CBHSF REVISTA DO CÔMITE DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO
SALVADOR - BA SETEMBRO 2007
CBHSF 1ª GESTÃO 2003 – 2005
2ª GESTÃO 2005 – 2007
3ª GESTÃO 2007 - 2010
Presidente JOSÉ CARLOS CARVALHO
Presidente JORGE KHOURY HEDAYE JOSÉ CARLOS CARVALHO
Presidente ANTONIO THOMAZ GONZAGA DA MATA MACHADO
Vice-Presidente JORGE KHOURY HEDAYE
Vice-Presidente LUIS CARLOS DA SILVEIRA FONTES
Vice-Presidente JULIANO SOUZA MATOS
Secretário Executivo LUIS CARLOS FONTES
Secretário Executivo ANIVALDO MIRANDA PINTO YVONILDE DANTAS PINTO MEDEIROS
Secretário Executivo ANA CATARINA PIRES DE AZEVEDO LOPES
CCR Alto AELTON MARQUES DE FARIAS GERALDO JOSÈ DOS SANTOS
CCR Alto ANTONIO THOMAZ GONZAGA DA MATA MACHADO GERALDO JOSÈ DOS SANTOS
CCR Alto GERALDO JOSÈ DOS SANTOS
CCR Médio CLÁUDIO VASCONCELLOS
CCR Médio EDISON RIBEIRO DOS SANTOS
CCR Médio EDITE LOPES DE SOUZA
CCR Sub-Médio JOSÉ ALMIR CIRILO
CCR Sub-Médio ROMULO LEÂO DA SILVA
CCR Sub-Médio ANTONIO VALADARES
CCR Baixo São Francisco LUIZ CARLOS DA SILVEIRA FONTES
CCR Baixo São Francisco LUIS CARLOS DA SILVEIRA FONTES
CCR Baixo São Francisco LUIS CARLOS DA SILVEIRA FONTES
Equipe SECEX: ÂNGELA PATRÍCIA DEIRÓ DAMASCENO ISABEL CRISTINA PONDÉ MALU FOLLADOR MARTA CRISTINA FARIAS BARRETO MIGUEL POLINO SIVAL RIBEIRO DE SENA
Equipe SECEX: ELINEIDE SILVA DE ALMEIDA GERALDO JOSÉ DOS SNATOS HELDER BAYMA ITAMAR DE OLIVEIRA JUNIOR MALU FOLLADOR MÁRCIA MARIA NORONHA DE CARVALHO RITA DE CÁSSIA PAULA SANTOS SILVANA SANDES TOSTA SIVAL RIBEIRO DE SENA
Equipe SECEX: ELINEIDE SILVA DE ALMEIDA ITAMAR DE OLIVEIRA JUNIOR JOSÉ MACIEL NUNES DE OLIVEIRA JULIO CÉSAR PELLIMÁRCIA MARIA NORONHA DE CARVALHO RITA DE CÁSSIA PAULA SANTOS SILVANA SANDES TOSTA SIVAL RIBEIRO DE SENA
O rio São Francisco continua em pauta em todos os eventos sobre meio ambiente nesse País. E não é para menos: rio da Unidade Nacional, interestadual e importante na vida de tantos brasileiros, corre sérios riscos, ainda não de todo avaliados e tratados pelos diferentes atores que têm responsabilidade direta em sua conservação. Agora, assistimos às investidas no sentido de efetivar a sua transposição, decisão equivocada e de enorme risco sócio-ambiental que só o tempo deixará claro para os que hoje decidem sem saber ao certo dos resultados de suas ações. É dramático assistir a tudo isso, sabendo que por trás dessas ações, das quais discordamos, há boas intenções, desejo verdadeiro de minorar o sofrimento dos sertanejos, mas absoluta falta de abertura para negociar e caminhar por veredas adequadas e cientificamente recomendadas para dar sentido e maior segurança ao empreendimento! Boas intenções, mal canalizadas? Esta publicação do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco - que temos a honra de presidir pela segunda vez - procura registrar para os pósteros os esforços desenvolvidos desde os primeiros momentos dessa organização e os movimentos, trabalhos, ações no sentido de preservar o grande rio dos sertões das gerais e de garantir a sobrevivência dele. O que nos orientou - o tempo todo - sempre foi a disposição de ouvir, pesquisar, estudar, buscar mais e mais informações, avaliações que nos permitissem formar uma convicção segura sobre os destinos do Velho Chico e a melhor maneira de gerir suas águas em benefício do maior número possível de pessoas. Foi com base nos resultados dessa tarefa que tomamos a decisão, difícil, de nos contrapor ao projeto da transposição do rio, nas bases em que está colocado, hoje. O futuro nos dirá, com toda a segurança dos fatos, de que lado se encontra a razão que, agora, parece faltar a muita gente que detém poder em nossa terra. De nossa parte, continuaremos lutando para que o rio São Francisco seja revigorado e recuperado, através da despoluição de suas águas e da recuperação de suas matas protetoras, bem como da proteção das suas inúmeras lagoas, que os peixes típicos de suas águas transformam, a cada piracema, em imensas “maternidades”.
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EDITORIAL
JOSÉ CARLOS CARVALHO Presidente do CBHSF
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EXPEDIENTE
Revista Nº. 01 do CBHSF Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco ( 2ª Edição) Tiragem inicial: 2000 unidades Organização editorial: Malu Follador - malufollador@gmail.com Cristina Mascarenhas - crismascarenhas2@uol.com.br Design gráfico: Itamar de Oliveira Junior - ramatil@yahoo.com.br Fotos: Gilberto Melo (71) 8809-0000 - João Zinclair (19) 9121-8425 - Acervo do CBHSF Autoria dos artigos: Ana Cacilda Reis Ana Cristina Mascarenhas; Anivaldo Miranda; Carlos Bernardo Mascarenhas Alves; Edison Ribeiro dos Santos; Humberto Cardoso Gonçalves; Jaildo Santos Perreira; João Bosco Senra; João Lopes de Araújo; Jorge Khoury; José Carlos Carvalho; José Luiz de Souza; José Machado; Luciana Khoury; Luis Carlos da Silveira Fontes; Maria Jose Marinheiro; Paulo Lopes Varella Neto; Paulo Teodoro de Carvalho; Robson Sarmento; Rômulo Macedo; Rosana Garjulli; Wagner Soares Costa; Wilde Gontijo; Yvonilde Medeiros. Observação: Os artigos assinados são de responsabilidade de seus autores, não traduzindo, necessariamente, a opinião do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco - CBHSF. A reprodução total ou parcial pode ser feita desde que sejam citadas as fontes. Secretaria Executiva do CBHSF Assessoria de Comunicação Social - ASCOM Av. Professor Magalhães Neto, Nº. 1450 – Sala 1.203. Edf Millenium – Pituba – CEP: 41810 012 – Salvador/BA (71) 3176 7150 Fax: (71) 3176 7151. E-mail: secretariasalvador@cbhsaofrancisco.org.br http://www.cbhsaofrancisco.org.br Salvador - BA: CBHSF, setembro 2007.
A gestão de recursos hídricos na bacia hidrográfica do rio São Francisco – Jose Machado................................................................. 06 Uma parceria para o rio São Francisco – Paulo Varella; José Luis de Souza; Humberto Cardoso Gonçalves....................................... 08 Mobilização e participação na bacia hidrográfica do rio São Francisco: o desafio da gestão participativa - Rosana Garjulli.................. 11 Água e democracia: uma constante lição - José Carlos Carvalho.......................................................................................................... 14 O processo de construção do Plano da Bacia do Rio São Francisco – Yvonilde Medeiros.................................................................... 15 A importância da participação dos usuários no CBHSF - Wagner Soares Costa................................................................................... 23 O novo Velho Chico - Jorge Khoury....................................................................................................................................................... 24 Uma aventura democrática – Anivaldo Miranda..................................................................................................................................... 27 O caminho das Águas - Edison Ribeiro dos Santos.............................................................................................................................. 29 Vazão ecológica no rio São Francisco – Robson Sarmento................................................................................................................... 32 Processo de definição da cobrança pelo uso dos recursos hídricos na bacia hidrográfica do rio São Francisco - Jaildo S. Pereira..... 36 A agência de águas da bacia hidrográfica do rio São Francisco: é preciso? Wilde Cardoso Gontijo Junior........................................... 38 O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco – Ana Cristina Mascarenhas............................................................................ 42 O Velho do Rio...................................................................................................................................................................................... 52 UAR Salvador - Cláudio Pereira............................................................................................................................................................ 53 Declaração de princípios do CBHSF..................................................................................................................................................... 54 Quadro de Deliberações........................................................................................................................................................................ 56 Revitalização avança na bacia do São Francisco – João Bosco Senra.................................................................................................. 58 Transposição: água para todos ou água para poucos? Anatomia da maior fraude hídrica e o conflito federativo de uso da água no Brasil - Luis Carlos Fontes............................................................................................................................................................... 60 A visão do governo federal sobre o Projeto de Integração de Bacias – Rômulo Macedo........................................................................ 74 Os aspectos jurídicos do Projeto da Transposição do São Francisco e a atuação do Ministério Público em defesa da bacia Luciana Khoury...................................................................................................................................................................................... 76 Do Velho Chico ao Presidente Lula........................................................................................................................................................ 79 Declaração de Penedo........................................................................................................................................................................... 81 Carta de Juazeiro.................................................................................................................................................................................. 83 Carta de Salvador................................................................................................................................................................................. 84
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SUMÁRIO
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GESTÃO DE RECURSOS na Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco José Machado*
As águas do rio São Francisco representam cerca de 2/3 da disponibilidade de água doce do Nordeste brasileiro. O semi-árido, que extrapola a área da bacia hidrográfica do rio São Francisco, apresenta uma rede de rios intermitentes no interior, que assumem corpo e volume próximos de seu deságüe no litoral. São limitadas as possibilidades de utilização das águas subterrâneas, bem como armazenamento em açudes e reservatórios, neste caso pela elevada evaporação, que supera os 2.000 mm anuais. A exceção é o rio São Francisco - com uma bacia de contribuição que corresponde a 8% do território nacional, tem cerca de 2,8 mil quilômetros de extensão, atravessa toda a região e atinge uma vazão da ordem de 1.850 metros cúbicos por segundo e permite múltiplos usos, como irrigação e geração de energia. Abrangendo 503 municípios e sete Unidades da Federação - Bahia, Minas Gerais, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Goiás e Distrito Federal - o rio São Francisco é estratégico para a região e para o Brasil e integra, ao longo de seu percurso, uma população de quase 13 milhões de pessoas. A bacia apresenta igualmente grande diversidade quando se trata de áreas irrigáveis, cobertura vegetal e fauna aquática. No Alto, Médio e Submédio São Francisco, por exemplo, predominam solos com aptidão para a agricultura irrigada, o que não se reflete no restante da bacia. A diversidade de usos da água é uma forte característica da bacia do rio São Francisco, que torna o conceito de usos múltiplos e concorrentes um fato concreto na gestão dos seus recursos hídricos. Alguns aspectos relevantes devem ser destacados para o planejamento dos recursos hídricos nessa bacia, como: saneamento ambiental; a irrigação que, em 2003, já beneficiava uma área de 342.712 hectares e que poderá ser ampliada, segundo estudos efetuados, até o limite de 800.000 hectares sem que haja conflito dos usos múltiplos; o aproveitamento do potencial hidráulico, uma vez que as hidrelétricas em operação na bacia do rio São Francisco são estratégicas e decisivas para o atendimento do subsistema Nordeste e participavam, em 2003, com cerca de 17%, no montante da
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produção nacional de energia; a navegação, atividade tradicional no rio São Francisco e em alguns de seus afluentes, com potencial de desenvolvimento, no entanto dependente da garantia de um calado mínimo e da observação das regras de operação dos reservatórios; o potencial das atividades de pesca e aqüicultura, que na bacia é expressivo, devendo ser estimulado através de técnicas apropriadas, que objetivem o desenvolvimento socioeconômico da região e a conservação ambiental; a garantia de vazões mínimas para a manutenção dos ecossistemas e preservação da biodiversidade aquática e as atividades de turismo e lazer ligadas aos recursos hídricos que apresentam um potencial a ser explorado, com grande impacto econômico sobre as várias regiões da bacia, desde que seu desenvolvimento esteja associado ao conceito de sustentabilidade ambiental. A bacia hidrográfica do rio São Francisco possui acentuados contrastes socioeconômicos áreas de grande riqueza e alta densidade demográfica e áreas de pobreza crítica e população bastante dispersa. A população, distribuída de forma heterogênea, é de 12.796.082 habitantes, sendo 74,4% população urbana e 25,6% população rural. Do total de 503 municípios, 456 têm sede na bacia e destes, 315 são municípios claramente deprimidos do ponto de vista econômico. Quando consideramos três indicadores sócio-institucionais dos municípios com sede na área da bacia (a esperança de vida ao
na Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco
nascer, o nível educacional e a qualidade políticoinstitucional), vários desses municípios encontramse na combinação onde os três indicadores estão, simultaneamente, abaixo das respectivas médias brasileiras. A análise da organização políticaadministrativa da bacia aponta para uma fragilidade institucional, com inúmeros organismos que tratam o desenvolvimento de forma desarticulada e setorial. Além disso, a dominialidade múltipla dos recursos hídricos (sete Unidades Federadas e a União) reforça a necessidade de integração das ações governamentais e da sociedade civil, de aperfeiçoamento do marco regulatório e de compatibilização de políticas públicas. O arcabouço jurídico que dá suporte à ação institucional é, sem dúvida, um aspecto relevante no que concerne à implementação de políticas públicas. A Lei 9.433, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos e o Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos, combinada com a Lei 9.984, que criou a Agência Nacional de Águas, constitui o lastro da gestão dos recursos hídricos no Brasil, pautada em aspectos inovadores que buscam efetivar a gestão integrada, descentralizada e participativa da água. Nesse contexto, verifica-se um processo crescente de participação social que vem prosperando desde a promulgação da Constituição de 1988, nos municípios e setores da bacia, com destaque para a criação do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco – CBHSF e de vários Comitês Estaduais em sub-bacias. Em face da dimensão da bacia, de suas variadas características e da multiplicidade de atores institucionais envolvidos, um desafio se coloca – a efetivação da gestão integrada, descentralizada dos recursos hídricos na bacia do São Francisco, que coloca à prova os princípios e diretrizes da Lei 9.433. Neste âmbito, destaca-se o papel de articulação que deve ser exercido pelo Plano Decenal de Recursos Hídricos da Bacia do São Francisco - PBHSF 2004 2013, para implementação das ações necessárias. Este Plano, desenvolvido a partir da deliberação do CBHSF, elaborado por um Grupo de Trabalho
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GESTÃO DE RECURSOS
coordenado pela Agência Nacional de Águas e legitimado por inúmeras instâncias de discussão, propõe um Pacto da Água, para harmonização de procedimentos e implementação dos instrumentos previstos na Lei. As estratégias institucionais conferem um efeito de alavanca sobre as estratégias econômicas, na razão direta da sua qualidade e do poder de articulação dos atores envolvidos. Nesse contexto, é importante destacar as ações apresentadas no Plano Decenal com vistas à construção do Pacto para a gestão da bacia, sem sobreposições e mantendo a unidade e a integração: a celebração do Convênio de Gestão Integrada entre a União e Unidades Federadas da bacia, com a interveniência do CBHSF, que permitirá o equacionamento, em bases comuns, de temas centrais para a gestão dos recursos hídricos na bacia (a alocação de água, a descentralização da gestão e a cobrança); a criação da Agência da Bacia, cujas ações podem ser estruturadas em torno de funções básicas de planejamento; a manutenção do CBHSF como entidade focal da bacia, para a coordenação das principais decisões que influem na gestão dos recursos hídricos e na implementação do Plano; e o fortalecimento dos órgãos gestores de recursos hídricos para que exerçam suas funções de forma coordenada, articulada e integrada.
(*) Diretor-presidente da Agência Nacional de Águas – ANA jose.machado@ana.gov.br
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UMA PARCERIA PARA O RIO SÃO FRANCISCO
Paulo Lopes Varella Neto1 - José Luiz de Souza2 - Humberto Cardoso Gonçalves3
1. A BACIA DO RIO SÃO FRANCISCO A bacia do rio São Francisco tem sido vendo a floresta em chamas se propôs ao trabalho estratégica para o desenvolvimento de vasta região de levar água no bico, gota a gota, para apagar o do Brasil e tem desempenhado importante papel na incêndio, enquanto todos os animais fugiam ocupação do território brasileiro. Dada sua localização assustados. e importância, diversos esforços têm sido realizados e pelas múltiplas possibilidades de desenvolvimento 2. PARCERIA ESTABELECIDA social e econômico que, aliada a natureza complexa e a situação ambiental da bacia, acabam por Diante da importância da bacia do São conformar um mosaico de interesses, na maioria das Francisco, o governo brasileiro, buscou a cooperação vezes conflitantes entre si. do Fundo para o Meio Ambiente Mundial (GEF, por Consciente da importância da bacia do São sua sigla em inglês), do Programa das Nações Unidas Francisco, das complexas para o Meio Ambiente mudanças ocorridas e do (PNUMA) e da Organização potencial de conflitos nela dos Estados Americanos existentes, esforços tem sido (OEA) para, com a empreendidos, incluindo o participação de todos os governo brasileiro e a atores da bacia, instituições sociedade em geral, visando a governamentais e não recomposição ambiental da governamentais desenvolver bacia, a revitalização do rio, o o Projeto de Gerenciamento aproveitamento de suas Integrado das Atividades potencialidades e a Desenvolvidas em Terra na implementação de um Bacia do Rio São Francisco, Figura 1 Rio S]ao Francisco com gerenciamento integrado dos conhecido como Projeto GEF destaque de um banco de areia. seus recursos hídricos. São Francisco. Iniciado em O reflexo das ações dos diversos fatores 2000, o Projeto foi executado pela Agência Nacional quem agem na reformatação da bacia, incluindo as de Águas. atividades antrópicas, é apresentado na Figura 1 que mostra trecho do rio assoreado e com banco de areia. 2.1. Resultados alcançados Pode-se assim dizer que a bacia do São Francisco constitui caso concreto de aplicação da Entre os resultados alcançados, um marco no conhecida “sabedoria do colibri” que está nos ditos desenvolvimento desse projeto foi a instalação do populares, consolidou-se como exemplo. Hoje, todos, Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco, cidadãos, autoridades e tomadores de decisão, estão aprovado pelo Conselho Nacional de Recursos fazendo a parte que lhes tocam e, embora possa Hídricos – CNRH em reunião ordinária de 29 de maio parecer pequena e modesta, é como o beija flor que de 2001 e criado por Decreto da Presidência da
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UMA PARCERIA PARA O RIO SÃO FRANCISCO
República em 5 de junho de 2001. A instalação do Comitê de Bacia, apoiado pela ANA através do Projeto GEF São Francisco (Subprojeto 3.4/3.5), representou avanços decisivos tanto para a Política Nacional de Recursos Hídricos como para a própria bacia, ganhando visibilidade e espaço nas agendas do governo federal e governos estaduais. O processo para instalação do Comitê da Bacia teve como eixo de sustentação a adoção da mobilização social e participação pública, mecanismo ainda pouco utilizado na gestão dos recursos naturais e da água, embora sejam instrumentos estatuídos pela Constituição Federal e pela Lei das Águas (Lei no. 9.433/97). Produtos de destaque e objeto deste projeto foram o Diagnostico Analítico da Bacia – DAB, publicado em 2003, o Programa de Ações Estratégicas
para o Gerenciamento Integrado da Bacia do Rio São Francisco e da sua Zona costeira - PAE, concluído em 2004 (www.ana.gov.br/gefsf). Complementando os estudos e atendendo preceitos da Lei no 9.433/97, foi elaborado, em 2005, o Plano Decenal de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (2004-2003) - PBHSF. Estes documentos, mostrados nas Figuras 2 e 3, contaram com a participação do Comitê da Bacia do São Francisco na sua elaboração e aprovação, representam importantes instrumentos para o gerenciamento dos recursos hídricos da bacia, gera comprometimento para as ações sugeridas, avalia as necessidades técnicas, humanas e financeiras para implementação das soluções concebidas com vistas a minimizar/solucionar os problemas identificados na bacia.
Figura 2 Documentos norteadores das ações na bacia do São Francisco
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UMA PARCERIA PARA O RIO SÃO FRANCISCO
Figura 3 Documentos norteadores das ações na bacia do São Francisco
2.2. Perspectivas Como ação futura e desdobramento do PAE, encontra-se em fase final de entendimentos, mantidos entre a ANA, OEA, PNUMA e GEF a implementação de um projeto de porte médio que objetiva incorporar analise ambiental nas políticas, planos e programas para o manejo integrado da bacia e sua zona costeira; promover ações para o estabelecimento da agencia de bacia e os mecanismos operacionais para o desenvolvimento econômico e sustentabilidade dos
recursos hídricos; implementar projetos e ações para prevenir a degradação da bacia com sustentabilidade econômica, utilizando os instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos; e, facilitar a operacionalização do sistema integrado de manejo dos recursos hídricos no rio São Francisco e sua zona costeira. Estas ações são convergentes com o Programa de Revitalização de Rio São Francisco, em desenvolvimento pelo Governo Federal. 1
Superintendente de Implementação de Programas e Projetos da Agência Nacional de Águas – ANA paulovarella@ana.gov.br 2
Consultor da OEA – Coordenador Técnico do Projeto GEF São Francisco, concluído em 2005 jls.gef@ana.gov.br 3
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Superintendente Adjunto de Implementação de Programas e Projetos da Agência Nacional de Águas – ANA humberto.goncalves@ana.gov.br
O Desafio da Gestão Participativa
CBHSF
Mobilização e Participação na Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco
Rosana Garjulli*
A partir da promulgação da Constituição Federal em 1988, intensificou-se no país uma “cultura participativa”, na qual a sociedade organizada não se limita a eleger representantes para o legislativo ou executivo, mas valoriza a participação direta e o controle social nas políticas públicas. A implantação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos - SINGREH, com seus organismos colegiados, Conselhos Estaduais e Nacional e Comitês de Bacia insere-se, portanto, no contexto da democracia participativa, prevista na Constituição Federal e enfrenta todos os desafios de sua implementação, em um país que vem gradativamente construindo uma relação mais democrática entre Estado e sociedade, em especial, na gestão das políticas públicas. A instalação e o funcionamento do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco – CBHSF também é parte deste processo de construção da democracia participativa no Brasil. Neste país de dimensões continentais, a experiência do CBHSF reveste-se de suma importância, quer seja pela dimensão e complexidade da gestão de recursos hídricos nesta bacia ou ainda pela importância estratégica para região e o país. Ao ser instalado, em dezembro de 2002, o CBHSF considerava-se como seus principais desafios:
• organizar-se internamente e garantir o funcionamento de suas diversas instâncias administrativas e colegiadas (secretaria executiva, câmaras técnicas e consultivas regionais e o plenário); • superar o confronto entre interesses e culturas locais, regionais e interestaduais e definir uma agenda unificadora; • construir uma pauta de decisões estratégicas para bacia, reconhecida e respeitada pelos órgãos gestores de recursos hídricos e demais instituições, nas esferas municipal, estadual e federal;
• garantir a representatividade das entidades que o compõem enquanto portadores dos diferentes anseios da população da bacia. À este conjunto de desafios foram, inevitavelmente, somando-se muitos outros, decorrentes da prática do dia-a-dia, do fazer político. É fundamental, portanto, neste momento de renovação dos membros do Comitê e de encerramento de dois ciclos de gestão, que se faça uma reflexão sobre os reais desafios enfrentados e as possíveis
estratégias de fortalecimento do CBHSF. Vale destacar que quanto ao suporte técnico, administrativo e financeiro para o seu funcionamento, o CBHSF dependeu quase que exclusivamente, dos recursos repassados pela ANA à Superintendência de Recursos Hídricos da Bahia – SRH - Ba, tendo sua utilização vinculada, como todo recurso publico, às regras estabelecidas na Lei nº 8.666, que define normas para licitação e contratações na administração publica. Legislação esta que não se coaduna com a dinâmica necessária aos processos participativos, em especial em uma bacia hidrográfica com as dimensões do rio São Francisco. Há que se observar, entretanto, que estes e outros entraves burocráticos e legais, dificultaram, mas não impediram o funcionamento da Secretaria Executiva, das Câmaras Técnicas e Consultivas Regionais e nem de seu plenário, que se constituíram em instâncias de interlocução do Comitê com a sociedade da bacia, em especial quando da construção e aprovação do Plano da Bacia, o que demonstra a capacidade do CBHSF de identificar e viabilizar estratégias de apoio, além das previstas institucionalmente. O desafio maior do CBHSF de se constituir como a instância de articulação dos diversos interesses da bacia, através da construção de uma pauta comum de decisões
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Mobilização e Participação na Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco O Desafio da Gestão Participativa
estratégicas, findou por ser viabilizada pela retomada por parte do Governo Federal, do Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional. Ainda que este tema polêmico, com desdobramentos judiciais e de forte viés político, tenha causado prejuízos inegáveis ao desenvolvimento de ações e projetos do CBHSF e de alguma forma contribuído para um certo “estremecimento” da relação do Comitê com outras instâncias do SINGREH, dialeticamente possibilitou a superação de outros desafios, entre os quais destacam-se: o confronto entre interesses locais, regionais e interestaduais dentro da bacia hidrográfica; o reconhecimento político do Comitê como instância de interlocução para a gestão de recursos hídricos e contribuiu ainda para mobilização social na construção do Plano da Bacia. A necessidade de se consolidar como instância representativa dos diversos interesses de uso e preservação existentes na bacia, continua sendo um dos maiores desafios do CBHSF. A heterogeneidade de usos, culturas e interesses existentes é certamente uma forte marca da peculiaridade da bacia do São Francisco, em relação a outras bacias hidrográficas brasileiras e, garantir que toda esta complexidade se faça representar
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no plenário do CBHSF, demanda certamente o desenvolvimento de um programa permanente de comunicação e mobilização com toda população da bacia. A ausência de um programa de comunicação e mobilização social tem
evidenciado seus reflexos quando do desenvolvimento dos processos de renovação eleitoral, há ainda muita desinformação sobre o que é o Comitê, quem o compõe, quais são suas atribuições e ações desenvolvidas, entretanto, tem sido justamente nestes momentos que ocorre um maior contato do CBHSF com os segmentos e setores por ele representados. Os processos eleitorais, de 2002, 2005 e 2007 constituíramse em momentos especiais de comunicação do CBHSF com a sociedade da bacia, onde se evidenciou claramente a necessidade de identificar uma estratégia geral de mobilização que resguarde em si os princípios da universalidade da divulgação e da informação, mas apontou
também a necessidade de se desenvolver metodologias específicas para sensibilizar e mobilizar os diferentes segmentos, setores, comitês de bacias de rios afluentes e comunidades indígenas em cada um dos estados da bacia. Para garantir um processo eleitoral representativo da diversidade econômica, social, física, cultural e política da bacia, tem-se procurado observar de que forma esta heterogeneidade se reflete nas formas de organização da sociedade, assim como na forma como se relacionam com o Estado. Estas especificidades se expressam, quer seja a partir da vocação produtiva industrial, mineradora, agropecuária, pesca, etc., ou ainda, na dinâmica política que reflete a maneira como historicamente se estabeleceram às relações entre Estado e sociedade em cada uma das regiões da bacia. Contudo, independente do grande esforço de mobilização que vem se desenvolvendo a cada dois anos, quando do processo de renovação eleitoral, muito pouco tem sido realizado fora destes períodos, em termos de mobilização e comunicação. É certo que quando o Comitê esta tratando de “temas que mobilizam a sociedade”, tais como discussão sobre o projeto de integração de bacias, ocorre a participação ativa de vários segmentos sociais. O desafio que tem se colocado para o Comitê é garantir
O Desafio da Gestão Participativa
que nos momentos em que sua pauta está mais voltada para implementação dos instrumentos de gestão, tais como definição e implantação da cobrança e da agência de bacia, o CBHSF possa ter a capacidade de se comunicar e de mobilizar interesses tão diversos, de modo a garantir a efetiva representatividade e a transparência necessária ao pleno exercício da democracia participativa, em especial, quando da tomada de decisões que irão afetar a população da bacia. Sem o funcionamento sistemático das diferentes instâncias de articulação institucional do CBHSF, de suas Câmaras Técnicas e Consultivas Regionais e o desenvolvimento de um programa permanente de mobilização e comunicação social, fica extremamente precária a interlocução do CBHSF com a
sociedade da bacia, correndo-se o risco das decisões tomadas pela sua plenária não serem acatadas. Os outros desafios que vêm se colocando ao CBHSF, tais como: a articulação e definição de pautas integradas com os comitês de bacias de rios afluentes; a construção de um pacto para gestão das águas entre os diferentes estados que compõe a bacia; a conquista da sustentabilidade do CBHSF, certamente só poderão ser superados com o seu fortalecimento institucional e político. O caminho para esta conquista, passa necessariamente pela compreensão de que a mobilização e a comunicação social não devem ocorrer apenas em momentos isolados, de acordo com os interesses do Comitê ou do sistema de gestão, mas devem se constituir no elemento
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Mobilização e Participação na Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco
fundamental para garantir a transparência, a representação e a representatividade no CBHSF. Entretanto, cabe salientar que como “o caminho só se faz ao caminhar” é gratificante verificar que o CBHSF, esta soma inigualável de corações e mentes de tantos cantos e recantos desta “nação são franciscana” esteja construindo sua trajetória, que é única, num exercício permanente de superação de seus desafios, que certamente não são apenas seus, mas de todos que acreditam no processo democrático, como o único capaz de concretizar uma gestão eficiente e eficaz dos recursos hídricos em nosso planeta.
