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JOSÉ MUJICA

por

mariana bertolucci

O presidente que fez o mundo redescobrir o Uruguai fala sobre a vida e a importância da educação e da consciência global

M a R /ABR 2016 #15 R$ 10

AGÓ PAÉZ VILARÓ Dores, cores e amores JOAQUIN HERRERA A energia da luz MODA

Especial Montevidéu


A apenas 5 minutos do Aeroporto Internacional há um local que reúne elegância e diversão. A combinação de salas VIP especialmente acondicionadas, um excelente serviço de catering gourmet, eventos especiais e um SPA completo com serviço francês gera um ambiente descontraído para que sua estada seja confortável, descontraída e divertida.


MONTEVIDEO / URUGUAI

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sumário

LAS RAÍCES

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Quando decidi marcar os três anos da Bá com uma trilogia de edições temáticas, estava em Montevidéu depois de mais de 20 anos. As Bás Nova York e Serra Gaúcha estavam programadas. Em 24 horas na capital dos uruguaios, nada era mais natural do que coroar o aniversário com uma edição hermana. Fui batizada durante o exílio dos meus padrinhos em Montevidéu. Voltei pequenina para visitá-los. Depois, pouco antes de completar 20 anos, com a família. E nunca mais. Até que, em novembro do ano passado, a convite do majestoso Casino Carrasco Sofitel, nosso parceiro querido desde a edição 13, na maravilhosa companhia de Paulo Gasparotto, de Beatriz Olivera e da equipe do Casino, caí de amores pela capital uruguaia. De verdade. Fui arrebatada já na primeira noite, assistindo ao ballet, à orquestra e ao coro nacionais no Teatro del Sodre, que comemorava os 80 anos do Ballet Nacional do Uruguai, comandado por Julio Bocca. Senti uma honra e uma felicidade imensa por estar na plateia. Somada à tristeza de nunca ter tido essa oportunidade na minha cidade ou no meu país, me emocionei e refleti profundamente sobre nossas diferenças. Tão essenciais. Um espetáculo de dança e música com artistas respeitados e subsidiados. O encantamento pelas raízes do Uruguai só aumentava cada vez que eu conversava com os uruguaios e os enchia de perguntas. O talentoso fotógrafo e publicitário Diego Nessi, que assina o editorial de moda, me disse: “Importam las raíces, Mariana”. Ouvi também de um motorista: “Acá se puede ser feliz sin necesariamente tener una posición económica muy alta”. Enquanto isso, o Brasil iniciava seu necessário e preocupante processo de desmoronamento ético e político sem fim. Depois de mais duas idas ao Uruguai, ouvi histórias que divido com vocês, corri pela Rambla emoldurada pelo sol, vi de perto e entendi as diferenças do nosso Carnaval e do candombe. Visitei vinícolas, antiquários, restaurantes, barzinhos e museus. Passei pela praia, a serra e por Colônia do Sacramento. Entre doces, frutas com iogurte, carne, goles de vinho ao sol e sob o céu celeste, percebi que o melhor desse país é a gente que nele vive. Que é pequeno mas firme em seus valores e arrojado nas suas leis. Rígido embora suave, tranquilo e sorridente. Dono de melancolia e gentileza que por vezes escondem em suas raízes o que mais importa: ser um canto do mundo onde há respeito, educação e cultura. Nada disso está nas prateleiras do supermercado ou ao toque do iPhone. Está em las raíces.

BRUTA PRESENÇA

editorial

José Mujica

Bem­-vindo ao Uruguai, Mariana Bertolucci Foto da capa: Tonico Alvares


70 Eda Fontoura Charme natural

O CAMINHO DAS CORES

Agó Paéz Vilaró

CURADORIA DE ESTILO

52 Direção

Mariana Bertolucci marianaabertolucci@gmail.com Editora

Mariana Bertolucci Arte e diagramação

Auracebio Pereira Revisão

Daniela Damaris Neu Comercial

Denise Dias denisebcdias@gmail.com Fone (51) 9368-4664 Editora do site da Bá

www.revistaba.com.br Letícia Heinzelmann leca_he@hotmail.com Marketing e redes sociais

Astral Consultoria de Marketing por Julia Cappellari Laks julia@astralconsultoria.com

Um passeio por Montevidéu

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COLÔNIA DE SACRAMENTO

EL GRAN ESCAPE

Colunistas

Mais que um lugar, um tem po

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Ana Mariano André Guerrero Andréa Back André Ghem Claudia Tajes Cristiane Cavalcante Buntin Cristie Boff Eduardo Alvares Boszko Fabiana Fagundes Fernanda Zaffari Fernando Ernesto Corrêa Flavinha Mello Henrique Steyer Jaqueline Pegoraro Julia Ramos Ivan Mattos Ligia Nery Livia Chaves Barcellos Marcelo Bragagnolo Marco Antônio Campos Orestes de Andrade Jr. Silvana Porto Corrêa Vitor Raskin Vitório Gheno A revista Bá não se responsabiliza pelas opiniões expressas nos artigos assinados. Elas são de responsabilidade de seus autores. Todos os direitos reservados.


capa

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Bruta presença Mariana Bertolucci José Mujica ficou mundialmente conhecido quando, entre 2010 e 2015, assumiu o governo do Uruguai e toda a mídia internacional voltou os olhos para o presidente mais pobre do mundo Longe de atender ao protocolo que se espera de um chefe de Estado, José Mujica foi o primeiro homem a entrar sem gravata no palácio real da Bélgica. No da Suécia, esqueceu o presente do rei sobre uma mesa, o que provocou uma paranoica operação antibombas para dar conta da aparente ameaça. Alheio aos padrões do mundo moderno, com seu jeitão despojado e melenas em constante desordem, não raro acontece de ele driblar a segurança comandada por seu braço direito, o Turco, e dirigir em um de seus Fuscas azuis até um boteco da redondeza para uns goles com os amigos. Deleite da imprensa uruguaia, que não perde a chance de tirar de Don Pepe uma pérola com potencial de manchete. Sim. Seu temperamento espontâneo já o deixou em saias justas, como quando comentou com o microfone aberto sobre a então presidente da Argentina “esta vieja es peor que el tuerto”, referindose ao marido de Cristina Kirchner,

o também ex-presidente Néstor Kirchner. Também deixou escapar que Lula estava por dentro do mensalão, e, mais recentemente, que Raúl Castro deixaria o governo cubano. Assim é Pepe Mujica. Homem simples, político astucioso, presidente inusitado, ranzinza e indomável em relação às “regras” que a vida pública exige, ele fala o que quer e exatamente o que pensa. E o que pensa vai contra o trololó demagógico das ideologias dominantes, de direita ou de esquerda. Sua personalidade é uma efervescente sopa de ideologia, rusticidade, casmurrice, com largas e raras doses de exemplo. Filho de Demetrio Mujica Terra e Lucy Cordano, José Alberto Mujica Cordano nasceu no dia 20 de maio de 1935, no bairro Paso de la Arena, em Montevidéu, em uma família de origem basca da cidade de Múgica. O pai morreu em 1940, quando ele tinha apenas sete anos. |7


A forte presença do tio nacionalista, Ángel Cordano, influenciou-o na formação política. Sua mãe, Lucy, também militante, foi quem o apresentou, no ano de 1956, ao deputado nacionalista Enrique Erro. Mujica chegou a ser secretário-geral da Juventude no Partido Nacional, hoje seu principal opositor. Nas eleições de 1958, quando Erro foi designado ministro do Trabalho, o jovem idealista o acompanhou. Em 1962, ambos saíram do Partido Nacional e criaram a Unión Popular. Ainda nos anos 1960, passou a integrar o Movimento de Libertação Nacional-Tupamaros. Na clandestinidade, atuou em operações de guerrilha, participou de assaltos, sequestros e da Tomada de Pando, em 8 de outubro de 1969, quando os tupamaros tomaram Pando, cidade que fica a 32 quilômetros da capital. Nos confrontos, foi ferido por tiros, e os 15 anos seguintes de sua vida

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foram na cadeia. Boa parte deles em uma solitária sem falar com ninguém nem ler algum livro. Com a volta da democracia, foi libertado em março de 1985 e, anos depois, criou o Movimiento de Participación Popular (MPP), dentro da Frente Ampla. Em 1994, foi eleito deputado pela cidade natal. Sua bruta presença – expressão que ele, inclusive, adora usar – na cena política chamou atenção e, em 1999, foi eleito senador. Em março de 2005, o então (e atual) presidente da República, Tabaré Vázquez, nomeou-o ministro da Pecuária, Agricultura e Pesca. Três anos depois, deixou o cargo para ser pré-candidato, e no dia 1º de março de 2010 prestou juramento como presidente da República Oriental do Uruguai no Palácio Legislativo, com 52% dos votos válidos. Além de prometer dirigir seu astuto olhar


para a educação, a segurança, o meio ambiente e a energia, seu maior objetivo foi erradicar a miséria e reduzir a pobreza em 50%. Nos cinco anos em que governou, a taxa de pobreza encolheu de 37% para 11%. É casado com a senadora Lucía Topolansky. Entre gatos, cães e a natureza, o casal, que optou por não ter filhos, mora em uma chácara em Rincón del Cerro, na zona rural de Montevidéu, onde cultiva flores e hortaliças. Enquanto presidente, Mujica ganhava 230 mil pesos mensais (cerca de R$ 22,122 mil), e doava quase 70% para a Frente Ampla e para um fundo de construção de moradias. O restante do salário (30 mil pesos mensais, cerca de R$ 2,8 mil) era e é o suficiente para se manterem. Ele disse não aos benefícios do governo, não morou no palácio presidencial e, embora já fosse uma marca do país, fincou de vez a bandeira celeste no mapa das nações progressistas. Em 2012, ao lado de Cuba, o Uruguai, que é o segundo menor país do Continente depois do Suriname, torna-se o único país latino-americano a legalizar o aborto. Outra lei aprovada foi a do matrimônio igualitário, em 2013, permitindo aos homossexuais a adoção de crianças. A legislação hermana também fez possível o ingresso de homossexuais nas Forças Armadas. A terceira e mais polêmica lei foi a legalização da maconha, cujas características a fazem única no mundo. Como em outros países, já era possível cultivar e ter erva para consumo próprio, mas Mujica colocou na mão do Estado a regulação da produção, da venda, da distribuição e do consumo de droga mesmo contra a vontade da maioria dos uruguaios. Parte de seus conterrâneos não aprova seus programas, tampouco a escassa diplomacia de seu exótico representante. Muitos uruguaios garantem que nem sempre foi o “país das maravilhas” que a imprensa estran-

geira exaltava. Mujica reconhece pendências na infraestrutura, na educação e na segurança. Sempre instigantes e muitas vezes polêmicos, seus conceitos sobre vida, felicidade, amor e justiça social têm tanto a leveza do cotidiano quanto o peso dos anos de cárcere. Em um continente em que a cleptocracia reina nos diversos segmentos da sociedade, exerceu o seu mandato com isenção republicana. Se as bizarrices de seu jeitão anárquico ganharam os quatro cantos do planeta, foi pelo seu legado político – significativo, até revolucionário – que ele já entrou pela porta da frente da história. MB O que o senhor queria ser quando crescesse? No princípio, queria fazer algo como Engenharia Agrônoma. Depois, mais velho, gostei de assuntos a ver com história, e não me dava conta de que gostava da política. Então entrei na luta social política. Como eram seus pais? Eu tinha sete anos e meio quando morreu o meu pai. Minha mãe era descendente de imigrantes italianos. De uma família rural da zona de Colônia. Meu pai era filho de pecuarista de Florida. Sua vida foi muito dura e ele perdeu quase tudo. Quando encontrou minha mãe e se casaram, ele trabalhou no Ministério do Transporte, e morreu relativamente jovem. Éramos pequenos e vivíamos só com minha mãe. Foi bastante difícil. Vivíamos em um bairro perto daqui. Um bairro onde está morrendo a cidade e está nascendo o campo. Nem são urbanos, nem são rurais. Quais seus sonhos nessa época? Fiz esporte, fui ciclista. Tinha vontade de sair a caminhar. De ir a outros países. Depois, fiz o Liceu e começaram as dificuldades. O |9


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EDUARDO ALVARES

Uruguai estava mudando muito, porque, depois da II Guerra Mundial, os termos dos intercâmbios mudaram muito, e isso foi um golpe para o Rio da Prata. Para o Uruguai e a Argentina. O Império Britânico não nos tratou tão mal como o que veio depois. Na época da supremacia inglesa, era igual a estabilidade nos termos de intercâmbio. Depois veio a liberdade, pobres de nós, a liberdade da Pax Americana, e começamos a ter um mundo protegido. A Europa se fechava, os termos de intercâmbio cada vez se deterioravam mais. Então era um país que, em 1920 e 1930, tinha um capital como da França ou da Bélgica. Depois ficamos estancados e começamos a nos dar conta. Éramos quase primeiro mundo, e de repente nós tivemos que nos dar conta de que era uma ficção, que não éramos primeiro mundo. Na minha juventude, vivi esse processo, um processo em que cada vez nos parecíamos mais com o resto da América Latina. E tu sabes que, quando está mal durante muito tempo, uma sociedade provavelmente vive resignada. Mas quando tu vives relativamente bem e perdes de repente, isso é igual a rebeldia. Isso veio a coincidir com o impacto da Revolução Cubana e com esse tempo efervescente que vivia o mundo, que não se pode transmitir com palavras. Pensávamos que a mudança estrutural da economia era

possível. E que a mudança estrutural da economia, da produção e da distribuição iria gerar as condições para um novo homem. Um tempo de linda ilusão. Como toda ilusão, cometeu o erro de reduzir a mudança histórica a uma questão material. Não entendeu que, se não muda a cultura, no fundo não muda nada. Que são mais fáceis as mudanças materiais, mudar as relações de propriedade e aparentemente de distribuição. Mas se não muda a cultura, a gente segue sendo a mesma. E na realidade o capitalismo


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não é só uma forma de produzir e distribuir. Também gera uma cultura. E é essa cultura que nos mantém controlados. Muito mais do que os exércitos e o jurídico. E a construção de uma contracultura que nos liberte disso é uma tarefa pendente. Que os clássicos dessas formações sociais não poderão ver, dar-se conta. Por isso vou falar com os jovens das universidades. Porque eles vão ser os futuros proletários em um mundo em que não vou estar vivo. O mundo que vem não pode renunciar à tecnologia, o próprio capitalismo o guia. Mas vai necessitar de mão de obra cada vez mais qualificada, porque a mão de obra bruta, antiga, não vai gerar a mais­valia, nem é funcional nessa economia tecnológica. Necessita incentivar e multiplicar a população estudantil universitária, e ali está, também, parte do seu desafio. Como o capitalismo vai conseguir arrebanhá-la? Pois é relativamente possível arrebanhar as massas sem qualificação, a gente sacrificada, com pouco horizonte intelectual. O desafio vai estar mais em frente. Eu não tenho uma resposta clara, mas creio que é o grande desafio. Porque andando pelo mundo, dou-me conta de que nem todos são os mesmos. Que o mais movediço e o mais demandante está nos pisos das universidades dos países centrais. Há os Estados Unidos reacionários em uma superestrutura republicana e no Congresso, mas há também potencialmente uma estrutura revolucionária nos jovens universitários que estão nos pisos das universidades populares, e cada vez a própria sociedade requer mais deles. Aí está minha esperança humanística, mas eu não a verei. Por isso também vou frequentemente ao Brasil falar com os jovens. Na minha opinião, o grande problema do Brasil é a falta de educação estrutural e básica. O que acaba cau12 |

sando todos os outros problemas em uma população de muita gente. Como mudar essa cultura de falta de educação depois de tanto tempo? O que acontece é que o Brasil tem um atraso muito grave. O Brasil criou sua primeira universidade por volta de 1922, creio. Isso é incrível. No resto da América, havia países que tinham criado sua primeira universidade havia 50 anos. E outros, cem anos antes, como a Universidade de Córdoba. No Brasil, a oligarquia brasileira mandava seus filhos estudar e pensava: não precisamos de uma universidade. É incrível, mas é assim. Uma direção política classista no campo do conhecimento. Isso creio que amputou o Brasil durante muito tempo. Depois, se minha memória não falha, quando assumiu o governo Lula, havia uns 3 milhões de universitários no Brasil. Quando saiu do governo, 7 milhões. Mas o fruto da educação é lento, como plantar carvalhos, madeira dura. Sobre as cotas, o senhor acredita ser uma forma eficaz para levar mais alunos às universidades? Eu creio que sim. Mas para isso necessita-­ se de uma política de transferência de recursos. Porque senão o pobre não termina. Não chega. Mesmo no nosso país, em que a educação é gratuita há mais de cem anos, o desafio econômico impõe, mesmo que o ensino seja gratuito, os custos de estudar e se manter, que não são possíveis para a maioria da gente pobre se não há um estímulo econômico que permita estudar. Isso é mais complicado no Brasil. Não se pode permitir que pais pobres gastem com a formação universitária de seus filhos. O Estado não tem política específica de transferência de recursos. E isso é sempre ter maior pressão fiscal aos que mais têm, não tem volta. E isso gera tensão e confronto na sociedade.


