falei: tem coisa errada aí. Então, assim, eu estava esperando mais uma busca e apreensão. Eu estava fora do governo, há dois anos, Pezão já era governador, o estado estava bem. Eu acabei não sendo candidato. Não fui candidato nem à Presidência, nem ao Senado, nem a deputado federal. Fiquei sem mandato. O que aconteceu foi que essa turma da Lava Jato em
Há pouco mais de cinco meses, Cabral deixou a cadeia após ficar seis anos e um mês preso, condenado por diversos crimes, no âmbito da Operação Lava Jato. Desde então, vem intensificando o contato com o público, através das redes sociais. Só no Instagram, em pouco mais de um mês, já conta com mais de 23 mil seguidores.
Nesta entrevista exclusiva, Cabral fala abertamente sobre tudo: o período na prisão, o momento político no Brasil e no Estado do Rio, a Operação Lava Jato, e revela ainda os bastidores dos motivos que acabaram levando a seu rompimento com o também ex-governador, Luiz Fernando Pezão, que foi seu sucessor.
AT – Por que que todo candidato a governador, todo governador quando assume, fala da Linha 3 do metrô, promete a Linha 3 do metrô, e ninguém consegue fazer. Qual é o problema da Linha 3 do metrô?
Sérgio Cabral - Não é problema, não. É organização, método e dinheiro para fazer. Quando eu assumi, eu falei: ‘vou fazer a linha 3’. Pego o projeto no TCU (Tribunal de Contas da União), cujo presidente era o ministro José Jorge (de Vasconcelos Lima), que foi senador comigo. Ele me explicou que do jeito que estava, o projeto não ficaria de pé, que o projeto tinha um parecer todo viciado, que estava tudo errado. Mas eu queria fazer. Mas no governo, quando você pisca, já se passaram dois anos e então isso ficou, ficou, ficou, ficou. O desenho foi traçado e estava pronto para o meu sucessor executar. Ele não executou, nem o sucessor dele e nem o sucessor do sucessor. Mas eu acho que é um projeto vital, ainda mais em relação a Niterói e São Gonçalo, onde ele é mais essencial nesses trechos do que necessariamente atravessando a Baía, onde é fundamental também.
AT – Como você vê o atual momento político no Brasil e no Estado do Rio?
AT – E a polarização?
Sérgio Cabral - Essa história do bem contra o mal não existe. O segundo turno não é o bem contra o mal. O segundo turno é um negócio muito bem feito pela democracia. É um instrumento da democracia muito bem elaborado. ‘Não gosto muito do Lula, eu não gosto muito do Bolsonaro, mas é o que mais se aproxima do que eu penso’. Então é muito para rejeitar o outro. Pode ser que o Bolsonaro tenha tido 47 milhões de votos e tem muita explicação. Isso pelo antipetismo. Talvez se não fosse o Lula, não sei qual seria a votação, mas também o Lula representava o ‘chega de Bolsonaro’. A polarização é momentânea. Amanhã ela pode estar distendida ou pode estar pior. O Bolsonaro tem méritos dele, dependendo de concordar ou não ou não. Ele é um líder popular. Ele assovia e tem 100.000 pessoas na porta. O Lula foi o único preso da Lava-Jato que teve acampamento, presença de manifestantes o tempo inteiro. São dois líderes populares do Brasil. Foi um momento muito interessante da história nacional. Por vernador, estava comigo há oito anos. Eu disse a ele: ‘olha, você vai assumir aqui, você vai ganhar eleição’. Eu não tinha dúvida. Vou te contar um bastidor: em janeiro, fevereiro de 2015, eu fiquei preocupado. Quando foi final de março, início de abril, o Picciani, o Eduardo Paes e o Paulo Melo me procuraram e falaram: ‘olha, Sérgio, a coisa está ruim, está muito ruim’. Eu estava vendo pelos jornais. Marcamos, então, um jantar. Eu falei para o Pezão o seguinte: ‘estou vendo que você está perdendo capacidade financeira. Olha só, Niterói é uma cidade que tem um modelo de gestão de água e esgoto padrão. Você concorda? Concorda? Então, beleza. O que eu te sugiro? A Cedae, para Niterói, ela vende água, não vende o metro cúbico da água e a concessionária paga o metro cúbico’. Falei: ‘cara, você faz o seguinte: pega o modelo de Niterói. Juntas, dão uma bela concessão de água e esgoto nesse modelo. Nós não vamos acabar com a Cedae, ela vai ser a grande produtora de água. Então vamos chamar de concessão olímpica’. Já estava com tudo desenhado. Ele disse que não ia fazer aquilo. Ali, o jantar acabou.
Curitiba acabou chegando no Rio de Janeiro, enxergando no presidente Lula, no ex-presidente Lula, e em mim, duas figuras públicas de destaque para levar a Lava Jato a um outro patamar.