(*) Socióloga / Agência Nacional de Águas – ANA rosana@ana.gov.br
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ÁGUAS E DEMOCRACIA UMA CONSTANTE LIÇÃO José Carlos Carvalho*
“Meu rio São Francisco, nessa maior turvação: vim te dar um gole d’água, mas pedir sua benção...” Guimarães Rosa (citado in GSV).
Democracia, participação ampla e respeito às diferenças. Estes têm sido os princípios básicos de nossa gestão, frente ao Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, fundados em nossa convicção de que, nada de bom se constrói sem a participação irrestrita dos principais interessados. Desde o primeiro momento da mobilização de forças e líderes para a composição do Comitê, os ideais democráticos e a visão de conjunto da bacia têm guiado as decisões dos que vêm, dioturnamente, se empenhando no fortalecimento das alianças para a recuperação e revitalização do rio e, agora, na divulgação e implantação dos esquemas de gestão participativa de suas águas. Muito se caminhou nesse sentido. Mas, a principal vitória é, sem dúvida, a elaboração do Plano de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco – tão logo se aprovou a Lei 9.433/97 – estabelecendo os marcos referenciais de todo o trabalho a se desenvolver nas áreas banhadas pelo nosso Velho Chico. Ao finalizarmos esta gestão, frente ao CBHSF, queremos destacar os principais passos dados para se concretizar, celeremente, a gestão participativa das águas da bacia, e o trabalho das nossas Câmaras Técnicas: 1- a definição dos usos externos da água da bacia, com o estabelecimento de limites, prioridades e critérios de alocação e outorga para esses usos, como parte integrante do Plano de Recursos Hídricos; 2- a avaliação e implementação do Plano de Recursos Hídricos e análise aprofundada das conseqüências do Projeto de Transposição, tendo em vista a gestão participativa e o Pacto das Águas da bacia; 3- as deliberações que definiram os rumos e as medidas para a revitalização da bacia; 4- o fortalecimento dos Comitês de Bacias Hidrográficas da área sanfranciscana e do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos; 5- a análise das experiências dos Comitês de Bacias dos Rios Paraíba do Sul e Piracicaba/ Capivari/Jundiaí, no que se refere à cobrança do
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uso da água, para adoção na bacia do rio São Francisco; 6- as discussões e medidas relativas à sustentabilidade econômica e ecológica da bacia; 7- a estruturação e o funcionamento das Câmaras Técnicas; 8- a análise dos mecanismos para a criação da Agência de Água da bacia do São Francisco; 9- a análise e estudo do modelo de Agência de Bacia proposto; 10- o fortalecimento do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, bem como a definição de sua posição diante do Projeto de Transposição de Águas do rio. São ações que desenvolvemos graças ao espírito de luta e a efetiva disposição ao trabalho das pessoas e organizações membros do Comitê e de seus aliados nas instâncias comunitárias, cujos resultados serão melhor apreciados no futuro. No momento, resta-nos agradecer a todos o empenho em dar conta do recado, levando à frente as medidas que os gestores e usuários dos recursos da bacia elegeram como prioritárias. Há muito, ainda, a se fazer. Daí a necessidade, que já estamos discutindo, de renovação do CBHSF, de modo a dar-lhe maior fôlego para as lutas que se apresentam e se impõem – inclusive com dispensável demonstração de força – na defesa dos reais interesses da gente que trabalha e cuida dos sertões dos gerais, das matas secas e caatingas que envolvem o nosso rio São Francisco. (*) Presidente do CBHSF período 05/03 a 06/05 e de 04/06 a 08/2007. jcc@semad.mg.gov.br
PLANO DA BACIA DO RIO SÃO FRANCISCO
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PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO
Yvonilde Medeiros*
O Plano da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco é a peça fundamental para orientação dos programas e das ações do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco - CBHSF. Vou tentar descrever neste relato, o processo de elaboração e aprovação do Plano Decenal da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco - PBHSF e a experiência a qual vivenciei e tive a oportunidade de participar como coordenadora da Câmara Técnica de Planos, Programas e Projetos do CBHSF. Este relato precisaria ser contado por várias “vozes e mãos”, que coletivamente construíram o Plano. Buscarei ser uma representante fiel de todos que, direta e indiretamente, influenciaram no processo, o qual considero um marco histórico para o gerenciamento de recursos hídricos do país. A Lei Federal das Águas ao definir a Política Nacional das Águas e criar o Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos - SINGREH, em 8 de janeiro de 1997, estabeleceu que o planejamento e o gerenciamento tivessem a bacia hidrográfica como unidade territorial de planejamento e deveria contar com a participação do poder público, usuários e sociedade civil organizada. O comitê de bacia
hidrográfica é o ente do SINGREH que congrega, em sua estrutura colegiada, os membros representantes desses três segmentos da sociedade, em seu território de atuação. O plano de bacia hidrográfica é o documento que define e orienta as ações
relacionadas com o gerenciamento dos recursos hídricos e nele consta a indicação das alternativas de enquadramento dos corpos d’água; os limites, critérios e prioridades da outorga de direito de uso da água e mecanismo de cobrança. Assim como, ações de recuperação da qualidade dos rios, de aproveitamento múltiplo de suas águas e o custo dessas ações. A legitimidade será assegurada com a aprovação pelo comitê de bacia. O processo de construção do Plano obedeceu a duas agendas. Uma técnica, de construção e acompanhamento técnico, onde foi elaborado o
diagnóstico, diretrizes para alocação, estratégia para recuperação e conservação hidroambiental e programa de investimentos. E outra, de política de consulta pública do conteúdo do Plano, quando ocorreram a primeira rodada de discussão pública, o fórum de avaliação do Plano e a segunda rodada. Ao PBHSF cabe implementar o SINGREH. Diversas foram as fontes de financiamento do Plano e do processo de discussão pública: a ANA via convênio GEF/OEA/ PNUMA, a CHESF e os órgãos gestores estaduais. A elaboração do Plano foi feita pela ANA, em parceria com os órgãos gestores de recursos hídricos dos seis estados que compõem a bacia (Minas Gerais, Bahia, Goiás, Pernambuco, Alagoas e Sergipe) e do Distrito Federal, que juntamente com a CODEVASF e a CHESF integravam o Grupo Técnico de Trabalho – GTT. A supervisão do PBHSF ficou a cargo da Diretoria Colegiada e o acompanhamento técnico, pelas CTPPP e CTOC. As Câmaras Consultivas ficaram encarregadas de coordenar a participação pública, nas quatro regiões fisiográficas da bacia: Alto, Médio, Submédio e Baixo, trechos do rio São Francisco.
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Diagnóstico da Bacia No módulo do Plano que se refere ao diagnóstico, o rio São Francisco foi retratado pela sua localização, extensão e caudabilidade e biodiversidade. Além da história, cultura e tradição dos povos que vivem na área de sua bacia hidrográfica, e do papel geo-estratégico importante para o desenvolvimento econômico e social do País. No plano ambiental, esse desenvolvimento não ocorre de forma sustentável. As diferenças fisiográficas, que se referem ao clima, geologia e hidrologia, são ampliadas por uma enorme desigualdade no campo social e econômico, ao longo da bacia. A história de ocupação da bacia e apropriação das terras registra a exploração das populações tradicionais e dos recursos naturais, que são os recursos minerais, florestas e água. Neste cenário de grande degradação ambiental, social e econômica, o gerenciamento dos recursos hídricos da bacia do rio São Francisco depende da concretização deste objetivo. Sendo assim, coerente com as necessidades da população e com o País, de uma forma geral, e consistente com os princípios e diretrizes da legislação em vigor.
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A complexidade desta bacia pode ser avaliada pela sua grande dimensão. Pois nela coexistem regiões de acentuada riqueza, elevada densidade demográfica e urbanização acelerada com regiões de pobreza extrema, população rarefeita e crescimento econômico inexpressivo. Neste contexto, são intensos os conflitos
entre os diversos usos da água. Para se ter uma idéia, a área da bacia compreende 638.574 Km², na qual vivem 12.795.631 habitantes. Desta, 43% é semiárida, com 5,3 milhões de habitantes. No trecho do Alto São Francisco, as atividades econômicas rurais e a mineração provocam a remoção da vegetação nativa e aceleram o processo de erosão e assoreamento. A urbanização intensifica a diluição de efluentes e compromete os usos mais nobres da água, como o abastecimento humano e a dessedentação
animal. No Médio, a expansão da irrigação causa impactos sobre os recursos hídricos e tem como exemplos áreas irrigadas localizadas nas bacias de rios afluentes: como a do Verde Grande, entre Bahia e Minas Gerais e as dos rios Preto e Grande, ambas situadas no Oeste baiano. No Submédio, cuja característica mais marcante é a predominância do clima semiárido, a situação é crítica: a presença de rios intermitentes dificulta a diluição de efluentes e a ausência de fontes hídricas, com garantia de qualidade e quantidade, compromete o abastecimento da população. Por último, no trecho Baixo, por sua localização, considera-se que os impactos sobre os recursos hídricos, nessa região, correspondem ao somatório de todos eles ao longo da extensão do rio, e mais precisamente, aos danos causados no ecossistema resultantes da operação dos reservatórios de Sobradinho e Xingó. O diagnóstico evidenciou os contrastes sociais e econômicos da bacia. O saneamento ambiental é precário na maior parte dela, especialmente no Submédio e Baixo São Francisco, onde a cobertura de água, em alguns municípios é inferior a 60%. O
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tratamento dos esgotos coletados é incipiente, com exceção na Região Metropolitana de Belo Horizonte. A disposição final de lixo é feita de forma inadequada por 93% dos municípios. Por outro lado, a atividade agrícola na bacia é intensa. Atualmente, a área irrigada é de 342.712 ha., mas pode ser ampliada, de acordo com estudos técnicos, até o limite de 800.000 ha., sem a instalação de conflitos de usos múltiplos. Entretanto, o aumento destes usos múltiplos implica em uma diminuição da disponibilidade hídrica para produção de energia, cujo potencial na bacia é 10.356 MW, o que corresponde a 17% da energia gerada no País. A navegação tem potencial para tornar-se opção importante de transporte de grandes volumes de carga. Os trechos naturalmente navegáveis compreendem a 1.370 Km no Médio São Francisco, e 208 Km no baixo curso, a jusante de Piranhas. O potencial das atividades de pesca e aqüicultura na bacia é expressivo, devendo ser estimulado através de técnicas apropriadas, que objetivem o desenvolvimento socioeconômico da região e a conservação ambiental. O turismo e o lazer, ainda inexpressivo na bacia, são estratégicos para o combate à
pobreza e a promoção do desenvolvimento regional. A oferta de água foi avaliada do ponto de vista dos suprimentos superficiais e das subterrâneas. A vazão natural média anual do rio São Francisco é de 2.850 m3/s. A barragem de Três Marias regulariza a vazão de 513 m3/s e a de Sobradinho de 1.815 m 3/s. Em conseqüência disso, a bacia tem uma
disponibilidade hídrica de 1.849 m 3 /s (vazão regularizada em Sobradinho, mais a vazão incremental com permanência de 95%). No que se refere à oferta de água subterrânea, a disponibilidade é de 318 m3/s. Na bacia foram identificados três domínios aqüíferos, sendo o mais importante, o Urucuia-Areado, que possui área de 112.380 km2, vazão média de poços de 10 m3/ h e reservas explotáveis de 135 m3/s, que representam 41% da disponibilidade hídrica subterrânea da bacia. Este sistema é intensamente
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explorado no Oeste baiano para irrigação. A avaliação da oferta hídrica também foi feita em termos qualitativos. Ao se levar em consideração a disponibilidade e a vazão média, são atendidas nas condições de Classe 2 (CONAMA 357), com exceção do trecho em que o rio São Francisco recebe a contribuição do rio das Velhas. De forma geral, é possível afirmar que nas sub-bacias do Baixo, Médio e Submédio, o problema com a carga orgânica está associado principalmente às baixas vazões dos corpos de água. Nas sub-bacias do Alto, está relacionado à elevada densidade populacional. O diagnóstico apresenta como demanda média de água o total de 166 m3/s, sendo a vazão consumida de 105 m3/s, com uma parcela de retorno ao rio estimada em 60 m3/s. O crescimento da demanda ocorrido durante as décadas de 70 e 80, teve como principal causa o aumento da irrigação. Porém, o maior comprometimento da disponibilidade hídrica corresponde a sua utilização para geração de energia hidrelétrica. Inicialmente, o modelo de desenvolvimento adotado para a bacia estabelecia como uso prioritário das águas a produção
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hidroenergética. Posteriormente, o reconhecimento do grande potencial agrícola, principalmente o da agricultura irrigada, e o seu reflexo para o desenvolvimento econômico geraram a necessidade de compatibilização destes dois usos, visto que a disponibilidade hídrica não possibilitava o desenvolvimento simultâneo destes dois em todo o seu potencial. Atualmente, somam-se a estes usos, o abastecimento urbano e rural, a navegação, o turismo, a mineração, a pecuária e a produção industrial. E acrescenta a exportação de água para os usos externos à bacia, além das restrições ambientais necessárias ao equilíbrio e preservação do sistema fluvial e do ambiente costeiro associado à foz do rio. A eleição de prioridades, e consequentemente, a repartição ou alocação da água entre os diferentes usos, constitui-se uma questão complexa. Alocação de Água na Bacia O Plano buscou uma solução para esse desafio através de um acordo entre todos os Estados envolvidos, além do CNRH, a ANA, o CBHSF e os comitês das bacias dos rios
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afluentes, a ser consolidado nos termos de um Pacto de Gestão Integrada. As discussões para a construção do Plano de Recursos Hídricos apontaram a necessidade do CBHSF e demais comitês de bacias de rios afluentes, estabelecerem de imediato, diálogos internos e externos com todos os atores envolvidos na gestão da água. O objetivo é construir os vários pactos necessários para a administração das águas da bacia, dentro de um ambiente de harmonia de leis, normas e procedimentos para a gestão dos recursos hídricos. O Pacto de Gestão preservará o conceito de bacia como unidade de planejamento e gestão, incluindo o papel a ser exercido e as competências do Comitê do rio principal e da sua Agência de Bacia. Dessa forma, contribui para a soma e integração de esforços, mas ao mesmo tempo, evita a fragmentação da gestão das águas do rio São Francisco. A alocação de água na bacia deverá ser um dos principais resultados do Pacto de Gestão das Águas. Os critérios de repartição espacial do uso da água para fins consuntivos, fornecerão suporte para a aplicação do instrumento de outorga de direito de uso dos recursos hídricos pelos órgãos gestores. Neste sentido, a
prioridade do Plano é a constituição e a implantação da Agência de Água da Bacia, para viabilizar as ações executivas pertinentes ao Comitê, subsidiar tecnicamente as tomadas de decisão e acompanhamento da sua implementação e do Pacto das Águas. As incertezas e questionamentos, surgidos durante o processo de elaboração do Plano, eram relacionados aos parâmetros básicos de disponibilidade hídrica e consumo efetivo, revisão e acordo em torno dos mesmos. Antes de serem adotados no processo de alocação, os parâmetros devem ser aprovados pelo plenário do Comitê. Diante disso, foi adotada, provisoriamente, a vazão máxima alocável na bacia, o valor de 360 m3/s, estabelecido em função da disponibilidade hídrica e da vazão mínima ecológica na foz de 1.300 m 3 /s. Sendo esta reconhecida como valor de restrição mínimo, atualmente, praticado à jusante de Xingó por determinação do IBAMA, até que se proceda a revisão ou confirmação deste valor na próxima edição do Plano. Para a verificação dos atendimentos foram considerados os consumos atualmente outorgados pelos Estados e União, os estimados até o ano de 2025 e
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os principais projetos de aproveitamento dos recursos hídricos na bacia. Por demanda do Ministério da Integração Nacional, levou-se em conta a possibilidade de realizar o projeto de transposição – Eixos Norte e Leste. O Plano apresenta um conjunto de intervenções visando a recuperação e a conservação hidroambiental agrupadas em 29 atividades e 139 ações estruturadas, em cinco componentes. Neste contexto, inclui-se a revitalização do “Velho Chico”, que compreende um conjunto de medidas e ações de gestão, projetos, serviços e obras. É um projeto planejado, integrado e integral, a ser desenvolvido e implantado pelos municípios, Distrito Federal, estados, União, iniciativa privada e sociedade civil organizada. Pretende recuperar a qualidade e quantidade de água, superficial e subterrânea, assim como a biodiversidade, para garantir os usos múltiplos. Agenda Política Esta etapa compreendeu duas rodadas de discussão pública, nas quatro regiões fisiograficas da bacia, sendo que na primeira ocorreram reuniões ampliadas das Câmaras Consultivas Regionais - CCR e, na
segunda, consultas públicas. Também foi realizado um fórum de avaliação do Plano, com reunião conjunta da Diretoria Colegiada, CT Planos e Outorga e o GTT, representantes da sociedade civil das CCR e de comitês de bacias de rios afluentes. Durante as Rodadas de Discussão Pública,
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mais intervenção foi acrescentada a esse conjunto, com prioridade para o período de 2004-2013. Ver boxe. No conjunto das discussões coordenadas pelas CCR teve presença marcante de representantes de associações comunitárias, produtores rurais, de colônias e federações de pescadores e de ONG. A contribuição desse grupo é destacada na temática da revitalização, pois se relaciona diretamente com o cotidiano e os anseios de uma vida mais saudável, seja pelo acesso à água hoje e no futuro, ou o receio de degradação ambiental. Do outro lado, grandes usuários, podendo destacar os irrigantes; e representantes de Estados, entidades e órgãos gestores, discutiram com maior interesse o tema Alocação de Água. Reiteradas manifestações confirmam a necessidade de abordagem mais acessível para que, ao longo da implantação do Plano, os princípios de descentralização, democratização e compartilhamento possam ser bem operacionalizados em amplitude e essência. Isso representará um marco efetivo na gestão da água e uma conquista para a consolidação do Comitê. A concretização do compromisso
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assumido pela coordenação do processo, resultou em trabalho de síntese e sistematização dos resultados oriundos das discussões públicas. Neste sentido, o Grupo de Suporte Técnico ao Plano (GST) do Comitê do São Francisco, incorporou as demandas e propostas das Câmaras Consultivas Regionais, do Fórum de Avaliação do Plano e das duas rodadas de Consultas Públicas, ocorridas nos meses de março e maio de 2004 nas regiões, totalizando 1.280 pessoas.Os membros da comunidade sempre deixaram claro, nas reuniões, o desejo de participar da elaboração do Plano, principalmente nas questões locais e regionais. A partir daí, foi utilizada uma metodologia de trabalho baseada na formação de grupos, que debateram os mais diversos aspectos técnicos da alocação da água e da revitalização da bacia. Nos grupos em que foram discutidos os aspectos relativos à alocação, foi enfatizado o panorama dos conflitos entre usos da água e ressaltados o significado da alocação de água, como um pacto entre os estados pela repartição de vazões; a necessidade de uma ampla negociação e definição de diretrizes. Foram levantadas questões como a importância de
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que as ações do Plano não se restrinjam à calha principal da bacia, devendo ser estendida aos afluentes, fortalecendo, com isto, o princípio da bacia como unidade de planejamento. Além disso, houve questionamento com relação aos critérios adotados para a definição da disponibilidade hídrica superficial, com recomendações para que fossem revisados os cálculos referentes à vazão outorgada e efetivamente consumida. Algumas preocupações focaram-se na necessidade de estudos para definição de um regime sazonal de vazões adequado à manutenção do ecossistema fluvial e costeiro e à sustentabilidade dos múltiplos usos. Os grupos de discussão que se ocuparam da revitalização enfatizaram a necessidade de articulação institucional do Comitê e o Programa Revitalização do MMA, destacando a importância da consideração dos estudos e programas existentes, visando à convergência de ações e a potencialização dos recursos aplicados e mobilização realizada. Os debates contemplaram, ainda, a preocupação permanente sobre a necessidade de investimentos em programas, projetos e ações, sobretudo em ações de prevenção e controle de erosão (readequação
de estradas de terra, construção de “barraginhas”, plantio direto, recuperação de nascentes e veredas) e preservação e recuperação de recursos naturais; estabelecimento de mecanismos de apoio à racionalização e reuso da água; destacando a importância de conservação da água e solo nos cerrados, região produtora de água, como medida de segurança para oferta de água, posicionando; estabelecimento de programa integrado, incluindo zoneamento, preservação, revitalização do ecossistema aquático (lagoas marginais, etc.); pesquisa e assistência técnica e creditícia, etc. (Agenda 21 “pesqueira”). Ainda nesse grupo, o debate envolveu preocupação com projetos, obras e intervenções de alcance social - construção sistemas simplificados de abastecimento, como o Programa 1 Milhão de Cisternas, cacimbas e barragens subterrâneas e a universalização do tratamento de água em toda a bacia, Foram tratadas, também, as possibilidades de se promover o reuso da águas do esgotamento sanitário na agricultura. Foram consideradas prioridades regionais como a elaboração de um plano de ordenamento da pesca, no Baixo São Francisco e a realização de estudos sobre os ciclos
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reprodutivos da ictiofauna. Isto para subsidiar as medidas de revitalização do ecossistema, ações de recuperação hidroambiental do rio São Francisco e das áreas marginais inundáveis impactadas por barragens e implantar um monitoramento múltiplo (qualidade, quantidade, sedimentos, erosão e fauna aquática). Em Juazeiro, a reunião da Câmara Consultiva do Submédio ocorreu de forma integrada com o Encontro Regional de Juazeiro - “A Revitalização que Queremos”, promovido conjuntamente pelo Fórum Permanente em Defesa do São Francisco e Ministérios Públicos Estaduais da Bahia e Pernambuco. Com ampla agenda e intensa participação popular essa reunião da CCR captou posicionamentos da sociedade, órgãos públicos e usuários da água. Estes podem ser resumidos, como o destaque da revitalização que não deve ser condição compensatória para projetos de transposição de bacias e, o envolvimento do Comitê com o Programa de Revitalização da Bacia não significa aval ao projeto de transposição. São também valorizados a importância da descentralização, participação da sociedade, para captar
experiências e requerer uma abordagem prioritária para a educação ambiental e mobilização social; e conferir ao Plano a condição de instrumento de inclusão social (reforma agrária, acesso à água). Uma vez firmado o consenso sobre quais intervenções deverão integrar o PBHSF, em função do diagnóstico e prognóstico formulados, e estabelecidos os objetivos e metas associadas, cumpre estimar os
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disponíveis nos diversos programas governamentais, mas não inclui muitas das demandas e ações emanadas das diversas Consultas Públicas. O programa de investimentos é de forma provisória e deve ser objeto de reavaliação e revisão, a fim de contemplar o conjunto de intervenções prioritárias para a recuperação e conservação hidroambiental na bacia. É importante observar que o Comitê precisará de um prazo longo o suficiente para estudar e avaliar o programa completo de investimento para a bacia. Neste período, serão levantados todos os custos das novas ações ainda não incorporadas ao presente programa.