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EDUARDO ALVARES


EDUARDO ALVARES

A política pública cultural uruguaia mantém companhias nacionais de ballet clássico, orquestras e coros nacionais. Como estimular a política cultural em um país? Há coisas que vão te parecer milagres porque o Uruguai é um país muito pequeno. Mas o que acontece é que éramos um país, desde sempre, muito reformista, lá por 1900. Esse país foi o primeiro a permitir o divórcio, em 1914, pela vontade das mulheres. Foi o primeiro que reconheceu a prostituição, e a organizou, e a legalizou. Nacionalizou a produção de álcool de bebida, álcool de boca. Durante 50 anos, o único que produzia álcool de boca, canha, grapa, uísque era o Estado. O fazia bom e cobrava um pouco mais caro para atender à saúde pública. Este é um país onde desde 1910 a energia elétrica está nas mãos do Estado. Onde a refinaria de petróleo, desde que se fundou, está nas mãos do Estado. Onde os serviços de água corrente das cidades estão nas mãos do Estado, os principais bancos são do Estado. É um país distinto. Não é um país socialista, mas não é um país capitalista ao estilo do resto dos países da América. O Estado 14 |

tem uma bruta presença em quase todas as partes. No serviço telefônico, a principal companhia do Uruguai é do Estado. E isso que tem alguns defeitos. Porque o Estado não é maravilhoso. Tem também contrapartidas. O ingresso que geram se reparte na sociedade. Talvez uma empresa pública estrangeira possa estar melhor administrada, mas os dividendos se vão para fora. Portanto, uma melhor administração é pouco se estás com as veias abertas, e se te levam os recursos. Um dos defeitos do Estado é que por vezes há trabalhadores demais, mas no fundo os salários ficam na redondeza. Por isso é muito melhor uma regular administração do Estado do que de uma eficiente companhia estrangeira, que vai levar todo o lucro do trabalho para fora do país. Isso é uma diferença abismal no largo prazo quando percebemos a torrente de dinheiro que se vai para fora. E isso devemos aos nossos avós. Por isso, para nós, é natural legalizar o aborto, por exemplo, em um mundo cheio de preconceito. E o legalizamos porque acreditamos que é a melhor maneira de salvar a maior quantidade de vidas. Porque não



deixamos as mulheres sozinhas. Tratamos de acompanhar as mulheres que vivem esse drama, e fazemos tudo o que podemos para dissuadi-las da decisão. E isso é muito importante para essas jovens que às vezes não são compreendidas pela sua gente, pelos seus familiares. E se em definitivo decidirem manter a decisão, não será um trauma e temos garantida a saúde. Caso contrário, vão seguir existindo esses abortos clandestinos por toda parte. Os pobres vão para qualquer lado e se cria uma injustiça a mais, em cima da que já existe. Esse é um patrimônio que herdamos dos nossos avós. Por isso muitas coisas irão surpreenderte no Uruguai, porque nós vivemos esse processo antes. Se fôssemos um país grande, a história diria que a social-democracia fundou-se no Uruguai. Porque estou te falando de coisas que aconteceram em 1910, 1914. IGNACIO DOMINGUEZ

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Quando nem se podia pensar em muitos temas, no Uruguai se discutiam. Nessa mesma época, já era um país laico, o presidente que impulsionou essa reforma chamava­se José Battle y Ordóñez, que escrevia Deus com letra minúscula e separou a Igreja do Estado. Qual dos projetos de lei do seu governo foi mais polêmico e impactou a sociedade uruguaia: o da legalização do aborto, da maconha ou a união homoafetiva? A legalização da maconha teve muita resistência e tem todavia ainda. Custa-se a vencer o preconceito. É uma reforma morna, insignificante. Não se pode combater a droga. Temos que legalizá-la, e regulá-la, e educar as pessoas para que não consumam. Não vamos terminar com a droga,


mas terminamos com o narcotráfico se lhe roubamos o mercado. Pelo menos terminamos com um problema e ficamos somente com um problema médico para atender, mas há que ter coragem cívica para isso. Com o narcotráfico não se pode lutar, pela taxa de lucro que eles têm, acaba com tudo. Somos estúpidos se continuamos entrando, porque compram as pessoas. Fazem esse jogo, oferecem dinheiro ou balas. Os órgãos de repreensão e as pessoas não são heróis. Pobre gente, não são Che Guevara, não são heroicos. A massa de gente que podemos pôr na polícia não é assim. Mas está faltando coragem para enfrentar o preconceito da sociedade. Fale sobre os 15 anos que o senhor passou preso. Numa entrevista, o senhor disse que não leu e ficou pensando muito... Fale um pouco da cadeia. Não me davam livros (risos irônicos). Não me deixavam. Não há mágoa? Eu não me dedico a olhar para trás... A natureza nos colocou os olhos na frente. Vivo para o amanhã. As penas do passado ninguém vai te compensar. O que passaste, passaste. Os golpes que tiveste, tiveste. A pessoa não pode viver lambendo suas feridas ou tendo pena de si mesma. Ficar cultuando o herói sacrificado ou viver da renda política do sacrifício que passei. Ao fim e ao cabo, lutei por uma mudança e paguei o custo, e não pude realizar a mudança. E a mudança que eu pretendia não era uma brincadeira. Eu ainda tive a sorte de ficar vivo. Com isso não estou fazendo apologia, nem nada do estilo. Mas não quero viver da renda básica do sacrifício vivido porque foram sacrifícios amargos, mas me ensinaram. Não seria quem sou se não tivesse vivido os anos que

vivi. E aprendi uma regra de ouro que queria te transmitir: aprende-se muito mais nas dores e nos golpes do que nos triunfos. Os triunfos não fazem outra coisa senão colocar vaidade nas pessoas. E deixá-las orgulhosas. O golpe te ensina, te endurece e te ensina a fazer melhor. Porque te dás conta do muito que não sabes. E do muito que fica por fazer. Mas ainda assim a única afirmação que cabe é que a vida é bela. Mas temos que cuidar na vida é da gente, das pessoas. O presente mais grande que temos é estar vivos. E lamentavelmente nos esquecemos de que é um minuto e que não podemos ir ao supermercado comprar vida. Portanto temos que tratar de gastar e de cuidar da vida, das coisas que nos gratificam. Isso se chama liberdade. Sobre os próximos capítulos do Brasil? Não sei. É um mistério. O Brasil é demasiado grande e tem repercussões em todos nós. Brasil é uma grande potência que não se dá conta. Não se dá conta de que está fechado em si mesmo. E não se dá conta de que chegamos tarde e que, se chegamos tarde, não há outro caminho que não seja nos equiparar e nos juntar de alguma forma: todos. Porque o mundo central tomou muita distância da gente no campo do saber. Coreia do Sul registra mais patentes que toda a América do Sul. Estamos perdendo a batalha na propriedade do conhecimento. De novo, conhecimento. Ainda não temos nossa inteligência integrada, nossas investigações coordenadas. Fazer programas comuns às nossas universidades. É muito difícil caminhar se não nos integrarmos com os que levam 200 anos de vantagem, o mundo central. E isso é muito tempo. Te deixo, me vou. | 17


FernandoErnesto Corrêa

Eu sou uma fraude?

Há pouco tempo, li um interessante ensaio sobre a “síndrome do impostor” no Caderno Vida da Zero Hora. Os que padecem desse fenômeno psicológico, que é mais comum do que se imagina, acreditam que não merecem as próprias conquistas e atribuem o seu eventual sucesso a fatores externos, como sorte, indicação dos outros, orientação superior, boa vontade – nunca ao próprio mérito. Refleti bastante sobre essa disfunção mental porque durante muito tempo e em muitas situações considerei-me uma fraude. Pessoas chegavam a mim e comentavam os êxitos de minha cinquentenária carreira profissional. Como tinha sido importante, diziam, minha participação, ao lado do Maurício, do Jayme e do Nelson, na construção e consolidação da RBS. Eu rebatia, clara ou tacitamente, essas referências elogiosas, porque as contrastava com inúmeras decisões erradas e besteiras que efetivamente cometi durante o meu período como executivo naquele grupo. Sofria da doença do toque, era paranoico e buscava doentiamente inatingível perfeição. A soma desses fatores levava-me a menosprezar a qualidade da minha vida e do meu trabalho. Sempre os meus eventuais êxitos estavam aquém da minha expectativa. Para mim, os erros superavam os acertos com larga margem. Eu perdia de goleada. Agora mais 18 |

vivido e experiente, venci esse complexo de vira-lata e passei a reconhecer que o crédito de minha existência é bastante positivo. Durmo com a consciência tranquila. Como disse aos leitores na primeira coluna nesta revista que iria tratar de temas sobre o comportamento, atrevo-me a fazer esta introdução personalíssima para que vocês também façam uma reflexão e verifiquem se em algum momento ou situação não sofreram (ou ainda sofrem) da síndrome do impostor. Se tal aconteceu ou ainda sucede, espanquem esse preconceito. Ele só faz mal e nos joga para baixo. Acreditem que o que vocês conquistaram foi devido basicamente ao seu esforço e por suas qualidades. A sorte pode ter ajudado em determinadas ocasiões, a contribuição de terceiros pode ter sido importante, mas nada disso teria sido suficiente se vocês fossem um beócio, uma nulidade, um deitado. Valorizem suas virtudes, que certamente existem. O problema é que elas, em muitos casos, ficam encobertas pelo complexo de culpa que nos persegue. Creiam em vocês como eu passei a acreditar em mim, depois de diagnosticar, tratar e curar-me dessa anomalia mental. Para concluir, é meu desejo que cada um de nós, olhando no espelho, possa dizer, com convicção: “Eu não sou uma fraude”.


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Vivo em Londres há três anos. É desta cidade, que mescla tão bem tradições e modernidades, que escrevo para a Bá. Você pode me seguir também no Twitter, Instagram e Snapchat @fzaffari.

FernandaZaffari jornalista

A Vênus pop de Botticelli

A temporada de primavera é também a de grandes aberturas de mostras de arte na Europa para esperar os turistas. Em Londres, uma das atrações deste calendário é Botticelli Reimagined (Botticelli Reinventado), que reúne 54 obras originais do mestre renascentista no Museu Victoria & Albert. Em cartaz até julho, a exposição apresenta a influência do italiano Sandro Botticelli (1445- 1510) em artistas não só de sua época, mas principalmente das gerações seguintes. Há pinturas, projeções de filmes, desenhos, fotos e até a calota de um carro. Os curadores incluíram a peça, já que o design da roda é inspirado em um broche que aparece no quadro Primavera do artista. Misturebas à parte, há influências menos radicais e mais suaves aos olhos mais puristas que ainda se cho-

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cam ao encontrar na mesma exposição um Botticelli original, uma moeda de euro, uma projeção de um filme de James Bond e a tal calota de carro. Mas para outros está justamente nisto o atrativo do show em cartaz em Londres, o mais completo sobre o artista italiano já feito neste século na cidade. Nesta mostra, o visitante é recebido com trabalhos de estilistas, fotógrafos e artistas contemporâneos, como Vik Muniz, Andy Warhol e Dolce&Gabbana, fazendo releituras de obras de Botticelli, na sua maioria a mais famosa, a Vênus. Botticelli original mesmo, em pintura, com seus delicados traços e molduras pomposas, você só encontrará depois de vencer três salas do museu. Na manhã exclusiva de abertura para a imprensa, conversei com a cocuradora da exposição, Ana Debenedetti.


É verdade que até Botticelli sofre com a concorrência feroz de artistas na sua época? Ana Debenedetti – A arte de Botticelli, após sua morte, saiu de moda e não era mais desejada. Florença era o centro artístico, mas perdeu o lugar e o posto foi assumido por Roma. Os grandes artistas renascentistas passaram a ser Michelangelo e Rafael. Eles nunca saíram de moda, dominando a história da arte até os dias de hoje. O treinamento artístico acadêmico era baseado no estilo Rafael. No século 19, você tem uma geração de jovens artistas, especialmente na Inglaterra, que buscavam um recomeço. Eles queriam uma referência diferente e algo novo. E nesta busca antes de Rafael, encontraram Botticelli. Eles se fascinaram pela simplicidade do design, o frescor, a linearidade de Botticelli. Uma pessoa-chave para este redescobrimento foi Dante Grabriel Rossetti, filho de imigrantes italianos. Ele comprou um retrato feito pelo artista. Inspirado neste quadro, ele produziu uma série de outros designs. No século 19, Botticelli deu esse incentivo para desenvolver uma nova estética, longe do treino acadêmico. Você acha que, de alguma maneira, esta exposição em Londres também será um redescobrimento de Botticelli para as novas gerações? Debenedetti – Espero que sim. O que realmente queremos mostrar é o legado de um mestre, de um gênio do design. Botticelli não era apenas um pintor, era um designer para bordados, trabalhos em madeira e vestimentas. Isso era normal para artistas renascentistas. Vocês está envolvida há quatro anos neste projeto. Se tivesse que escolher uma parte da exposição, ou uma obra que é mais especial, ou a sua preferida, qual seria? Debenedetti – Sou uma especialista em Renascença, então a seção dos Botticelli é a que toca meu coração. Temos 54 trabalhos originais dele. Não estão em ordem cronológica. Esta parte não tenta explicar a evolução de estilo do artista. Mas é para mostrá-lo como um artista muito ocupado no seu oficio, praticando, trabalhando em um mercado muito competitivo como o do século 15. | 21


AnaMariano escritora

um caso de amor

Tenho um caso de amor com Punta e gosto de pensar que a conheço bem e que ela é exatamente como a imagino. Assim, perdoem-me, deixem por conta da paixão, mas me permitam dizer que a verdadeira Punta, a minha, a que existe o ano todo, é tímida e só se mostra quando os veranistas vão embora e os semáforos se apagam. Durante o verão, ela é educada, faz de tudo para agradar a seus hóspedes, mas, por debaixo das luzes e dos edifícios, dos cassinos e das festas, dos fogos de artifício, continua sendo o lugar onde todos se conhecem e, à tardinha, põem suas cadeiras não sobre a areia, mas sobre a grama, para olhar os barcos no porto, tomar um mate e aproveitar a brisa. Continua sendo o lugar onde não se batem palmas para o pôr do sol, porque, afinal de contas, ele está apenas fazendo o seu trabalho e, se fôssemos aplaudi-lo, teríamos que também aplaudir as pedras, o mar, os lobos-marinhos, as ilhas e a paz daqueles 12 segundos de obscuridad que saem dos muitos faróis, que parecem de brinquedo. Assim como naquele poema de Drummond, quero que todos os dias do ano, todos os dias da vida, de meia em meia hora, de cinco em cinco minutos, Punta me diga eu te amo e queira 22 |

me agradar e me dê presentes, porque, quando a sinto dizer eu te amo, sei, no momento, que sou amada e ela é como a imagino, mas no momento anterior e no seguinte, como sabê-lo? Ela me entende e, além da paz, que não tem preço, e do friozinho, que mesmo quando chove é seco e é gostoso, e dessa mistura estranha de rio e oceano repleta de lobos e gaivotas, num dia qualquer, de inverno, que não era nem data oficial, me fez uma surpresa daquelas de nunca esquecer: baleias! Muitas! Fêmeas e filhotes, bem em frente à minha casa, dançando pertinho da praia, tão perto, que era possível ouvir suas conversas. Lembro que éramos poucos naquele dia e nos olhávamos e não acreditávamos no que víamos e sorríamos um para o outro, como velhos conhecidos. Agora, enquanto escrevo, ainda é fevereiro, mas minhas netas já foram embora, as férias estão terminando e logo seremos apenas Punta e eu. Logo a minha praia além de mansa vai estar vazia e meus cúmplices serão aqueles três cachorros vagabundos que me acompanham no inverno e que, no verão, continuam tomando seu banho de mar, mas, assim como eu, passam despercebidos no meio da balbúrdia.