AT – Qual a sua opinião sobre a Lava Jato?
Sérgio Cabral - Qual é o saldo da Lava Jato? Ela recuperou, sei lá, R$ 30 bilhões, e destruiu R$ 1 trilhão. E esse é o meu chute, por baixo. A Lava Jato destruiu o valor do PIB do Brasil em R$ 1 trilhão. A cadeia produtiva da engenharia nacional foi toda destruída. Nós tínhamos 200 mil operários, engenheiros. O Brasil estava em plena recuperação. Tudo parou.
Sérgio Cabral - Com muita preocupação. Nós atravessamos, no Brasil, nos últimos anos, o que a nossa geração, todos nós aqui, temos que nos orgulhar, porque é o maior período de democracia da história do Brasil, desde 1889. E tivemos agora um momento muito sério, muito duro, que foi o 8 de janeiro. Uma tentativa de golpe fracassada. Uma coisa absolutamente bestial, um ataque direto à democracia, direto e físico. Assim, a Internet, as redes sociais, elas trouxeram muitas vantagens para a humanidade. Mas, por outro lado, como diria o grande e genial Umberto Eco, deu voz aos idiotas. Então, os idiotas se identificam? O racista se identifica? O homofóbico se identifica? O antidemocrático se identifica? O que odeia o politicamente correto? Se você se identificou, a bestialidade passou a ter uma normalidade. Então, assim, você tinha, de certa maneira, uma elite intelectual e uma elite econômica que tinha, digamos assim, o controle, o controle das informações e da troca. Isso foi absolutamente rompido, porque todos têm voz, todos são importantes. Então, assim, isso tem que ser mediado. Mas mediado como? Com censura? Não! Mas o mundo, graças a Deus, está vacinado contra bestiais iniciativas. Eu acho que o mundo já é democrático. Mas nós estamos cada vez mais regando a planta democracia, que tem que ser regada todo dia, porque tem sempre um artista aí, tentando criar desestabilização. Nós tivemos um presidente da República que apostou na desestabilização, o tempo inteiro. Ele enfrentou as instituições, o tempo inteiro. E o que me assusta é que ele teve 47 milhões de votos.
‘Fomos líderes em empregabilidade no Brasil, superando, inclusive, São Paulo. Infelizmente, eu escolhi mal meu sucessor isso que eu acho que essa polarização, ela tende a ser diluída, porque o Lula, no máximo, tem mais um mandato. O Bolsonaro pode disputar mais uma eleição. Mas eu acho que a coisa está mais diluída.
AT – E aqui no Estado do Rio? Nós tivemos governadores presos, presidentes da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) presos. Como você vê a política fluminense hoje?
Sérgio Cabral - Eu vejo que continuamos autofágicos, porque houve isso em Minas? E São Paulo? Houve isso no Ceará? Houve isso em Pernambuco? ‘Ah, não, lá não tem nenhum problema? Não, é que o Rio de Janeiro teve um processo autofágico de autodestruição. É um caso sociológico, antropológico que precisa ser estudado seriamente, porque eu também vivi o outro lado. Eu vivi o lado do Rio de Janeiro, bombando no Brasil e no mundo. Foi um processo muito positivo para o estado, que resultou na valorização dos imóveis, das pessoas, que resultou em empregabilidade. Fomos líderes em empregabilidade no Brasil, superando inclusive, São Paulo. Infelizmente, eu escolhi mal meu sucessor.
AT – Você se arrepende de ter escolhido o Pezão como seu sucessor?
Sérgio Cabral - Ele era vice-go-
AT – Foi quando houve o rompimento?
Sérgio Cabral – Ali, começou.
AT – Quem era seu aliado na época de governador e quem é aliado do Sérgio Cabral hoje?
Sérgio Cabral - Eu prefiro não nominar, porque tenho muitas alegrias e muitas tristezas. O que eu combinei comigo mesmo e com Deus foi que no dia que eu botasse o pé fora da prisão, em liberdade, eu ia zerar o jogo. Eu só faço esse registro em relação ao Pezão, pelo fato histórico, ele nasceu de um debate político e a história vai assim, o coração leve, porque frustrações fazem parte. Quando você consegue colocar isso em prática, você não guarda mágoa alguma. É um exercício diário
AT – Ano que vem teremos eleições municipais... Sérgio Cabral - Vou cair de cabeça, como político não, mas como profissional. Claro que eu vou escolher os nomes que eu me identifique, nomes que eu ache legal para disputar. Não vou apostar numa pessoa que eu não acredito, mas acreditando e curtindo o candidato ou a candidata, vou de boa, vou muito feliz. Tem muita gente procurando, muita gente querendo conversar e eu estou muito feliz.