Aprovação do PBHSF investimentos que deverão ser feitos para que tais intervenções possam ser materializadas. Os estudos produzidos pela equipe da ANA, possibilitaram estabelecer o custo dos investimentos preconizado no PBHSF em aproximadamente R$ 5,2 bilhões, divididos pelos componentes que integram a estrutura de intervenções do Plano. Os investimentos apresentados são, na maioria, fruto do levantamento dos projetos
O Plano apresentado em Reunião Plenária, que ocorreu em Juazeiro em 2004, foi aprovado, exceto, no que se referia a outorga de uso externo das aguas. No entanto, o governo federal pediu vistas à proposta de deliberação que definia limites, prioridades e critérios. O plenário do CBHSF condicionou em uma lista de exigências a aprovação do pedido de vistas. As principais exigências se referiam a apresentação de um
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plano de desenvolvimento sustentável para o Semi-árido e um de Revitalização. Estas propostas deveriam ser apresentadas e discutidas nas CCR e submetidas ao Plenário do CBHSF, em reunião extraordinária a ser realizada, em Salvador. Em uma nova rodada de discussão pública, a proposta do Ministério de Integração foi apresentada e fortemente rejeitada, com o que ficou marcado em todas as quatro regiões fisiográficas da bacia com faixas “não rotundo à Transposição do rio São Francisco”. Finalmente, em outubro de 2004, a deliberação foi aprovada, com maioria absoluta dos membros do CBHSF. A concessão de outorga para uso externo à bacia hidrográfica do rio São Francisco fica restrita exclusivamente para consumo humano e dessedentação animal, atendidos os seguintes critérios: I - a definição dos valores a serem outorgados deverá tomar por base as reais necessidades hídricas das
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bacias hidrográficas receptoras, descontando-se os valores de vazão já utilizados para a finalidade de consumo humano e dessedentação animal; II - clara comprovação de indisponibilidade hídrica local para atendimento da demanda apresentada e da inviabilidade econômica e/ou técnica de soluções nas bacias das bacias hidrográficas receptoras. Posteriormente, o Conselho Nacional de Recursos Hídricos aprovou, sem discussão no âmbito das Câmaras Técnicas, o aproveitamento das águas do rio São Francisco para o Projeto de Transposição, de acordo com a Nota Técnica 192, da ANA. Finalmente, a outorga concedida pela ANA autorizou a utilização da vazão média de 64 m3/s, para atendimento a demanda de usos múltiplos. Estes fatos originaram uma série de contestações da sociedade contra a decisão do governo federal de aprovar o Projeto de Transposição
para o Nordeste Setentrional, ignorando o Plano da Bacia. Existem ações junto ao Supremo Tribunal Federal - STF questionando a legalidade da apreciação do CNRH, ao CERTOH e a outorga emitidos pela ANA que ainda não possuem julgamento definitivo. Embora o Projeto tenha licença ambiental para implantação emitida pelo IBAMA, no curso das obras, poderá ter a sua suspensão em razão das 14 ações que tramitam no STF. Passada esta etapa do processo de construção do Plano de Recursos Hídricos é necessário agora garantir a implementação das ações previstas. Isto se torna viável a partir da criação e implantação da Agência de Água da Bacia. Na fase que se encontra agora, o CBHSF, está discutindo o modelo jurídico da agência com aprovação prevista na XV plenária. (*) Secretária Executiva do CBHSF. ymedeiros@terra.com.br
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A IMPORTÂNCIA DA PARTICIPAÇÃO DOS USUÁRIOS NA GESTÃO DAS
Wágner Soares Costa*
Pessoalmente, participar do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco – CBHSF é algo emocionante, principalmente para um sul mineiro, onde os rios são de águas barrentas. Essa emoção remonta ao ano de 1968, quando na condição de estudante participante do Projeto Rondon, deparei-me com um rio São Francisco, em Januária, no mês de julho, de águas claras refletindo a cor do céu. Nesse tempo, suas águas batiam na parede de pedras do cais da cidade. Hoje, águas reduzidas, ainda claras no mês de julho, não mais batem no cais. Poder participar das plenárias observando as acaloradas manifestações dos representantes dos povos ribeirinhos é emocionante pela demonstração de amor ao rio. Como membro titular do Comitê, representante da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais - FIEMG, o olhar é outro. Olhar de responsabilidade ambiental pelo desenvolvimento sustentável, buscando o equilíbrio dinâmico nas relações entre o social, o ambiental e o econômico. Por tratar diretamente do chamado “Rio da Integração Nacional”, o CBHSF se reveste de grande importância, ao tentar conciliar os diversos interesses existentes ao longo de seu trajeto, devido à grande diversidade cultural, econômica, social e o relacionamento com a calha do rio. Apesar de não ser um Comitê pioneiro, sua atuação é referência para os demais, sejam das bacias de seus próprios afluentes ou de outras bacias. Os temas em discussão são amplos e profundos: vazão ecológica; vazão mínima; vazão máxima; consumo mínimo; conflito de uso da água; criação de agência de bacia; implementação da cobrança pelo do uso da água; revitalização e transposição. Tais temáticas demonstram a complexidade e a responsabilidade dos membros titulares e suplentes, sejam da sociedade civil ou de usuários, representados no Comitê. A FIEMG entende que das plenárias do CBHSF sairão as decisões sobre tais temas, além daquelas afetas aos valores a serem investidos para se alcançar o objetivo comum a todos, que é a melhoria da qualidade e quantidade das águas da bacia hidrográfica do rio São Francisco. A convivência, no Comitê, de representantes do setor de usuários, poder público e de organizações do terceiro setor poderá resultar em uma parceria cooperativa, pró-ativa, com o foco de construir e fortalecer política e institucionalmente o Comitê do São Francisco. Essa convivência ainda é marcada por um certo grau de desconfiança, por parte dos usuários, de que não possam participar efetivamente dos projetos, receio de que ao darem opiniões nos projetos sejam taxados de dominadores econômicos. Por parte da sociedade, a preocupação é de serem comandadas pelos usuários e de não participarem do processo de formulação dos projetos. Neste sentido, sua participação é fundamental nesse processo. A esperança é de que dessa convivência madura possa resultar projetos formulados e executados vinculados à realidade e à necessidade da bacia. Que o São Francisco possa cumprir reiteradas vezes a sua vocação integradora. (*) Gerente de Meio Ambiente da FIEMG, representante dos usuários / indústria no CBHSF. costasw@fiemg.com.br
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O NOVO VELHO CHICO
Jorge Khoury*
Como homem público, exerci a liderança, que a mim foi confiada, sempre voltada para a sociedade, para a gestão reformadora do Estado e para o interesse da Nação. Sempre com um sentido de missão, de compromisso a honrar, em que as qualidades pessoais e a vontade de fazer, foram instrumentos de um objetivo maior de construção nacional, foi ai que vivenciei um dos momentos mais ricos da minha trajetória. Trata-se da experiência na prática, da constituição de programas que tenham por objetivo informar e gerar conhecimento sobre a gestão ambiental e dos recursos hídricos de forma participativa. A Lei nº 9.433/97 nos sinaliza a democratização na gestão dos recursos hídricos, entretanto lidamos com uma realidade onde a comunidade ainda não tem conhecimento suficiente a este respeito, que proporcione a participação direta e efetiva neste processo. Emerge assim, diante de todos, a necessidade real de explicitar os fundamentos democráticos, previstos na mencionada Lei. Esse caminho teve inicio para mim quando o então Governador do Estado da Bahia, Paulo Souto, estabeleceu novas diretrizes para a política ambiental da Bahia, período em que honrosamente fui convidado para ser o primeiro Secretário Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos, em 2003. O objetivo era o de agrupar na SEMARH - Secretaria de Meio Ambiente e Recursos hídricos todos os órgãos com ações voltadas para o meio ambiente, apresentando uma nova face da política ambiental baiana. Foi nesta ocasião que representei o Estado num dos mais fascinantes e envolventes trabalhos que já experimentei: o de participar como membro titular do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco - CBHSF. Ao trilhar por esses caminhos, passei a conviver com a construção direta da cidadania, em um convívio com o que há de mais rico num país, numa região, numa bacia hidrográfica, o seu POVO. Trouxe, para tanto, a minha experiência de parlamento, como forma de contribuir para o processo de construção coletiva, utilizando exaustivamente a busca de consensos, nem sempre possíveis, mediante processos de negociação. Sou filho das barrancas; as barrancas sanfranciscanas, as barrancas do Velho Chico, e no trato diário com todos os atores envolvidos no Comitê, passei a ver e conhecer culturas, hábitos, negócios, projetos de futuro, que me levaram a perceber melhor esse povo e a mim mesmo, um filho da terra, lá de Juazeiro. O grande desafio que surgiu foi à construção da gestão compartilhada por todos os segmentos que compõem o Comitê: a sociedade civil, os usuários da água e os poderes públicos (Federal, Estadual e Municipal).
DESTAQUE PARA ALGUMAS AÇÕES NO PERÍODO 1- Fortalecimento e estruturação da Secretaria Executiva do CBHSF, em Salvador; 2- Instalação da UAR - Unidade Administrativa Regional (da ANA), junto à Secretaria Executiva do CBHSF; 3- Definição de medidas gerais a serem implantadas pelo CBHSF, suas Câmaras Consultivas Regionais e Câmaras Técnicas quanto ao Programa de Revitalização; 4- Definição de atribuições, estrutura e forma de funcionamento da Câmaras Técnicas Institucional e Legal CTIL, de Outorga e Cobrança - CTOC e de Planos, Programas e Projetos - CTPPP. 5- Definição de medidas gerais a serem adotadas pelo CBHSF quanto ao descumprimento do Plano de Recursos Hídricos da Bacia, face às prioridades de uso e critérios de outorga.
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O NOVO VELHO CHICO
Tamanho desafio, só poderia ter êxito colocando na prática os conceitos e princípios da democracia participativa, onde todos, dos mais humildes aos mais graduados, das instituições mais simples às mais complexas, dos povos tradicionais aos contemporâneos, participam tendo direito ao mesmo tempo, ao mesmo espaço e ao mesmo voto. Assim aconteceu, iniciou-se a mais trabalhosa, mas também a mais legítima das políticas públicas do nosso País – a gestão das águas da bacia hidrográfica do rio São Francisco pelo CBHSF. Participei ativamente como vice-presidente da primeira Diretoria Executiva, que tinha como presidente o ex-Ministro de Meio Ambiente e Secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Estado de Minas Gerais – José Carlos Carvalho, experiente executivo do setor público, especialista na gestão ambiental do Estado e do País, e como secretário executivo, o especialista em temas ambientais e hídricos, o professor e pesquisador, Luiz Carlos Fontes, idealista comprometido com os princípios e conceitos ambientais, representando a Universidade, que trouxe, no seu entusiasmo, a fibra do povo sergipano. Após o primeiro biênio da diretoria do CBHSF (2003/2005), período bastante operoso e produtivo, fui honrado pela generosa escolha dos meus pares e eleito, de forma unânime, presidente para o biênio seguinte (2005/2007). Assim, eleito presidente, contei com a presença do ex-presidente José Carlos Carvalho, na vice-presidência, demonstrando, ao aceitar, mais uma virtude da sua personalidade – a humildade - e ainda contei para assumir a secretaria executiva, com o alagoano altivo e determinado, que deu brilho pelos seus escritos e seus pronunciamentos, à segunda gestão do CBHSF, Anivaldo Miranda. Destaco ainda, em ambos os períodos, a participação dos coordenadores das Câmaras Consultivas Regionais (do Alto, Médio, Sub-Médio e Baixo São Francisco) que, ao se somarem à Diretoria Executiva, formavam o órgão consultivo do Comitê – a Diretoria Colegiada. Durante as reuniões plenárias semestrais, contando com a assembléia geral (60 membros titulares e 60 suplentes), eram definidas as ações que pautaram as atividades da Diretoria Executiva e Colegiada, Câmaras Consultivas Regionais e Câmaras Técnicas. DESTAQUE PARA ALGUMAS AÇÕES NO PERÍODO Participar de fóruns colegiados onde frequentemente surgem as contradições, num processo amplo e denso, nos deixa a lição de que não há democracia e legitimidade nas ações do Estado sem participação da sociedade, em especial na gestão dos recursos hídricos de uma bacia. No processo de fortalecimento político e institucional do CBHSF, algumas entidades foram imprescindíveis para a exitosa implantação do CBHSF, assim como o apoio do Poder Público, especialmente o Federal, destacando-se a Agência Nacional de Águas – ANA, desde a gestão de Jerson Kelman, por ocasião da criação do Comitê e, especialmente, na atual gestão de José Machado - nessa fase de implantação e consolidação do mesmo. DESTAQUE PARA ALGUMAS AÇÕES NO PERÍODO 6- Alteração da denominação da Câmara Técnica de Minorias, para Câmara Técnica de Comunidades Tradicionais e início do processo de discução e alteração do Regimento Interno do Comitê com apliação do número de vagas, justa reivindicação dos Povos Indígenas da Bacia. 7- Participação em diversas discussões para a aprovação da proposta da PEC 524/02, que cria o fundo de Revitalização da Bacia do Rio São Francisco, em trâmite na Câmara dos Deputados e objetiva financiar, durante 20 anos, projetos para a revitalização do rio, com a participação de União, Estados e Municípios; 8- Participação em diversos fóruns e eventos sobre a transposição do São Francisco defendendo sempre as deliberaões aprovadas em plenárias do CBHSF.
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Cabe ressaltar também, os Estados da bacia que vêm dando a sua colaboração, destacando-se a Bahia, por ter assumido firmar um convênio com a ANA para possibilitar a estruturação e o funcionamento da Secretaria Executiva do CBHSF e que teve na figura de Manfredo Cardoso, Diretor Geral da Superintendência de Recursos Hídricos - SRH, grande colaborador e entusiasta do CBHSF, e Minas Gerais, também pelas suas ações estruturantes para operacionalização do referido Comitê, por meio do seu Secretário, José Carlos Carvalho. Face à necessidade em atender às exigências da legislação eleitoral, o companheiro Anivaldo Miranda e eu precisamos nos afastar da diretoria que passou a ser dirigida, de forma exemplar, pelo trio por demais conhecido de todos e que vem, ao longo deste tempo, dando estabilidade e consolidando as ações do CBHSF, nomeadamente: Presidente – José Carlos Carvalho; Vice-Presidente – Luis Carlos Fontes; e Secretária Executiva – Yvonilde Medeiros, professora da Universidade Federal da Bahia - UFBa, destemida defensora da bacia, respeitada técnica, reconhecida nacional e internacionalmente, que vem respondendo com segurança pela sua função. A construção da democracia requer posições que valorize os princípios da participação, ressaltando os fundamentos éticos e morais de todos os atores envolvidos – as práticas devem indicar os princípios democráticos, a superação das desigualdades e assimetrias nos campos institucionais, sociais, políticos e econômicos – como fundamentos de construção de uma nova “práxis”. Assim, concluo feliz por ter dado a minha singela contribuição, mais doando o melhor de mim para a construção de um processo importante na gestão da bacia do São Francisco, reiterando a importância que foi ter podido participar do CBHSF, como membro e como presidente, oportunidade essa que em muito enriqueceu a minha vida pessoal e política.
TRANSPOSIÇÃO Apesar da agenda positiva estabelecida pelo Comitê, a insatisfação e a repulsa do mesmo ficou conhecida em nível nacional, em face ao desrespeito do Governo Federal ao estabelecido pelo Plano de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, aprovado pelo plenário, quanto à deliberação referente aos USOS EXTERNOS de suas águas, tendo sido aprovado apenas para: “Abastecimento humano e dessedentação animal para áreas em situação de comprovada escassez hídrica”. “É preciso reconhecer e entender que a participação nos processos, integração da gestão e sustentabilidade são diretrizes sérias e não conceitos, que buscam modernizar e oferecer caráter de legitimidade às decisões e ações. O que legitima de fato uma Lei é a prática dela, com respeito” Jorge Khoury XVI Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos da ABRH João Pessoa / PB, 24/11/05 (*) Deputado Federal, foi vice-presidente da 1ª Gestão e presidente na 2ª Gestão do CBHSF dep.jorgekhoury@uol.com.br
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UMA AVENTURA DEMOCRÁTICA
Anivaldo de Miranda1*
Quando as pessoas se engajaram na criação do Comitê do São Francisco, já sabiam que iriam atuar no cenário de uma bacia hidrográfica importantíssima para o Brasil. Afinal, além de abrigar o rio que foi uma das portas de entrada da nossa civilização pósdescobrimento, essa bacia está incrustada no coração do nosso país, articulando economias, culturas, problemáticas e realidades essenciais à nossa identidade nacional. O que essas pessoas não sabiam, entretanto, era do extraordinário alcance que a construção desse Comitê ganharia por artes e armadilhas do destino. Foi esse destino que colocou à prova, desde o primeiro momento, a determinação, a lucidez e a coragem dos atores dessa construção. Teoricamente, os comitês de bacias hidrográficas foram criados para funcionar como a base da pirâmide que representa o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. O seu principal simbolismo e função residiria na necessidade de se converterem em “parlamentos das águas” e na representação plural da sociedade dentro do contexto de uma política de gestão das águas e do espaço capaz de transformar as bacias hidrográficas em unidades privilegiadas do planejamento e do desenvolvimento. Como é da tradição de nossa elite governante cavar abismos profundos entre a excelência do conteúdo democrático das nossas leis e a prática autoritária da relação material entre o Estado e o conjunto da sociedade civil, logo, logo o Comitê do São Francisco foi desafiado naquilo que constitue a essência de sua existência, ou seja, a sua autonomia, as suas prerrogativas e as suas competências legais. O detonador desse desafio foi o Projeto da Transposição, na medida em que contrapôs. de imediato, a vigorosa energia cívica dos fundadores do CBHSF, à frieza burocrática das duvidosas “razões de Estado” e de mercado que animam a megaobra
do governo, por cuja viabilização os agentes do Estado estão dispostos a triturar o espírito das leis e da democracia participativa. Foi no Baixo São Francisco, precisamente na II Plenária do CBHSF, na histórica cidade de Penedo, em 2003, que esse conflito de visões e de concepções do desenvolvimento veio à tona com toda a força. E foi ali que a maioria dos membros do Comitê, embebidos do “espírito franciscano” tão vivo naquelas paragens, resolveu resistir às pressões do governo e afirmar a essência democrática da Lei 9.433. Talvez por ser o palco dos principais impactos ambientais oriundos das intervenções humanas na bacia, a situação do Baixo São Francisco tenha inspirado ainda mais aos membros do Comitê, de Minas, passando pela Bahia e Pernambuco, até Sergipe e Alagoas, a resistirem desde o começo àquela visão tecnocrática que teima em considerar o CBHSF e os outros comitês, como meros órgãos homologatórios, passivos, restritos apenas à aprovação do universo de atos administrativos como, por exemplo, a cobrança pelos direitos de uso das águas. Sacrificado durante décadas pelo assoreamento do São Francisco, pela erosão de suas margens, pela morte de suas várzeas, pela redução
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UMA AVENTURA DEMOCRÁTICA
da navegabilidade, pela perda dramática da biodiversidade local, pelos impactos profundos na zona costeira e pela decadência de suas cidades ribeirinhas, o Baixo São Francisco é o retrato vivo de uma realidade geopolítica que não pode ser abordada apenas com visões convencionais tecnocráticas e compartimentadas Reduzir o papel do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco ao cadastramento dos usuários, à implantação da agência de bacia e do sistema de cobrança pelas águas não é exatamente o que pensa a maioria dos seus membros. O CBHSF quer muito mais. Quer ser também o porta-voz da verdadeira gestão das águas e do espaço. Quer ser instrumento de organização da sociedade. Quer ser incentivador do debate do desenvolvimento. Quer ser lugar de intermediação dos conflitos da água com o olhar da sustentabilidade. Revendo a trajetória da Câmara Consultiva do Baixo São Francisco, quando incluímos em sua pauta temas candentes como o debate sobre as novas barragens que a CHESF quer implantar, sobre energias alternativas, sobre vazão ecológica, sobre enchentes artificiais, sobre biodiversidade, recuperação da vegetação ciliar e vocações sustentáveis de crescimento econômico, como o ecoturismo, o artesanato e a piscicultura, não estamos plenamente satisfeitos com os resultados obtidos, devido às limitações materiais impostas ao Comitê, mas nem por isso deixamos de ficar felizes por ter consciência plena de que cada um de nós fez um esforço significativo para a curta mas brava história que estamos escrevendo. Essa história é uma aventura política de envergadura porque, através de sua resistência e clareza, nosso Comitê está antenado com o futuro. E não somente com o futuro da gestão das águas e do espaço na iminência dos tempos difíceis do aquecimento planetário. Está antenado também com
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o futuro da democracia brasileira, que só ficará à altura dos seus grandes desafios se for capaz de ganhar novos conteúdos, dentre estes o caráter participativo do qual o CBHSF é um exemplo digno de nota.
(*) Jornalista e representante do Forum de Defesa Ambiental de Alagoas no CBHSF, ex- Secretario Executivo do CBHSF. anivaldo-miranda@gmail.com.br
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CAMINHO DAS ÁGUAS
Edison Ribeiro*
Escrever sobre a minha participação no processo da gestão dos recursos hídricos da bacia do rio São Francisco remete a década de 80 que foi muito significativa no Brasil e na Bahia, dando início às discussões em torno das preocupações ambientais. Vi nascer um grupo de artistas, cantadores, ambientalistas articulados em torno da instituição Associação Pra Barca Andar, entidade com sede em Montes Claro – MG, que programaram e fizeram uma viagem que teve seu ponto de partida em Xique-Xique-Ba, com a finalidade de cantar as maravilhas do “Velho Chico”, bem como discutir com os ribeirinhos os problemas ambientais da bacia do rio São Francisco. Grupo este que saúdo, em nome de Edson Duarte e de Inácio Loiola, cantador barranqueiro de Santo Inácio. Na década de 90, o Frei Dom Luiz Flávio Cappio, missionário da Diocese de Barra, juntamente com Orlando Rosa, Adriano Martins e a Irmã Conceição, tiveram a ousadia e a coragem para fazer a Peregrinação do Rio São Francisco, desde a nascente até a foz, discutindo com os ribeirinhos os problemas ambientais da bacia e passando uma mensagem de como as instituições e a população em geral deveriam se posicionar para cuidar do Velho Chico. Foram reuniões, palestras, celebrações, caminhadas e atos públicos, sempre passando mensagens positivas e gritos de alerta, tais como: “O São Francisco está morrendo” e “Não deixe o Velho Chico morrer”. Nesses encontros foram firmados com os participantes três compromissos: 1. Plante uma árvore; 2. Não jogue lixo no rio; 3. Denuncie os crimes contra o São Francisco. Já em 1997, a FUNDIFRAN, sediada em Ibotirama-Ba, teve a iniciativa de lançar uma campanha em defesa do Rio São Francisco, durante a I ª Semana do Rio São Francisco, com a promoção de atividades de sensibilização da população sobre impactos que a bacia hidrográfica vinha sofrendo pela exploração desordenada de seus recursos naturais. As atividades envolveram principalmente as escolas e comunidades ribeirinhas, por meio de palestras, reuniões, debates, caminhadas ecológicas, dentre outras. Vimos chegar o final da década de 90 com quase duas décadas de trabalho para mobilizar e sensibilizar a população e autoridades à respeito dos problemas ambientais que atingem o rio e hoje, o Velho Chico clama por ações mais concretas, por um amplo Programa de Revitalização para as suas margens, as nascentes e as veredas. Este Programa deve incluir a despoluição de suas águas, bem como o resgate cultural e a vida com dignidade para o seu povo ribeirinho. Caminhos do CBHSF Para falar dos caminhos do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco – CBHSF começo por homenagear um dos idealizadores pioneiros deste projeto, por promover um modelo diferenciado de gestão para a bacia do São Francisco, Dr. Theodomiro Araújo, o “Velho do Rio” ou o “Velho Theo”, como era carinhosamente chamado e que costumava dizer que “o sangue que corre nas minha veias deságuam no São Francisco”.
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CAMINHO DAS ÁGUAS
Eu, sendo filho natural de Xique-Xique / Ba, beiradeiro, filho de Enézio Ribeiro dos Santos e Maria Rodrigues dos Santos, nativos das barrancas do São Francisco, entre os municípios de Remanso antigo e Xique-Xique, tive o prazer de ter aprendido os ofícios do meu pai, pescar peixe, plantar roça e criar animais de pequeno porte. Estudei até a 4a serie na Ilha do Meio, carregando um banquinho na cabeça, pois não tinha carteiras da escola normal, só vim conhecer um prédio escolar no curso ginasial e hoje, sou concluinte do curso de Administração de Empresa pela UNOPAR, Universidade do Norte do Paraná. Em 1985, ingressei como voluntário em movimentos sociais por meio da Pastoral da Juventude, em 1995, fui contratado pela FUNDIFRAN, entidade a qual tenho orgulho de pertencer até hoje, como assessor técnico, nas áreas de associativismo, cooperativismo, gênero, educação ambiental e gestão dos recursos hídricos. E assim, como filho da terra e como bom beiradeiro, tive várias oportunidades de participar de debates com o Velho Théo, no esforço de juntar os interesses econômicos e a sustentabilidade ambiental da bacia hidrográfica do rio São Francisco. Todas as questões em torno do rio geravam muita polêmica entre os movimentos sócio-ambientais, técnicos da área e autoridades do setor, sem falar nos debates sobre a transposição das águas do São Francisco, que aumentaram ainda mais as polêmicas. Assim, no meio de todas essas questões, trilhou-se os primeiros caminhos do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco - CBHSF. Em meu nome e em nome da FUNDIFRAN saudamos os familiares do Velho Théo e desejamos um repouso em paz no leito do Velho Chico, por mais agonizante que seja a vida do São Francisco.
Francisco alcançou seu objetivo com sucesso devido, em grande parte, ao empenho pessoal de Dr. Theodomiro e da capacidade técnica da equipe coordenadora, pois falar de comitê de bacia, de gestão integrada e descentralizada, do novo modelo de gestão participativa era tudo muito novo e estranho para o povo da bacia. Por outro lado, não se tinha confiança na verdade da proposta apresentada, parecia tudo “enrolação” e mais discurso para fazer acontecer a transposição das águas do Velho Chico. Não só a população, como também as entidades sociais apresentavam desconfiança com relação ao processo, o próprio Fórum Permanente de Defesa do São Francisco só se envolveu depois de muito debate com a equipe do IMAN - Instituto Manuel Novaes, responsável pela coordenação da mobilização. Um outro fator que contribuiu para o processo de mobilização foi à peregrinação dos envolvidos junto aos prefeitos da bacia, mas uma vez houve empenho direto do Dr Theodomiro. Essa ação facilitou a logística local dos encontros municipais e principalmente os regionais, foram momentos de muito debate na bacia, nesta ocasião, tornou-se conhecida da população a Lei nº 9.433/97 e sua importância na gestão dos recursos hídricos. Desta forma, vimos o inicio da sensibilização da sociedade que começou a internalizar os princípios e os objetivos desse modelo de gestão por bacia hidrográfica. Eleição dos Membros
Na Bahia, a sociedade civil atuou fortemente através do Fórum Permanente de Defesa do São Francisco, que decidiu participar do processo eleitoral do Comitê orientando as instituições interessadas e ajudando a definir os critérios para participação nas plenárias e na eleição dos membros por segmentos. Para a FUNDIFRAN, uma entidade com forte atuação Processo de Mobilização do Comitê na bacia do São Francisco, com uma historia de luta O processo inicial de mobilização para em defesa das populações ribeirinhas, conservação formação do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São dos recursos naturais e da convivência com o Semi-
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árido, este processo foi muito importante, pois foi espírito de uma bacia integrada que devemos unir amplamente apoiado por mais de 60 entidades na todos os nossos esforços para a recuperação plenária setorial, realizada em Juazeiro da Bahia, em hidroambiental deste patrimônio da humanidade. 16 de setembro de 2002. “O rio que gera vida não pode morrer!” Toda esta experiência leva a crer que um processo de eleição como este, para uma bacia que “Vamos Salvar o Velho Chico!” tem a dimensão como a do rio São Francisco, torna imprescindível uma ampla mobilização com instituições, fóruns regionais, estaduais e até nacional para assegurar maior legitimidade na eleição dos seus representantes. Conquistas e Desafios do CBHSF O reconhecimento do CBHSF como órgão de gestão das águas do São Francisco, com visibilidade na mídia nacional, ocorreu durante o processo de elaboração e aprovação do Plano de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, que possibilitou a realização de um amplo debate sobre a Lei de Recursos Hídricos, a 9.433/97. O Comitê cumpriu o seu papel fundamental de possibilitar o debate sobre as questões que diziam respeito ao gerenciamento de suas águas, mas durante este processo ficou evidenciado a farsa da transposição. Porém, a partir do pedido de vista do Governo Federal, pelo representante do MMA, para a deliberação que tratava dos usos externos da água da bacia, o Governo desperdiçou a oportunidade de fazer um amplo debate no São Francisco sobre o Projeto de Transposição e sobre a Revitalização, durante a Reunião Plenária, realizada em Juazeiro / BA, para aprovação do referido Plano. Aquele era um momento único e importante, pois haviam sido mobilizadas mais de 5 mil pessoas em toda bacia, que queriam e mereciam esta discussão. Na democracia se aprende que é na divergência que se constrói a convergência. Na gestão democrática, descentralizada e participativa é na diversidade que se constrói a unidade. É com este
Imagens da Degradação do Rio São Francisco
(*) Coordenador da CCRMSF e Presidente do CBH-Verde Jacaré edison@fundifran.org.br
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VAZÃO ECOLÓGICA NO RIO SÃO FRANCISCO Robson Sarmento*
O conflito entre a proteção do habitat dos organismos aquáticos e a crescente demanda para a captação de água nos rios, para diferentes usos, é um problema para a gestão dos recursos hídricos. Hoje a competição entre as captações de água e os requerimentos da fauna aquática é uma realidade. Os métodos para a determinação da vazão ecológica são usados para minimizar o impacto dessas captações de água nos recursos aquáticos. A complexidade dos estudos de vazão ecológica é dependente dos objetivos e dos recursos necessitando proteção, bem como a magnitude do projeto. A existência de inúmeros métodos para o conhecimento dessa vazão complica este processo. Os métodos têm sido classificados em várias categorias, refletindo a variação da complexidade na sua aplicação. Em adição, há de se considerar a disparidade entre os resultados apresentados por diferentes metodologias atualmente utilizadas, dificultando o estabelecimento da vazão ecológica. O rio São Francisco tem recursos hídricos que sustentam ecossistemas aquáticos produtivos e muitos usos pelos humanos (p.ex. pesca, geração de energia elétrica, irrigação, abastecimento de água potável, usos industriais, recreação, navegação, etc). O conhecimento da sua vazão ecológica para a gestão dos seus recursos hídricos é um dos objetivos do CBHSF, juntamente com a ANA – Agência Nacional das Águas e a UNESCO. A Deliberação do CBHSF N.º 13, de 30 de julho de 2004, apresenta premissas básicas e recomendações para a implementação da fiscalização integrada propostas pelo Plano de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, e no Art. 6 estabelece a promoção de estudos e implementação de uma rede básica para desenvolvimento de metodologia para determinação de critérios e valores de vazão ecológica para os rios da bacia do rio São Francisco, para regime de vazões ecológicas para os trechos regularizados por barragens e para a foz do Rio São Francisco. A CTPPP – Câmara Técnica de Planos, Programas e Projetos do CBHSF detalhou o perfil do profissional desejado para a execução do estudo sobre vazão ecológica e qual seria a melhor forma de execução do trabalho. Em 12 de julho de 2006, foram consideradas a discussão detalhada e construção da versão final dos Termos de Referência sobre vazão ecológica. Aos quinze dias do mês de agosto do ano dois mil e seis foi realizada a leitura dos Termos de Referência para contratação de pessoa física para a elaboração de estado da arte e para a contratação de empresa para apoiar a realização de oficina sobre vazão ecológica. Em 19 de outubro de 2006, tratou-se do andamento do TDR da vazão ecológica. Além disso, foram abordados os temas para a Oficina. Em novembro de 2006, foi realizada na cidade de Maceió pelo CBHSF a “Oficina de Vazão Ecológica: bacia hidrográfica do rio São Francisco”, abrangendo: Vazão Ecológica: 1- Base Conceitual, 2- Metodologias, definição de parâmetros e critérios, 3- Exemplos práticos (“cases”), 4- Estado de arte do tema “Vazões Ecológicas” - versão preliminar; 5- Tentativa de definição da aplicabilidade prática das técnicas à bacia do rio São Francisco. Em função disso, foi elaborado o estudo, intitulado “Estado da arte acerca da vazão ecológica, no Brasil e no Mundo”, em atendimento contratual ao Edital N.º 05 do ano de 2006, PROJETO 704BRA2041 da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO, com a gestão conjunta