Apresenta:

Chegou a hora de voc锚 ter o seu im贸vel em Gramado.

www.gramadobvresort.com.br



foto: raul krebs - estĂşdio mutante



Bá, que delícia

Sabor e buena hola

Aos 15 anos, Eneas Siepierski decidiu que dedicaria parte de sua juventude a perseguir boas ondas. Antes de desembarcarem no Uruguai, seus avós poloneses passaram por São Paulo onde seu pai nasceu, e em seguida instalaram-se na capital uruguaia. Nascido em Montevidéu, de prancha em punho, o surfista andou pelo Havaí, deu um pulo no Alasca, passou pelo México e decidiu ficar no Brasil, em Florianópolis. O contato com a gastronomia começou nessa época, quando trabalhou em um restaurante na Lagoa chamado Al Pairo. Curioso, surgiu o interesse pelos aromas e sabores. Procurou cursos com os chefs Fabio Souto e Alex Atala, com quem conheceu um pouco mais do jeitinho brasileiro de cozinhar. Depois de Floripa, passagens por São Paulo, morou por oito anos em Gramado. Na temporada serrana, emprestou seu DNA hermano para montar o menu do então recém-inaugurado El Fuego, de um competente grupo gramadense. De olho no know-how gastronômico além -mar, assim que recebeu o passaporte europeu tratou de embarcar de mala e prancha e muita curiosidade para Barcelona. Na cidade espanhola, pela qual se apaixonou, ficou dois intensos anos. Trabalhou com Paco Pérez no restaurante Miramar de Llançà e assinou muitos eventos por lá. Sua predileção é por um estilo de cozinha mais boêmia, tranquila, com produtos da época e sempre frescos em combinações e misturas variadas e improvisadas. Uma espécie de comfort food com triplo sotaque: uruguaio, brasileiro e espanhol. O que ele exercitou em 2015 pilotando os almoços do charmoso bar de jazz El Mingus, em Montevidéu, e há quatro temporadas à frente de um pequeno bistrô em Rocha, uma das praias mais lindas e rústicas do Uruguai. Mas exatamente o que nosso chef gosta de preparar? “De tudo. Para mim o prazer de cozinhar é o mesmo de ver o outro tendo prazer”. Delicioso e instigante.

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Como as de boa parte dos uruguaios, as origens de Elena Tejera são espanholas. Caçula menina de dois irmãos, aos 16 anos começou a trabalhar para ajudar os pais. Por sete anos trabalhou em uma multinacional de telecomunicações, onde despertou para habilidades empreendedoras. “Saí da empresa e não sabia o que fazer. Cheguei a cursar Odontologia”, lembra Elena. Conhecida pelos amigos e a família por seus dotes culinários, a cozinha sempre foi aprazível para ela. Surgiu a ideia de fazer tortas doces tradicionais e bem clássicas uruguaias para vender. Foi um sucesso absoluto e no boca a boca começaram a solicitar encomendas para eventos sociais. Os próprios clientes dos doces fizeram encomendas maiores. Em 1988, Elena assumia caterings para cerca de 40 pessoas. Nos anos seguintes, a demanda cresceu tanto, que seus quitutes passaram a ocupar espaço demais na casa onde morava com ex-marido e as duas filhas, Florença, 35, mãe de Benjamin, e Maria Inês, 32. Ela buscou um lugar maior e por oito anos assumiu o economato da cafeteria e do restaurante do Clube Náutico Carrasco, liderando 35 pessoas e servindo cerca de 60 mil clientes por ano. Expert em gestão e marketing do próprio negócio, passou atender também Punta del Este e o interior, além de dar consultorias gastronômicas, como a que está prestando ao Casino Carrasco, que abrirá suas portas em breve reformado e com novidades, além do novo point, o bar da sacada. Ambientado pelo arquiteto Hassen Balut, a nova aposta de Carrasco para turistas e uruguaios terá 80 lugares para sentar, um pequeno palco, pouca luz e movimento de gente interessante: “Vamos agregar a qualidade do produto uruguaio em uma espécie de fast food gourmet com charme. O barzinho da sacada terá drinks maravilhosos, onde as pessoas vão encontrar uma comida rústica, contemporânea e estética, tomar um traguito com mucha buena hola”, conta Elena, cheia de expectativa do alto dos seus 25 anos de carreira. MB | 29


Roubadinhas



FabianaFagundes arquiteta

mude@fabianafagundes.com.br

Curadoria de Estilo Acredito que existem pessoas que têm aquele toque de Midas, quase sempre resultado de um trabalho que se faz com prazer, de entrega àquilo em que se acredita, para obter conhecimento e consequentemente acabar sendo um expert no assunto. Eda Fontoura é dessas pessoas que deixam seu rastro por onde passam. De bom gosto e da tão desejada sofisticação aliada a simplicidade. Natural de Porto Alegre, dividiu por muitos anos sua vida entre férias e feriados no Uruguai, país que sua mãe Noemi Fontoura escolheu para viver. Impossível para uma pessoa como ela, sensível a todos os detalhes e conectada com tudo ao seu redor, não sair contagiada pela cultura, pelo bom gosto e pela arquitetura cheia de conceito e estilo de nossos tão charmosos vizinhos uruguaios. Depois de 25 anos trabalhando no ramo de design de mobiliário e produto e 14 anos como designer de interiores, grande parte desse tempo dedicada à famosa e 32 |

inesquecível Casa In Ferro, loja que marcou época na decoração não só de Porto Alegre, mas do Estado inteiro, a volta à cena vem redesenhada para o público. Reinventar-se é com ela mesmo. Se já estamos acostumados com o termo “curadoria de estilo” na moda e na arte, agora ela oferece esse trabalho na decoração de interiores. Sua proposta começa observando o ambiente, analisa todos os objetos exis-


fotos tonico alvares

tentes, inclusive aqueles guardados por “falta de lugar ideal” ou mesmo por parecerem não servir, e somente após todo esse primeiro processo passa a preparar os espaços, fazendo montagens, recantos e colocando neles detalhes na maioria das vezes inimagináveis para os proprietários da casa. O garimpo inteligente vai além dos objetos, passando pela escolha de obras de arte. Sem preconceitos de certo e errado, ou mesmo de convenções politicamente corretas, quebra regras, ousa e literalmente monta casas com conceito, sem perder o aconchego que tanto buscamos. Casas contadoras de histórias com detalhes exclusivos, que muitas vezes não estão em lojas e sim conquistamos ao longo do tempo. Viajar, herdar ou adquirir é fácil. Eda Fontoura é a pessoa certa para pinçar o que merece ganhar a vitrine interna no lar de nossas memórias.

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JUAN VAZQUEZ

Bรก

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uruguai natural Vice-ministro do Turismo do Uruguai, Benjamín Liberoff é um apaixonado por seu país e, no comando de um dos segmentos mais férteis do governo, quer cada vez olhar mais para o Brasil como parceiro econômico.MB Turismo brasileiro

O Brasil é o nosso objetivo estratégico principal. Mesmo que Argentina seja o maior mercado, só em 2015 vieram mais de 1,7 milhões de argentinos. Mas de São Paulo até a fronteira vivem mais de 40 milhões de pessoas. É o mercado com mais condições de crescer. Montevidéu, ao longo do ano, é o principal destino com quase 1 milhão de turista e Punta Del Este tem 700 mil de novembro a março. Em ambos, cerca de 20% são brasileiros. Colônia de Sacramento está crescendo entre os gaúchos pelos vínculos históricos. Houveram figuras gaúchas vinculadas a fundação da cidade. Os cruzeiros são importantes porque não se faz cruzeiro para vir ao Uruguai, mas pode-se voltar. Há também um movimento dos brasileiros vindo para cá fazer negócios. Como por exemplo, a Kia Motors.

Uruguay Natural

A marca Uruguay Natural nasceu em 2001, de um processo de branding normal. Entrevistas qualitativas, quantitativas, definição de ícones e cores. Quando ganhamos as eleições mantivemos a marca, que é do

governo anterior. Há uma tendência: governo novo, marca nova. Optamos por manter Uruguay Natural porque, além da natureza, o grande conteúdo da marca é a qualidade de vida.

Uruguay no mundo

Para mim duas questões juntas devolveram a autoestima uruguaia. Uma é a seleção de futebol, não pelo quarto lugar, mas pela imagem que passou. Um trabalho gênio, sério, sólido e em equipe. Uma construção que tem a ver com a direção técnica do professor e treinador Washington Tabárez. A segunda, independente de valorações políticas, é o ex-presidente José Mujica. Não importa se estou de acordo, ou não estou de acordo. O fato é que um presidente do Uruguai nunca tinha tido um protagonismo internacional como teve Mujica - e como tem atualmente inclusive. Do fusca ao discurso na Rio + 20, o jeito de viver em uma casa modesta. É um ser humano distinto.

Uruguay Maverick

Um conceito que me atraiu muito é de que o Uruguai é semelhante a um Maverick: “o pequeno que não tem o temor de assumir grandes desafios”. Obviamente quando surgiu, todos criticaram dizendo que éramos lentos, com muitas tradições e antigos. Mas, qual é o pais da América onde votou a primeira vez a mulher? Qual é o país que separou a Igreja do Estado? Qual é o pais que universalizou o ensino para toda a população? Qual país que deu para escolas públicas há seis anos um computador por aluno? Qual o primeiro país que tem todo o gado | 35


individualizado com traçabilidade? Isso não é ser pequeno e assumir grandes desafios? Há uma luta interna com o uruguaio, porque ele não crê nisso. Chegou uma informação do departamento da inteligência comercial da Revista Economy que disse que o Uruguai é o único país da América Latina com uma democracia plena. Nossos vizinhos, a Argentina e o Brasil estão descrescendo seu PIB, o PIB do Uruguai está crescendo. Em cinco anos, nosso Sistema Nacional de Saúde agregará um programa dentro do Tema Nacional de Cuidados. Para quem tem familiares que necessitam de apoio e precisam contratar cuidadores, o governo vai pagar essa pessoa para que ela possa ou parar de trabalhar ou contratar um cuidador. Isso me parece um Maverick. Em cinco anos, vamos colocar um tablet na mão de cada pessoa com mais de 65 anos que ganhe menos que US$ 700. Para mim isso é efetivamente revolucionário.

Uruguay cultural

O ballet aqui no Uruguai era nada. Trazer Julio Bocca para o Ballet Nacional do Uru-

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guai foi uma colaboração enorme para a dança. Ele deve ganhar cerca de U$ 10 mil, o que para um profissional como ele é nada, mas para o Uruguai é muito. O Teatro Sodré fez 80 anos em 2015, e ficou 40 anos fechado por um incêndio. Em tempos mais difíceis, era algo que se discutia, se não temos para comer, para que um teatro? O mesmo ocorreu com o Teatro Solis, fechado por 10 anos. Se colocou dinheiro ali e as pessoas diziam: “se as ruas estão ruins para que colocar dinheiro em um teatro”. Uma bobagem porque cultura é tão importante como um pedaço de pão. Hoje temos uma política cultural que nos orgulha.

Brasil

Se há um país que tem uma cultura fenomenal é o Brasil e que se desenvolveu muito nos últimos anos. O Brasil tem problemas claro. Mas as ofertas culturais que existem em São Paulo são impressionantes. Os fundos para desenvolvimento cinematográfico são imensos. Mas, claro, nunca alcança, sempre se necessita mais. Nos preocupa a saúde dos nossos vizinhos porque não temos ainda gripe A, nem dengue, mas estamos ao lado.

Futuro

Em julho próximo será inaugurado um centro de convenções e de feiras em Punta Del Este. Também iniciará ar a construção da Antel Arena, que ficará pronta em 2018 em Montevidéu para 12 mil espectadores, com características técnicas monitoradas pela NBA dos Estados Unidos, não só para espetáculos artísticos mas também para congressos. O turismo de reuniões para nós é importante porque ele dura todo o ano.


fotos JUAN VAZQUEZ

Motor gerador Há três anos na direçãogeral do Teatro Sodre, depois de oito no Teatro Solis, Gerardo Grieco fala sobre políticas públicas culturais e a importância das pessoas nas instituições de cultura. Desafios no teatro público

O maior desafio é bem latino-americano: mudar o modelo de gestão e cultura de trabalho no serviço público. Mudar a atitude do servidor público desse teatro foi o maior desafio. Era como um escritório do governo. Perdeu-se o foco da missão que tem um teatro público na construção da sociedade e na cidade. O teatro tem de ser um motor gerador de cultura e de convivência, de economia e de sociedade. De urbanismo e turismo. Essa visão tem de estar no centro da cultura organizacional de um teatro público. O desafio maior foi driblar essas muitas tensões. Essa deformação existe nas empresas públicas e nas empresas privadas. É a perda de sentido da missão da organização.

Como mudar?

Não há receita. Nenhum caso é igual nunca. As pessoas fazem as instituições e as organizações. As pessoas têm de sonhar juntas uma mesma coisa. Isso é difícil. Onde há mais de três pessoas, há disputa de poder. Há que se sonhar junto um serviço público, uma organização, uma ambição, uma visão de aonde vamos. Algumas instituições têm um desenho institucional mui| 37


to burocrático, pesado e antigo. Temos de transformar o desenho institucional. No princípio, há um entusiasmo, que depois precisa gerar um desenho institucional que permita que a pessoa se desprenda e sonhe, que ela não se canse.

o difícil é remontar. Uma boa orquestra não se faz com decretos, nem uma companhia de ballet. Os resultados artísticos que ganhamos agora com Romeu e Julieta foram de muito trabalho, de muitas pessoas por muitos anos. Não é de um dia para o outro.

Iniciativa pública e privada

Julio Bocca

Aqui não há muito incentivo de empresa privada. Para que realizemos, é preciso empenho. Não foi algo que fizemos aqui e agora. São políticas públicas de 85 anos que tiveram bons e maus momentos. O Uruguai foi inteligente nas políticas públicas nacionais. Copiou e adaptou modelos europeus. O Rio da Prata mirou muito a Europa. A primeira orquestra sinfônica da América Latina é a do Sodre e faz 85 anos em 2016. As políticas públicas têm momentos fantásticos e outros nem tanto. As pessoas marcam muito. Há pessoas que fizeram durante décadas as companhias de ballet, orquestras e óperas. Como o Uruguai é pequeno, é mais difícil desmantelar as coisas. Duram mais tempo. Os governos mudam e não se muda o que está bem, é uma vantagem. Destruir é muito fácil, ainda mais instituições culturais,

É um privilégio trabalhar com Julio Bocca e creio que é um privilégio para o Uruguai. Uma sorte que entre tantas cidades do mundo ele tenha escolhido esta cidade para viver e desafiar-se. Ele é um ser excepcional e o mérito foi do governo anterior, ao gerar as condições para que ele pudesse trabalhar. Demos liberdade artística e modificamos o modelo de gestão do teatro. O resto é mérito de Julio.

Plateia lotada

Tivemos no ano passado uma reunião de teatros da América Latina e quatro teatros da Espanha. O Brasil estava representado por Rio e Belo Horizonte. E contei que lotamos 15 sessões do ballet Romeu e Julieta. Eram 15 sessões e em nenhum lugar lotam mais do que cinco ou seis sessões. Aqui foi popular, em uma cidade que segue tendo 1,5 milhões de habitantes. O mesmo de Porto Alegre e bem menor que Buenos Aires.

Planos do Sodre

Vamos comemorar os 85 anos da orquestra com uma temporada sinfônica que começa em junho. Haverá uma temporada de ópera também. E quatro de ballet clássico. Vamos com Coppélia para a Espanha, ao Liceu de Barcelona e a Madrid. É a primeira vez na história que o Liceu de Barcelona convida uma companhia latino-americana de ballet, e isso muito nos orgulha.

