rodrigo bittencourt
auracebio pereira
O gosto de ferro na boca é mais vívido do que o tatear da parede.
O escritor sabe o que é arame farpado.
mas costela é o que servem no churrasco.
eo interruptor ele chama de botão da luz.
De cima do vaso, pelo basculante do box, ele vê o sol da tarde e o arame no muro do pátio.
ouve o seu nome pela porta e engole em seco. mas não tão seco, porque vem o lembrete, o gosto de ferro.
porque ele ouve o Boia apertar o botão da luz e trancar a porta.
Ou talvez seja verdade o que ele disse, e a mãe do Boia é uma cadela.
eo barulho não é tão baixo.
e é por isso que ele fareja medo.
O Boia é mongolão!
Ele tem dezoito e ainda tá na sexta.
e não consegue acertar a porra de um ditado.
Ficou tudo preto.
Primeiro veio o gosto, ele ainda cego.
e só depois a dor, o nariz quebrado.
Repete, piá de merdA!
repete pra tu ver quem é mongolão!
pagando de escritor porque acertou palavrinha da professora.
Mas é burro, filho de uma cadela puta!
veado, vai ser expulso desse caralho, ainda!
retardado, tu já é de maior!
E saiu correndo porque ainda era pequeno e magro e leve. E entrou no banheiro do segundo andar porque pensou que o Boia tinha um parafuso A menos.
e enfiar e socaria o aquela mão tio Ivan só para no seu rosto mais derrubá-lo. uma vez.
várias vezes, até virar uma papa.
O que ele queria ter pensado, se a cabeça não fosse boa só para ser espertinho, era em correr para a secretaria.
Mas foi para o banheiro.
Esse animal tacou o fodase porque tá chutando essas porra dessas porta de box uma por uma.
Ele tacou o foda-se.
e eu tô ouvindo essas merda quebrar.
Ele ouve o Boia quebrar a segunda porta, arrebentando madeira. e alguma coisa acerta a caixa d’água daquele box e ela esguicha e vaza tão que o rápido escritor já vê a poça se formando perto do vaso debaixo dos pés.
Ele olha de novo para o basculante e para o pátio e para o muro e sente farpado. o gosto de sangue. E calcula que consegue pular. Mas não adianta voltar pro pátio.
Não adianta voltar pro pátio porque esse animal me pega.
Faltam duas portas e o Boia já parou o espetáculo e agora não as quebra.
só as abre, quase gentil, como se pensasse que talvez tivesse cometido um engano.
como se contemplasse realmente ser expulso ou preso por agressão a menor.
Mas por quê? Por que se importar agora que o estrago já está feito?
ele pensa, montado na caixa d’água e tentando fazer silêncio.
como se tivesse chance de se safar.
com os pezinhos apoiados na porta, escalando o box.
Na sua gentileza canina, o Boia tenta abrir o box.
Ele sente a tranca e o peso dos pezinhos.
e arromba a porta.
E os pezinhos não resistem...
E ela se abre.
e chega a sentir uma mão puxando o seu tênis antes de pular para fora.
Ele corre para casa chorando. E sorrindo.
e alcança o vão do basculante.
E o escritor bate de costas contra a parede e sente as costelas.
Ele agarra o arame farpado e salta para o outro lado do muro e para fora do colégio.
a camisa rasgada, o sangue na palma da mão grudando na ponta dos dedos.
E sabendo que o Boia não passa pelo basculante e que ninguém sai da escola sem passar pela secretaria.
muito menos pelo portão, que fica trancado o turno inteiro, da uma às cinco e meia da tarde.
fim
rodrigo bittencourt
auracebio pereira