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RIO SÃO FRANCISCO
CBHSF
VAZÃO ECOLÓGICA NO
Características dos Principais Métodos para Determinação da Vazão Ecológica
*** - The World Bank, 2003.
da ANA e do CBHSF. Além disso, foi desenvolvido TDR - Termo de Referência para a contratação futura de serviços visando o conhecimento da vazão ecológica do baixo rio São Francisco. Para o desenvolvimento do estudo e do TDR foi observado o que preconiza o Plano de Trabalho apresentado à UNESCO, em conformidade com o Edital já citado. Em adição, foram utilizadas informações da Oficina de Vazão Ecológica: bacia hidrográfica do rio São Francisco ocorrida em 24-25 de Novembro de 2006, na cidade de Maceió realizada pelo CBHSF - Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco. O relatório final do estudo é constituído de: I – essa apresentação, II – vazão ecológica-terminologia, III – marco legal no Brasil, IV – estado da arte da vazão ecológica no mundo e no Brasil, V- cenário atual no uso das metodologias, VI - a vazão ecológica no contexto do rio São Francisco, VII – referências. O gerenciamento do trabalho foi feito pela Dra. Flávia Gomes de Barros responsável pela Gerência de Gestão de Recursos Hídricos da ANA – Agência Nacional de Águas, a Dra. Yvonilde Medeiros Secretária Executiva do CBHSF, e José Carlos Queiroz e Wilde Cardoso Gontijo Júnior, da ANA, que também contribuíram na revisão do relatório final.
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TRANSPOSIÇÃO
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VAZÃO ECOLÓGICA NO RIO SÃO FRANCISCO
Existem várias terminologias para o conceito de vazão ecológica, como por exemplo: a) vazão ecológica (s): - é a água fluindo num rio (IFC 2004); - é a demanda necessária de água a manter num rio de forma a assegurar a manutenção e conservação dos ecossistemas aquáticos naturais, aspectos da paisagem de outros de interesse científico ou cultural ( J.M. Bernardo, 1996, em J. Gondim, 2006);
- a quantidade de água que deve ser mantida no rio, ou que é lançada dentro dele, para atender o objetivo o objetivo específico da gestão de tal ecossistema (Nota Técnica C1“Concepts and Methods” do Banco Mundial, em J. Gondim, 2006);
g) vazão de referência - “vazão do corpo hídrico utilizada como base para o
b) também chamadas de ambientais, residuais, ou processo de gestão, tendo em vista o uso múltiplo das remanescentes águas e a necessária articulação das instâncias do Sistema – quantidade de água que permanece no leito dos rios Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA e do Sistema depois de retiradas para atender usos externos como Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos – abastecimento público, industrial, irrigação, dessedentação SINGREH” (Resolução CONAMA n. 357/2005). de animais, energia elétrica, etc. (Bennetti, A.D., 2003, em J. Gondim, 2006);
h) “Instream Flow Requirements – IFRs” c) vazão mínima residual - é um valor de referência que deve ser mantido no trecho de um rio a jusante de um barramento ou de uma retirada de água (Collischonn & Gusmão Angra, 2004, em J. Gondim, 2006);
- vazões requeridas para a manutenção de peixes (Nota Técnica C1- “Concepts and Methods” do Banco Mundial, em J. Gondim, 2006); parte do tempo (Nota Técnica C1“Concepts and Methods” do Banco Mundial, em J. Gondim, 2006);
d) vazão mínima ecológica - vazão que se deve garantir a jusante de uma estrutura de armazenagem (barragem) ou captação (tomada de água), para que se mantenham as condições ecológicas naturais de um rio, em J. Gondim, 2006;
e) vazão de preservação ambiental - é a vazão necessária para manter as funções dos ecossistemas que compõem o rio, nos seus leitos menores e maiores. Em outras palavras, é um valor (ou valores) que preserva as condições de pulso hidrológico, transporte de sedimentos e nutrientes, sincronicidade com o ciclo da vida das espécies silvestres, da fauna, da flora e a taxa de perturbações necessárias à renovação e funcionamento dos ecossistemas associados ao curso de água (Jussara Cruz, em J. Gondim, 2006);
f) vazões ambientais: - regime de vazões a ser mantido no rio, nas áreas úmidas e nas áreas costeiras de modo a preservar os ecossistemas e seus benefícios onde existir competição pelos usos da água e onde as vazões são reguladas (Nota Técnica C1“Concepts and Methods” do Banco Mundial, em J. Gondim, 2006);
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i) “Maintenance IFR” - regime hidrológico requerido para manter todas as funções dos ecossistemas fluviais, e garantir a reprodução de plantas e animais na maior parte do tempo (Nota Técnica C1- “Concepts and Methods” do Banco Mundial, em J. Gondim, 2006);
j) “Drought IFR” - um regime hidrológico drasticamente reduzido aplicável em anos de secas, de modo a garantir a sobrevivência de espécies, mas sem provisões para sua reprodução (Nota Técnica C1- “Concepts and Methods” do Banco Mundial, em J. Gondim, 2006);
k) “Minimum Flow” - termo genérico utilizado para descrever as vazões requeridas à manutenção de determinada característica de um ecossistema. Esse conceito surgiu nos EUA como uma vazão remanescente para limitar as captações durante os períodos de seca, podendo ou não ter relevância para as regiões áridas (Nota Técnica C1- “Concepts and Methods” do Banco Mundial, em J. Gondim, 2006);
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VAZÃO ECOLÓGICA NO
Grupo de trabalho durante a oficina
No estudo realizado, todos os termos § 1º Adotar, provisoriamente, a vazão média descritos e contidos na literatura existente consultada, são tratados de forma equivalente ao termo vazão anual de 1.500 m³/s, como a vazão remanescente na ecológica, pois todos eles têm como objetivo central foz do rio São Francisco. proteger a natureza, de forma direta ou indireta. § 2º Indica-se como prioridade o A Deliberação CBHSF N.º 08, de 30 de julho desenvolvimento imediato de estudos para a busca de 2004, define a disponibilidade hídrica, vazão do conhecimento não só sobre a vazão mínima máxima de consumo potável, as vazões ecológica, mas também sobre a possibilidade do remanescente média e mínima ecológica na foz como estabelecimento de um regime de vazões ecológicas parte integrante do Plano de Recursos Hídricos da que possibilite variações sazonais de vazões, ambos Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, e especifica necessários para a manutenção da biodiversidade e do equilíbrio da dinâmica ambiental ao longo de toda que: a calha do rio São Francisco e dos principais afluentes Art 4º Adotar, provisoriamente, a vazão média que receberem reservatórios hidrelétricos, e ainda diária de 1.300 m³/s, como vazão mínima ecológica na sua foz e na zona costeira adjacente. na foz, até que se proceda à revisão ou confirmação Estes estudos deverão ainda contemplar deste valor na próxima edição do Plano. estratégias de manutenção do fluxo de nutrientes, de § 1º A vazão mínima ecológica deve garantir montante para jusante, afetado pelos grandes a manutenção dos ecossistemas e a preservação da barramentos hidrelétricos. biodiversidade aquática e não pode ser praticada de forma contínua. Art 5º As vazões remanescentes nos rios da bacia, após a alocação de água para usos consuntivos, devem ser superiores às vazões mínimas necessárias para manutenção da biota aquática em cada trecho dos rios.
(*) Eng. Espec. M.Sc. PhD, Consultor da Unesco robson.sarmento@terra.com.br
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PROCESSO DE DEFINIÇÃO DA COBRANÇA PELO USO DOS RECURSOS HÍDRICOS NA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO Jaildo Santos Pereira*
A aplicação dos instrumentos da Política de Recursos Hídricos deverá contribuir para a mudança do comportamento da sociedade, promovendo um aumento da conscientização de que a água é um bem precioso, limitado e dotado de valor econômico. A utilização dos instrumentos promoverá a proteção do meio ambiente e do capital natural, colaborará para mitigar os conflitos pelo uso da água, criando condições para que o desenvolvimento sustentável, no âmbito da bacia hidrográfica, seja assegurado. Para que os objetivos da Política Nacional de Recursos Hídricos sejam alcançados é necessário, no que se refere aos usos dos instrumentos, que sejam utilizados em conjunto, pois existe uma forte ligação entre eles, conforme ilustra a Figura 1.
Figura 1 – Instrumentos da Política de Recursos Hídricos
No esquema acima, o Sistema Nacional de Informações de Recursos Hídricos – SNIRH fornecerá as informações fundamentais para o desenvolvimento dos Planos de Recursos Hídricos que por sua vez, à medida que são implementados, alimentarão o Sistema de Informações. Os Planos de Recursos Hídricos, como estabelece a própria Lei 9.433/97, são planos diretores que visam a fundamentar e orientar a implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e o gerenciamento dos recursos hídricos. São planos de longo prazo, com horizonte de planejamento compatível com o período de implantação de seus programas e projetos. Ou seja, o plano, como um
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documento estratégico, traduzirá sob a forma de metas, quantitativas e qualitativas, os objetivos que a sociedade pretende alcançar. Com base nesses objetivos definirá como o enquadramento, a outorga e a cobrança serão aplicados. A COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA NA BACIA DO SÃO FRANCISCO A bacia hidrográfica do rio São Francisco já dispõe de um Plano de Recursos Hídricos e durante seu processo de construção foi ressaltada a necessidade e a oportunidade do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco - CBHSF iniciar imediatamente o processo de cobrança pelo uso da água, observando sempre que os instrumentos de gestão de recursos hídricos apresentam forte interdependência. Nesse sentido, o CBHSF aprovou algumas deliberações tratando do tema cobrança, notadamente a Deliberação no 16, de 30 de julho de 2004, que dispõe sobre as diretrizes e critérios para a cobrança pelo uso dos recursos hídricos na bacia do rio São Francisco e a Deliberação no 31, de 14 de julho de 2006, que dispõe sobre mecanismos para a implantação da cobrança pelo uso de recursos hídricos na bacia hidrográfica do rio São Francisco. Essas deliberações, além de estabelecerem alguns condicionantes para a aplicação da cobrança, solicitam à Agência Nacional de Águas - ANA a realização de um estudo prognóstico sobre a viabilidade econômico-financeira para a criação da Agência da Bacia e/ou entidade delegatária da bacia hidrográfica do São Francisco (Art. 2º da Deliberação no 31, de 14 de julho de 2006). A Deliberação no 31/2006 estabelece ainda que o estudo deverá conter elementos que subsidiem a decisão do CBHSF e dos comitês de bacias de rios afluentes na proposição de valores a serem cobrados pelos usos dos recursos hídricos, bem como referentes a critérios e mecanismos de cobrança pelo uso de recursos hídricos. A referida deliberação determinou que os estudos mencionados anteriormente devem ser acompanhados e avaliados pela Câmara Técnica de Outorga e Cobrança – CTOC / CBHSF.
Para atender parte dessas demandas a Agência Nacional de Águas contratou, através da SDP no 1.399/ 2006, a realização de estudos na área de cobrança pelo uso da água com o objetivo de estabelecer critérios e condições que possibilitem a aplicação desse instrumento na bacia hidrográfica do rio São Francisco. Esse estudo prevê a realização das seguintes atividades:
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PROCESSO DE DEFINIÇÃO DA COBRANÇA PELO USO DOS RECURSOS HÍDRICOS NA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO
Simulação de valores a serem cobrados as simulações serão realizadas tomando-se por base as informações dos usuários característicos definidos na etapa anterior e os mecanismos e valores de cobrança atualmente utilizados nas bacias hidrográficas dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí – PCJ e na bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul – CEIVAP.
Avaliação dos aspectos institucionais e O estudo está sendo realizado pela Gama legais da cobrança nos Estados que compõem a Engenharia de Recursos Hídricos Ltda com o bacia do rio São Francisco - nessa primeira etapa acompanhamento da CTCOC / CBHSF e deverá ser será realizado um levantamento dos aspectos concluído no próximo mês (agosto de 2007). institucionais e das normas legais relacionados à cobrança pelo uso de recursos hídricos nas Unidades da Federação que compõem a bacia do rio São Francisco, bem como na própria União, com o objetivo de avaliar a existência de condições para implementação da cobrança nessas Unidades; Definição dos usuários característicos para fins de simulação de cobrança - com base nas informações do Cadastro Nacional de Usuários de Recursos Hídricos – CNURH, do Plano Decenal de Recursos Hídricos da Bacia do Rio São Francisco - PBHSF, dos Planos de Recursos Hídricos das Unidades da Federação que compõem a área em estudo, do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNIS, censos do IBGE, bem como de outros documentos pertinentes, será realizada uma ampla análise dos usos da água na bacia, com o objetivo de definir os usuários característicos ou representativos da bacia por setor e segundo o porte do empreendimento. Avaliação da capacidade de pagamento por setores usuários - nesse trabalho a avaliação da capacidade de pagamento pelo uso da água será definida com base nos custos de produção, nas receitas obtidas e no lucro de cada um dos usuários característicos selecionados na etapa anterior. No caso do setor de saneamento será considerada também a tarifa média de água e de esgoto praticada pela companhia selecionada.
XIII e XIV Plenárias - Salvador - BA
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA: BRASIL. Lei Federal nº 9.433, de 08 de janeiro de 1997. Instituia Política Nacional de Recursos Hídricos e cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Disponível em: <http://www.cnrh-srh.gov.br/>. Acesso em: 26 de maio. 2006.
(*) Consultor / Gama Engenharia de Recursos Hídricos Ltda. jaildo@gamaengenharia.com.br.
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A AGÊNCIA DE ÁGUAS DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO : É PRECISO? Wilde Cardoso Gontijo Júnior *
A implementação do sistema de gerenciamento dos recursos hídricos do Brasil, proposto pela Política Nacional instituída pela Lei nº 9.433, de 1997, consiste na criação e consolidação de um tripé de organismos, atuando descentralizadamente por bacia hidrográfica. Cada um destes organismos deve exercer suas funções sem que haja superposição de atuação, com garantia de autonomia na parte que lhes cabem na gestão, porém, de forma integrada para que seja dada efetividade à política de usos dos recursos hídricos em cada bacia. Esse tripé deverá compor-se: do comitê da bacia, da agência de águas e do órgão regulador do Estado. Em bacias onde há mais de um domínio para os cursos d’água, conforme definido pela Constituição Federal, a regulação deverá ser exercida por diferentes organismos: um no âmbito da União – hoje atribuição da Agência Nacional de Águas - ANA – e um para cada um dos estados federados que têm cursos d’água nessa bacia hidrográfica. Para o comitê e para a agência de águas, no entanto, a legislação define que tratam-se de organismos com competência para exercer as funções complementares na sua área de atuação. Em bacias com rios de domínio da União, o sistema brasileiro possibilita que haja comitês de bacia e de tributários do curso principal dessa bacia, criandose o que hoje se observa na bacia do rio São
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Francisco: um comitê com abrangência para toda a bacia e diversos comitês de bacias de rios afluentes. A legislação permite, ainda, que podem ser criadas agências de água que atendam às demandas de um ou de mais de um destes comitês. Apesar da previsão legal de que esses organismos atuem de forma integrada e articulada, isso não é muito fácil de se realizar em processos políticos complexos. Disputas políticas podem dificultar que se implemente a gestão garantindo os caros fundamentos das leis das águas no que se refere à descentralização do processo decisório e à participação das comunidades e usuários na definição dos usos das águas em cada bacia hidrográfica. Essas afirmações iniciais buscam apresentar o contexto institucional no qual se insere a discussão de uma agência de águas para a bacia do rio São Francisco, que atenda ao Comitê da Bacia e que possa vir a ser prestadora de serviços aos demais comitês. Essa é a tarefa que o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco – CBHSF tem enfrentado nos últimos meses. O CBHSF deliberou em 14 de julho de 2006, por intermédio da Deliberação nº 30, que deveriam ser elaborados estudos para a implantação da agência de águas para a bacia do São Francisco. Demandou à ANA a sua contratação visando avaliar a viabilidade de uma agência de águas para toda a bacia, as formas jurídicas dispostas pela legislação nacional e as condições que deveriam ser oferecidas para que esta agência se estabelecesse. Paralelamente, solicitou que a ANA contratasse estudos sobre a implantação da cobrança pelo uso dos recursos hídricos na bacia, avaliando critérios, mecanismos e valores, assim como o impacto da implantação desse instrumento nos insumos produtivos dos usuários das águas. Segundo a legislação, a agência de águas deverá ter sua sustentabilidade financeira garantida pelos recursos arrecadados pela cobrança pelo uso, podendo utilizar, no máximo, 7,5% desses valores no custeio administrativo e na instalação da entidade. Os estudos para a cobrança estão sendo realizados diretamente pela ANA, com o apoio de uma empresa contratada para tal. Os seus resultados vêm
FRANCISCO : É PRECISO?
sendo discutidos no âmbito do CBHSF, com acompanhamento e avaliação das suas câmaras técnicas. Um grande debate deverá fazer interagir os valores que devem ser propostos para que se dê a sustentabilidade financeira da agência, e o atendimento aos demais objetivos da cobrança: indução ao uso racional e a destinação de recursos necessários para a gestão e recuperação dos recursos hídricos da bacia. Assim, com a realização dos estudos sobre a agência e a cobrança, poderá o Comitê deliberar sobre a continuidade da implantação do sistema de gestão na bacia. Os estudos sobre a agência foram contratados junto à Dra. Maria Luiza Granziera, especialista no tema, e foram divididos em quatro etapas: • 1ª elaboração de um Plano de Trabalho que contemplasse avaliar as expectativas dos membros do Comitê, de intervenientes na gestão nas diferentes regiões da bacia, bem como analisar as experiências em curso no país; • 2ª estudo das disposições legais no âmbito da União e dos Estados com território na bacia, para a implantação de agências de águas; • 3ª avaliação das distintas personalidades jurídicas previstas no direito civil brasileiro e sua aplicação à figura da agência de águas; • 4ª avaliação das alternativas institucionais que poderão melhor atender às necessidades da criação e instalação da Agência de Águas da Bacia do Rio São Francisco. O CBHSF aprovou o Plano de Trabalho apresentado, o que permitiu a elaboração de diversos produtos a subsidiarem o processo de avaliação e deliberação pelo Plenário do Comitê. Tais produtos encontram-se, na íntegra, na página eletrônica do Comitê e serão apresentados, sucintamente, a seguir. O produto gerado na 2ª etapa dos estudos mostra uma grande convergência entre as legislações nacional e estaduais: vê-se que o disposto nas leis estaduais é basicamente o mesmo que se definiu na Lei federal n° 9.433 para o sistema de gerenciamento. A agência de águas é definida como organismo técnico auxiliar para as deliberações do comitê e, estas diretrizes para a regulação dos usos pelos organismos de estado.
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A AGÊNCIA DE ÁGUAS DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO
Esse produto, no entanto, mostra que, apesar de dez anos passados da existência da legislação nacional, não há hoje no país nenhuma agência de águas instalada conforme prevê a lei. A figura existente em duas bacias com rios de domínio da União (Paraíba do Sul e Piracicaba, Capivari e Jundiaí), que exerce funções de agência, foi criada graças à Lei n° 10.881, de 2004. Por essa lei, possibilitou-se que organizações civis pudessem receber, do Conselho Nacional de Recursos Hídricos, a delegação para esse exercício, chamadas a partir daí de entidades delegatárias. Essa lei, no entanto, só encontra paralela no Estado de Minas Gerais onde são chamadas de entidades equiparadas. A Lei n° 10.881 estabeleceu ainda que a arrecadação dos valores da cobrança não pode ser feita pela entidade delegatária e sim pelo órgão regulador competente; e que esses recursos devem ser transferidos obrigatoriamente para a entidade que exerce as funções de agência. Foi garantido, assim, o retorno dos valores arrecadados para a bacia e a sua aplicação direta pela “agência de águas”, de acordo com o plano de aplicação definido pelo comitê da bacia. Uma outra novidade dessa Lei foi o estabelecimento, obrigatório, de um contrato de gestão a ser celebrado entre a ANA e a entidade delegatária, após manifestação do comitê da bacia e aprovação do Ministério do Meio Ambiente. Por meio desse contrato são estabelecidas metas para a gestão da “agência”, estas são avaliadas por indicadores de desempenho e, de acordo com os resultados alcançados, prorrogado ou não o contrato celebrado. Esse processo apresenta três características importantes na definição de atribuições e pactos no âmbito do sistema de gerenciamento da bacia: • 1º a cobrança de resultados a serem alcançados pela entidade; • 2º a eficiência, eficácia e efetividade das suas ações;
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A AGÊNCIA DE ÁGUAS DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO : É PRECISO?
• 3º a implantação de um relacionamento contratual com o comitê da bacia. Essa terceira característica, a contratualização de resultados de gestão, estabelece um processo objetivo e eficiente na relação entre os organismos do “tripé” de gerenciamento na bacia. Objetivo porque busca evitar tratamentos políticos ou partidários à atuação da entidade delegatária, tratamento esse que poderia estabelecer conflitos permanentes com o comitê (disputa de espaço político) ou permitir julgamentos subjetivos e nãocontratualizados; eficiente porque estabelece um pacto de gestão que permite à “agência” desenvolver seu programa de trabalho buscando atender às metas ali estabelecidas, planejando suas ações a médio e longo prazos. Se essas metas refletirem aquelas
presentes no Plano de Recursos Hídricos da bacia, estará sendo instituído um sistema subsidiário, eminentemente técnico, para o processo decisório do comitê. Do produto apresentado nessa etapa, podese concluir que uma entidade delegatária poderia ser implantada na bacia do rio São Francisco com base na legislação da União. Para que pudesse exercer funções para as unidades estaduais de gerenciamento e, conseqüentemente, receber recursos para sua atuação, à exceção do Estado de Minas Gerais, há necessidade de que uma legislação complementar
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seja implantada. Uma “10.881” estadual complementando a lacuna apresentada nas “9.433”s estaduais. A 3ª etapa dos estudos elaborados pela Dra. Maria Luiza avalia que há, na legislação vigente, dois caminhos a seguir: 1º implantação de uma agência de águas; ou 2º a implantação de uma entidade delegatária de suas funções. Para cada uma das opções foram estudadas todas as personalidades jurídicas e seu comportamento quanto aos seguintes critérios de avaliação: a) vinculação administrativa; b) procedimentos legais para sua criação e funcionamento; c) vinculação patrimonial; d) estrutura orgânica; e) indicação de dirigentes e contratação de servidores; f) procedimentos licitatórios; e) dispositivos de controle interno e externo. Reunindo as informações das 2ª e 3ª etapas dos estudos, na sua 4ª etapa, a análise dos diferentes critérios levou, então, à proposição de dois modelos, considerados mais adequados ao atendimento dos fundamentos das leis de recursos hídricos: o consórcio público de direito público como opção para a agência de águas e a associação civil para a entidade delegatária. O consórcio público de direito público é uma novidade na legislação brasileira, instituída por meio da Lei nº 11.107, de 2005. Trata-se de um ente criado exclusivamente por entes federados (municípios, estados e União), vinculado a todos os entes consorciados, e que é formado visando, principalmente, a gestão associada de serviços, o planejamento, a regulação e a execução de tarefas que devem envolver mais de um ente federado. Nesse aspecto é bastante adequado à gestão de recursos hídricos em uma bacia quando constituído pela União e pelos estados com território na bacia. Sua vinculação administrativa é exclusiva a organismos de estado, o que pode possibilitar pressões políticas que venham atrapalhar a execução de suas funções. A sua atuação deve ser pautada pelo que estabelece o chamado contrato de consórcio, peça reconhecida por todos os
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entes por meio de lei específica e que define suas estrutura e funções. Operacionalmente pode ter resultados contratualizados por meio do contrato de gestão contando, para isso, com flexibilizações na lei federal das licitações. O patrimônio, pessoal e sistemas de controle são públicos, regidos pela legislação pertinente. A associação civil, por sua vez, é a forma mais simples de organização de uma pessoa jurídica. Tem vinculação exclusiva a seus associados, devendo ter, obrigatoriamente, uma assembléia geral e uma diretoria. Pode receber a “filiação” de usuários, organizações civis e mesmo de entes da federação, estes por meio de leis autorizativas específicas. Ao receber recursos públicos, todas as ações que realizar com estes recursos deverão seguir os normativos públicos para contratação de pessoal, bens e serviços, estando, conseqüentemente, sujeita ao controle público. Segundo a legislação nacional, podem receber a delegação as organizações civis de recursos hídricos previstas no art. 47 da Lei n° 9.433, de 1997, resumidamente: consórcios intermunicipais, associações de usuários, associações técnicas e científicas não-públicas e organizações nãogovernamentais. As experiências em curso no país, da AGEVAP, na bacia do Rio Paraíba do Sul, e do Consórcio PCJ, nas bacias PCJ, seguem esse modelo. Os resultados dos estudos estabelecem uma agenda de discussões que deverão ser realizadas pelo CBHSF para a implantação da sua entidade executiva. Primeiramente, a legislação nacional impõe que o CBHSF deverá indicar como agência de águas uma única entidade para toda a bacia por ser esta a área de atuação do Comitê. Esta entidade, no entanto, poderá ser criada para que tenha a abrangência necessária de forma que possa atender a outros comitês, preferencialmente em bacias contíguas ou de rios afluentes ao rio São Francisco, que queiram aderir à sua proposta de trabalho. Em segundo lugar, independentemente da entidade escolhida, deve-se definir claramente funções e ações para a agência, evitando que
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A AGÊNCIA DE ÁGUAS DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO
discussões políticas do Comitê sejam migradas para o âmbito da entidade prejudicando sua atuação executiva. Para que isso aconteça, parece ser fundamental o fortalecimento político do Comitê e a contratualização de resultados com a entidade feita por critérios objetivos e visando resultados efetivos para os usos das águas na bacia. Por terceiro, há a necessidade de se construir as metas e condições de funcionamento da entidade garantindo sua governabilidade sobre os resultados e uma estrutura funcional adequada à demanda de entidade técnica capaz de atender à complexidade da gestão na bacia do rio São Francisco. O estabelecimento dessas condições deverá buscar a eminência técnica e a eficiência operacional: os recursos arrecadados pela cobrança devem garantir a sua independência financeira. Assim, à luz dos fundamentos e conceitos da legislação de recursos hídricos, espera-se que a agência de águas ou uma entidade delegataria de suas funções esteja vinculada por intermédio de um contrato (de gestão) com as metas estabelecidas pelo respectivo comitê da bacia. Espera-se, assim, garantir que imposições das políticas dos governos, das políticas setoriais dos usuários ou de organizações civis, não venham distorcer as funções técnicas da agência. Espera-se que as discussões das diferentes políticas para o uso das águas tenham o Comitê como o seu fórum exclusivo para definição daquela que há de ser a política pública para as águas em toda a bacia e a garantia do processo democrático pleno. Espera-se que a atuação dessa entidade possa ser a garantia de resultados para a sociedade quanto ao uso eficiente e democrático das águas na bacia.