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Serra Gaúcha

Edição #16

Anuncie: marianaabertolucci@gmail.com denisebcdias@gmail.com (51) 3407-2014

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objetosedesejos

HenriqueSteyer

Toque uruguaio no mundo

Carlos Ott é um arquiteto uruguaio que já virou um cidadão do mundo, com escritórios em Montevidéu, Xangai, Toronto e Dubai. Ganhou fama quando conquistou seu primeiro prêmio, em 1983, pela construção da Ópera da Bastilha, em Paris. A ideia era comemorar o aniversário de 200 anos da Revolução Francesa, em 14 de julho de 1989. Ott foi selecionado entre 744 participantes como um dos três finalistas e em seguida escolhido a dedo por François Mitterrand, presidente da França, como o vencedor do projeto. Para realizar a supervisão da obra, ele mudou-se para Paris, ganhando o reconhecimento internacional que abriu as portas para muitos outros países.

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Entre as curiosidades e fofocas que envolvem seu nome, está o fato de ele ser o verdadeiro autor do projeto do incrível Burj Al Arab, aquele hotel seis estrelas de Dubai. Teoricamente, Ott teria feito um croqui do hotel em forma de vela de barco, e entregado o desenho sem assinar ao secretário do sheik. O tal secretário acabou sendo preso por roubar os cofres do governo, e o sheik, sem saber de quem era a autoria do projeto, encaminhou o desenho sem assinatura a uma equipe de designers britânicos para executarem a obra.


Quando Carlos Ott retornou a Dubai, deparou com seu projeto já em andamento. Se isso é verdade ou não, nunca saberemos... Lembro que na época em que eu trabalhei em um projeto em Sunny Isles, famosa praia de Miami, comentava-se muito sobre Ott e seu imponente projeto do edifício Jade, um condomínio de alto padrão à beira-mar que mudou o sky line da região. Em sua terra natal, ele assina projetos conhecidos daqueles que frequentam as praias de Punta del Este, como o Aeroporto Internacional de Laguna del Sauce e o Punta Shopping Center, além do icônico prédio da sede da empresa estatal de telecomunicações Antel, em Montevidéu, entre outros. Além disso, Carlos Ott parece incansável, envolvendose em projetos nos EUA, Canadá, Argentina, Chile, Peru, República Dominicana, Porto Rico, Panamá, Singapura, China, Emirados Árabes, Estados Unidos, Índia, Sri Lanka, Brasil e Filipinas.

Sabe-se que a faculdade de Arquitetura no Uruguai é especialmente diferenciada, formando profissionais de alto gabarito que se destacam ao redor do mundo, e Ott é uma bela inspiração para aqueles que sonham deixar um legado para as novas gerações.

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ping

Silva’s Fotografia

Moleca estonteante Moleca e apaixonada por animais, Denise Schitz é a caçula de um quarteto nascido e criado na zona sul de Porto Alegre. Adorava pescar, caçar e dirigir. Gostava das exatas, mas estudar nunca foi seu forte. Gostava de brincar na rua, de flertar com o perigo e o mistério, era chorona e fã de filmes de terror. Com o pai economista e a mãe dona de casa, dividiu inesquecíveis tardes felizes. Aos 15 anos, quis um quarto branco laqueado ao invés de debutar. A danada ganhou ares de loira estonteante e, sem abandonar a sapequice, continuou roubando a cena, o carro dos pais, pulando janela e repetindo que seria mãe aos 18. Casou e nasceu Pamela. Curiosa, sincera, a esfuziante camaleoa Denise desliza com igual desenvoltura em grifes poderosas ou de short remexendo na horta e na caixa de ferramentas. Mãe rígida, é fã da tec-

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nologia, que a deixa mais perto do casal de filhos, que mora em Porto Alegre. Além da primogênita, teve Bernardo, 19 anos, e os dois são seus maiores orgulhos. Há 15 anos é casada com o argentino Alberto Storni e vive na magnífica morada de Solanas, onde redescobriram novos ares. Ares de flores frescas, mar à vista, orquídeas e pequenos prazeres. É teimosa, curiosa e talentosa para a decoração: “Amo reformas, derrubo tudo, sou o terror dos arquitetos, me meto e até arrisco nos construtivos estruturais”. O hobby começou no apê do marido no Rio, depois a casa em Curitiba, o haras na Argentina e uma chácara em Punta. Por último, mas não o último, o projeto da casa de Solanas, pronta em 2014, depois de quatro anos de obras: “Em cidade turística e país pequeno, dificulta da mão de obra à matéria-prima”. Orgulhosa do resultado, conta: “Abrimos mão de nossas cidades, mas a energia aqui é impressionante e nossa vida mudou demais. Em nossos países, já não temos mais estabilidade financeira nem tranquilidade. Ficarei por aqui até o senhorzinho lá de cima me chamar, e o meu caixão não tem gavetas”.

Qual história define tua personalidade? Fiquei horas sob a mira de uma pistola. Quis viver. Tempos depois, poderia me vingar. Deixei nas mãos de Deus. Meu lema é: “Que Deus lhe dê em dobro tudo que me desejares”. Passei por psiquiatras, tirei primeiro lugar no curso de tiro. Foi uma terapia. Me chamavam de Nikita. Hoje sou cuidadosa, não neurótica. Na dúvida, não me provoque. Do que sentes falta em Porto Alegre? Família e amigos, churrascos e feijoadas. Fim de semana na Ilha da Pintada, Planeta Atlântida e Gramado do ladinho. Minha cartomante, meu podólogo, cabeleireiro, manicure, médicos e dentista. Define teu momento? Sou a desocupada mais busy do pedaço, já trabalhei muito e desde cedo, mas hoje assessoro meu marido a fazer nada (risos). Quem é Denise e o que deseja da vida? Sou brincalhona, sensível, sincera. Por ser exigente, tenho fama de brava. Adoro cozinhar e aprendi com minha mãe a ser boa dona de casa. Se precisar, coloco a mão na massa. Procuro resolver qualquer problema antes de pedir ajuda e odeio esperar. Um lugar? Punta del Este Luxo para ti? Viver como e onde quiser com saúde, com a pessoa amada. Qual teu grande sonho? Trazer a família para o Uruguai. Um ensinamento? Aprendi com meu pai a ser honesta e a respeitar os mais velhos. O que encanta no Uruguai? Sempre fui muito feliz aqui. Passava os finais de ano em Punta. Por 10 anos, trabalhei com importação de gado leiteiro uruguaio, e minha rota era Poa/Lascano (UY). Arrependimento? Não me arrependo do que fiz. Se não fiz era porque não era o momento. Tudo que fiz de errado, para algo me serviu. Odeio repetir erros. Onde queres estar e o que queres fazer daqui a 10 anos? Quero estar 33,3% em Punta, 33,3% em Saint-Tropez e 33,3% em Miami, fazendo o mesmo que faço, mas em um mundo menos violento, com menos miséria e menos egoísmo. Em 2016, desejas mudar o quê? Já mudei. O cabelo. E mais nada. MB | 43


pong

luz sem fronteiras

Caçula de três irmãos, Joaquín Herrera cresceu em Pocitos fazendo esportes com os amigos pela Rambla. As luzes são uma paixão antiga. Criança, na fazenda da família, ele recorda o encanto de ver as luzes no horizonte do campo e o céu estrelado. Contemplava o que viria a mover sua vida. Formado em Projeto Elétrico e Luminotécnico pela UTU, estreou profissionalmente aos 21 anos, quando modernizou um dos cinemas mais tradicionais da capital uruguaia. Mais de 20 anos depois, hoje Joaquín tem uma carreira sólida, apaixonada e conceitual. Radicado no Brasil pelos trabalhos entre Porto Alegre, a Serra Gaúcha, o Uruguai e o Litoral Norte, no currículo do uruguaio estão centenas de projetos, até hoje elogiados. São hotéis, condomínios, lojas, residências, jardins e bares que diferenciamse pelo seu olhar criterioso, criativo e minimalista: “Me encanta transformar ambientes e a energia das pessoas com a luz”. Amigo dos amigos uruguaios e brasileiros, Joaquín é gentil e leal, não abre mão das raízes, o que se percebe no português impecável, mas cheio de sotaque. Voltar para seu país é sempre bom, mas é por aqui que ele deixa sua obra mais linda e cheia de luz: a filha, Paz.

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Fora Montevidéu, por qual cidade trocarias Porto Alegre? Qualquer uma que tivesse meus afetos por perto. Define teu momento? A fase em que estou mais conectado com meu presente. Quem é Joaquín e o que deseja da vida? Não consigo me autodefinir. Tudo. Um sonho? Expandir meu trabalho em nível global. Qual o maior ensinamento? Ser pai me ensinou a ser feliz sem pensar na própria felicidade. Um defeito e uma qualidade? Ser brutalmente sincero. Arrependimento? Deixar de fazer algumas coisas por pensar demais. Onde queres estar e fazendo o que daqui a 10 anos? Trabalhando no que gosto, porém perto do mar e oferecendo uma vida mais tranquila a minha família. Que tipo de trabalho te dá mais prazer? Todos são prazerosos, partindo da base de que a iluminação cria atmosferas que melhoram a qualidade de vida por ter um impacto emocional. É gratificante quando o resultado contribui para melhorar ou influenciar positivamente um contexto urbanístico com resultados em maior escala. O que gostas de fazer quando estás de bobeira? Estar de bobeira é fundamental para o processo criativo. Gosto de me desconectar totalmente e descobrir novos lugares, para mudar um pouco de perspectiva. Desejas mudar algo em ti? E no mundo? Gostaria de ser menos crítico. Queria que as pessoas fossem solidárias entre si e com o próprio mundo, pois alguns valores como a compaixão e a gentileza estão em segundo plano. Algumas necessidades da vida contemporânea fazem com que as pessoas se concentrem em si mesmas. Acredito numa realidade melhor na qual poderíamos dar atenção para o que está ao nosso redor. MB

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SilvanaPortoCorrêa

Mauricio Falke respira e vive música desde guri. É um dos DJs mais requisitados e queridos do Estado. Além de animar as pistas mais bacanas de Porto Alegre, o DJ e publicitário atualmente é gerente comercial da Vinícola Laurentia e um dos três sócios do Lourival, um dos bares gaúchos mais tradicionais desde 1953

Alma da festa De pequeno, ele frequentava a casa do padrinho, que era crooner na banda do Norberto Baldauf. Então aos oito anos já escutava Frank Sinatra, Nat King Cole, Johnny Mathis. Foi cedo que Mauricio Falke se interessou pelos vinis e começou a comprar os lançamentos da época. Já era até conhecido na família por ser o chato que, sempre que alguém ia viajar, encomendava discos de artistas que não chegavam ao Brasil. Aos 15 anos, o hobby era gravar fitas cassetes, que faziam o maior sucesso nos encontros com os amigos. Curtiam tanto, que começaram a encomendar as fitas com as suas seleções. Era um pequeno negócio que aliava o prazer de escolher as músicas e ganhar algum dinheiro. Começou a trabalhar na empresa de sonorização do amigo Marcão Beylouni e, um dia, ele era o responsável pela montagem de som com a equipe em um aniversário. O DJ deu uma saída e nunca mais voltou. Mauricio assumiu as picapes, a festa foi um grande sucesso e bombou. Nascia o DJ Mauricio Falke, chamado também na época, carinhosamente, de Fofão. Seu primeiro grande evento foi o Baile da Liga Feminina de Combate ao Câncer no Leopoldina Juvenil, aos 18 anos. A par46 |

tir daí ficou mais conhecido. De um trabalho acabava engatando outro, e a agenda foi enchendo. Nessa mesma época, ao lado de outros DJs, comandava as picapes da recém-inaugurada e incensada Dado Bier. As pistas passaram a fazer parte da sua vida. Hoje são cerca de oito eventos por mês: “O grande prazer é o envolvimento que acaba acontecendo com a organização da festa, porque a música é a alma da festa e algo que tem que ser especial”. Mauricio tem razão. Quando pergunto se uma festa em especial o marcou mais, ele responde que foi o Réveillon do Alexandre Grendene com show da Daniela Mercury. Eu pergunto para ele o motivo: “Porque era a primeira vez que tocava fora do Brasil e com o dia claro e a festa lotada, parecia que estava começando. Nunca esqueci essa imagem”. Falando em Punta, pergunto o que na sua opinião é o motivo do sucesso do balneário uruguaio que ganhou o coração dos brasileiros e em especial dos gaúchos: “Acho que porque foi o primeiro lugar da América do Sul que conseguiu reproduzir um ambiente de festa que já existia em Ibiza e Miami. Aproximando a festa do mar”. Para se atualizar, Mauricio gosta de ir a


outras festas e observar o trabalho dos colegas, adora shows e está sempre de olho nas tendências nacionais e internacionais. Para isso, tenta viajar todos os anos, preferencialmente para a Europa, para buscar e sentir referências, e troca figurinhas com os amigos DJs que tocam em países como a França, Holanda e os Estados Unidos. Na música, entre os seus prediletos estão feras de estilos tão diferentes como é o movimento eclético e pulsante das pistas que anima: Aretha Franklin, Billy Paul, New Order, Rita Lee, Rolling Stones e Moby. Sem falsa modéstia, Mauricio lembra uma realidade que já sabemos. Que são os DJs que fazem a festa acontecer. Pode estar tudo lindo, comida e bebida maravilhosas, mas, se a música for ruim e a pista não pegar, a festa vai por água abaixo. Ele ainda completa: “Normalmente as festas mais animadas são as em que os donos estão do início ao fim na pista de dança”. Sem dúvida, DJ! | 47


Aula de bateria com Cristiano Bertolucci

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trama

Comunicador conectado Há quase meio século, Walter Nessi é uma figura que articula e trabalha para a comunicação e a construção de políticas públicas e privadas do Uruguai. Natural de Montevidéu, o executivo de comunicação e empresário é pai de Diego e Silvina, do primeiro casamento, e de Paula e Rodrigo, do segundo, com a atual mulher, Loreley. Walter Nessi também é avô de dois meninos e uma menina e há alguns anos trocou Carrasco, bairro onde morava, por Punta del Este. Qualquer desafio que envolva a sociedade, comunicação, imagem e o público é capaz de seduzi-lo imediatamente. Gentil e objetivo, Nessi é daquelas pessoas que não deixam para depois. Tudo o que pode parecer interessante, conector e que possa render bons frutos dentro da sua ampla rede de conhecimentos e experiências profissionais ganha sua atenção e proatividade. “Costumo dizer que coloco sempre minhas forças de trabalho em áreas diferentes, porque assim, se uma não vai bem, tem outra”, explica Nessi. Seu vasto e eclético currículo é quase sempre voltado para temas de imagens públicas, assessoramento, informação e organização em órgãos públicos e privados. Quando os filhos eram pequenos, comandou ao vivo um programa que ia ao ar todos os sábados na televisão uruguaia. Trabalhou em jornais, rádios e em canais de TV conduzindo programas jornalísticos, até a liberdade de imprensa ser controlada pelo governo, em 1973, quando voltou-se para o setor privado. Com o retorno da democracia, Nessi participou de várias produções de sucesso da TV 50 |

local e fundou a Punto Alto Producciones, uma produtora de conteúdo de televisão. Por suas várias campanhas publicitárias para instituições públicas e privadas, foi premiado dezenas de vezes. Com a chancela das Nações Unidas e do Banco Interamericano de Desenvolvimento, atuou como consultor na cúpula de vários países da América. No Paraguai, desenvolveu uma estratégia global da imagem da equipe econômica do governo. Na Nicarágua, foi designado para ajudar a solucionar o problema da propriedade privada de casas e campos ocupados durante o governo sandinista. Sua missão na Costa Rica foi auxiliar no programa de melhoria da governabilidade e na instalação do novo Ministério de Comunicação. Nesses países e também no Uruguai, realizou campanhas presidenciais, ajudando a eleger cinco presidentes e governadores. Nos mandatos do presidente Julio María Sanguinetti, Walter assumiu cargos importantes. Era uma espécie de interlocutor da presidência com os ministérios e as entidades autônomas para acelerar a tomada de decisões estratégicas do país. Hoje, Nessi dirige o Canal 7 de televisão e está associado com a produtora brasileira Histórias Incríveis, dirigida por Valéria Chalegre e Edson Erdmann, diretor de televisão e de grandes eventos realizados no Brasil, como o Natal Luz, em Gramado, e Reabertura do Beira-Rio, em Porto Alegre. Sempre aberto a novos e promissores projetos, ele me olha sorridente no meio do nosso papo e diz: “Tu tens que fazer uma Bá Paraguai!”. Tomei um susto e pensei: Por que, não? Com Walter Nessi, o céu é o limite. MB