(*) Especialista em recursos hidricos SAG- ANA wilde@ana.gov.br
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O COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO
Ana Cristina Mascarenhas*
O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco - CBHSF foi criado por meio do decreto presidencial de 5 de junho de 2001, com base nos princípios e diretrizes da Lei nº 9.433, de 1997, que instituiu a Política e o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. A história que precede a formação do CBHSF Antecederam ao modelo atual de Comitê de Bacia, o Comitê Especial de Estudos Integrados de Bacias Hidrográficas - CEEIBH, criado em 1978 pelo Governo Federal, com a edição da Portaria Interministerial Nº 90 dos Ministérios do Interior e de Minas e Energia, e que tinha a finalidade de promover a utilização racional dos recursos hídricos das bacias hidrográficas dos rios federais, por meio da integração dos planos e dos estudos setoriais, em desenvolvimento pelas diversas instituições para os rios brasileiros. Algumas bacias já apresentavam conflitos de uso e uma situação de degradação ambiental, decorrente da falta de controle das outorgas de direito de uso da água e da ausência de preocupação com a poluição dos corpos d’água. Como não era possível centralizar a administração em um único órgão, a solução vislumbrada pelo Governo Federal foi a criação de condições para que todos os órgãos envolvidos participassem com igual direito da administração daquele recurso natural. O modelo proposto de gerenciamento das águas por bacias hidrográficas mostrou ser uma solução para o impasse em que se
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encontrava a gestão da água e caracterizou-se como o primeiro passo para a gestão colegiada e descentralizada dos recursos hídricos no país. O CEEIBH era composto apenas por integrantes do Poder Público e tinha como principal atribuição classificar os cursos d’água, realizar estudos e acompanhar a utilização racional dos recursos hídricos das bacias hidrográficas dos rios de domínio da União, no sentido de promover o aproveitamento múltiplo de cada um e minimizar os impactos ambientais nas bacias hidrográficas. O CEIBH não tinha poder deliberativo, nem dispunha de recursos financeiros, no entanto realizou estudos fundamentais para o conhecimento da realidade das bacias. No caso do rio São Francisco, foi criado o Comitê Executivo de Estudos Integrados da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco – CEEIVASF, que teve o seu regimento interno aprovado pela Portaria Interministerial n.º 599, de 20 de abril de 1982, dos Ministérios das Minas e Energia e do Interior. Fazia parte da sua composição, alem dos órgãos públicos, empresas mistas da área de geração de energia e saneamento. Trabalhos desenvolvidos pelo CEEIVASF: • O Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado dos Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do São Francisco – 1982; • Projeto Gerencial 001/80 - Aspectos de Poluição devido ao Uso Inadequado de Defensivos Agrícolas, Fertilizantes, Corretivos e Detritos na Agricultura Medidos para seu Controle; • Projeto Gerencial 003/80 - Uso e Ocupação do Solo - Minas Gerais -1980; • Análise das Causas e Repercussões da Enchente ocorrida no mês de Abril de 1985 na Região do Baixo São Francisco e Recomendações para prevenção e Controle – 1985; • O Lago de Sobradinho e os Problemas decorrentes de seu Deplecionamento - CEEIVASF - Abril 1985; • Avaliação Preliminar sobre a situação dos Usos Múltiplos da Água e do Solo - Outubro 1980.
Em 1989, foi elaborado um Relatório de Gestão apontando que entre os problemas que limitavam as atividades do CEEIVASF identificavamse a ausência de poder deliberativo e, especialmente, da participação da sociedade da bacia. Apesar das ressalvas por parte de alguns membros do Comitê, as medidas apontadas no mencionado Relatório foram implementadas e a partir de então, as reuniões tiveram maior divulgação e passaram a ser itinerantes, abordando sempre temas relevantes para a bacia, trazidos pela sociedade, que passou a participar com freqüência, ainda que timidamente. Nessa época, foram criados 5 Comitês de Bacias em afluentes do rio São Francisco: Rio Verde Grande; Pará/Itapecirica; Borda do Lago de Três Marias; Verde/Mirorós e Paramirim. Tratavam-se de bacias que apresentavam conflitos mais significativos ou então correspondiam às regiões onde houvera a manifestação da sociedade para sua criação. Entretanto, essas iniciativas foram frustradas em face da ausência de poder deliberativo para implementar as decisões colegiadas. Além dos estudos técnicos, muitas ações foram estimuladas pelo CEEIVASF: • Em 1990, ocorreu um grande movimento que mobilizou a sociedade em torno do rio São Francisco e sua bacia, denominado “SOS São Francisco” que culminou com a criação, em 1996, do Instituto Manoel Novaes para o Desenvolvimento da Bacia do Rio São Francisco – IMAN, entidade civil sem fins lucrativos, que tinha como principais objetivos a recuperação da identidade social e a construção de um amplo programa de educação ambiental na bacia; • A mobilização para a criação da União das Prefeituras do Vale do São Francisco – UNIVALE, cujo objetivo era congregar os municípios mediante a participação dos prefeitos nas reuniões de discussão sobre a bacia; • A criação da CIPE - São Francisco, com a finalidade de integrar as Assembléias Legislativas dos Estados de Alagoas, Bahia, Minas Gerais, Pernambuco e Sergipe, irmanadas no esforço de procurar soluções conjuntas para o desenvolvimento sustentável da bacia hidrográfica do rio São Francisco. Temas
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O COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO
relevantes constaram da agenda da CIPE ressaltando a questão da transposição das águas do rio São Francisco e a hidrovia do São Francisco. Com a publicação da Lei Federal 9.433, em 1997, foi possível formalizar a criação dos comitês de bacia em rios de domínio da União, tendo sido pioneiros os Comitês de Bacia Hidrográfica dos rios Paraíba do Sul, Pomba Muriaé, Doce e São Francisco. O processo de criação do CBHSF Antecedeu a publicação do decreto de criação do CBHSF um amplo processo de mobilização social na região do São Francisco, que contou com a coordenação do IMAN e apoio técnico da ANA e dos órgãos gestores dos estados com território na bacia. Este processo buscou envolver o poder público em suas 3 esferas de atuação, os principais usuários da água e as entidades da sociedade civil organizada, contabilizando ao todo cerca de 6.000 pessoas. Após a etapa de mobilização e em atendimento aos requisitos estabelecidos na Resolução nº 5, do Conselho Nacional de Recursos Hídricos – CNRH, foi elaborado um documento formalizando a intenção da sociedade da bacia para a criação do referido Comitê. Constava do documento uma justificativa circunstanciada da importância e necessidade da sua criação, as manifestações de adesão dos segmentos atuantes na bacia e um breve diagnóstico da situação dos recursos hídricos. Posteriormente, o documento foi submetido à apreciação do Plenário do CNRH, que aprovou a sua criação, estabeleceu prazos para sua instalação e definiu uma Diretoria Provisória que tinha como atribuição a proposição da metodologia legal e institucional para instalação do referido Comitê. A Diretoria Provisória foi designada por portaria ministerial, em outubro de 2001, era composta por 19 membros, representantes do poder público federal, estadual e municipal, dos usuários da água, da sociedade civil organizada e pelo presidente do CEEIVASF. Essa Diretoria ficou responsável pela condução do processo de definição do numero de vagas do CBHSF, a distribuição das mesmas por segmentos e por Unidades da Federação, buscando
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O COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO
Forma de funcionamento
sempre equidade em relação ao tamanho de cada porção da bacia por Unidade Federada e entre os segmentos representados. Foi responsável pela definição dos critérios e procedimentos eleitorais, bem como pela elaboração de uma minuta de regimento interno, que versava sobre a forma de funcionamento do CBHSF. A Diretoria Provisória coordenou a realização das plenárias eleitorais dos membros a integrarem o Comitê, por segmento, ao longo da bacia e definição dos procedimentos para a realização da primeira reunião plenária do CBHSF, cumprindo assim todas as suas atribuições. O CBHSF e o desafio da gestão das águas do São Francisco O então criado Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco passou a constituir uma nova instância na realidade institucional brasileira, que possibilita, na pratica a participação da sociedade da bacia no gerenciamento dos recursos hídricos, em conjunto com representantes do poder público em suas três esferas de atuação e dos usuários da água. Trata-se de um organismo colegiado responsável pela gestão das águas da bacia, principal fórum de discussão onde as questões de gerenciamento racional dos recursos hídricos devem ser analisadas e consensados em prol do interesse coletivo.
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A forma de funcionamento do CBHSF é definida pelo seu Regimento Interno, aprovado durante a primeira reunião plenária. O CBHSF se reúne ordinariamente duas vezes por ano, em locais previamente definidos em reuniões plenárias anteriores, e extraordinariamente sempre que for necessário. As reuniões são públicas e contam com ampla divulgação antes da sua realização. São convocadas pela Secretaria Executiva com 30 dias de antecedência e constam das pautas das mesmas assuntos demandados pelo Plenário, pelos membros do referido Comitê ou da Diretoria Colegiada. A definição final da pauta é aprovada pela Diretoria Colegiada e os assuntos são previamente analisados no âmbito das Câmaras Técnicas, que encaminham seus pareceres técnicos para analise e decisão final do Plenário. Até a presente data, já foram realizadas 14 reuniões, nas quais foram discutidas questões relevantes para a gestão das águas da bacia hidrográfica do rio São Francisco.
Atribuições legais · promover o debate sobre questões relacionadas aos recursos hídricos da bacia; · articular a atuação das varias entidades que atuam nessa área; · arbitrar, em primeira instância administrativa, os conflitos relacionados aos recursos hídricos; · aprovar e acompanhar a execução do Plano de Recursos Hídricos da bacia; · estabelecer os mecanismos de cobrança pelo uso de recursos hídricos e sugerir os valores a serem cobrados.
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Estrutura do CBHSF
Estrutura do CBHSF
Diretoria
O CBHSF dispõe de uma estrutura própria para o seu funcionamento conforme é possível verificar no organograma acima.
Diretoria Colegiada do CBHSF é constituída por sete membros, sendo três da Diretoria Executiva e quatro coordenadores de Câmaras Consultivas Regionais. Essa composição, estabelecida no regimento interno, visa resguardar a representatividade regional na constituição da diretoria do CBHSF. Os integrantes da Diretoria são eleitos pelo Plenário, entre os seus membros titulares e seus mandatos serão de três anos, coincidentes com o dos membros, podendo ser reeleitos uma única vez.
Conta com o suporte das Câmaras Técnicas para efetuar as analises sobre matérias em discussão e subsidiar o Plenário em suas decisões colegiadas e com a capacidade de articulação e mobilização das Câmaras Consultivas Regionais, distribuídas conforme a divisão fisiográfica da bacia. Além disso, a estrutura do CBHSF é composta pelo Plenário que é soberano em suas decisões, por uma Diretoria para representá-lo, sendo a Diretoria Colegiada integrada pela Diretoria Executiva acrescidas dos coordenadores das CCR e, finalmente, pela Secretaria Executiva para operacionalização das decisões.
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CBHSF
O COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO
Composição do CBHSF
Até começar a funcionar plenamente, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco – CBHSF, passou por diversas fases de estruturação que se iniciou pelo processo de mobilização social na bacia. No momento, o CBHSF discute as bases para a implementaçao da cobrança pelo uso dos recursos hídricos e o modelo mais adequado para a sua Agência de Bacia. Durante esse período o CBHSF enfrentou muitos desafios para a gestao de suas águas, entre os quais destacamos o projeto de transposição das águas do rio, que permeia ate hoje as discussões plenárias.
3ª Reunião Plenária em Juazeiro / BA Plano de Recursos 2ª Reunião Hídricos da Bacia do Plenária em São Francisco 2003 Penedo / AL Reunião historica de Projeto de aprovação do Plano 1ª Reunião Transposição do de Recursos Plenária do Rio São Francisco Hídricos da bacia; CBHSF em São 1ª reunião de comitê Pedido de vista para Roque / MG - O de bacia brasileiro uso externo à bacia papel do CBHSF que contou com a pelo representante Realização da participação do Vice- do MMA. Foi a Oficina de reunião com maior Planejamento para presidente da Republica, de número de facilitar o entrosamento entre ministros de estado, deliberações governadores, aprovadas e a de os membros e dirigentes de órgãos maior expressão em identificar as federais e estaduais participação dos principais atuantes na bacia. membros e de vários estratégias para o Dispôs sobre a outros funcionamento e definição da agenda elaboração do Plano interessados.Instalou de Recursos a CTIL e institui a do Comitê. Comissão Eleitoral Eleição e posse das Hídricos da Bacia para conduzir o Diretorias Executiva para dotar o Comitê de elementos para processo de e Colegiada. se posicionar em renovação dos Aprovação do relação à membros do Comitê regimento interno Transposição. para o 2º mandato. do Comitê.
2003
2001
2001 Processo de Mobilização Precedeu a formação do Comitê, envolvendo os municípios da bacia, sob coordenação do IMAN com o apoio da ANA e dos òrgãos gestores estaduais. Na época foram realizados 37 encontros regionais que contaram com a presença de cerca de seis mil participantes.
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Criação do CBHSF por meio do decreto presidencial em 5 de junho de 2001, após aprovação pelo Conselho Nacional de Recursos Hidricos. Todo o processo inicial de constituição, definição do número de vagas por segmento e Unidades da Federação, elaboração do regimento interno, eleições dos membros e implementação do Comitê, foi coordenado pela Diretoria Provisória instituída pelo CNRH.
2002 Solenidade de posse dos membros integrantes do CBHSF Realizada em 13 de dezembro de 2002, no Palácio do Planalto, conduzida pelo presidente da republica.
2004
CBHSF
O COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO
O CBHSF é composto por 62 membros representantes do poder público nas 3 esferas de atuação (União, estados e municípios), dos usuários da água nas suas respctivas categoria (geração hidrelétrica, indústria, uso agropecuário, abastecimento urbano, navegação e pesca lazer e turismo), da sociedade civil com atuação comprovada na área de recursos hídricos (ONG, entidades técnicas de ensino e de pesquisa e consórcios, comitês e associações) e dos povos indígenas da bacia. 2005 2004 4ª e 5ª Reuniões Plenárias em Salvador / BA Definição dos usos externos das águas na bacia. Análise do pedido de vista do MMA, definindo limites, prioridades e critérios de alocação e outorga para usos externos à bacia, como parte integrante do Plano de Recursos Hídricos e acatou o processo para a análise do conflito de uso, apresentado pelo Fórum Permanente de Defesa do Rio São Francisco, em relação ao projeto de transposição.
8ª Reunião Plenária em Recife / PE - O fortalecimento dos 2005 CBHs e do SINGREH: 6ª e 7ª Reuniões atribuições e Plenárias em desafios do CBHSF Pirapora / MG Foram apresentadas Avaliação da as experiências de implementação do cobrança pelo uso da Plano de Recursos água e Hídricos e as implementação de conseqüências do agência pelos Projeto de Comitês Paraiba do Transposição. Sul - CEIVAP e Eleição e posse da Piracicaba, Capivarí diretoria – Gestão e Jundiaí - CBHPCJ 2005-2007; dispôs sobre medidas e discutiu-se questões ligadas às gerais a serem atribuicões, ao implementadas pelo funcionamento e Comitê e suas melhor estruturação Câmaras Técnicas; sobre o Programa de das Câmaras Revitalização e adoção Técnicas, para que de medidas em face ao essas pudessem melhorar a sua descumprimento do contribuição técnica Plano, quanto às às decisões do prioridades de uso e plenário do CBHSF. critérios de Outorga.
2007
2005 9ª e 10ª Reuniões Plenárias em Aracaju/SE - A sustentabilidade econômica e ambiental da bacia hidrográfica do rio São Francisco dispôs sobre a alteração no artigo 6º do Regimento Interno do CBHSF; sobre mecanismos para criação de Agência de Água da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco e para a implementação da Cobrança pelo Uso de Recursos Hídricos.
13ª e 14ª Reuniões Plenárias em Salvador - BA Fortalecimento Institucional do 2006 CBHSF 11ª e 12ª Reuniões Realização da 1ª Plenárias em Belo Oficina de Usuários Horizonte - MG da Água do CBHSF Fortalecimento – Setor Elétrico; Institucional do Acompanhamento CBHSF: estudos dos trabalhos de para criação da consultoria – Vazão Agência de Bacia Ecológica Aplicada a do rio São Bacia do Rio São Francisco Francisco e do Realização da oficina andamento dos de vazão ecológica estudos relativos à que discutiu os cobrança pelo uso da aspectos físicos, água e modelos de bióticos e sócioagência de bacia. econômicos da bacia Discussão sobre o para elaboração de Processo de estudos para Renovação de definição da vazão Membros do CBHSF ecológica. para 3ª gestão.
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CBHSF 48
O COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO
Câmaras Consultivas Regionais
Câmaras Técnicas
O CBHSF dispõe na sua estrutura de 4 Câmaras Consultivas Regionais, instâncias colegiadas formadas com base na divisão fisiográfica da bacia (Alto, Médio, Sub-médio e Baixo São Francisco), constituídas por membros titulares e suplentes do Comitê e representantes de comitês de bacias de rios afluentes, legalmente constituídos, entidades e instituições convidadas, na área da referida Câmara. Na composição de cada Câmara Consultiva procura-se garantir a participação de membros representantes dos três segmentos integrantes do Comitê, com a proporcionalidade definida pelo Plenário, bem como dos povos indígenas. As CCR são dirigidas por um coordenador e um secretário, indicados pelos membros titulares e suplentes do CBHSF que compõem cada uma das câmaras e, no caso do coordenador, esta indicação será submetida à aprovação do Plenário, pois passam a compor a Diretoria Colegiada do CBHSF. A forma de funcionamento das Câmaras Consultivas Regionais é definida pelos seus membros e submetida à deliberação do Plenário. Essas Câmaras Consultivas possuem um papel essencial no âmbito da bacia do São Francisco, especialmente devido a sua grande dimensão, ao possibilitar que as ações do Comitê cheguem até à região correspondente à sua área de atuação, assim como permitir que os problemas e os anseios da sociedade daquele local sejam reportados e tratados no âmbito da estrutura do Comitê. Compete às CCR promover a articulação do CBHSF com os comitês de bacias de rios afluentes, fortalecendo a participação desses entes colegiados e encaminhando ao CBHSF as demandas provenientes dos mesmos; apoiar o CBHSF no processo de gestão compartilhada e divulgar suas ações no âmbito da bacia hidrográfica; discutir e apresentar sugestões ao CBHSF; coordenar o processo de mobilização para a renovação dos mandatos de membros do CBHSF e realizar as consultas e audiências públicas, determinadas pelo Plenário.
Na estrutura do CBHSF, o trabalho das Câmaras Técnicas é de fundamental importância para a resolução de desafios encontrados no dia-dia. As reuniões de Câmaras Técnicas antecedem as reuniões plenárias e seus membros se debruçam sobre matérias previamente pautadas pelo próprio Plenário ou pela Diretoria Executiva ou Colegiada, para a analise e o aprofundamento de temas que integram a agenda positiva do Comitê. As CT tem por atribuição o exame de matérias específicas, para subsidiar a tomada de decisões do Plenário e são constituídas de, no mínimo, 7 e, no máximo, 13 membros, titulares ou suplentes do CBHSF, ou por representantes indicados formalmente pelo membro titular à Secretaria Executiva, os quais terão direito a voz e a voto. Ao definir os integrantes das Câmaras Técnicas, o Comitê procura refletir a proporcionalidade entre os segmentos representados existente na sua própria composição. Busca-se também trazer para esses espaços, técnicos de diversas instituições que tenham experiência ou notória atuação em suas respectivas áreas, para que possam colaborar com os debates e enriquecer as análises efetuadas de acordo com a natureza dos assuntos relativos à competência da CT, para assim subsidiar o Plenário em suas decisões. Encaminhadas as manifestações de interesses e observados os critérios previamente definidos, a Diretoria Colegiada define a composição das CTs. Em sua primeira reunião, a coordenação é eleita entre os membros integrantes, por maioria simples dos votos e o mandato coincide com o dos membros do CBHSF. As decisões das Câmaras Técnicas não são terminativas e o Plenário é soberano para as suas deliberações, entretanto as analises efetuadas contribuem para clarear muitos aspectos das matérias constantes das pautas de reuniões. Trata-se de um exercício muito salutar e que se consolida cada vez mais com os avanços do processo de fortalecimento institucional do CBHSF.
O CBHSF dispõe de 6 CT previstas em sua estrutura das quais 5 se encontram implementadas e em funcionamento. • Câmara CTPPP • Câmara • Câmara • Câmara • Câmara CTCT
Técnica de Planos, Programas e Projetos Técnica de Outorga e Cobrança – CTOC Técnica Institucional e Legal – CTIL Técnica de Articulação Institucional - CTAI Técnica de Comunidades Tradicionais -
CBHSF
O COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO
CTPPP Na estrutura do CBHSF, o trabalho das câmaras técnicas é de fundamental importância para superar os desafios que se apresentam. E são muitos, e de toda ordem. Desde o início dos meus trabalhos na Câmara Técnica de Planos, Programas e Projetos - CTPPP, foi possível ver a relevância dos temas apresentados para a Diretoria Colegiada. Juntamente com colegas com formação técnica em diversas áreas e representando vários setores da sociedade, os assuntos são debatidos em alto nível. Temas como o conflito de uso da água, assunto que reveste a discussão sobre o Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional, estudos sobre vazões ecológicas no Baixo São Francisco e, mais recentemente, a questão da revitalização de toda a bacia do SF. Mesmo diante de dificuldades relativas à liberação dos técnicos junto às empresas e de recursos para organização das reuniões, conseguimos manter os cronogramas em dia e temos atendido às demandas apresentadas. Acredito ser uma satisfação para todos contribuir para a consolidação do CBHSF, aprimorando cada vez mais o trabalho das câmaras técnicas. Carlos Bernardo Mascarenhas Alves Coordenador da CTPPP curimata@netuno.lcc.ufmg.br
Ana Cacilda Rezende Reis Coordenadora da CTIL anacacilda@srh.ba.gov.br
CTIL
Tem como principal atribuição examinar e assistir jurídica e institucionalmente o Comitê na tomada de decisões do Plenário e da Diretoria Colegiada. Dando continuidade aos trabalhos iniciados em 2006, esta coordenação analisou as alterações do Regimento Interno, apresentado-o na XIII Plenária do CBHSF, realizada em Salvador, sendo o novo Regimento devidamente aprovado. No exercício do 1º Semestre de 2007, a CTIL vivenciou mudanças significativas em sua composição e vem contando com a participação ativa dos novos membros, garantindo quorum qualificado em suas reuniões. O calendário anual de reuniões da Câmara para 2007 foi recentemente definido e prevê inclusive encontros conjuntos com a Câmara Técnica de Outorga e Cobrança e com a Câmara Técnica de Articulação Institucional. O principal desafio para a CTIL em 2007 diz respeito à criação da Agência de Água do CBHSF, uma vez que compete a esta Câmara acompanhar e supervisionar o estudo de viabilidade para a criação da Agência, bem como as possíveis alternativas de formato institucional e jurídico da agência e/ou entidade delegatária com abrangência na bacia, analisando e encaminhando parecer dos produtos parciais e finais apresentados pela consultora contratada para realizar tal estudo. Ressalte-se que, ainda este ano, a CTIL deverá revisar as Deliberações que regulamentam o funcionamento das Câmaras Técnicas, coordenar a elaboração do Regimento Interno das Câmaras Consultivas Regionais e continuar acompanhando o processo administrativo de conflito no uso das águas do São Francisco, que se refere ao Projeto de Transposição.
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CBHSF
COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO
CTOC Tem por atribuição o exame de matérias técnicas relativas à cobrança pelo uso da água e à outorga de direito de uso dos recursos hídricos, objetivando subsidiar a tomada de decisões do Plenário e da Diretoria do CBHSF em suas reuniões. Seus membros se reúnem com uma freqüência bimensal, apresentando proveitosas e ricas contribuições para o grupo, o que reflete o comprometimento de cada um com o Comitê. Nas discussões sobre a necessidade de controle do uso racional das águas da bacia do São Francisco, tem ficado evidente que muitas atividades poderão ser inviáveis para seus agentes a depender do nível de valor de cobrança a ser praticado. A analise dos produtos recebidos, resultantes das consultorias contratadas para definição do modelo jurídico e institucional da Agência e definição do método de cobrança pelo uso da água, tem enriquecido as discussões sobre os temas importantes para o objetivo desta Câmara. Acompanhamos com o maior interesse a evolução dos estudos e a abordagem do assunto foco, principalmente para nós representantes dos usuários de água, apreensivos com o futuro que nos aguarda com a possível cobrança. Concordamos, apoiamos e defendemos o uso racional da água, vital para o futuro, de nossas atividades econômicas, empresarias e familiares, e principalmente, a preservação de bacias, como a do São Francisco, o que já devíamos de há muito ter feito prioritário. Temos sido gratificados pelo conhecimento do tema, pela conquista do espaço dentro do grupo, viabilizando o avanço da gestão pelo dialogo. No longo caminho que temos à frente até a conclusão da regulamentação das atividades na bacia do São Francisco, haveremos de chegar a um consenso de todos os atores e interessados na viabilidade das atividades preservadas para o futuro João Lopes de Araújo Coordenador da CTOC araujo.joao@terra.com.br
CTAI Num cenário de muitas variáveis que se associam, como o da bacia hidrográfica do rio São Francisco, pode-se avaliar, com meridiana clareza, o papel estratégico da CTAI, que tem como responsabilidade maior a articulação e a integração de todos os segmentos que participam e implementam a gestão dos recursos hídricos na estratégica bacia franciscana. Além disso, num esforço solidário, a CTAI tem procurado subsidiar, com fidelidade, os integrantes do Comitê para encontrar as soluções mais adequadas no gerenciamento dos conflitos de interesse que permeiam, como é de domínio público, as discussões e debates institucionais. É também de competência da CTAI a condução do processo eleitoral para substituição dos membros do Comitê, bem como a eleição da Diretoria Executiva e das Câmaras Consultivas Regionais. Nessas ocasiões, democraticamente saudável, desenvolve-se intensa mobilização na bacia para revelar à sociedade organizada a importância socioeconômica, cultural e política das ações cooperativas do CBHSF. Paulo Teodoro de Carvalho Coordenador da CTAI pteodoro.cgsai@semad.mg.gov.br
CTCT “Somos as raízes da memória, que resistem ao tempo”
Na formação do CBHSF do tão valioso rio São Francisco, lembraram de incluir os verdadeiros “donos da terra” com 01 única vaga indígena. Atualmente, o que mais se fala é de inclusão e esqueceram de lembrar os afrodescendentes “Quilombolas”, que vivem a mais de 500 anos às margens do Rio São Francisco. Devemos deixar bem presente na memória que neste país nada se ganha de graça, pelo menos é o quem vem acontecendo com os povos indígenas, ao longo da história, foi a custo de muitas lutas e perdas humanas que os esses povos resistiram a genocídios, etinocídios e atualmente aos grandes impactos ambientais. Com a criação da CTCT, conseguimos ampliar o número de vagas destinadas aos povos indígenas de 01 para 02 e assegurar o direito dos quilombolas a terem assento no CBHSF com 01 vaga para a renovação dos membros, que tomarão posse em 2007. Juntos, as comunidades tradicionais e outros segmentos somaremos forças trabalhando para o fortalecimento da revitalização do São Francisco, para que possamos ver outra vez o rio belo como já foi, é o sonho das comunidades tradicionais, ribeirinhos, movimentos sociais e ambientalistas não corrompidos. Contamos com uma maior atuação do CBHSF no desenvolvimento das ações de revitalização do Velho Chico, sanando as agressões que passivamente tem sofrido o rio São Francisco ao longo de 507 anos, porque de revitalização nada de concreto temos visto. Maria José Gomes Marinheiro Coordenadora da CTCT mariatumbalala@hotmail.com
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CBHSF
COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO
SECRETARIA EXECUTIVA
SECEX A Secretaria Executiva desempenha um papel essencial na operacionalização das atividades do CBHSF. Trata-se de um trabalho de articulação com os membros e instituições que compõe e interagem com CBHSF. A SECEX envolve uma equipe qualificada e comprometida com suas funções, integrada por técnicos das áreas de sociologia, administração, secretariado, comunicação, mobilização social, gestão de recursos hídricos, finanças e apoio administrativo. Entre as muitas atribuições, compete a SECEX organizar as plenárias do CBHSF, as reuniões das Câmaras Técnicas e Consultivas; propor o calendário anual dessas reuniões; assessorar as reuniões do CBHSF e das respectivas Câmaras; prestar informações solicitadas ou que julgar convenientes sobre os processos ou matérias em pauta. Alem disso, a SECEX assessora a Diretoria em suas atividades; dá publicidade às deliberações tomadas pelo Plenário; adota as medidas técnicas e administrativas necessárias ao exercício de sua competência; elabora o relatório anual das atividades do CBHSF e busca cumprir encargos outros que lhe forem atribuídos pelo Presidente ou pelo Plenário, necessários ao desenvolvimento das atividades do Comitê. Numa bacia com a dimensão do São Francisco, são muitas as atribuições dessa Secretaria, que atualmente conta com o apoio operacional da UAR – São Francisco, para prover o CBHSF das condições necessárias ao seu funcionamento pleno. (*) Consultora em recursos hidricos. crismascarenhas2@uol.com.br
Equipe de Comunicação 2005/07
COMUNICANDO Malu Follador* O Projeto desta revista inicia o processo de catalogar, organizar, divulgar e registrar a memória do CBHSF com o objetivo de preservar sua identidade e sua história de modo a garantir para as gerações futuras um conhecimento pleno dessa organização social. Preservar a história é garantir que as futuras gerações possam não só conhecer, mas vivenciar um determinado período, e perpetuar esse tempo como forma de embasar novas experiências. Uma vida, um grupo social, ou mesmo uma nação sem história está fadada ao esquecimento e a dominação de outras culturas por perder o elo que a fortalece que é a identidade. A comunicação do CBHSF tem o objetivo de promover a integração entre os segmentos distintos, em torno de temáticas e práticas comuns, visando incrementar usos e preocupações com o melhor desenvolvimento das atividades e competências do comitê. É possível compreender que a importância da interatividade no processo comunicacional do CBHSF é tamanha que podemos associá-la à própria existência da comunicação do comitê, desta forma é imprescindível à participação de todos na montagem do nosso boletim on-line, do nosso site, na divulgação das nossas peças de comunicação, folder, cartazes e CDs, enviando, gerando, mandando dados, noticias, informações. CONTRIBUA - solicite material junto a SECEX do CBHSF para divulgar na sua região e mande você também matérias ou sugestões para nosso informativo através do e-mail: ascom@cbhsaofrancisco.org.br. Assessora de comunicação social do CBHSF Coord. o Curso de Comunicação Social / UNIME malufollador@gmail.com
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CBHSF
VELHO DO RIO
José Theodomiro, queria te mandar mensagens novas de um velho amigo, daquele mesmo amigo que correu nas suas veias e que desaguou no mar do seu coração. Mas as novas são as velhas notícias de sempre! Velhas notícias de um rio, amigo, que continua vendo passar o tempo, sempre impávido, mas nem sempre sereno. Com oras de cheia, oras de seca, com gente se banhando, navegando, pescando, vivendo; com plantações, irrigações, inundações, medos e ilusões. O rio e sua gente bem brasileira, barranqueira, que continua lutando (porque não desiste nunca!) pela não-transposição e pela sim-revitalização do seu mundo. Gente que espera ver esta serpente de água continuar sua jornada da grota nascente ao atlântico, para que possa enfim, cruzar para muito além de outros mares e d’outros oceanos.
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CBHSF
UAR - SALVADOR
Cláudio Pereira*
A inexistência de personalidade jurídica, assim como em outros comitês, impôs ao CBHSF desde sua criação em junho de 2001, dificuldades operacionais ao funcionamento da sua estrutura devido à impossibilidade de contratação de pessoal, de pessoas jurídicas para prestação de serviços administrativos essenciais e a impossibilidade de assinar contratos e convênios com os governos federal e estaduais, trazendo assim instabilidade no desempenho das suas competências legais. Com a assinatura do convênio 003/2004, entre a ANA e a SRH-BA, que tem como objetivo fundamental o fortalecimento da Secretaria Executiva do CBHSF, a logística dos serviços administrativos necessários à execução das suas reuniões (plenárias, câmaras técnicas, câmaras consultivas regionais e diretoria colegiada) foram sanadas, persistindo ainda as dificuldades enfrentadas para o funcionamento habitual da sua Secretaria Executiva, sobretudo as restrições à contratação de pessoal técnico. Por meio do Decreto nº 3.692, de 19 de dezembro de 2000, foi permitido a ANA, instalar Unidades Administrativas Regionais, experiência esta, que apresentou resultados positivos com a UAR-GV, em Governador Valadares – MG e que presta apoio técnico e operacional ao CBH-Doce. Visando apoiar o funcionamento da SECEX, no final de 2005, foi solicitado pela Diretoria Colegiada do CBHSF e aprovado pela Diretoria da ANA, a criação de uma Unidade Administrativa Regional em Salvador (UAR-Salvador) com o objetivo de prestar suporte técnico, administrativo e operacional ao Comitê e sua Secretaria Executiva, viabilizando assim o seu funcionamento, em caráter transitório e com a função de implementação das suas deliberações, respeitando a competência do CBHSF em implementar a política de gerenciamento dos recursos hídricos na bacia hidrográfica do Rio São Francisco. A UAR-Salvador possui 7 técnicos em seu escritório central e 1 técnico em cada um dos seus 4 escritórios regionais (Belo Horizonte - MG, Ibotirama BA, Serra Talhada - PE e Aracaju-SE). A Unidade disponibiliza além do seu corpo técnico, toda a infra-estrutura necessária ao seu funcionamento (espaço físico, computadores, periféricos, móveis, contratos de telefonia, Internet, correios e outros) e atua na parte de planejamento e execução da logística dos eventos e projetos, planejamento e acompanhamento técnico das atividades de mobilização, articulação e comunicação do CBHSF. Os desafios enfrentados para o funcionamento desta UAR são proporcionais ao tamanho da bacia, citando como os principais, a burocracia e entraves da legislação, a complexidade de organização das atividades do Comitê (que sempre extrapolam as fronteiras de mais de um estado) e sem dúvida, a dificuldade de se manter uma estrutura pertencente a um órgão gestor que fisicamente incorpore a estrutura da Secretaria Executiva do CBHSF sem comprometer a autonomia de ambos. Em todos os trabalhos executados pela equipe técnica da UAR, existe a preocupação na imparcialidade das suas conduções, articulação e diálogo franco entre os entes e segmentos envolvidos, dinamismo na implementação de soluções, utilização de tecnologias de ponta e inovação na gestão e planejamento estratégico de funcionamento, adotando práticas que possam balizar o funcionamento da futura agência de bacia do rio São Francisco, buscando sempre a maior eficácia, efetividade e eficiência nas ações. Coordenador da UAR - Salvador / ANA claudio.pereira@ana.gov.br
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CBHSF
DECLARAÇÃO DE PRINCÍPIOS DO COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO
Considerando que uma das diretrizes gerais de ação da Política Nacional de Recursos Hídricos consiste na “adequação da gestão de recursos hídricos às diversidades físicas, bióticas, demográficas, econômicas, sociais e culturais das diversas regiões do País” (artigo 3º, II da Lei nº 9.433, de 08 de Janeiro de 1997); Considerando ainda, como uma das diretrizes gerais de ação da Política Nacional de Recursos Hídricos “a integração da gestão de recursos hídricos com a gestão ambiental” (artigo 3º, III da Lei nº 9.433, de 08 de Janeiro de 1997); Considerando que um dos objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente consiste na “compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico” (artigo 4º, I da Lei nº 6.938, de 31 de Agosto de 1981); Considerando que compete ao Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) “incentivar a instituição e o fortalecimento institucional dos Conselhos Estaduais e Municipais de Meio Ambiente, de gestão de recursos ambientais e dos Comitês de Bacia Hidrográfica” (artigo 7º, XII do Decreto nº 99.274, de 06 de Julho de 1990); Considerando que “a bacia hidrográfica é a unidade territorial para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos” (artigo 1º, V da Lei nº 9.433, de 08 de Janeiro de 1997); Considerando que “a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades” (artigo 1º, VI da Lei nº 9.433, de 08 de janeiro de 1997); Considerando que “a participação pública no processo decisório ambiental deve ser promovida e o acesso à informação facilitado” (Princípio 10 da Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento); Considerando que “os Planos de Recursos Hídricos são planos diretores que visam a fundamentar e orientar a implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e o gerenciamento dos recursos hídricos” (artigo 6º da Lei nº 9.433, de 08 de Janeiro de 1997); Considerando que compete ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos “promover a articulação do planejamento de recursos hídricos com os planejamentos nacional, regional, estaduais e dos setores de usuários” (artigo 35, I da Lei nº 9.433, de 08 de Janeiro de 1997); Considerando que a educação ambiental reside na “concepção do meio ambiente em sua totalidade, considerando a interdependência entre o meio natural, o sócio-econômico e o cultural, sob o enfoque da sustentabilidade” (artigo 4º, II da Lei nº 9.795, de 27 de Abril de 1999);
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RIO SÃO FRANCISCO
CBHSF
DECLARAÇÃO DE PRINCÍPIOS DO COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO
O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco adota, no exercício de sua missão, os princípios apresentados a seguir: PRINCIPIO I O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco promoverá constante e estreita relação orgânica e dialógica com os Comitês de Bacia dos tributários e outras associações de usuários do Rio São Francisco, a fim de que tais órgãos pugnem pela coerência entre suas respectivas atividades, pela compatibilização dos planejamentos de gestão das águas e de forma integrada com a gestão ambiental da integralidade do território da Bacia. PRINCÍPIO II O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco zelará pela efetividade do Princípio da Participação Pública, que encontra fundamento no artigo 225, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil, propiciando amplos fóruns a permitir a participação das comunidades pertencentes à Bacia nos processos decisórios daquele órgão, quando assim solicitado por 2/ 3 (dois terço) de seus membros. PRINCÍPIO III O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco priorizará, no exercício de suas atividades de gestão e gerenciamento, a aprovação de um Plano de Bacia, que consiste no principal elemento a orientar e fundamentar a implementação dos demais instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos, quais sejam, a outorga dos direitos de uso dos recursos hídricos, a cobrança pelo uso da água, o enquadramento dos corpos d’água, e buscará através dos demais instrumentos previstos, resultar em sua efetiva revitalização, e na gestão da qualidade e quantidade para seus usos múltiplos. PRINCÍPIO IV O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco aprovará, com fundamento no Plano de Bacia, um programa estratégico e operacional de revitalização da Bacia, com a elucidação de conceitos afetos à gestão das águas e a definição de prioridades tecnicamente justificadas que promovam sua preservação, conservação e recuperação, privilegiando a biodiversidade, a sustentabilidade ambiental, econômica e social, a qualidade e quantidade das águas, e considerando que a satisfação das necessidades humanas encontra-se a depender da consolidação de efetivos instrumentos de educação ambiental, que propiciem às comunidades, autonomia crítica e discursiva e demonstrem a estas a franca relação de interdependência entre os meios natural, sócio-econômico e cultural.
PRINCÍPIO V O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco pugnará, mediante articulação com a Agência Nacional de Águas (ANA), o IBAMA e Órgãos de Gestão de Água e do Meio Ambiente dos Estados integrantes da Bacia, pela aplicação do conhecimento técnico-científico, respeitando as características do ciclo hidrológico da Bacia. PRINCÍPIO VI O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco comprometer-se-á com a constante adoção de firmes atitudes éticas em defesa do interesse público, do desenvolvimento sustentável, da revitalização, preservação e conservação dos ecossistemas e da biodiversidade da Bacia. PRINCÍPIO VII O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco zelará pela necessária integração entre gestão ambiental e gestão das águas, considerando que a qualidade e quantidade destas se encontra em relação de interdependência com a sustentabilidade dos ecossistemas da Bacia, com sua biodiversidade e o bem estar social e que a água consiste em um bem natural, social e essencial à vida, que por sua escassez e fatores inerentes à sua gestão, adquire valor econômico. PRINCÍPIO VIII O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco promoverá constante relação de articulação com a ANA e o IBAMA , e Órgãos de Gestão de Água e do Meio Ambiente dos Estados integrantes da Bacia e com os municipios a fim de promover não apenas a gestão das águas da Bacia, mas do conjunto dos ecossistemas de seu território de abrangência e a melhoria dos indicadores sociais. PRINCÍPIO IX O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, juntamente com o CNRH e o CONAMA, buscarão, quando pertinente, propor alterações nos atos normativos relacionados ao meio ambiente, com vistas ao aperfeiçoamento do sistema democrático de gestão sustentável das águas, bem como incentivarão, em parceria com os órgãos gestores estaduais, a organização e fortalecimento dos Comitês Estaduais de Bacias Hidrográficas em todo o território da Bacia do São Francisco.
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CBHSF
QUADRO DE DELIBERAÇÕES
DELIBERAÇÃO
MATÉRIA
I Reunião Plenária - O papel do CBHSF São Roque de Minas/MG, 11 de maio de 2003 Deliberação Nº 1 - Dispõe sobre alterações nos Artigos 6º, 7º, 8º, 35º e 40º do Regimento Interno do CBHSF. Deliberação Nº 2 - Dispõe sobre medidas gerais aprovadas na 1ª reunião Ordinária. II Reunião Plenária – Projeto de Transposição do Rio São Francisco Penedo/AL, 03 de outubro de 2003 Deliberação Nº 3 - Dispõe sobre a elaboração do Plano de Recursos Hídricos da bacia hidrográfica do rio São Francisco. Deliberação Nº 4 - Dispõe sobre o apoio ao Programa de Ações Estratégicas para o Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco e de sua Zona Costeira – PAE Deliberação Nº 5 - Dispõe sobre parâmetros para usos de pouca expressão no Rio São Francisco. Deliberação Nº 6 - Dispõe sobre o posicionamento do CBHSF em relação ao Projeto de Transposição de Águas do Rio São Francisco. III Reunião Plenária – Plano de Recursos Hídricos da Bacia do São Francisco Juazeiro/BA, 28 a 30 de julho de 2004 Deliberação Nº 7 - Aprova o Plano de Recursos Hídricos da bacia hidrográfica do rio São Francisco. Deliberação Nº 8 - Define a disponibilidade hídrica, vazão máxima de consumo alocável, as vazões remanescente média e mínima ecológica na foz como parte integrante do Plano de Recursos Hídricos da bacia hidrográfica do rio São Francisco. Deliberação Nº 9 - Propõe diretrizes e critérios para processo de revisão das outorgas, como parte integrante do Plano de Recursos Hídricos, concedidas no âmbito da bacia hidrográfica do rio São Francisco. Deliberação Nº 10 - Apresenta recomendações e define critérios integrantes do Plano de Recursos Hídricos para construção do Pacto das Águas a ser materializado em Convênio de Gestão Integrada da bacia hidrográfica do rio São Francisco. Deliberação Nº 11 - Propõe critérios, limites, prioridades para outorgas de uso de água, como parte integrante do Plano de Recursos Hídricos da bacia hidrográfica do rio São Francisco. Deliberação Nº 12 - Apresenta proposta de enquadramento dos corpos d´água estabelecidas no Plano de Recursos Hídricos da bacia hidrográfica do rio São Francisco. Deliberação Nº 13 - Apresenta premissas básicas e recomendações para a implementação da fiscalização integrada propostas pelo Plano de Recursos Hídricos da bacia hidrográfica do rio São Francisco. Deliberação Nº 14 - Estabelece o conjunto de intervenções prioritárias para a recuperação e conservação hidroambiental na bacia hidrográfica do rio São Francisco, como parte integrante do Plano de Recursos Hídricos Deliberação Nº 15 - Estabelece o conjunto de investimentos prioritários a serem realizados na bacia hidrográfica do rio São Francisco, no período 2004 a 2013, como parte integrante do Plano de Recursos Hídricos da bacia hidrográfica do rio São Francisco. Deliberação Nº 16 - Dispõe sobre as diretrizes e critérios para a cobrança pelo uso dos recursos hídricos na bacia hidrográfica do Rio São Francisco. Deliberação Nº 17 - Define a Câmara Técnica de Articulação Institucional e institui a Comissão Eleitoral para conduzir o processo de renovação dos membros do CBHSF representantes dos segmentos usuários, das organizações civis e do poder publico municipal. IV e V Reuniões Plenárias – Definição dos usos externos da água na bacia do rio São Francisco Salvador/BA, 26 e 27 de outubro de 2004 Deliberação Nº 18 - Define limites, prioridades e critérios de alocação e outorga para usos externos à bacia, como parte integrante do Plano de Recursos Hídricos da bacia hidrográfica do rio São Francisco.
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QUADRO DE DELIBERAÇÕES
MATÉRIA
Deliberação Nº 19 - Define procedimentos para a análise do conflito de uso de águas, apresentada pelas entidades civis que compõem o Fórum Permanente de Defesa do Rio São Francisco, em relação ao Projeto de Transposição ou Interligação do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional. VI e VII Reuniões Plenárias – Avaliação da implementação do Plano de Recursos Hídricos e as conseqüências do Projeto de Transposição para a gestão participativa e o Pacto das Águas da bacia. Pirapora/MG, 10 e 11 de agosto de 2005 Deliberação Nº 20 - Dispõe sobre medidas gerais a serem implementadas pelo CBHSF e suas Câmaras Técnicas, na gestão 2005-2007 e dá outras providências. Deliberação Nº 21 - Dispõe sobre medidas gerais a serem implementadas pelo CBHSF e suas Câmaras Técnicas, na gestão 2005-2007 e dá outras providências. Deliberação Nº 22 - Dispõe sobre medidas a serem implementadas pelo CBHSF em relação ao Programa de Revitalização e dá outras providências. Deliberação Nº 23 - Dispõe sobre medidas a serem implementadas pelo CBHSF em relação ao descumprimento do Plano de Recursos Hídricos da bacia hidrográfica do rio São Francisco quanto às prioridades de uso e critérios de outorga de direito pelo uso dos recursos hídricos e dá outras providências. Deliberação Nº 24 - Altera a composição da Câmara Técnica Institucional e Legal - CTIL, criada pela Deliberação n.º 02, de 11 de maio de 2003, e dá outras providências. (revogada) VIII Reunião Plenária – O fortalecimento dos Comitês de Bacias Hidrográficas e do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos – SINGREH: atribuições e desafios do CBHSF Recife/PE, 08 e 09 de dezembro de 2005 Deliberação Nº 25 - Altera a denominação da Câmara Técnica de Minorias para Câmara Técnica de Comunidades Tradicionais– CTCT e dá outras providencias. Deliberação Nº 26 - Dispõe sobre as atribuições, a estrutura e o funcionamento da Câmara Técnica Institucional e Legal – CTIL do CBHSF, revogando a Deliberação nº 24, de 17 de junho de 2005. Deliberação Nº 27 - Dispõe sobre as atribuições, a estrutura e o funcionamento da Câmara Técnica de Outorga e Cobrança - CTOC do CBHSF. Deliberação Nº 28 - Dispõe sobre as atribuições, a estrutura e o funcionamento da Câmara Técnica de Planos, Programas e Projetos - CTPPP do CBHSF. IX e X Reuniões Plenárias – A sustentabilidade econômica e ambiental da bacia hidrográfica do rio São Francisco Aracaju/SE, 13 e 14 de julho de 2006 Deliberação Nº 29 - Dispõe sobre a alteração no artigo 6º do Regimento Interno do CBHSF. Deliberação Nº 30 - Dispõe sobre mecanismos para criação de Agência de Água da bacia hidrográfica do rio São Francisco. Deliberação Nº 31 - Dispõe sobre mecanismos para a implantação da cobrança pelo uso de recursos hídricos na bacia hidrográfica do rio São Francisco. XI e XII Reuniões Plenárias - Belo Horizonte/BA – Fortalecimento Institucional do CBHSF: estudos para criação da Agencia de Bacia do rio São Francisco 06 e 07 de dezembro de 2006 Não houve deliberação XIII e XIV Reuniões Plenárias - Fortalecimento Institucional do CBHSF: estudos para criação da Agencia de Bacia do rio São Francisco Salvador/BA, 11 e 12 de abril de 2007 Deliberação Nº 32 - Dispõe sobre a alteração do Regimento Interno do CBHSF e amplia o numero de vagas da sua composição.
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REVITALIZAÇÃO AVANÇA NA BACIA DO SÃO FRANCISCO
João Bosco Senra*
Em uma breve avaliação do Programa de Revitalização do Rio São Francisco, podemos afirmar o seu importantíssimo papel no processo de articulação e de integração de esforços para a recuperação da bacia. A necessidade de revitalização do rio São Francisco foi acolhida pelo Governo Federal como uma prioridade, consubstanciada por meio de um programa do Plano Plurianual - PPA/2004-2007. Visando a preservação, recuperação e conservação da bacia do São Francisco, o programa tem como lema “conhecer para revitalizar”. Assim, o programa de revitalização do Velho Chico foi construído e vem se consolidando com ampla colaboração de vários atores sociais e parcerias efetivas, em especial do Comitê da Bacia do Rio São Francisco, que possui reconhecida representatividade política e social e vem produzindo um conhecimento sistematizado em seu Plano de Bacia. Só o governo federal já investiu diretamente entre 2004 e 2006 cerca de R$ 250 milhões de reais em projetos de revitalização, principalmente para recuperar a bacia hidrográfica do rio São Francisco. Em 2007, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) dispõe de R$ 20 milhões para a revitalização e o Ministério da Integração Nacional (MIN) cerca de R$ 240 milhões. Para o processo de revitalização da bacia do rio São Francisco o MMA definiu os principais projetos estruturantes, implementando com os principais parceiros, iniciativas como a elaboração do Sistema de Informações do São Francisco (SISFRAN-SF) e do Macro Zoneamento Ecológico-Econômico do São Francisco, a construção do Plano de Desenvolvimento Florestal e do Plano de Criação de Unidades de Conservação, assim como iniciou a primeira expedição sobre a fauna e a elaboração do Plano de Gestão dos Recursos Pesqueiros e do Censo Estrutural da Pesca. Outras importantes medidas estruturantes foram a implantação do Sistema de Monitoramento Ambiental do São Francisco (SISMAM-SF), a elaboração do Plano de Racionalização da Rede de
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Monitoramento das Águas, do Cadastro dos Usuários de Recursos Hídricos e do Plano de Ação Estratégico para a Fiscalização Ambiental Integrada nas quatro regiões fisiográficas da bacia do rio São Francisco. Entre as principais ações integradas, destacam-se a implantação pioneira dos quatro “Centros de Referência de Recuperação Florestal do Brasil”, numa ação conjunta do MMA com a Codevasf, sendo que dois deles são para o Cerrado, numa parceria também com as Universidades Federais de Lavras e de Brasília (UFLA e UNB). Os outros dois são para a Caatinga, com as Universidades Federais de Sergipe e do Vale do São Francisco (UFSE e UNIVASF). Na área de conservação do solo e da água, foram efetivados em 58 municípios mineiros projetos demonstrativos de recuperação e manejo de micro-bacias e implementados os 15 “Viveiros de Referência”, numa parceria do MMA com a Codevasf, a Chesf, a Emater e o IEF de Minas Gerais. Recentemente, foram elaborados os “Planos de Desenvolvimento do Turismo Sustentável” para as regiões do rio São Francisco, cuja iniciativa irá nortear os futuros projetos nessa área relacionados com a revitalização. Entre os projetos técnicos prioritários implementados, por via de demanda induzida, foram efetivados editais específicos do Programa de Revitalização para resíduos sólidos, recuperação de nascentes, fortalecimento de fundos ambientais, apoio às comunidades tradicionais e pesquisas socioambientais na bacia, por intermédio do FNMA e do MCT/CNPQ. Para reduzir o passivo ambiental também foram desenvolvidas ações integradas, como projetos de proteção de nascentes e de matas ciliares, orçados em cerca de R$ 3 milhões, e de recuperação e de gestão de conflitos em áreas degradadas pela mineração, com recursos que chegam a R$ 2,5 milhões, nas regiões de Pains e dos rios Paraopeba e Velhas, em Minas Gerais, e do Araripe, em Pernambuco. Em parceria com a Codevasf, o Ministério do Meio Ambiente destinou, ainda, R$ 6 milhões para gestão de resíduos sólidos em vários municípios da
bacia. Para a área de saneamento ambiental foram destinados a maior parte dos recursos da revitalização, com cerca de 30 projetos aprovados, destinados à implantação de estações de tratamento de esgotos. Estão em elaboração, ainda, novos projetos de saneamento básico para outros 21 municípios, em parceria com a Codevasf. No que tange a mobilização e capacitação dos atores sociais e governamentais da bacia, estão sendo realizados cursos e oficinas, principalmente de educação ambiental, de criação de Unidades de Conservação e de elaboração de projetos de revitalização. Esses encontros envolveram, até o momento, mais de 1.500 lideranças da região. Uma importante parceria a ser destacada, é com os Ministérios Públicos Estaduais, para a efetivação de projetos exitosos, voltados principalmente para o fortalecimento institucional e o monitoramento ambiental da região, como os Projetos “S.O.S. São Francisco”, em Minas Gerais, e o de “Fiscalização Preventiva”, na Bahia. Na região do semi-árido, o MMA e a Codevasf, em parcerias com o MDS e a ASA, implantaram 5 mil cisternas e também recuperaram, em conjunto com a UFCG, 20 dessalinizadores na região Nordeste. Além disso, estão sendo construídas “Agendas 21” por sub-bacias, como as das represas de Três Marias e de Xingó, visando fomentar o desenvolvimento sustentável na bacia do rio São Francisco. O desafio é grande, ainda há muito por fazer após séculos de degradação mas, finalmente, chegamos a um consenso nacional de recuperarmos o Velho Chico com uma determinação clara nesse sentido de todos os setores envolvidos no processo. Apesar das dificuldades já enfrentadas e que iremos enfrentar, o programa agora situado na Secretaria de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano (SRHU/MMA), ao lado do processo de elaboração da Política e do Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos (SINGREH), será, sem dúvida, cada vez mais aperfeiçoado. Integrado ao Sistema, com o fundamental apoio do Comitê da Bacia, temos pela frente o alento de dias melhores para as águas do São Chico. (*) Engenheiro civil e sanitarista, Diretor de Recursos Hídricos da (SRHU/MMA) e co-presidente da Rede Interamericana de Recursos Hídricos (RIRH). joao.senra@mma.gov.br
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REVITALIZAÇÃO AVANÇA NA BACIA DO SÃO FRANCISCO
REVITALIZAÇÃO: A POSIÇÃO DO COMITÊ A necessidade de revitalização da bacia do São Francisco, diante do seu grave quadro de degradação talvez seja um dos poucos, quiçá o único, consenso entre o Governo Federal e a sociedade no meio das muitas polêmicas em torno das suas questões hidro-ambientais. Mas, a definição do que deve ser esta revitalização e como deve ser conduzida, esbarra em visões conflitantes, muitas vezes contaminadas pela vinculação com o conflito em torno do projeto da transposição. Quais mudanças se espera alcançar com a revitalização e quais as estratégias para chegar lá? As prioridades e metas da revitalização devem ser definidas pelos Ministérios da Integração e do Meio Ambiente ou deveria ser definida no âmbito da bacia, com a participação efetiva do seu Comitê? O resultado deste desencontro fica evidenciado quando o governo anuncia amplamente através da imprensa que a revitalização está acontecendo, ao tempo em que a sociedade e o CBHSF não reconhecem que esteja em curso uma verdadeira REVITALIZAÇÃO, já que o programa não tem resultados efetivos a apresentar após 6 anos de existência e por não concordarem com a sua forma de condução. Por outro lado, os recursos insistentemente anunciados a cada ano, dando a falsa impressão de que a bacia esta recebendo uma enxurrada de investimentos, sistematicamente não tem correspondido ao efetivamente aplicado e esta muito aquém do tamanho do desafio que se tem pela frente. Para complicar este quadro, a revitalização é entendida pelo Governo Federal como uma contrapartida da transposição e os seus recursos tem sido muitas vezes utilizados para premiar os que apoiam a transposição ou diminuir a oposição à mesma, em detrimento das reais necessidades da bacia. Isso decorre em parte do fato de que o mesmo empreendedor da transposição, o Ministério da Integração, é o mesmo que detém a maior fatia dos recursos do programa de revitalização. A revitalização para ser efetiva tem que ter por base o conceito de bacia, com critérios claros para aplicação dos recursos focados nos resultados finais e nas prioridades regionais. Necessário se faz uma mudança na gestão do chamado “Programa da Revitalização”, de forma que avance no sentido de proporcionar uma real participação dos entes da bacia, na definição das prioridades, estratégias, metas, indicadores e mecanismos de avaliação dos resultados do programa, alinhadas com as prioridades estabelecidas no Plano de Recursos Hídricos da Bacia do São Francisco.