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DIEGO NESSI


eutenhovisto.com

JaquelinePegoraro

Vineria 1976 lança espumante

LENARA PETENUZZO

O Julgamento de Paris, no qual os vinhos californianos venceram os franceses, em 1976, não entrou só para a história do vinho. A degustação que mudou a maneira como a bebida era vista no mundo também inspirou o Wine Bar Vineria 1976, um lugar especial em Porto Alegre feito para democratizar e celebrar o vinho. Priscilla Fabris Ortiz e René Ormazabal Moura, após cinco anos em Londres, onde fizeram mestrado e trabalharam em suas áreas, sentiram falta de um espaço “sem regras” para consumo de vinho. Priscilla largou a publicidade e se dedicou a tirar a ideia do papel, enquanto René ficou responsável pela curadoria dos vinhos selecionados. O décor do espaço (Praça Doutor Maurício Cardoso, 49) reafirma o conceito trazido da Europa. Mesas longas, sofás e poltronas proporcionam conforto e descontração para beber sozinho ou acompanhado. A ideia é satisfazer conhecedores e engajar novos consumidores, apresentando a bebida e descom52 |

plicando o ritual. A carta de vinhos conta com 60 rótulos, mas sempre com espaço para vinhos convidados e várias opções por taça, selecionadas semanalmente. Na cozinha, um cardápio impecável. Do couvert da casa à sobremesa, a maioria dos pratos é pensada para dividir com amigos, em porções que combinam e ajudam a apreciar um bom vinho. Com dois vinhos já no mercado, o Campaña Cabernet Sauvignon e o Campaña Chardonnay, a Bodega Sossego é um projeto de René, que cursou MBA em Wine Business Management. A novidade, prevista para o final de março, é o lançamento do primeiro espumante da Bodega Sossego, com vinhedos em Uruguaiana na Campanha Gaúcha.



ClaudiaTajes

Mujica, Luizito y Bá Há três anos o mundo tinha 245.970.401 pessoas a menos. E milhões de carros a menos também, e isso já era muito. Há três anos a gente só falava que a Copa do Mundo estava chegando e que as obras não ficariam prontas a tempo. E, desculpe a lembrança triste, ainda acreditava que o Brasil seria hexa. Há três anos um argentino virou papa. E o presidente mais pop do planeta era um uruguaio que andava de sandálias e de Fusca. Há três anos o dólar comercial valia R$ 2,35 – e a chiadeira foi geral. Viajar a esse preço, quem consegue? Há três anos parecia que o mundo inteiro podia quebrar, mas as coisas continuariam tranquilas por aqui. Há três anos Porto Alegre redescobria a rua nas manifestações de junho. O que foi lindo. E, claro, a situação política estava muito 54 |

diferente, há três anos. Mas esta é uma edição comemorativa e ninguém veio aqui para falar de política. Não em plena festa. Há três anos eu morava em Porto Alegre, no mesmo prédio da editora da revista. E deve ter sido no elevador, combinando um encontro que nunca saiu, que ela me convidou para ser colaboradora da Bá. De lá para cá, são três anos entregando os textos em cima da hora, marcando encontros que ainda não aconteceram e mantendo, pelo WhatsApp, uma relação que nunca precisou de proximidade para ser de verdade. Há três anos é um prazer escrever para a Bá. A propósito, esta coluna tem Mujica e Luis Suárez no título porque a editora foi bem clara quando passou a pauta: a edição toda seria dedicada ao Uruguai. Agora é torcer para que ela não note o engodo, já que pretendo continuar nesta página por mais três anos, renováveis por mais três. E assim por diante. Hasta el futuro.


Há 35 anos, seguindo a mesma receita: cozinhar com amor. A Aninha Comas é uma marca que reflete tradição. Em 1982, surgimos como pioneiros no ramo de alimentos congelados. Desde lá até hoje, mantivemos o nosso conceito: tempero e sabor caseiro, fruto de uma cozinha repleta de carinho e muito amor.

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Bá, que lugar

Histórias na parede Desde que abriu as portas da sua fotogaleria, em 2009, Eduardo Alvares Boszko não parou mais de receber visitas de pessoas de todos os continentes: “Entravam curiosos, esqueciam-se do tempo e se despediam como velhos amigos. Deixavam a impressão de que tinham adorado o espaço e a certeza de que eu adorava recebê-los. Da mistura dessa certeza com aquela impressão nasceu a ideia de fazer da casa uma colagem habitável e plantar uma pousada no jardim”. Eduardo passou pelo jornalismo, acabou se formando em Direito e, sem exercer a profissão, apaixonou-se pela fotografia. Atrás de outras imagens, deixou Porto Alegre, onde nasceu, e andou por China, Nova Zelândia, Austrália, Itália, Punta del Este, Montevidéu antes de bater o olho numa cidadezinha chamada Colônia do Sacramento (é sobre ela que ele assina uma coluna nesta edição). No meio deste caminho, reencontrou Camile Fleury Marczyk Alvares, que já tinha sido sua namorada. Camile é psicóloga, nasceu e viveu em Porto Alegre até mudar-se para o Uruguai. Juntos eles dividem o amor e a dedicação pela filha Olívia e a vida em Colônia do Sacramento, cidade que escolheram para viver e trabalhar para receber com estilo e afeto os turistas, que cada vez mais procuram a cidade e a pousada. O primeiro lugar entre as pousadas uruguaias no Traveller’s Choice do TripAdvisor, o Top Choice da Lonely Planet e a média de 9.8 no Booking.com acabam dando um excelente retorno de viajantes antenados. 58 |


OLÍVIA MARCZYC ALVARES

Localizada no coração do Bairro Histórico de Colônia do Sacramento, La Posadita de la Plaza é uma graça de lugar. Além de astral, tem paredes coloridas de memórias e repletas de penduricos de pura ternura. Objetos e recortes de todos os tempos garimpados pelo mundo por onde Eduardo passou e guardados nos últimos 30 anos. Herança e hábito do pai, Dudu Alvares, famoso pelos objetos antigos e cheios de charme que colecionava e exibia nas ambientações de suas casas noturnas. Pequenos fragmentos da vida que passa. Hoje lindamente espalhados pelas quatro suítes e o jardim lúdico da Posadita de la Plaza. Poucos quartos para que todos se sintam hóspedes na casa de amigos. Conceito simples de conforto e personalidade fora do comum. Em cada um dos cantinhos, obras de Eduardo e de outros artistas: “São objetos cheios de história e histórias. Projetos antigos e improvisos ocasionais. A música adequada ou o silêncio necessário. Vida, vista e sossego no jardim. Uma busca pela excelência na simplicidade”. MB

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crônica

Não desista sem tentar Por Mariana Bertolucci

O local fica a mais ou menos uma hora Quando nasceu a ideia de fazer uma edição temática sobre o Uruguai, o primeiro persona- do centro de Montevidéu. Lá chegando, fogem que me veio à cabeça foi o ex-presidente mos recebidos pelo Turco, amigo e fiel escuPepe Mujica. Pela repercussão internacional de deiro de Don Pepe há cerca de 20 anos. É seu governo, seu peculiar estilo de vida e acima ele quem o acompanha nas viagens, dirige o de tudo por sua rara figura humana, que bate Fusca e cuida do bem-estar do amigo e líder de frente com a hipocrisia comum no discur- político. Simpático, ele também nos conta so da maioria dos políticos brasileiros. Embora que, se eu perguntar, ele dirá que não, mas soubesse que estava longe de ser uma pessoa que ele acha que Pepe vai se candidatar nas inacessível, até porque todo o seu discurso vai próximas eleições. Em um recanto do pátio muito verde, ele ao encontro das maravilhas da vida simples, não imaginava ser algo fácil. já nos nos esperava em pé. Éramos três áviEncontrá-lo no voo de volta a Porto Alegre, dos por suas palavras. O meu primo Eduardo tirar uma foto e trocar meia dúzia de palavras e seu amigo uruguaio, Ignacio Dominguez, que alimentou o desejo de conhecê-lo um pouco registraram nosso encontro. Trajava uma calça mais. Decidi pelo que deveria ser uma regra: escura com uma listra lateral arregaçada, chinelos que não desistiria sem tentar. Por intermédio de velhos e camisa clara e meio apertada no seu roum amigo da família, o advogado Carlos Araújo, busto corpo. Uma figura austera e forte. Embora Pepe Mujica não seja unanimidade cheguei a um parceiro comum dele e de Mujica: João Carlos Souza Gomes foi embaixador entre os uruguaios, ninguém ataca sua coerência do Brasil no Uruguai por anos, e gentilmente in- entre aquilo que prega e o modo como vive. Nossa conversa iniciou com ele comentantercedeu por mim junto a Maria, que cuida da do que era um dia difícil, pois acabara de perder agenda do político. Marquei minha volta ao Uruguai ainda sem um grande companheiro sindicalista e o enterro a resposta de Maria. Um dia antes da entrevis- seria logo mais. Conversamos por cerca de 30 ta, chegou um e-mail com sua resposta positiva, minutos. Tempo suficiente para descobrir por que marcando o encontro para o dia seguinte na chá- Pepe Mujica conquistou admiradores no mundo inteiro e tornou-se uma 1espécie de guru cara de PepeESR0002-16_Anúncio e Lucía. ESR0002-16_Anúncio rodapé Revista rodapé BA_Claudia Revista Bartelle_33x4,6cm BA_Claudia Bartelle_33x4,6cm copiar.pdf 1 copiar.pdf 07/03/16 10:37 07/03/16 10:37 da paz.


IGNACIO DOMINGUEZ

Uma de suas bandeiras é que o atual modelo de civilização vai contra os ciclos naturais e a liberdade mais simples. Aquela que nos dá tempo e serenidade para viver. Que vivemos em uma civilização que vai contra o tempo livre, que é o que nos permite viver as relações humanas. Aquele tempo pelo qual não se paga e que também não se perde. Porque o velho sábio também acredita que “só o amor, a amizade, a solidariedade e a família transcendem”. Seu discurso na 68º Assembleia Geral da ONU, em Nova York, em 2013, aumentou ainda mais o interesse das pessoas pelo país e o way of life do homem simples, quase bruto, que implora para que a humanidade pare de consumir frene-

ticamente e coloque sua força no movimento de salvar a vida. A própria vida, como ele explica: “O deus mercado organiza a economia, a vida e financia a aparência de felicidade. Parece que nascemos só para consumir e consumir. E quando não podemos, carregamos frustração, pobreza e autoexclusão”. Mujica repete, repete e não cansa de repetir que temos de “ter tolerância com os que são diferentes e discrepantes, não com quem estamos de acordo. É preciso entender que somos diferentes”. E que, todos juntos, temos de viver em um mundo sem fronteiras. Que a economia tem de prosperar de uma inteligência coletiva e compartilhada, com convênios educacionais, uma renda que estimule e fomente acordos mundiais e colaborativos: “Para que a humanidade supere o individualismo e recrie cabeças políticas que se dirijam aos caminhos da ciência e não aos caminhos dos seus interesses. Os indigentes do mundo não são da África e América Latina, são da humanidade toda”. É esse comprometimento de coletividade que Mujica não desiste de tentar deixar de herança ao mundo, e insiste: “Temos de tratar de gastar e de cuidar da vida, das coisas que nos gratificam. Isso se chama liberdade”.

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esserejoias


CristieBoff

designer e artista plástica

Arte invade La Barra A Galeria Manzione foi pioneira e se instalou na Barra há 30 anos, quando o charmoso cantinho de Punta del Este ainda era um bairro tranquilo. Atualmente, nessa região encontra-se uma concentração de ateliês de artistas e galerias de arte, que se estende de La Barra até Manantiales. Entre as mais conhecidas, a Galeria Sur, com fotografias e pinturas modernas, e a Galeria del Paseo, com uma proposta parecida. O público é variado e uma clientela bem internacional circula por lá. O mercado da arte está crescendo, mesmo assim ainda não é estável. Punta del Este é cíclica e as galerias não ficam abertas o ano todo, mas o movimento vem aumentando a cada temporada. As fotografias são da artista uruguaia Cecilia Bonilla e fazem parte da coleção da Galeria del Paseo. 62 |

Momento mágico

O artista plástico e arquiteto uruguaio Carlos Páez Vilaró (01/11/1923, Montevidéu – 24/02/2014, Punta Ballena, Uruguai) é um dos nomes e personagens mais emblemáticos de seu país. Por sua arte vibrante, sua personalidade leve e sedutora e sua alma inquieta. Inspirado no estilo mediterrâneo das ilhas gregas, construiu em Punta Ballena (próximo a Punta del Este) a Casapueblo, onde viveu por muitos anos, até o final da vida, e também funcionam um hotel e um museu de arte. Todos os dias, na hora em que o sol se põe lentamente, uma poesia é recitada em homenagem ao sol. Momento mágico!


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eduardo alvares boszko


AndréaBack

publicitária e jornalista

Cinco sentidos de um povo

Desatar seus nós com prudência, mas sem covardia. Esta parece ser a vocação da República Oriental del Uruguay. E não é de hoje que essa habilidade vem construindo uma sociedade mais consciente, tranquila e livre. E que expressa esses traços de várias formas. Posturas tomadas pelo país de alguns anos para cá o colocaram numa posição de destaque no noticiário mundial. Descriminalização do aborto, permissão para adoção e união civil a casais homossexuais, mudança de nome e gênero aos transexuais adultos, além da legalização da eutanásia, são algumas iniciativas consideradas de vanguarda, ainda mais neste continente, que tem dificuldade em separar a Igreja da gestão pública. Para completar, desde 2014, o Uruguai é o primeiro país do mundo a legalizar não só o consumo, mas a produção, a distribuição e a venda da maconha sob o controle do Estado, com a finalidade de esvaziar o poder do narcotráfico. Agora, engana-se quem avalia este contexto como uma “fase”, ventos modernizantes que sopraram naquelas terras charruas. Não é de hoje que o vizinho deixa para trás não só os latinos, mas também países onde floresceram os ideais da “liberdade, igualdade e fraternidade”. Para se ter uma ideia, as uruguaias votam desde 1927, quatro anos antes das francesas. 64 |

E podem se divorciar (por vontade exclusiva da mulher) desde 1913. No Brasil, o divórcio foi legalizado em 1977, e na Espanha, em 1983. Lá também a prostituição foi descriminalizada antes de qualquer país da América Latina, em 1915. Por isso, ainda que o pôr do sol no Rio da Prata ou o doce de leite já justifiquem a ida, vale conhecer muito mais sobre o povo uruguaio. O pequeno país é grande fonte de inspiração. E a sugestão é que este passeio se complete através da recente produção cultural de lá. Porque um povo manifesta-se na sua criação artística. Os relatos e visões, seus valores, que aparecem direta ou indiretamente a cada linha, nota, imagem ou sabor, oferecem a possibilidade de uma nova forma de ver o mundo para quem desfruta deles. Então, seguem algumas sugestões para esse “city tour”: Literatura Inés Bortagaray – Escritora e roteirista de 40 anos, teve seu primeiro livro publicado em 2001 – Ahora tendré que matarte. No Brasil, sua presença é mais recente: Um, Dois e Já foi publicado aqui em 2014, provocando empatia dos leitores. A narrativa – sob a perspectiva infantil – conta a viagem de carro de uma família em férias, na virada dos anos 1970 para os 1980.


Rebella dirigiram esta comédia delicada, de enredo simples, sem virtuosismo técnico, mas ganhadora de vários prêmios mundo afora, inclusive em Cannes.

Música Dani Umpi – Cantor, escritor e artista visual. Suas apresentações performáticas, com vasta experimentação de figurinos e cenários, vêm acompanhadas de críticas que avaliam seu trabalho entre elegante e excêntrico. O artista diz buscar referências em movimentos como a Tropicália e a Arte Pop. O mais recente álbum, Hijo Único (2012), foi lançado junto com o décimo livro de sua carreira. Franny Glass – É um projeto solo de Gonzalo Deniz, vocalista da banda Mersey, que também já tocou com Jorge Drexler. Seu último disco, Planes, de 2013, segue uma linha pop/folk. Pode ser ouvido em frannyglass.bandcamp.com Cinema Anina – Longa-metragem de animação lançado em 2013, dirigido pelo uruguaio Alfredo Soderguit. O trabalho circulou por festivais internacionais e foi também a indicação do Uruguai para o Oscar de melhor filme estrangeiro daquele ano. Conta a história da menina Anina, que estuda em uma escola primária de Montevidéu. Whisky (2004) – Menos recente do que a produção acima, mas muito merecedora de destaque. Pablo Stoll e Juan Pablo

Gastronomia Quem visitar o Uruguai em junho (dica: feriado de Corpus Christi) tem uma ótima oportunidade para unir cultura típica e gastronomia: Festival do Tannat e do Cordeiro. Funciona assim: as vinícolas do país (que estão lindas na época, porque é outono), preparam essa carne que, dizem, harmoniza perfeitamente com os vinhos feitos da uva mais famosa e premiada da região – a tannat. Belas paisagens, bom vinho, boa comida = Uruguai de raiz. Artes Visuais

Pablo Atchugarry – Desde 1979, depois de experimentar diferentes materiais, o escultor elegeu o mármore em obras monumentais como sua matéria de trabalho. É na Fundação Pablo Atchugarry, em Manantiales, que ele, trabalhando em seu ateliê, pode ser encontrado com mais frequência. Esta fundação, uma espécie de mini-Inhotim, abriga um jardim de esculturas de 15 hectares, no qual são expostas ao ar livre obras de diversos artistas. O local traduz com excelência a união entre arte e natureza. Além das esculturas, a programação do local oferece literatura, teatro, oficinas, música e dança. A visitação é gratuita. fundacionpabloatchugarry.org | 65


outBá | Montevidéu

Carnaval de raiz Desempenhando nos últimos dois séculos um papel relevante na cultura uruguaia, o candombe é reconhecido pela Unesco como Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade. A família Silva protagoniza essa história. Assim como no Brasil e em outros países da América, no Uruguai os tambores – vozes de um povo reprimido pelos colonizadores – tornaram-se símbolo de expressão e liberdade dos escravos. O candombe, que é uma mistura dos ritmos africanos, teria surgido no Uruguai ainda no século 18, a partir de 1750, quando os negros chegaram na então colônia espanhola Montevidéu, vindos principalmente da África Oriental e Equatorial. Vieram tantos, que no início do século 19 a população negra da capital celeste, que hoje equivale a cerca de 10%, era mais do que a metade do total da população. O candombe chegou a ser reprimido no século 19, e, por muito tempo, as manifestações foram realizadas em lugares secretos. Hoje é executado por três tipos de tambores: tambor piano, tambor chico 66 |

e tambor repique, de três formas clássicas: Toque de Ansina (barrio Palermo), Toque de Cuareim (barrio Sur) e Toque de Cordón (Gaboto). Nos meses perto do Carnaval, entre janeiro e março durante mais de 40 dias (é considerado o mais longo do planeta), nos Desfiles de Llamadas, concurso oficial de grupos carnavalescos, as associações vão para as ruas de Montevidéu. Fora de época, os encontros semanais são no Barrio Sur e no Palermo, pontos históricos negros, em que uma tradição musical, cultural e histórica é mantida. A expressão cultural e artística que definiu uma nova identidade nacional foi ilustrada nas obras do artista uruguaio Pedro Figari (1861-1938) e mais recentemente por Carlos Paéz Vilaró (1923-2014), que é um dos responsáveis por ajudar a popularizar e a tirar do gueto o candombe. Os grupos são chamados de comparsas e saem às ruas com dançarinos e populares. Os bairros Sur e Palermo são os berços do candombe, cada um com seu ritmo ca-


Na festa mais popular do mundo, em ambos os países, conta-se uma história por meio do tema escolhido, e alguns papéis fundamentais se assimilam, como as baianas e as mamas viejas, ou as vedetes e as passistas. Mas a tríade amor, raízes e batucada é o elo entre os dois países. Sobre o que pulsa mais o coração de Wellington nas categorias do candombe, a resposta é ligeira: “É o ritmo dos tambores o mais forte. Porque tudo começou com os tambores. Os negros se comunicavam por meio deles”. Wellington conta que ele e os irmãos praticamente nasceram dentro de um tambor: “Nós nunca tivemos férias porque sempre ficamos nessa época com nossos pais, e assim é hoje com nossos filhos. Foi como tudo começou. É nossa responsabilidade seguir com o candombe vivo. Continuar tocando, cantando e dançando, revivendo costumes dos negros e exercitando a liberdade de expressão da cultura”. É bem menos imponente e luxuoso do que o espetáculo da Sapucaí, mas igualmente belo em sua essência. Ou mais... Só vendo para crer. MB

fotos juan vazquez

racterístico: o ritmo Cuareim no primeiro e o Ansina no segundo. No comando da Cuareim 1080, um dos maiores conjuntos do país, estão os herdeiros de um clã dedicado a manter viva a tradição do candombe uruguaio. A Bá conversou com Waldemar Cachila Silva e os filhos Wellington e Mathias Silva, que seguem trabalhando pelo candombe com a mesma paixão dos ancestrais. Há dois carnavais é a Cuareim 1080 que leva o título de melhor desempenho nas Chamadas e no Concurso Oficial entre os cerca de 200 conjuntos que competem. Perplexa com algumas semelhanças e ainda mais com as muitas diferenças da nossa festa popular com a uruguaia, pergunto onde está o samba do Carnaval uruguaio. A resposta foi geográfica: “O samba está mais presente nos departamentos que são fronteiras com o Brasil, como Rivera e Artigas”, conta Cachila. “A diferença para o Carnaval do Brasil é que aqui se conservou mais natural a cultura negra como ela chegou. Manteve-se mais pura. Atualmente, os brancos também participam e ajudam a preservar nossas raízes negras”, explica Cachila.

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punta del ESTE Julia Ramos Fotógrafa

Com noites fresquinhas, comida espetacular e muita coisa pra ver e fazer, é impossível resistir a uma temporada de verão na nossa querida península uruguaia!



inBá | Punta Ballena

Agó Paéz Vilaró faz parte de uma das famílias mais queridas do Uruguai. Única herdeira do dom do pai, ela é filha de Madelón, primeira mulher do célebre artista plástico uruguaio Carlos Paéz Vilaró. Além dela, tiveram mais dois filhos, Beba e Carlitos, que ficou conhecido no país inteiro em 1973, aos 17 anos, quando sobreviveu a uma tragédia aérea na Cordilheira dos Andes. Agó ainda tem mais três irmãos do segundo casamento do pai, é mãe de um casal de filhos e avó de dois netinhos paulistas. Vive desde pequena na Casapueblo e há cinco anos ergueu o Octógono, em Punta Ballena. Um lugar onde pode exercitar, oferecer e colocar em prática tudo aquilo que a vida lhe ensinou a perseguir: energia e amor. MB

fotos JUAN VAZQUEZ

Caminho das cores

Espiritualidade

A espiritualidade entrou na minha vida quando meu irmão se acidentou. Imagina o desespero de uma mãe ao perder o filho por três meses. Ela, mesmo muito católica, recorreu a astrólogos e videntes. Um deles era um holandês chamado Gerard Croiset. Um mês após a queda do avião, ela o conectou, e Croiset disse que já sabia o motivo do contato e que seu filho estava vivo. Viver isso com ela mãe foi um sinal de que existia algo mais. Que não vemos com os olhos, mas podemos sentir. Aí começou minha inquietude. Criei-me indo à missa, mas via Cristo na cruz e chorava. Não compreendia como está vivo se está na cruz e sangrando. Comecei a buscar Cristo vivo. Encontrei-o no amor que está em todas as pessoas. Não importa a religião. Cristo é a busca do amor de verdade em toda a humanidade: no muçul-

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mano, no budista, no judeu, no católico e no laico. Iniciei a busca verdadeira do meu caminho espiritual, que é transmitir e sentir esse amor das pessoas. Estamos polarizados de luz e de escuridão. Há uma luta. Pensamos que temos de cuidar do planeta, mas olha a quantidade de carros que há. E vemos perplexos todas as mudanças no planeta.


Brasil

O Brasil é tão lindo, mas tem muita desigualdade. As pessoas são boas de coração e alegres. Meu pai viveu em Indaiatuba. Ia visitá-lo e pensava quando chegava a São Paulo: “Nunca vou morar nesta cidade”. Sentia-me mal. Casei com um brasileiro, morei cinco anos em SP. A cidade me deu meus amigos do Brasil que amo, minha filha, que é paulista, e meus netos.

Arte

Com três anos, meu pai me ensinou a pintar o sol. Ele sempre disse que eu tinha de ir atrás do sol. A primeira forma que aprendi a pintar foi um círculo. Eu pintava em vez de brincar. Na minha casa, não havia living ou sala de jantar. Era um ateliê de pintura. No lugar de bonecas e brinquedos, havia pincéis, tintas, telas e desenhos. Além da arte, transitei por ioga, meditação, reiki, cromoterapia atrás de equilíbrio e felicidade. Um dia, deitada, senti que era a hora de ir atrás do círculo, como disse meu pai. Hoje é moda, mas na época era algo diferente, não se falava em mandalas. Comecei a pintar quadros redondos. Eu meditava, visualizava, sentia as cores, ouvia música clássica e fui me encontrando. Expor a primeira vez impactou as pessoas e a mim porque as obras chamaram muita atenção por serem diferentes.

Cores

Trabalho com as cores do arco-íris e com as cores da luz. Cada uma tem seu significado no nosso corpo e ajuda a equilibrar centros diferentes de energia de força. A vibração das cores produz algo distinto nos sentidos e na emoção. Não só para roupas, mas para decoração, para comer. Quanto mais cores tiverem os alimentos, mais energizados estaremos ao comer. A vida foi me mostrando

meu caminho e eu escutei. Como meu pai é uma pessoa muito conhecida no Uruguai, às vezes por ser filha de uma pessoa assim é mais difícil encontrar teu lugar. Eu o escutei bem criança e segui.

Comparações

Quando era mais jovem e me apresentavam como a filha de Paéz Vilaró, eu não gostava. Pensava: “Eu sou eu”. Assinava as obras somente com Agó. Depois entendi que escolhi que ele fosse meu pai, e isso é uma honra para mim. Recebi sua herança de artista e comecei a desfrutar e a perceber que também fiz o meu caminho na arte. Que é bem diferente do dele. Fui crescendo e me perguntavam como é ter um pai famoso. Dizia que não sabia, porque cresci com meu papai, e ele sempre foi meu papai apenas.

Pessoas

Acho que o mundo acompanha a evolução espiritual da luz e as pessoas se en| 71


fotos JUAN VAZQUEZ

caminham para serem melhores. Havia um grupo de meditação da lua cheia, que reunia 30 pessoas. Hoje são 500. As pessoas não estão mais todas no boliche até as 7h da manhã até arrebentar a cabeça. Sinto que o mundo vai nessa busca. Há pessoas que te elegem para que tu mostres um caminho. Agradeço que me elegeram para esse caminho das mandalas no Uruguai. Divido tudo o que aprendi com as crianças e com os professores.

Octógono

É a forma perfeita para os chineses e os ensinamentos Feng Shui. Uma forma de suma energia. Octógono é um lugar ideal para fazer trabalhos espirituais de meditação, ioga. Aqui fiz meu ateliê, um pequeno salão de chá, um albergue. Um centro de bem-estar. Foi construído todo de barro por mim e cinco amigos artistas e por quem aparecia querendo ajudar. Um construtor argentino nos mandou as orientações pela internet e fizemos tudo olhando vídeos. O barro é algo tão natural como é o pão, feito de água e farinha.

Alegria e círculos

É ter despertado o meu caminho espiri-

tual na época em que o caminho não estava aberto. E tê-lo deixado nortear minha vida por meio da arte, das mandalas, da horta orgânica, do barro e da música. Era a Agó que pintava e pintava em círculos e diziam que estava louca. Hoje ensino e ajudei a mudar a mentalidade dos professores. Círculos são células, ventres, plexo solar, planeta Terra, olhos, cabeça e aura. Sou feliz porque pessoas buscam bem-estar aqui, e que podemos ajudá-las com nossas práticas. Damos alento e esperança às pessoas. Simplesmente conversando em uma roda começamos a transformar.

Um artista

Encanta-me a pintura forte de Frida Kahlo. As cores e a autenticidade. Uma pessoa muito autêntica que já viveu muitas dores.

Um lugar

Meu lugar no mundo é Punta Ballena. Meu pai comprou a terra da Casapueblo e nos criamos lá sem nada em volta. A primeira construção foi a nossa casa, pequena, de madeira. Eu a vi crescer como um castelo de areia e as casas de joão-de-barro. Ele dizia que queria fazer uma escultura para


viver. Eu me dei conta de que círculos existiam porque não havia as linhas retas. Tudo foi preparado para que eu trabalhasse com os círculos.

A família

Um dos meus irmãos faz música, mas não há mais artistas na família. Meu pai foi demasiado intenso para os meninos. Minha irmã e eu fomos muito unidas com nosso pai, nós o compreendíamos muito. Meu irmão já foi mais difícil, mesmo nome, e famoso também. Minha mãe foi uma mulher incrível. Foi ela quem nunca desistiu das buscas. Todo mundo diz que foi o nosso pai, mas ela que dizia: “Vamos!”. E ele respondia: “Não podemos mais, não há nada na Cordilheira”. Era uma leonina, com garra e força de leão. Agarrou-se e acreditou. Meu pai duvidava.

A mãe

Era muito linda. Os dois eram muito lindos fisicamente e por dentro. Morreu de câncer quando eu terminei de construir aqui, há cinco anos. Viu todo o processo e era entusiasta com tudo o que faziam os filhos. Não foi muito bom o casamento dela com meu pai porque ele era aventureiro. Ela, de uma família muito tradicional, campeã de golfe e filha de fazendeiros. E meu pai um louco. Tirava fotos com Brigitte Bardot, namorava todas as mulheres mais lindas do mundo, e a pobrezinha aguentava. Até que um dia não aguentou mais. Era difícil ser casada com ele porque ele não era de uma mulher só. Me dizem: “Fui namorada de teu pai”. E eu respondo: “Outra mais?”. Todos os tipos de mulheres enamoravam-se dele, desde as mais populares até as mais ricas.

Uruguai

Encanta-me no Uruguai a natureza. Um presente de Deus essa terra que tem tudo. Pequeno mas com bosques, montanhas, rio, mar de sobra. Acho que os uruguaios poderiam ter mais contato espiritual. Basta tomar um mate na Rambla e já se está feliz. Não necessitamos de nada e por isso não buscamos. Nesses 11 anos que tenho ido a trabalho para a Argentina, percebi que há hoje uma busca espiritual enorme. Talvez pelo que se passou. As pessoas diante de dificuldades olham para dentro de si. Deve acontecer por aqui. O Uruguai tem aquele jeito mais tranquilo, de que tudo está bem. Não há uma crise grande que faça as pessoas olharem para dentro. Só quando há um problema sério. Por amor ou por dor. Infelizmente, há quem precise chegar aos extremos para buscar a Deus.