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TRANSPOSIÇÃO: ÁGUA PARA TODOS OU ÁGUA PARA POUCOS? Luiz Carlos da Silveira Fontes*
ANATOMIA DA MAIOR FRAUDE HIDRICA E CONFLITO FEDERATIVO DE USO DA ÁGUA NO BRASIL Entre falsas promessas e justificativas e a realidade, a transposição imposta ameaça o futuro da bacia.
Há mais de uma década a transposição das águas do rio São Francisco para o semi-árido do Nordeste Setentrional vem se configurando como o maior conflito de uso das águas da história do Brasil, envolvendo diretamente 10 unidades da Federação entre doadores e receptores. Ao longo desse tempo, o tema transposição foi debatido em centenas de eventos e permanece ainda hoje na pauta de jornais, revistas, rádios e emissoras de TV de todo o país, inclusive do exterior, sendo produzidas mais de 10.000 noticias, artigos e reportagens, com argumentos contra e a favor. O atual projeto de transposição nasceu com um grave defeito, nunca c o r r i g i d o , m a s sucessivamente ampliado pelos governantes: a idéia de que as necessidades ou interesses dos Estados do NE Setentrional geram um legitimo direito em decidir sobre a retirada de águas do rio São Francisco independe de qualquer dialogo prévio ou dos interesses ou condições da bacia “doadora” e do seu semi-árido. O mero esforço de marketing que resultou na mudança de nome para “integração de bacias” em nada mudou esta postura equivocada na condução desta demanda. O resultado foi que o declamado rio da integração nacional acabou por se transformar no rio da discórdia nacional, no centro da intensa polêmica em torno das prioridades de uso de suas águas e da controvérsia sobre o modelo de políticas públicas para o desenvolvimento sustentável do semi-árido brasileiro. A trajetória do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco - CBHSF vem sendo marcada por este conflito desde as manifestações da sociedade
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que culminaram na sua criação, em 05 de Junho de 2001, através de Decreto Presidencial, coincidindo com a decisão de abortar o projeto de transposição diante das fortes reações populares e políticas na bacia. A retomada do projeto, elevado à categoria de prioridade absoluta desde o inicio do novo governo, frustrou a intenção inicial do Comitê em promover um amplo dialogo sobre as soluções para o semi-árido e para a revitalização da bacia, sem estar condicionado à priorização da transposição. A proposta do CBHSF era evitar a continuação do conflito, à partir de uma mudança de postura do Governo Federal na condução destes temas e que poderia culminar em um amplo pacto sobre os usos das águas do rio São Francisco e do modelo de desenvolvimento sustentável e inclusivo de todo o semi-árido. Estas posições do CBHSF foram levadas ao Governo Federal, logo após a posse da primeira diretoria do CBHSF e reafirmadas nas Declarações de Penedo (2003) e de Juazeiro (2004). O CBHSF foi surpreendido, em todas as tentativas de negociação, pela intransigência do Governo Federal em só aceitar o dialogo mediante o pressuposto de que envolveria a aceitação do inicio das obras da transposição. Decidido a fazer usos de suas prerrogativas e do compromisso institucional perante os atores da Bacia, o CBHSF tem permanecido firme em suas posições, emanadas de amplas consultas públicas e das decisões, por ampla maioria, do seu Plenário. A agenda do conflito permanece e tende a se acirrar nos próximos anos, à medida que aumentar a
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demanda social pelo uso da água em ambiente de escassez de recursos hídricos e a valorização da água como bem econômico. Um mega-empreendimento de longa maturação, necessariamente só deveria ser iniciado com garantias de sustentabilidade, o que envolve uma pactuação prévia entre doadores e receptores, com benefícios mútuos. A experiência internacional ensina que transposições são empreendimentos complexos, que envolvem inúmeras variáveis e que necessariamente devem ser precedidas de etapas prévias antes de serem implementadas. No caso de regiões semi-áridas, onde transposições induzem ao aumento do consumo de água onde é escassa e à forte dependência de uma fonte externa, esta nunca deve ser o primeiro passo, mas um dos últimos de uma solução integrada que assegure o amplo acesso à água, principalmente da população mais pobre e que sofre mais diretamente com a seca. A análise a seguir demonstra que o atual projeto de transposição não cumpriu nenhuma destas etapas e deixa uma incomoda pergunta no ar: por que tanta pressa e tanto empenho para a sua realização a qualquer custo?
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TRANSPOSIÇÃO
O desafio de responder a esta questão chega a ser uma tarefa árdua, uma vez que este é um projeto de muitas caras e as justificativas para a sua necessidade se modificam de acordo com o público e a ocasião. Há no mínimo duas versões: uma oficial (aquela que é revelada pelos documentos do próprio Governo Federal) e outra para o grande público. A maior dificuldade é a necessidade de dissecar a anatomia de ambas para possibilitar a discussão das questões subjacentes: sua real necessidade, oportunidade e beneficiários. Só depois de revelada a verdadeira natureza do projeto é possível discutir os reais impactos sócio-economicos-ambientais nas bacias doadora e receptoras.
Transposições
O poderoso marketing do projeto imaginário
Não resta dúvida que o poderoso marketing de convencimento implementado pelo Governo Federal foi muito bem elaborado e é altamente eficiente. Criou um projeto imaginário calcado na construção de verdadeiros mitos, que, de tanto serem repetidos na imprensa nacional, se transformaram em “verdades” para boa parte da população brasileira. Estabeleceu uma falsa premissa de que existe uma disputa entre um grupo bem intencionado e solidário (os defensores da transposição) e os mesquinhos (os defensores do rio São Francisco e por uma nova convivência com o semiárido) e de que tudo não passa de uma disputa regional. Este clima de polêmica, com leituras tão distintas da mesma realidade e no qual a população em geral, fica sem saber com quem está a razão, favorece aos interesses do lobby da transposição. É aí que entra a figura do Governo Federal, teoricamente acima desta disputa regional, defensor de um projeto humanitário e de solidariedade e disposto a resolver o histórico problema da seca através da solução proposta no reinado de D. Pedro II. Ressalte-se que nunca é levado em consideração que nesta época não
induzem ao
aumento de
consumo de água onde é escassa
O DESAFIO DA VERDADE: QUAL A REAL NATUREZA DA TRANSPOSIÇÃO? Qual a verdadeira natureza e motivação do projeto de transposição para o Nordeste Setentrional: água para todos do semi-árido, com foco na população pobre que sofre com a seca, ou água para poucos, atendendo primordialmente os interesses dos grandes grupos econômicos, latifundiários e políticos, ou seja, justamente os mesmos que historicamente vem se beneficiando com a indústria da seca?
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se tinha a menor idéia do que fosse gestão de recursos hídricos e de lá para cá se desenvolveu o maior programa de açudagem/estocagem de água do mundo, concentrado nos Estados do Ceará e Rio Grande do Norte. Mas é daí que se origina a “legitimidade” para conduzir o projeto “sob regime de exceção” como denunciou relato do TCU e ignorar todas as inúmeras críticas e ponderações contrárias ao projeto. IMPACTOS DE TRANSPOSIÇÕES NA GESTÃO DAS ÁGUAS DA BACIA Inicialmente aborda-se aqui a transposição sob a ótica dos impactos na bacia doadora. Com base em uma síntese do texto do Plano de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco - acrescida de contribuições e críticas do autor - nos aspectos diretamente relacionados à sustentabilidade da gestão dos recursos hídricos da bacia, à incompatibilidade entre o atendimento aos seus legítimos interesses e à imposição de uma transposição. Quadro atual: usos múltiplos e conflitos A bacia do rio São Francisco tem entre suas principais características a presença de múltiplas formas de uso dos recursos hídricos que competem entre si e com as necessidades ecológicas. Apesar da disponibilidade hídrica total da bacia atender ao somatório dos diversos usos atuais, a sua distribuição é irregular entre as bacias afluentes e está concentrada na calha do rio São Francisco. A degradação da qualidade da água em vários rios afluentes e o predomínio de um tipo de uso (geração de energia elétrica, por exemplo) sobre outros, contribui para o estabelecimento de conflitos em várias regiões da bacia e ao longo do rio São Francisco. Por outro lado, os usos atuais provocam ou convivem com um quadro de degradação ambiental, em que se verifica a diminuição da biodiversidade e a alteração dos ecossistemas aquáticos decorrentes da deficiência dos serviços de saneamento, da
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AS ESTRATÉGIAS DO MARKETING DA TRANSPOSIÇÃO Utilizando-se de frases simples e de grande efeito (“não se pode negar um copo d’água a quem tem sede”, etc.) e principalmente fazendo uso do imaginário da população brasileira (região sem água, etc.), a estratégia tem como pilares o apelo ao espírito de solidariedade, a minimização dos impactos sobre a bacia doadora (“só vai retirar 1%”, “só quando Sobradinho estiver vertendo”, “vai aproveitar a água que é perdida para o mar”) e a apresentação da transposição como a única solução para o semi-árido e para o combate à seca. A estratégia inclui ainda a apropriação de benefícios (“acabar com a cena dos carros-pipas e latas d’água na cabeça”, etc.) cujos custos não estão incorporados aos 6,6 bilhões de reais previstos para execução das obras. De forma perversa, reduz o semi-árido brasileiro apenas à sua metade setentrional, escondendo da população brasileira, que quase metade deste semi-árido está na própria bacia do rio São Francisco. Muitas das cenas utilizadas na televisão para mostrar o drama da seca e sensibilizar para a urgência da transposição, foram gravadas à pequena distância do rio São Francisco Esta estratégia gera uma grande vantagem para o poderoso lobby da transposição: reduz um tema complexo a afirmativas simplórias, sem a necessidade de comprová-las e transfere o ônus da prova para os contrários a sua implantação. E, principalmente, mantém longe do debate as graves questões de má aplicação dos recursos públicos, de sustentabilidade e viabilidade econômica do mega-empreendimento. No sentido inverso, um dos objetivos desta manipulação é a desqualificação dos argumentos dos opositores do projeto, que passaram a ser apresentados à nação com “egoístas” que chegam ao ponto de negar um copo d’água a quem tem sede ou ainda como defensores de interesses escusos ou partidários. Com esta estratégia evita-se também trazer à pauta das discussões as questões relativas à sustentabilidade e interesses sócio-econômicos da bacia do rio São Francisco e as necessárias compensações de uma transposição. Da mesma forma, a população dos Estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco também vem sendo iludida. É intenso o bombardeio de discursos e folhetos com a promessa de que a transposição transformará a vida de todos e que os problemas da miséria, da saúde e da dificuldade de acesso a água serão solucionados com a transposição. Sob este manto, inúmeros políticos aproveitam para atingir seus próprios interesses eleitorais.
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construção de grandes barragens e das atividades compõem a bacia, trata-se, na realidade, da primeira industriais, minerais e agrícolas na bacia. etapa do Pacto de Gestão das Águas da Bacia. O passo seguinte a ser alcançado em uma Alocação de água nova edição do Plano, isto é, a fixação dos valores de entrega dos afluentes do rio São Francisco e a À medida que cresce a demanda por recursos distribuição espacial da vazão alocável entre os hídricos para atividades econômicas e estes se Estados da Bacia, foi atropelado pela imposição da tornarem mais escassos, a tendência será o alocação antecipada de 67 m3/s (vazão média) para surgimento de disputas entre os Estados que Estados de outras bacias. compõem a bacia. Isso representa um grande desafio e exige uma análise do conjunto para que se possa Definição das vazões planejar adequadamente sua gestão e evitar conflitos pelo uso da água. Uma das formas de se promover A disponibilidade hídrica total da bacia do rio uma justa distribuição e evitar conflitos federativos é São Francisco foi calculada em 1.849 m 3 /s, pactuar a alocação espacial da vazão outorgável para correspondendo à vazão máxima que pode chegar à uso consuntivo, garantindo antecipadamente a “cota” sua foz, após a regularização por parte das grandes que cada unidade federativa da bacia terá direito à barragens. Parte desta vazão deve ser mantida nos retirar do rio São Francisco e de seus afluentes. rios para suprir usos não consuntivos e requisitos A definição de alocação de água em grandes ambientais - são as chamadas vazões remanescentes. bacias no Brasil constitui-se em uma tarefa complexa, A diferença entre elas é a vazão que pode ser retirada mas um passo importante neste do rio para os usos consuntivos, sentido foi dado com a aprovação em conhecida como vazão alocável. A analise dos 2004 do Plano de Recursos Hídricos O estabelecimento deste da bacia do rio São Francisco. limite de retirada é uma forma de cenários revelou O primeiro grande desafio garantir a manutenção dos que em 2035 a alcançado na construção do Plano da ecossistemas fluviais e litorâneos Bacia foi a definição da vazão associados, a dinâmica ambiental na vazão alocável máxima que pode ser retirada do rio foz e a compatibilização com os usos estará esgotada, não consuntivos, entre eles o para os chamados usos consuntivos (chamada de vazão alocável). Esta de geração de energia não haverá água compromisso definição pressupõe a determinação elétrica para o nordeste, a pesca e a de quanto da vazão deve permanecer disponível para navegação. no rio para atendimento aos usos não Assim, foi estabelecido como novos vazão remanescente na foz do rio São consuntivos e às necessidades ambientais. empreendimentos Francisco, a média anual de 1.500 m3/ s, valor que também abre a A fixação de um valor possibilidade de se viabilizar a pratica máximo de retirada, por sua vez, implica em auto-limitações de uso e de de um regime sazonal de vazões e não apenas um desenvolvimento econômico para todas as unidades regime regularizado durante quase todos os anos. O federativas envolvidas, mas visa atingir um objetivo retorno de uma flutuação anual das vazões, à partir maior: manter a sustentabilidade do rio e a conciliação da produção de cheias artificiais, atenderia a uma entre usos consuntivos e não consuntivos. Por exigir antiga reivindicação da região visando mitigar os uma ampla negociação entre todos os atores impactos causados pelas grandes barragens na envolvidos e entre e as unidades da federação que biodiversidade e no equilíbrio da dinâmica ambiental.
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Esta vazão remanescente também significa que 80% das águas do Rio São Francisco (1.500 m3/ s) ficarão reservadas para a geração de energia elétrica, já que a água que chega cotidianamente à foz é a mesma que passa antes pelas turbinas das usinas hidrelétricas. De forma depreciativa, o Ministério da Integração se refere a esta vazão como “água perdida” ou “despejada” no mar, argumentando que pretende transpor a água que hoje é “desperdiçada” para o mar. Mas é ela que tem permitido a geração de energia no submédio e baixo São Francisco e a sua “transposição” tem possibilitado o desenvolvimento econômico para a Nordeste, garantindo ainda hoje cerca de 90% das demandas da região. Com base na diferença entre vazões remanescentes e disponibilidade hídrica total, o Comitê aprovou a adoção do valor de 360 m3/s como vazão máxima alocável na Bacia. Uma vez definida a vazão alocável - e incorporada ao Plano de Recursos Hídricos da Bacia - esta passou a ser o limite para o somatório dos consumos efetivos das outorgas concedidas no âmbito da bacia, de acordo com a Resolução Nº 17/2001 do CNRH. Desta forma, para se conhecer em termos relativos quanto da água do rio São Francisco se pretende transpor, tem que se utilizar como referência 360 m3/s (a disponibilidade para retirada de água na bacia). Não faz nenhum sentido a comparação entre a vazão a ser transposta e a vazão histórica/média de longo prazo (2.850 m3/s). Mas, no esforço de marketing para convencer a população brasileira que só pretende retirar uma quantidade insignificante de água, o governo federal divulga insistentemente que só pretende retirar 2 % (calculo pela vazão média a ser transposta) ou 1% (pela vazão contínua) da vazão natural do rio São Francisco. O real impacto só é revelado quando se compara com a vazão total alocável (18% considerando a vazão média da transposição) ou de forma mais evidente, com o saldo ainda existente desta vazão ou com as projeções de demandas futuras, conforme veremos a seguir.
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Transposição vs. atendimento às demandas futuras Um aspecto relevante para se verificar o impacto da transposição sobre os usos internos da bacia é considerar as projeções de demandas de consumo nos diversos cenários de desenvolvimento futuro. A analise dos cenários revelou que já em 2035 a vazão alocável estará esgotada, isto é não haverá água disponível para atender novos empreendimentos nas áreas irrigáveis potencias da bacia, sem criação de novos e intensos conflitos. Se nessa projeção for incluído o projeto de transposição para o Nordeste Setentrional, este quadro deverá se verificar já em 2030. Em outras palavras, em 2030 a bacia do rio São Francisco possivelmente estará mergulhada em um grave quadro de conflitos. Em resposta a requerimento apresentado por diversas entidades da sociedade civil, o Plenário do CBHSF, considerou que o projeto de transposição instituiu um quadro de conflito de usos na bacia, e determinou em 2004 a abertura de um processo administrativo, que conforme prevê a Lei 9.433, deve ser julgado pelo Comitê em primeira instância na busca da solução do conflito. Outorga para transposição extrapola limite alocável Analisando-se o impacto da transposição sobre os consumos outorgados, verifica-se que atingiuse o teto da vazão alocável. Os consumos referentes às outorgas já emitidas na bacia até 2003, com base nas vazões máximas de captação, totalizavam 582 m³/s nos rios perenes da bacia, que, traduzidos em consumo outorgado, foram estimados em 335 m³/s (dados de 2003). Ressalte-se que o total dos consumos outorgados (335 m3/s) corresponde a 93% da vazão alocável total, ou seja, considerando-se as outorgas já concedidas tem-se um saldo de apenas 25 m3/s para o atendimento de novas outorgas.
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TRANSPOSIÇÃO
Com a concessão da outorga para o projeto de transposição, que prevê uma retirada média de 67 m3/s (e 26 m3/s de vazão mínima contínua) esgotouse a vazão disponível para novos empreendimentos na bacia. E pior, extrapolou-se o limite estabelecido no Plano da Bacia, em flagrante violação da legislação de recursos hídricos. Por entender que a outorga da transposição ameaça a segurança hídrica da bacia e torna irregular qualquer nova outorga concedida no âmbito da bacia, o Plenário do CBHSF decidiu em 2005 pelo encaminhamento de uma representação ao MPF solicitando providências junto ao judiciário.
frontalmente os direitos dos usuários e os interesses dos Estados da bacia. A defasagem existente entre as outorgas concedidas e valor de consumo efetivo, pode ser atribuída, principalmente, à demanda reprimida devido às dificuldades para a implantação ou conclusão dos projetos existentes por falta dos investimentos públicos necessários. Estima-se que cerca de 180 hectares de perímetros irrigados estão paralisados ou com obras inacabadas na bacia, a maior parte deles situados no semi-árido. Uma política de aplicação de recursos públicos que priorizasse os investimentos em irrigação na bacia, certamente, levaria à utilização de grande parte das outorgas concedidas, diminuindo Transposição vs. consumo e drasticamente a diferença entre o outorgas atuais outorgado e o efetivamente Transposições são consumido. Os estudos técnicos de apoio admitidas apenas Seria de se esperar que o ao Plano, elaborados pela ANA, mesmo governo que decide priorizar demonstram que da vazão total e realizar vultosos investimentos no para consumo outorgada efetivamente estão sendo desenvolvimento econômico da humano e consumidos apenas 90,9 m3/s (dados metade setentrional do semi-árido com base no aporte de águas do rio de 2003), ou seja, 25% da vazão dessedentação São Francisco, oferecesse com a alocável. Este fato tem sido utilizado animal, em situações mesma determinação um plano de desenvolvimento para a metade como argumento de que sobra água para atender a transposição sem afetar meridional do semi-árido, ou seja, a de escassez as necessidades da bacia. bacia do rio São Francisco. comprovada. A transposição significará Ao priorizar a transposição retirar entre 25% (na média) e 47% com intuito de promover a irrigação (no máximo) do saldo atual da vazão de 200 mil hectares no semi-árido e alocável (269 m3/s), o que por si só demonstra que o no litoral dos Estados do Nordeste Setentrional, o impacto não é mínimo (1%), como divulgado governo federal claramente subverte a ordem lógica insistentemente pelo Governo Federal. de aplicação dos recursos públicos. O saldo existente, apesar de ainda não utilizado, já foi outorgado. Analisando a questão sob A DECISÃO DO COMITÊ DA BACIA SOBRE o ângulo legal, verifica-se que as outorgas concedidas USOS EXTERNOS representam direitos assegurados até o presente momento. Portanto, os consumos outorgados e ainda A legislação brasileira de recursos hídricos não utilizados estão comprometidos legalmente e não estabelece que a definição das prioridades de usos podem ser considerados como disponíveis para novas das águas de uma bacia Hidrográfica deve ser definida outorgas. Agir assim é como vender o mesmo terreno nos seus Planos de Recursos Hídricos e que toda sucessivas vezes, enquanto o mesmo não é ocupado. concessão de outorga estará condicionada a estas A reserva de água para um novo grande projeto, como prioridades, o que inclui também aquelas destinadas o da transposição para o Nordeste Setentrional, fere aos usos externos à bacia.
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As análises precedentes subsidiaram as decisões do Comitê sobre as prioridades de usos e, especificamente, sobre as demandas de transposições, podendo ser assim sintetizadas: • A disponibilidade de água alocável na Bacia não é suficiente para atender toda a demanda representada pelas terras potencialmente irrigáveis na bacia, situadas à pequena distância e altura das fontes de água. O aproveitamento deste potencial depende basicamente da decisão do Poder Público em promover um amplo programa de investimentos. Estima-se que a vazão alocável possibilita a irrigação de apenas 1/3 deste potencial (pouco mais de1 milhão de hectares). Isto significa dizer que cerca de 2 milhões de hectares não poderão ser irrigados, o que representa uma limitação ao desenvolvimento econômico da bacia em prol da conciliação entre usos consuntivos e não consuntivos. • Desta forma, a transposição para o Nordeste Setentrional não estará se utilizando de “sobras” de água, mas competirá com os usos internos, com o agravante de limitar as possibilidades de crescimento econômico da bacia baseado na água como insumo produtivo, pois antecipará a previsão de esgotamento da vazão alocável já para 2030. • Legalmente a bacia só dispõe de pequena folga de 25 m³/s do valor outorgável para atender todos os novos projetos (de acordo com levantamento realizado no ano de 2003). Desta forma, este saldo deve ser aplicado prioritariamente em projetos internos à bacia, sendo obviamente desaconselhável a aprovação de um grande projeto de transposição que venha a utilizar a totalidade deste saldo. Diante dessas considerações, o CBHSF em reunião realizada em 27 de outubro de 2004, decidiu que a prioridade da utilização das águas da bacia hidrográfica do Rio São Francisco são os usos internos. Transposições são admitidas apenas para consumo humano e dessedentação animal, em situações de escassez comprovada. A utilização das águas como insumo produtivo ficou restrita, exclusivamente, aos usos internos à bacia. O Plano ainda especifica que a definição dos valores a serem outorgados para transposições deverá tomar por base as reais necessidades hídricas das
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APÓS DECISÃO DO COMITÊ, GOVERNO DECIDE PELA IMPOSIÇÃO Conforme demonstrado, o projeto de transposição, particularmente o seu Eixo Norte, não atende às prioridades de uso definidas no Plano da Bacia. De acordo com a Lei 9.433 e Lei 9.984 este fato deveria significar o impedimento à concessão da outorga para o projeto. Estas leis estabelecem que toda outorga está condicionada às prioridades estabelecidas nos Planos de Bacia. O Governo Federal, entretanto, decidiu por ações de imposição do Projeto de Transposição, mesmo que à custa do atropelo institucional e da lei, ao ignorar as competências legais do CBHSF, concedendo a outorga e a licença ambiental. O enfraquecimento institucional do Comitê é um retrocesso na implantação do sistema participativo e descentralizado de gestão dos recursos hídricos definido na Lei 9.433, e, infelizmente, contou com o beneplácito daqueles a quem cabe zelar pela correta aplicação da lei, o CNRH e do Ministério do Meio Ambiente. O Conselho Nacional de Recursos Hídricos, sequer considerou a existência do Plano de Recursos Hídricos da Bacia, ao aprovar o “aproveitamento hídrico” para o projeto de transposição. A determinação do Governo Federal em decidir unilateralmente sobre o uso das águas do rio São Francisco colocou em xeque o novo modelo de gerenciamento participativo e descentralizado de recursos hídricos preconizado pela Lei 9.433 que tem a Bacia como unidade de planejamento.