Báco

OrestesdeAndradeJr. jornalista e sommelier

Além de Canelones, a principal região produtora de vinhos, há um novo e tradicional mundo a se (re)descobrir no Uruguai na incipiente região de Maldonado e da centenária Colônia

Enoturismo uruguaio A nova tendência ainda a ser desvendada no Uruguai é o enoturismo. De produção vitivinícola centenária, o país vizinho vive um momento de afirmação de novas vinícolas e da redescoberta de empresas tradicionais. Fortemente influenciado pelo Rio da Prata e Oceânico Atlântico, o Uruguai tem as suas principais regiões produtoras de vinhos na costa sul – Maldonado, Canelones e Colônia. Situado entre os paralelos 30 e 35, a exemplo de Chile, Argentina, Austrália e África do Sul, o país possui, nas palavras de Juan Bouza, “a possibilidade de elaborar vinhos que possuem a energia do Novo Mundo e o refinamento do Velho Mundo”. É a terra do Tannat, sim, mas há muito mais por descobrir. Pelas características do clima atlântico, especialmente a influência marítima, uma peculiaridade única na América Latina, o Uruguai é comparado com a região de Bordeaux, na França. Seu Rio da Prata é comumente equiparado ao estuário do Gironde. A maior região vitivinícola – Canelones – é dona de 60% da produção total. Fica bem no centro do país, ao sul, muito próxima da capital Montevidéu, que abriga 74 |

40% da população local com 3,4 milhões de moradores. As demais regiões produtoras do sul do país ficam a menos de duas horas da capital – à oeste, Colônia (pela Rota 1) e, à leste, Maldonado (pela Rota 9). Dois dias são suficientes para visitar as vinícolas de Maldonado e ainda pegar uma praia em Punta del Este ou nos diversos balneários do seu entorno, com direito ao imperdível pôr do sol da Casapueblo. A região de Colônia merece três dias, pelo maior número de vinícolas e pela obrigatória visita à cidade histórica de Colônia do Sacramento, patrimônio da Humanidade pela Unesco. O único inconveniente da viagem, percorrida por estradas bem conservadas, grande parte delas duplicadas, é a sinalização deficiente. Há apenas placas indicando a existência de uma “bodega” na estrada, mas sem mencionar o nome nem a distância. “O governo entende que mais informações tiram a atenção do motorista”, explica, resignada, Margarita Carrau, presidente do consórcio de pequenas vinícolas “Los Caminos del Vino – Bodegas Familiares del Uruguay”. A posse de um mapa ou de um GPS, portanto, é obrigatória.


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por aí

FlavinhaMello chef e dj

viva el Este Visitar Punta del Este é sempre incrível. Com amigos, melhor ainda. O luxuoso balneário, considerado por muitos o mais charmoso da América do Sul, apresenta lugares rústicos sem perder o glamour. Numa onda de gastronomia influenciada pelo chef Francis Mallmann, fomos conhecer o La Olada, na companhia amável dos amigos Júlia Fleck e Sergio Spadoni. Lugar em que vale provar a ótima comida, com uma atmosfera simples e de bom gosto, na região de José Inácio. Durante o dia, o parador La Susana, em frente à praia, com seu maravilhoso clericot, é um encanto. Perto e também em José Inácio, o restaurante do chef francês Jean Paul Bondoux, o Almacén El Palmar, é uma excelente escolha. Com sua horta, ambiente ao ar livre e decoração aprazível, possui cardápio delicioso. Final da tarde, quem não resiste a um Manolo, churros tradicionalíssimo, na península, resgata um pouco da infância. Fi76 |

quei encantada com o bar e restaurante Elmo, em Manantiales, sugestão do amigo Américo Proto. Lugar que resume um pouco de Punta: bom gosto, ótima comida, amigos e muita diversão. Nessa noite, estava presente também o guitarrista Fernando Noronha, que até deu uma palinha de seu repertório e deixou ainda melhor nossa mesa. Saindo um pouco da gastronomia, sempre é bom ir visitar a Casapueblo, para ver o pôr do sol e apreciar Vilaró com sua arte, ponto turístico essencial, mesmo para quem já conhece. Punta del Este é excelente e comprova que, mesmo perto, a qualidade de vida é bem superior.


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LígiaNery coach

... Que lo disfrute Ilustração Graziela Andreazza

Pensar na simplicidade que funciona, encanta, cativa a ponto de se tornar um requinte! É assim o sentimento que se instala quando penso em nossos hermanos uruguaios. Diz-se que conhecemos as pessoas não pelo que falam, mas por seu comportamento, suas atitudes. É interessante observá-los. Vivemos tão perto, e com tantas diferenças nos distanciando. Um país autêntico, verdadeiro, que oscila da sensação do antigo a uma paz e uma calma que me chamam como ímã, pensando: gostaria de envelhecer por lá. A persona de seu ex-presidente Mujica credencia essa autenticidade, a transparência nos valores e o compromisso com o que é “possível” e crença. Sente num café, peça o cardápio. O garçom lhe explicará detalhadamente cada sabor, cada prato, independentemente de quantas pessoas tenha que atender. Estas naturalmente esperarão, e terão o mesmo atendimento. Receberá seu café com um sonoro “Que lo disfrute!”. Se tiver de contratar um empreiteiro para alguma obra ou reforma, ao receber o orçamento, não estranhe ao encontrar um item na lista: 1 parrillero. Aí poderão questionar, alguns até ferozmente, que é uma obra, e 78 |

não uma festa! Mas o mestre calmamente explicará que o horário da refeição é sagrado. Todos os operários trarão sua fração de comida e entregarão a ele, que vai ocupar-se de preparar o almoço enquanto eles trabalham. No momento adequado, todos pararão e compartilharão de uma mesa e comerão juntos, honrando esse momento, e isso não está em discussão. Assim também na beira da praia, o vendedor de sorvetes vai pacientemente atender as crianças, explicar os sabores, retirar o papel do picolé delicadamente e já o recolher na lixeira que ele mesmo carrega. Ao contrário de nosso momento, onde não podemos tirar os olhos de nossas crianças, cheios de medo. Esses comportamentos são expressões dos valores que preservam a qualidade de vida, independentemente do nível social a que pertença sua população. Sim, é um país com limites, que oferece poucas oportunidades de carreira aos mais jovens. Muitos deixam o Uruguai à procura de caminhos mais desafiadores. Mas um aspecto fundamental chama a atenção, a grande maioria deles mantém preservada a vontade de voltar ao seu lugar de origem. Isto não tem preço! Que saudade de ter vontade de pertencer com orgulho!



suave portuguesa CristianeCavalcante denovayork

Foi retornando de uma viagem solo a Portugal que conheci Margarida Rebelo Pinto. Foi um encontro entre as letras, já que tinha umas horas para gastar antes do voo Lisboa-New York. Entrei na FNAC à procura de um autor que não fosse óbvio. Queria uma leitura, um romance, algo que mexesse comigo, algo powerful, já que Lisboa ia mesmo deixar saudade. Num dos muitos cantinhos daquela imensa livraria, li de longe Português Suave num banner e nunca mais parei de ler. Li e reli. E li de novo... Intrigas, fofocas, muito sexo e alegrias e tristezas sem fim. Um romance que me prendeu naquela poltrona e só me lembro da mensagem do comandante avisando do pouso no JFK, em Nova York. Margarida fez de mim sua mais nova fã. Sem muitos rodeios, direta e reta no assunto, faz bem o meu gênero. Escritora lisboeta, profunda, instintiva, arretada também, sabe como poucas falar de relacionamentos humanos e suas agruras. Das muitas faces das mulheres, seus dilemas e romances, conquistou a Europa mas também foi muito censurada – especialmente por abordar questões tão profundas e tão particulares de cada um, respondendo a perguntas, tocando em feridas, dando muita lição de vida. Sei Lá foi a sua estreia na literatura e um estouro de vendas. Até hoje, são 21 livros, 13 80 |

dos quais são romances, sendo Minha Querida Inês o meu preferido. Anos se passaram e eis que, conversando sobre livros com um amigo querido, vim a saber que eram grandes amigos, quase irmãos. Mas como nesta vida Não Há Coincidências, outro título espetacular, um encontro foi marcado e digo que não há experiência melhor do que encontrar pessoalmente uma pessoa por quem sentimos profunda admiração. Fiquei tão fascinada pela escrita da Margarida, que fiquei dias (ou talvez meses!) refletindo sobre o Português Suave. Mergulho no fascínio da personagem, envolvo-me nas histórias dos livros, entro em crise se algo não ficou claro ou a mensagem caiu como uma luva. Apaixonada pelos mesmos escritores brasileiros que eu, a conexão foi imediata e as horas que ficamos no Morandi (meu favorito no West Village) bebendo (ela água e eu vinho!) nem vimos passar. De fala mansa, sotaque português e cara de anjo, é um mulherão com M maiúsculo, pelas coisas que diz, pelas amigas que nos tornamos, pelas coisas que sabe, pelos ensinamentos que transmite e pela leveza com que faz o tempo passar sem nem se perceber. Apaixonada pelo Brasil, nem preciso dizer que a empatia foi maior ainda. Amante do Rio de Janeiro, amante da vida, de seus amores e desamores. De fato, gostei “imenso” de conhecê-la, como se diz nas terras de Cabral, e é sem dúvida a portuguesa mais suave que conheço. Margarida adora High Line, o Central Park (e quem não?), jazz rooms, como o Blue Note e Village Vanguard, e o bar do The Pierre.



LíviaChaves Barcellos

Arte e artimanhas Para enfrentar 2016 O primeiro número de 2016 da nossa Bá está chegando junto com o Ano Novo. Sim, porque aqui no Brasil o ano só começa em março. E este que está chegando não traz grandes esperanças. Vai ser difícil, a ordem é economizar para ter forças para aguentar o que vem pela frente. Passei todo o verão em casa, fazendo meu schedule para 2016. Gosto de Porto Alegre no verão. Mas o calor e os temporais tornaram tudo mais difícil. Vi muitos filmes, li sem parar e, como planejei, tracei meu roteiro. Não quero sair do Brasil. Não vou gastar em dólares just for pleasure. Entre os livros que li, recomendo A Noite do Meu Bem, de Ruy Castro, onde ele faz um paralelo entre as músicas dos anos dourados do Rio e as histórias da política da época e conta detalhes da vida noturna da Cidade Maravilhosa. Também gostei muito de O Império é Você, do espanhol Javier Moro, sobre D. Pedro I, e de A Garota no Trem, de Paula Hawkins. Tive o prazer de reler Ligações Perigosas, na reedição da L&PM, com tradução primorosa de Fernando Cacciatori de Garcia. A partir deste mês, já estou programada. Vou passar uns dias em Curitiba, porque 82 |

quero visitar a exposição do Museu Niemeyer, que está apresentando as coleções dos políticos presos pela Lava-Jato. Acho um programa imperdível. Vamos aprender como fazem para “lavar dinheiro”. Dizem que a exposição reúne o que há de melhor em arte no país. Depois, todos os caminhos levam ao Rio. Visitar a Praça Mauá com o Museu do Amanhã (foto), ver a exposição das artistas mexicanas, onde o destaque é Frida Kahlo. Conseguiram trazer 30 quadros dela, que, com toda a dificuldade que tinha para pintar, conseguiu deixar 143 óleos e desenhos, nos quais supera de longe o seu amor e mestre Diogo Rivera. Esta exposição estará aberta ao público até o final de março. Também quero aproveitar para almoçar no Aprazível, que fica em Santa Teresa e é o maior charme. Ainda sobre o Rio, quero dar a dica de um lugar superagradável, que poucos daqui conhecem. É o bar do Hotel Novo Mundo, que tem shows semanais, com participação do que há de bom na MPB hoje em dia. Desejo que possamos passar o ano em paz e que voltemos a ter esperança de um Brasil melhor.


AndréGhem tenista profissional

Bom vizinho Às vezes, fico impressionado com como as crianças numa certa idade gostam de colecionar. Esse igual àquele, mas de cor diferente, aquele outro parecido. Uma coleção toma forma dessa maneira. Nunca tive muita paciência nem persistência para ter e completar uma imponente. Adulto, encontrei algo que poderia juntar, sem ocupar espaço, sem encher de pó e, claro, para me trazer muitas lembranças. Nos dias de hoje, a grande maioria utiliza esses cartões magnéticos para abrir a porta e seu mundo. Passando dois terços do meu ano em hotéis mundo afora, minha coleção anda a passos largos e, com a rapidez com que o dia vira noite, mudam meus vizinhos – e é sobre eles que quero falar.

Vizinhos não são inimigos, embora nem sempre os veja como tal. Bom dia e boa tarde costumeiros. Uma rápida saudação verbal, sem esperar resposta ou contato visual. O suficiente para o convívio social alemão, por mim adotado. Cada elevador que subo ou desço sozinho é motivo de vitória. Minha única afinidade com meu vizinho é ter escolhido o mesmo hotel, flat ou prédio que ele. Todo o demais, passo. O melhor amigo nunca vai morar na porta ao lado, até porque ele é seu vizinho, e não melhor amigo. Vizinho bom é vizinho invisível. Aquele que sai quando você chega, chega depois que você sai e, quando está, permanece silencioso. Geograficamente, somos um povo de sorte, nós, os gaúchos. A parede ao lado não fala a mesma língua, mas vai na mesma batida de tradições e costumes. Receptivo e tranquilo, de carro ou de avião, em um toque cruzo suas portas sempre abertas. Quando o visito, sempre me espera com uma carne inigualável, confeitos irretocáveis e brindes à vida com sua educação polida e beleza natural. Obrigado, Uruguai, por ser meu vizinho querido.

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MarcoAntônioCampos advogado e cinéfilo

Talento portenho de sobra

Onipresente. Realmente parece que todos os filmes argentinos têm como ator Ricardo Darín. Mas esse cidadão de Buenos Aires, com 59 anos, iniciado em novelas da televisão portenha, filho de atores, conseguiu chegar ao estrelato com seu talento invulgar. A primeira produção em que chamou a atenção dos críticos foi Perdido por Perdido (1993), de Alberto Lecchi. Mas o público brasileiro encantou-se com ele em O Filho da Noiva (2001), de Juan José Campanella, indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Dali em diante foram somente sucessos: O Segredo dos seus Olhos (2009), também de Campanella, ganhador do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e, na minha opinião, o melhor trabalho de Darín, Um Conto Chinês, Carancho, Elefante Branco, O Que os Homens Falam, Tese Sobre um Homicídio, Sétimo e Relatos Selvagens. A habilidade cênica maior de Darín está em dar vida a personagens absolutamente cotidianos, o chamado sujeito da porta ao lado, que pode ser seu vizinho, colega de trabalho ou parente conhecido. 84 |

Aliás, os filmes argentinos são especialistas (e Darín tem papel preponderante nisto) em recriar este ambiente urbano/familiar, em dramas absolutamente cotidianos, mas de apelo emocional inquestionável. A forma e o humanismo com que Darín constrói seus personagens fascinam público e crítica do mundo inteiro. Sua galeria de tipos inesquecíveis já conta com o Bombita Simón, de Relatos Selvagens, o mal-humorado Roberto, de Um Conto Chinês, e o atormentado advogado Benjamín Esposito, de O Segredo dos seus Olhos. Difícil escolher qual a composição mais perfeita de um personagem. Seu talento foi premiado em festivais em Madri, Miami, Havana, Biarritz e no Brasil. Recentemente, Darín teve divulgadas declarações em que afirmou que não tem vontade de atuar em Hollywood, porque entende que lá não terá como manter sua forma artesanal de construir os personagens. Por enquanto, o talento inesgotável desse ator latino vai seguir sendo visto em produções argentinas e espanholas. Para deleite de seus fãs, como nós.


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Bá, que viagem

O tempo da simplicidade A primeira frase que Diego Robino me disse poderia tranquilamente abrir o Editorial desta edição dedicada ao Uruguai: “Montevidéu tem a honestidade de o que é o Uruguai. Um lugar tranquilo onde é possível desfrutar do tempo”. O produtor de filmes e empresário uruguaio termina sua singela tese: “Como não tem tanta coisa assim para ver, você começa a desfrutar das coisas normais. Então, como você não sabe muito bem o que fazer, é um lugar onde você acaba enamorado de um ritmo de vida. Dá um pouco do espaço do caminhar pela rua”. É por aí que passa o jeito uruguaio. Tão simples como andar para a frente. Profissional de comunicação, a vertente de Diego vem da narração criativa, do desenho e da escrita. Aos 18 anos, começou a trabalhar no departamento de marketing do Canal 10. Alguém acima dele saiu e ele assumiu o setor de marketing de um canal de televisão com 18 anos. Perguntei se não sentiu o peso da responsabilidade: “Sempre fui de fazer. Erro fazendo, não por não fazer”. Depois de uns cinco anos, ele migrou para a Charlie, uma produtora familiar, onde trabalhou por cerca de três anos. Até que, em fevereiro de 2008, chegou o momento de colocar o aprendizado em prática e, ao lado de Charly Gutierrez, fundou a Oriental Films. Ambos com experiência em produção de comerciais, decidiram somar paixão e trabalho em uma companhia entusiasta do novo e do colaborativo, aberta a diversas vertentes de produções e roteiros, contando com uma equipe multidisciplinar de profissionais de comunicação, artistas plásticos e visuais, designers, produtores e técnicos. 86 |

“Abriu e explodiu”, conta empolgado Diego, que além da mudança para o novo prédio no bairro Buceo, pertinho do World Trade Center, também comemora, em 2016, a Oriental Features, que está embarcando no excitante desafio da ficção realizando filmes e séries de TV. O nome Oriental vem do desejo dos sócios de escolher uma expressão que representasse muito o país, aí saiu de Republica Oriental del Uruguay a Oriental Films. Além da sede em Montevidéu, a produtora tem escritório próprio no México, clientes brasileiros e de outros países e realiza cerca de 40 projetos de coprodução e produção por ano. Completando oito anos de vida em 2016, a Oriental foi escolhida, em 2012, pela terceira vez (antes em 2008 e 2009), como a melhor produtora de filmes do Uruguai, teve diretores reconhecidos pelo festival El Ojo de Iberoamérica (The Eye of Latin American) e quatro indicações ao Leão de Ouro no Festival de Cannes, de 2009, pelos filmes da Volkswagen no Brasil e da Stella Artois na Inglaterra. Sobre os parceiros brasileiros, Diego encontra profissionais atentos e de olho no que acontece fora: “Sempre adoraram as coisas que têm, mas não sabem que as têm, e são criativos. Aqui no Uruguai tudo é mais simples. Conseguimos fazer coisas que no Brasil são mais difíceis”, explica, citando o motivo pelo qual os filmes, muitas vezes, são realizados em solo uruguaio, devido aos tempos da nossa burocracia. De novo, o tempo e seus espaços. Ainda sobre a irmandade verde e amarela, ele comenta: “Nossa história é muito próxima e nós nos entendemos. Falamos quase


a mesma língua. Com gringo é diferente e dá problema”. Dentro do novo braço ficcional da Oriental, Diego acredita que as realizações colaborativas são saídas práticas e ricas em conteúdo: “Quando não vendemos um produto, precisamos de parceiros para realizar as coisas de uma forma boa para todos e que abram portas”. Empreendedor criativo e múltiplo, Diego gosta de pescar, cozinhar e surfar e dos necessários momentos de ócio com a família e os amigos. Quando pergunto se tem algum projeto na cabeça, ele responde que é desfrutar do tempo ao lado dos filhos, Lorenzo, cinco anos, e Genaro, dois, e da mulher, Analia: “Virar empresário é uma merda, mas sair da loucura das filmagens ajuda também a gente a ser pai”. Na seara dos planos profissionais está

um filme que conte uma história do western cowboy gaucho uruguaio rodado na fronteira do Brasil com Uruguai: “Nunca planejei nada. Mais do que planos, tenho desejos. Mas sempre fiz força para que o que acontecesse fosse divertido”. MB

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EduardoAlvares Boszko

Colônia do Sacramento Mais que um lugar, um tempo

Nas entrelinhas desta História com H maiúsculo, repetida pelos livros, recitada pelos guias e reconhecida pela Unesco, eu encontro a cidade que, para mim, faz do encanto algo cotidiano. Por favor, não me entendam mal, eu adoro viver em um lugar repleto de história, Patrimônio Cultural da Humanidade… É que, na minha opinião, Colônia é muito mais que isso.

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Costumo dizer que Colônia não é só um lugar, é um tempo. Tempo como época, momento ou ritmo. Época em que as pessoas paravam para conversar com os vizinhos, caminhavam à noite, e as crianças brincavam nas ruas. Momentos criados pela aparente falta do que fazer. Um ritmo de vida que de tão esquecido parece coisa do século passado.


Colônia é um reencontro com velhos hábitos e valores esquecidos. Com um jeito simples de viver a vida. Comer sem pressa de sair da mesa. Acordar cedo, para ver a cidade dormindo. Passear à noite para viajar 300 anos ou comprar frutas em um armazém para voltar 30. A velocidade daqui acalma o coração. Os olhos já não vigiam, apreciam a beleza das coisas mais simples.

Como não há muito o que fazer, resta-nos dar um tempo para o relógio e experimentar, profundamente, cada um desses momentos.

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Também digo que Colônia é muito mais porque seus encantos vão além dos limites do seu bairro histórico. Há muitos tesouros, que se espalham pelo resto da cidade e do Departamento (o Uruguai é dividido em 19 deles), esperando pelos exploradores que se aventuram além de sua muralha. A Oeste, pedalando 30 minutos, chega-se a El Caño. Uma área de sítios e pequenas propriedades rurais, com suas laranjeiras e oliveiras, além de praias quase desertas. A uma hora de carro, Carmelo, com suas vinícolas boutique e algumas das opções mais sofisticadas da região, sem falar em ótimos lugares para um piquenique. No caminho, mais história. Conchillas, pequena vila Patrimônio Histórico Nacional, e a Calera de Las Huérfanas, ruínas jesuíticas. Para o Leste, mais playas, canteras (lagos formados em pedreiras abandonadas) e pueblitos, como Riachuelo e La Paz. Nos últimos anos, a oferta gastronômica e hoteleira melhorou muito. Bons lugares, charmosos e autênticos, já não são raridade.

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São quase sempre pequenos, valorizando a escala humana, o atendimento e a qualidade. Mais projetos de vida que negócios, eles ajudam a perceber outro fator de encanto deste povoado (sim, somos apenas 25 mil habitantes): Colônia é cosmopolita. Não somente pelos visitantes que circulam diariamente pelas calles, deixando o bairro com ares de Babel. Mas principalmente por aqueles que escolheram viver aqui. Pessoas de diversos países que, depois de passarem alguns dias na cidade, sentem-se mais em casa do que em suas próprias casas, e decidem mudar de vida. Elas encontram no Uruguai um lugar perfeito para desacelerar, recomeçar, realizar sonhos e perseguir coisas tão simples quanto fundamentais, como paz, gentileza e equilíbrio. Colônia do Sacramento, mais que visitada, deve ser vivida. Por um dia, uma semana ou uma década. Não importa. Se você acha que ter tempo é um luxo, e a tranquilidade, um grande tesouro, você também vai sentirse em casa.


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fotos EduardoAlvares Boszko


AndreGuerrero

behance.net/ andreguerrero68

Ouro, prata ou bronze?

Coincidência ou não, em ano de Olimpíada, as sombras metálicas terão um grande destaque, aparecendo de forma mais discreta nos meses quentes e dominando totalmente as estações mais frias de 2016. A naturalidade continua imperando na pele e na boca, mantendo o nude vivo e fortemente combinado com olhos destacados, seja com delineadores gráficos, sobrancelhas marcadas, cílios poderosos ou simplesmente com as sombras metálicas em suas cores mais tradicionais, como ouro, prata e bronze. Elas combinam com todas as idades e ocasiões e podem ser usadas isoladamente ou mesmo juntas, criando um efeito original e muito bonito, desde que bem dosadas em suas combinações! A cor da pele deve ser levada em conta para um melhor aproveitamento de todo o glamour que os metais proporcionam. As peles quentes, como as amareladas, combinam com dourado e bronze. Já 92 |

as frias, como as rosadas, combinam mais com prata. Para um resultado sofisticado, os metais podem ser harmonizados com sombra marrom e preta ou com coloridas, como azul e verde, para uma maior descontração. E para valorizar ainda mais o olhar, ponto de luz no canto interno do olho e no contorno da pálpebra inferior é o grande truque! Em ano de Olimpíada, abuse dos metais e coloque mais brilho no seu visual.

F o t ó gra f o : Ma u ríc i o R o d r i g u es - M o d el o : A n a Pa u la R i z z o - Mega M o d els Ma q u i age m : A n d re G u errer o C abel o : G u i lher m e Malta - Th i p p o s H a i r U n has : T i ely - Th i p p o s H a i r A gra d ec i m e n t o s : E s t ú d i o A pache


4 Sessões 45 minutos Semanal

VANQUISH PORTO ALEGRE COM ESTACIONAMENTO

TM

Tecnologia mundial que vai esculpir seu corpo

Padre Chagas, 310 | 301

51 | 3276.5000

ERECHIM

Bento Gonçalves, 387

54 | 3519.0030 Dr. Rafael Perin Arpini Cremers 29523


de olho

MarceloBragagnolo publicitário  e agente

Top em cena Em 2001, a menina Cintia Dicker passeava pelo shopping quando chamou a atenção, com suas sardas e cabelos ruivos, de um scouter de uma agência de modelos. Já nos meses seguintes trocou o dia a dia na pacata Campo Bom, onde vivia com a família, por São Paulo. E não muito depois por Tóquio, Paris e Nova York - esta última, cidade que escolheu para morar até hoje. Cintia atribui à participação com exclusividade em um desfile para a Gucci, às campanhas que estrelou para Yves Saint Laurent, Tom Ford e L’Oreal e à aparição nas páginas da Sports Illustrated, a projeção inicial que a alçou ao círculo das top models. Em 2013 recebeu do diretor de TV Luiz Fernando Carvalho, um convite para um trabalho diferente do que estava habituada: participar da microssérie Helen Palmer em Correio Feminino, baseada em contos de Clarice Lispector, exibida no Fantástico e em que encarnou o papel de uma adolescente: “Eu amo fazer coisas novas e aceitei na 94 |

hora! Foram apenas três semanas de gravações e achei maravilhoso!" Com a primeira experiência, um ano depois, o mesmo diretor a convidou para interpretar a personagem Milita, na novela Meu Pedacinho de Chão. Cintia aceitou o convite inicialmente por acreditar que seria o momento certo e uma boa oportunidade para retornar ao Brasil: “Mas fui me apaixonando por atuar e hoje sinto muita falta!" Ao comparar as profissões, não vê na experiência como modelo relação ou inspiração para a dramaturgia: “Procuro me


distanciar o máximo da 'Cintia modelo', por isso mesmo foram essenciais os dois meses de preparação que tive antes de gravar, para entrar no personagem, mas é claro que as noções adquiridas em relação a ângulo, luz e câmera facilitam. Mesmo como modelo, em cada trabalho, é como encarnar um personagem e isso ajuda na hora de atuar." Recentemente fez uma participação especial na novela Totalmente Demais, porém o mundo da moda segue com a prioridade: “Pretendo seguir focando na minha carreira de modelo e, enquanto isso, estudando dramaturgia. Futuramente, quando retornar ao Brasil, quem sabe volto a atuar!” Além dessa intenção e de se dedicar também à grife de roupas de banho que criou recentemente, a Dicker Swimwear, ela não faz muitos planos: “Vou deixando acontecer, mas espero que hajam muitos trabalhos pela frente ainda, que minha marca de biquinis cresça, que eu tenha um cantinho pra chamar de meu na Bahia e muita saúde pra buscar tudo isso!"

Nas mídias sociais: Instagram @cintiadicker e @dickerswimwea Facebook /cintiadicker Twitter @DickerCintia Site e-dickerswimwear.com.br | 95


EL GRAN

ESCAPE Fotos Diego Nessi

Un encantador escape hacia el icónico Montevideo, paseando por las románticas calles de gusto clásico hasta detenerse en el emblemático hotel, lugar de infinitas pequeñas historias de amor.

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Vestido: Marisa para Casa Banem

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moda

Body: Srta Peel Brincos: Caro Criado Top cropped + calรงa: Galaxia Coutur 98 |


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Vestido: Marisa para Casa Banem | 101


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Ele: blazer, camiza e gravata - El Burgues Ela: macaco vermelho - 1000Razones, brincos - Caro Criado, clutch - 1000Razones

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Producción & Estilismo: Paola Castelli, Sabrina Argul, Nicolás Galván Fotografía: Diego Nessi Peinado & Maquillaje: Gabriela Umpierrez Modelos: Federica Geriboni, Sofia Zurbano de Montevideo Models y Agustin Samuelle Seijas Agradecimientos: Sofitel Hotel Casino Carrasco & Spa

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Vestido:1000Razones Sapatos: Nina Hauzer

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Camisa: Caro Criado Calรงa: Black Liberty Sapatos: Telma Macacรฃo: 1000Razones Sapatos: Nina Hauzer


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deuochic.com

VitorRaskin

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deu o  chic

Fernanda Lima esteve em Punta del Este com os gêmeos João e Francisco para as comemorações dos 80 anos do pai Cleomar Pereira Lima


Nora Teixeira e Lica Melzer compartilhando charme

Bagatelle: Cristie Boff em uma das tardes de sol

Lais Tarrasconi: buena onda

O charme de Adriana HervĂŠ Chaves Barcellos

Tina Salgado e Fernanda Baggio nos embalos da festa que movimentou a Playa Mansa Clericot: Beatriz Zaluski com o drink oficial de Punta del Este

Luciana Fleck da Rosa e Elias da Rosa no Parador La Huella

Wilson e Claudia Wolf Ling no belo visual da tarde

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Irineu Boff e Olga Velho receberam os amigos com almoço na bela casa de La Barra

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deu o  chic


Papo Bilionário: os empresários Benjamin Steinbruch e Naji Nahas As irmãs Debora Paiva e Tanise Dutra participaram da tarde no Bagatelle Beach

Maria Hilda Marsiaj Marcos Dvoskin e Fernando Pinto e Goia Tellechea Ernesto Correa na temporada Cairoli em jantar de férias elegante em San Rafael Leihla Dvoskin no posto 5 da Mansa

Branquinha: Nelsinho e Janine Dvoskin foram boa companhia em Punta del Este

Hermanas: Fernanda Maisonnave e Luciana Maisonnave Cisneros charme na temporada uruguaia

Renata Aspesi Brasil Torres: charme na beira da praia

Sheyla e Cesar Ciancio entre os gaúchos no Uruguai

O Cônsul do Líbano Ricardo Malcon e Patricia Rabello entre os convidados

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Quinteto de lindas: Paula Vianna, Tatiana Noll, Michaela estrela, Antonella leso e Karina Steiger

misturebá

VITÓRIO GHENO e NÁDIA RAUPP MEUCCI receberam os amigos na exposição do artista em Punta Del Este na temporada

Por Mariana Bertolucci Fotos Dulce Helfer e Lenara Petenuzzo

FERNANDO LIMA e PRISCILA STONA no 72 In


sArah bertuol: puro estilo

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Cris Azambuja

Martha Medeiros e Julia Ramos

GUTJE WOORTMANN e FERNANDA MENEGHATTI

eugênio correa

CRISTINA KRONBAUER e DEBORAH STONA

HORIZONTE VENZON

FERNANDA SIRENA, CASCALHO e MEMEIA CONTURSI

dalana ledur

JULIANA PRADA, MARCIA PRADEL e DADA MOTTIN

flavia mazoni


Charme e beleza: greice merlin boff

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PEDRO CORBETTA

ANINHA COMAS, BERNADETE BESTANE e LOU BORGHETTI

SOLEDAD KRASNANSKY, NEUZA DURGANTE e BEATRÍZ OLIVERA

camila grassi, liziane richter e zila castellarin

ANDRÉ VENZON

ALEX SANTOS e DANIELE HAHNER

Gianina Venturin e dudu berdichevski

EDITH AULER

AMBRÓSIO PESCE

paula feijó

MARCIA VILLAR e MARCELO CASAGRANDE

MARLUS LISBOA, GIGI FAURI e MARCELO GONÇALVES

carola russowsky e laura moura


Telefone: (51) 34143108 / (51) 330 73594 / (51) 92272815 www.dududascaipiras.com.br e-mail: eduardo@dududascaipiras.com.br


VitรณrioGheno

Fotos Nรกdia Raupp

artista plรกstico

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Tonico Alvares

atelier de retratos e fotografia autoral

tonico.alvares@uol.com.br (51) 9116-5686 (51) 3907-5886 rua barao de santo angelo, 299 - poa, rs



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