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bacias hidrográficas receptoras, descontando-se os valores de vazão já utilizados para a finalidade de consumo humano e dessedentação animal e a clara comprovação de indisponibilidade hídrica regional para atendimento da demanda apresentada.
Nesta conta, que utiliza a projeção da população na região em 2025, estão incluídos cerca de 5 milhões de pessoas da região metropolitana de Fortaleza e do porto de Pecem. Documentos do Governo do Estado do Ceará e do Banco Mundial afirmam categoricamente que o Açude do Castanhão TRANSPOSIÇÃO NÃO É PARA O CONSUMO fornecerá 22 m3/s para esta região, através do Canal HUMANO da Integração, garantindo água para todos os usos, inclusive irrigação, por, pelo menos, 30 anos. O atual projeto de transposição para o Investigação conduzida pelo TCU também concluiu Nordeste Setentrional não atende às exigências do que os possíveis beneficiados são apenas uma fração Plano da Bacia, uma vez que destina a maior parte dos alegados 12 milhões. das águas do Eixo Norte para uso econômico na irrigação, em especial para fruticultura irrigada de OUTORGA: ARTIFICIOS DA GARANTIA DE 100% exportação e criação de camarões no litoral do Ceará E A PROIBIÇÃO DO USO DA ÁGUA e Rio Grande do Norte. SUBTERRÂNEA Uma parcela secundária da vazão a ser transposta (26 m 3/s) será apenas nominalmente Mesmo diante destes fatos, foi com base na destinada ao consumo humano e dessedentação alegação de que era imprescindível importar 26 m3/s animal. Mas facilmente se verifica que trata-se de para assegurar o abastecimento humano até 2025 que um valor propositadamente superdimensionado para foi solicitada e concedida a outorga para um justificar o empreendimento perante a sociedade empreendimento que possibilita transferir até quatro brasileira. vezes mais, ou seja 114 m3/s (média de 67 m3/s). Na realidade esta vazão corresponde à Para se fabricar este falso déficit foi necessário demanda total da região em 2025, segundo consta do recorrer a outros artifícios, além dos já citados: as próprio projeto. A manipulação fica evidente ao não disponibilidades hídricas foram diminuídas ao serem se descontar os estoques já existentes na região para calculadas com 100% de garantia (enquanto para a só então calcular a real necessidade de aporte de água bacia do rio São Francisco utiliza-se 95%) e a água para este uso. É como se a região não dispusesse de subterrânea foi sumariamente retirada dos cálculos. nenhum estoque de água para consumo da população Como? Os governos estaduais do CE, RN, PB e PE e como fosse possível abandonar as fontes locais (e foram instados a assinar documentos no qual mais baratas) em troca da água importada de centenas passavam a considerar as águas subterrâneas como de quilômetros de distância e a um custo muito mais reservas estratégicas que só poderiam ser utilizadas elevado. Pressupõe, enfim, transferir toda a após esgotadas todas as disponibilidades superficiais responsabilidade pelo abastecimento da população à e, portanto, assumiam o compromisso de proibir o seu transposição e, assim, liberar os estoques locais para uso, em uma região em que é amplamente utilizada. usos econômicos. Estoques no Eixo Norte são suficientes para 30 O engodo dos 12 milhões de beneficiados anos Um caso emblemático demonstra que o número de beneficiados com a transposição é bem menor que os 12 milhões que são insistentemente anunciados pelo Governo e divulgados quase diariamente nos jornais do país.
Documentos oficias dos Governos Estaduais do CE e RN e do Banco Mundial também demonstram claramente que no Eixo Norte os estoques de água existentes são suficientes para atender as demandas de água para consumo humano e dessedentação
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animal nos próximos 30 anos e para todos os demais usos nos próximos 15 anos. No eixo Leste, reconhece-se a existência de déficit hídrico para abastecimento humano que poderia ser perfeitamente atendido com a construção de adutoras partindo do rio São Francisco, promovendo uma distribuição espacial mais efetiva da água e com um menor custo, a exemplo da solução adotada no Estado de Sergipe.
Apesar de ser apresentado como uma solução para todo o semi-árido, os canais da transposição só atenderão uma pequena faixa de terra ao longo de suas margens – menos de 5% da área total do semiárido - não se traduzindo em uma solução regional. Enquanto isso, soluções de convivência com a seca, que efetivamente atendem à população dispersa, como a construção de um milhão de cisternas, avançam timidamente, faltando mais de 90% para atingir tal meta.
TRANSPOSIÇÃO É SOCIALMENTE INJUSTA E ATENDE MENOS DE 5% DO SEMI-ÁRIDO
O rio São Francisco é a maior prova de que transposição não assegura acesso à água
Em termos de justiça social pode-se assegurar que o projeto não se destina a atender as populações rurais dispersas, aquelas que realmente sofrem com o drama da seca. Para estas, o projeto oferece, no máximo, a instalação chafarizes ao longo dos canais. Significa dizer que as cenas das latas d’água na cabeça e dos carros-pipa vão continuar. Menos de 4% (2,5 m3/s) da vazão média dos canais da transposição serão destinados ao uso ao longo das margens dos canais de acordo com documento enviado pelo MI à Agência Nacional de Águas. Significa dizer que esta é a quantidade que será efetivamente destinada ao uso da população rural do semi-árido e demonstra que o real destino das águas são os açudes próximos ao litoral.
Uma analise da realidade de acesso à água na bacia do rio São Francisco, resulta na constatação que a transposição é socialmente injusta também em relação à população que vive no semi-árido da bacia do rio São Francisco, à qual pouco tem sido oferecido, apesar de sofrer os mesmos problemas do semi-árido setentrional. É notório que a maior parte da população da bacia não faz uso das águas do rio São Francisco para atender suas necessidades. Desde os que vivem há poucas centenas de metros até aqueles mais afastados do rio, a grande maioria sofre os mesmos problemas de acesso a água enfrentados no nordeste setentrional. Fazem uso de açudes, cacimbas, poços e cisternas. São comuns as cenas de mulheres
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carregando latas d’água na cabeça e a dependência de carros-pipas nos municípios ribeirinhos. Só recentemente o Ministério da Integração Nacional reconheceu que esta é uma demanda justa, mas isso em nada modificou a determinação do governo federal em priorizar a transposição para levar água por centenas de quilômetros para usos comerciais em detrimento dos que vêem o rio tão próximo, sofrem com a seca e não bebem de suas águas. O MI acenou com um projeto de distribuição de água, denominado de Água para Todos, apresentado justa contrapartida à transposição, mas que está muito aquém das necessidades da população da bacia. O projeto prevê atender até 7 km em cada margem do rio, o que representa cerca de 1% da distância prevista para o destino final das águas no eixo Norte. Além disso, os recursos previstos para 2007 se referem basicamente à perfuração de poços. Assim, os ribeirinhos continuarão sem ter acesso às águas do rio São Francisco, demonstrado claramente o tratamento secundário que tem merecido as necessidades da população da bacia frente ao interesse maior na transposição. Esta será uma das conseqüências mais perversas da transposição: concentrará os recursos destinados à região, estabelecendo um clima de disputa com verbas que poderiam ser destinadas às pequenas obras (as que efetivamente atendem de forma ampla à população pobre e rural), transferindo para o futuro a “divisão do bolo” ou seja, dos estoques de água existentes.
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A TRANSPOSIÇÃO NÃO É NECESSÁRIA: A RAIZ DO PROBLEMA É A DISTRIBUIÇÃO O CBHSF solicitou por diversas vezes à ANA-Agência Nacional de Águas a apresentação do balanço hídrico regional para que fosse possível constatar qual o real nível de escassez para atendimento às demandas de consumo humano e dessedentação animal. Este balanço, apesar de oficialmente prometido pelo então presidente da ANA, não foi providenciado durante o processo de analise da outorga e emissão do Certificado de Avaliação de Sustentabilidade de Obras Hídricas - CERTOH. A outorga para a transposição foi concedida apenas com base nos dados fornecidos pelo empreendedor (no caso, o MI). Só posteriormente a ANA procedeu a um amplo levantamento da situação do abastecimento das cidades do Semi-Árido, cujos resultados constam do Atlas Nordeste - Abastecimento Urbano de Água (2006). O Atlas contém as obras prioritárias para o abastecimento humano e confirmou o que já afirmavam os estudos do Banco Mundial e da SBPC: as reservas regionais de água nos Estados do Ceará e Rio Grande do Norte são suficientes, pelo menos, até 2030 e que a raiz do problema da falta de água que é sentida pela população está na distribuição e gestão eficiente da água estocada. São inúmeras as denúncias de populações que vivem próximas aos grandes açudes plurianuais e mesmo assim não recebem água em casa. No entanto, o Brasil é levado a acreditar que a transposição (cujo destino são estes mesmos açudes) resolverá este drama. O traçado do Eixo Norte no Ceará não cruza nenhuma das áreas identificadas como criticas em relação ao abastecimento humano em 2025, muito ao contrario, passa distante destas e beneficia exatamente a bacia de maior potencial hídrico do Ceará, a bacia do rio Jaguaribe. Este fato é prova evidente dos reais objetivos desta obra. O Atlas mostra um fato grave: a maior parte das áreas criticas para abastecimento urbano encontram-se justamente na bacia do rio São Francisco. Para estas não existe nenhum grande programa governamental. Como justificar a priorização do Eixo Norte diante desta constatação?
Pobreza na bacia do RSF: a transposição é para diminuir as desigualdades regionais? Um dos argumentos utilizados é de que a transposição promoverá o equilíbrio das desigualdades regionais. Entretanto este desequilíbrio existe entre a região semi-arida (metade da qual está na bacia do rio São Francisco) e o sul e sudeste do país. Mas não entre a metade setentrional e a metade meridional do semi-árido. O semi-árido da bacia do rio São Francisco é caracterizado por possuir poucas ilhas de desenvolvimento econômico - e que são alardeadas
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na mídia nacional como representativas da situação geral da bacia - cercadas por um oceano de miséria e baixo índice de desenvolvimento. Em 2003, cerca de 21% dos quase 17 milhões de habitantes da bacia (3,7 milhões de pessoas) eram consideradas pobres de acordo com os padrões brasileiros, vivendo com até menos de 1/3 do salário mínimo. Em alguns municípios registram-se taxas de pobreza rural muito acima de 50%. Ressalte-se que, enquanto 11% dos cem piores IDHs do País encontram-se na bacia do rio São Francisco, inclusive o 4º pior IDH (Traipu, em Alagoas). Em franco contraste com este quadro, nenhum município a ser cortado pelos canais do Eixo Norte da transposição se inclui nesta lista. Para piorar, no destino final das águas transpostas, o litoral do CE e RN, concentram-se os maiores IDHs desta região. Assim, o projeto de transposição para o NE Setentrional não pode ser considerado um projeto de integração de bacias o qual pressupõe a existência benefícios mútuos entre elas. Apenas os receptores são beneficiados e, a rigor, constitui-se em um programa de transferência de emprego e renda. A verdade é que o governo federal está decidido a retirar água de uma região semi-árida, de população em geral pobre e ainda insuficientemente atendida em termos de acesso à água, para levá-la a outra região semi-árida, para atender interesses econômicos de grandes grupos econômicos e políticos da região. TRANSPOSIÇÃO PARA O CEARÁ: UMA RESERVA HÍDRICA PARA O FUTURO Apesar de todas as considerações acima e mesmo que em prejuízo dos interesses da bacia, a utilização das águas do rio São Francisco em outras bacias poderia se justificar, se atendesse aos requisitos de necessidade, urgência, oportunidade e justiça social. Todavia, quando se analisa especificamente o Eixo Norte do Projeto de Transposição, constata-se que este pouco contribui para a solução dos problemas do semi-árido e para a redução da pobreza.
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CEARA E RIO GRANDE DO NORTE: OS MAIORES BENEFICIADOS DO MAIOR PROGRAMA DE AÇUDAGEM DO MUNDO EM REGIÕES SEMI-ÁRIDAS
Mapa dos espelhos d’água: a maior concentração de açudes do semi-árido está no Ceará e RN.
O traçado do Eixo Norte coincide com a região de maior disponibilidade hídrica do Ceará, a bacia do rio Jaguaribe (ver mapa abaixo), passando longe das regiões mais carentes em água. Esta realidade demonstra claramente que o motivador da transposição para este Estado não é a escassez, mas a geração de superavit hídrico para uso em novos empreendimentos agrícolas e para a refinaria no Porto de Pecem.
Bacia do Rio Jaguaribe e canais Trabalhador e Integração
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Pelo contrário, um dos maiores motivadores da transposição vai além dos ganhos imediatos. A estratégia subjacente é dotar o Ceará, Estado que possui uma maior consciência do valor econômico da água, de uma reserva hídrica para o futuro quando passará, inclusive, a competir com os produtos agrícolas de exportação gerados na bacia do rio São Francisco, devido à maior proximidade dos portos e da Europa. Em 2030, o Ceará contará com um superávit hídrico, correspondente à sua parte na vazão do Eixo Norte, enquanto na bacia do rio São Francisco já se terá atingido o limite de consumo da vazão alocável. TRANSPOSIÇÕES IMPOSTAS AMEAÇAM O FUTURO SUSTENTÁVEL DA BACIA DO RIO SÃO FRANCISCO
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Nenhuma destas relevantes questões foi levada em consideração pelo IBAMA ao conceder as licenças ambientais, pelo CNRH ao autorizar o “aproveitamento hídrico” da transposição e pela ANA ao conceder a outorga, o que motivou questionamentos jurídicos, que atualmente aguardam julgamento no STF, entre eles, o do Governo do Estado de Minas Gerais. Como o valor alocável global 360 m3/s ainda não passou por um processo de repartição entre os Estados da bacia do rio São Francisco, qualquer retirada afeta todos eles, vez que diminui o valor que será utilizado no processo de negociação da alocação espacial. A retirada média de 67 m 3 /s para a transposição significará: ·• uma redução média de 18% na cota de cada Estado ·• duas vezes o que Minas Gerais teria direito a retirar do rio São Francisco (de acordo com proposta de alocação espacial elaborada pela ANA nos estudos do Plano de Bacia). Este quadro significará acrescentar enorme dificuldade ao já difícil desafio de se obter a pactuação em torno da alocação espacial. Em grandes rios do mundo onde tal pactuação não foi atingida, os resultados foram desastrosos para a região do baixo curso e da foz. No caso do rio São Francisco que fornece cerca de 90% da energia elétrica utilizada pelo Nordeste, o que também está em jogo é a segurança energética da região. Infelizmente, o governo se recusa a discutir qualquer uma destas graves questões, decorrentes da sua decisão de impor a transposição e desconsiderar a necessidade de qualquer transposição para uso econômico ser precedida de ampla pactuação em torno da alocação espacial e da gestão das águas da bacia.
Quando a sociedade de uma bacia hidrográfica abre mão de vazões que hoje são aparentemente superavitárias, para que seja utilizada em outras bacias, representa se privar de potenciais para o seu desenvolvimento econômico futuro e por isso esta decisão só deve ser tomada após a mais profunda avaliação. Além disso, a retirada de vazões para usos externos, se mal conduzida, pode representar o comprometimento de soluções para a compatibilização entre os conflitos de interesses entre os diversos segmentos usuários, Unidades da Federação e a proteção da biodiversidade, comprometendo a sustentabilidade hidroambiental da bacia. Não raro, conduz a um acirramento de conflitos dentro da bacia doadora. Desta forma, a análise das questões envolvidas nas demandas por retiradas de água para territórios externos à bacia deve ser considerada uma questão que diz respeito a toda à bacia e não apenas ao ponto em que ocorre a captação. Além de possíveis impactos ambientais, o valor captado pode afetar as O futuro da bacia depende do Pacto de Gestão bases de negociação e o equilíbrio que se busca no O futuro do rio São Francisco depende de um planejamento da alocação espacial da água. A alocação de água tem por objetivo principal a garantia grande pacto em torno da gestão de suas águas que de fornecimento de água aos atuais e futuros usuários assegure a conciliação entre os diversos usos, o atendimento à sua população e os comprometimentos de recursos hídricos. ambientais.
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No mundo inteiro não faltam exemplos catastróficos do resultado da visão extrativista e da falta de um planejamento integrado e pactuado. Os resultados podem ser vistos em importantes rios como o Amarelo (China), e Colorado (EUA/México) que em muitos meses do ano não chegam mais à sua foz. Neste quadro, o pior cenário que se pode vislumbrar para o rio São Francisco será a falta de entendimento entre os diversos Estados da bacia em decorrência da imposição dos interesses externos aos interesses internos. As conseqüências podem ser graves diante de uma peculiaridade na formação das suas vazões naturais: 93,9% provêm dos afluentes, a maioria de domínio dos governos estaduais. Cerca de 80% das vazões são originadas em Minas Gerais. E ainda não chegamos a um acordo sobre as vazões
O semi-árido (linha tracejada em preto) e a bacia do rio São Francisco (linha tracejada em laranja).
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de entrega destes afluentes (que por sua vez implica definir a limitação à retirada de água em cada bacia afluente) o que significa incertezas quanto à manutenção das vazões do rio São Francisco. Aqui reside, talvez, a maior das ameaças potenciais do projeto de transposição para o Nordeste Setentrional em relação à bacia doadora: ao escolher a imposição em lugar da negociação, o Governo Federal, esta promovendo o conflito federativo e contribuindo para desconstrução do ainda incipiente pacto pela gestão das águas da bacia. EXISTE UM OUTRO CAMINHO No entendimento do Comitê da Bacia, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC, do Banco Mundial e de inúmeros cientistas, a transposição das águas da bacia do rio São Francisco para as bacias receptoras do Nordeste Setentrional jamais poderia ser o ato inicial de uma solução integrada e sustentável para o semi-árido, mas a última etapa de um conjunto de ações. Estas ações deveriam contemplar: • A democratização do acesso à água, através da adução e distribuição do estoque de água já existente, tanto na região receptora como doadora. A garantia de fornecimento de água aos centros urbanos de todo o semi-árido, incluindo o norte de Minas Gerais, foi orçada em 3,6 bilhões pela ANA (Atlas do Semi-árido), portanto uma fração (1/ 3) do custo total da solução via canais de transposição. • A conclusão das obras de infraestrutura hídrica paralisadas em todo o semi-arido, • A real revitalização hidroambiental da bacia do Velho Chico e • O investimento prioritário e amplamente distribuído em soluções de convivência com a seca para a população dispersa do semi-árido brasileiro.
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Disponibilidade hídrica por habitante na maior parte do semi-árido da bacia situa-se entre menos de 500 até 1.000 m3/hab/ano. Fonte: GEF São Francisco
Gráfico comparativo entre as regiões mostra que a irrigação no NE Setentrional ocupa área maior do que na bacia do rio SF e que existem quase 400 mil hectares de projetos de irrigação paralisados.
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Diante de tantas dúvidas e incertezas técnicas, institucionais, ambientais e sócioeconômicas que cercam o atual projeto de transposição, é responsabilidade da sociedade brasileira, exigir do Governo Federal uma reavaliação da condução deste projeto, isenta de interesses políticos imediatos. E necessariamente acompanhada da abertura das negociações, no âmbito do pacto federativo, entre os Estados doadores e receptores das águas sanfranciscanas, com a efetiva participação dos comitês de bacia, na busca da melhor aplicação dos recursos públicos em uma solução sustentável e socialmente justa. Este momento histórico está a exigir que a sociedade brasileira interfira nas decisões sobre o destino do Velho Chico, cuja vocação de rio da integração nacional não pode transformar-se em fonte permanente de discórdia, com a perpetuação e acirramento do maior conflito de uso das águas da história do país. O atual governo federal tem a oportunidade de construir um grande pacto nacional em torno da gestão das águas do rio São Francisco e do desenvolvimento sustentável do semi-árido brasileiro. É para que essa mensagem seja, enfim, ouvida pela Nação Brasileira, que os movimentos sociais estão recorrendo ao recurso extremo da ocupação do local da tomada d’água do eixo Norte, desde 26 de junho 2007, “como último gesto de pleno exercício da cidadania que resta àqueles que discordam do projeto e cujos argumentos e reivindicações não foram, até o momento, devidamente considerados pelo Governo Federal” (Nota Pública da Diretoria do CBHSF, junho 2007). (*) Prof. da Universidade Federal de Sergipe Vice-Presidente do CBHSF luizfontes@gmail.com
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A VISÃO DO GOVERNO FEDERAL SOBRE O PROJETO DE INTEGRAÇÃO DE BACIAS Rômulo Macedo*
A existência do Comitê de Bacias Hidrográficas do Rio São Francisco - CBHSF é resultado da luta de muitos cidadãos brasileiros, moradores ou não da desta bacia, que aprovaram a Lei nº 9.433/1997. Pois foi esta Lei que permitiu o Comitê de existir ao se constituir num marco legal para a gestão, o uso racional e sustentável dos recursos hídricos no Brasil. Portanto, completados 10 anos de existência desta Lei e de 5 anos de criação do CBHSF, devemos ficar contentes pelos caminhos percorridos e, ao apontar para o futuro sem esquecer do passado, verificarmos os erros, os acertos e as providências necessárias para aperfeiçoarmos a gestão das águas do rio denominado da Integração Nacional. Pois integração não pressupõe termos a mesma opinião e postura com relação às águas e, sim, promovermos o diálogo das diversidades naquele espaço público do Parlamento das Águas, conforme diretrizes preceituadas pela nossa lei decenal de recursos hídricos. Isto posto, e como membro da União no CBHSF e gestores do Projeto de Integração do Rio São Francisco com as Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional, estaremos contribuindo para a erradicação da pobreza e a marginalização e reduzindo as desigualdades sociais e regionais, atendendo desta forma o que determina a nossa Constituição Federal em seu artigo 3º - inciso III. Queremos então, nesta oportunidade de rememorização, trazer mais elementos para diálogo acerca de nossa posição no CBHSF ao comentar algumas questão com relação ao Projeto de Integração de Bacias. A transferência de águas entre regiões, as transposições de bacias hidrográficas, é uma técnica da gestão de recursos hídricos secularmente utilizada pela humanidade. Inúmeros projetos de transposição de águas foram e estão sendo implantados em países ricos e pobres do mundo inteiro. Nos Estados Unidos, dois grandes projetos de transferência de água no Estado da Califórnia, um ao norte (Central Valley Project, nos rios São Joaquim e Sacramento, com 787 m³ / seg) e outro ao sul (Boulder Cânion no rio Colorado, com 430 m³ / seg), construídos há mais de 50 anos, garantiram a irrigação de 500 mil hectares, através de 3.000 Km de canais revestidos. Outros projetos importantes naquele país são o Central Arizona Project, concluído em 1985, com 182 m³ / seg e US$ 4 bilhões de investimento e o Big Thompson, no estado do
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Colorado, concluído em 1956, com 55,78 m³ / seg e 162 Km de canais. Na Europa, vale destacar o Projeto Tajo-Segura abastecendo as populações e sistemas de irrigação nas províncias espanholas de Murcia, Alicante e Almeria, com vazão de 33 m³ / seg, 172 Km de canais e 58 Km de túneis. Atualmente, dois excepcionais projetos estão em andamento na Índia e no Egito. O primeiro, denominado Sardar Sarovar, conduz 1.133 m³ / seg em 468 Km de canais, retirando águas do Rio Narmada que tem vazão máxima de 2.000 m³ / seg; o segundo, no baixo Rio Nilo, o Projeto El Salam que passa por baixo do Canal de Suez com um sifão constituído de quatro túneis, capacidade de 160 m³ / seg e 268 km de canais. Na parte média dório Nilo, que tem características hidrológicas semelhantes a do São Francisco, existe outro projeto, o Toshca, que retira até 350 m³ / seg do Lago Nasser (Aswan) para irrigação do deserto ocidental do Egito. Ainda na África, vale destacar a transposição entre bacias de dois países, do rio Senq, no Lesoto, para o rio Vaal, na África do Sul, pelo Lesotho Highlands Water Project, cuja capacidade é de 30 m³ / seg. No Brasil, temos os exemplos do Sistema Light, que abastece a cidade do Rio de Janeiro, e o Cantareira (33 m³ / seg), que garante o abastecimento de 56% da população da região metropolitana de São Paulo. Outras cidades importantes, como Salvador e Aracaju, são abastecidas por projetos de transposição. Embora estes e outras dezenas de projetos de transposição construídos no mundo, tenham trazido prosperidade e bem-estar às populações beneficiadas, é importante frisar que nem sempre foram devidamente consideradas questões ambientais e de inserção regional, importantes para seus dimensionamentos e redução de impactos. O exemplo mais patente é o do Projeto Mar de Aral, na Ásia Central que, de forma prevista e calculada por técnicos da então União Soviética, mas implantado
DE INTEGRAÇÃO DE BACIAS
por decisão política, resultou num grande desastre ambiental, com a retirada excessiva de águas para a irrigação e conseqüente desertificação da área do mar. O Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional, denominação nova e mais adequada ao conhecido “Projeto da Transposição do São Francisco”, é uma idéia secular, cuja lógica é a transferência de um pequeno volume das águas do maior manancial hídrico do semi-árido brasileiro para uma parte da mesma região, cujas ofertas de água carecem da necessária garantia para o atendimento às suas demandas atuais e futuras. A inexistência de meios tecnológicos na segunda metade do século XIX, frustrou a vontade política de implantar o projeto, fortemente existente à época. No começo do século XX, com a criação do IFOCS (Inspetoria Federal do Obras Contra as Secas), hoje DNOCS, a construção de pequenos, médios e grandes açudes nas proximidades dos centros urbanos, possibilitaram o enfrentamento de secas anuais e inter-anuais recorrentes, garantindo a oferta de água às populações e aos pequenos sistemas de irrigação, nem sempre de forma satisfatória. Mais recentemente, os estados da região, com a ajuda da União, empreenderam um esforço de aplicação dos seus escassos recursos financeiros, construindo grandes sistemas adutores de forma a distribuir as águas dos grandes reservatórios para as cidades onde os açudes mais próximos e de menor porte, não mais atendiam as crescentes necessidades de abastecimento. Estudos consistentes de inserção regional, contratados pelo Ministério da Integração NacionaL, levantaram as disponibilidades hídricas da região, passíveis de serem utilizadas com a necessária garantia que, uma vez confrontadas com as demandas atuais e futuras identificadas, concluíram pela efetiva carência de água no semi-árido dos estados de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte. O estudo demonstra que, mesmo contando com reservatórios de grande capacidade de acumulação de água, somente cerca de 20% dos volumes armazenados pode, por condicionantes climáticas próprias da região, ser utilizada com garantia para atendimento das demandas. Dessa forma, mais do que um simples projeto de reforço da oferta hídrica regional, a Integração do São Francisco, é um projeto garantidor dessa oferta, e proporcionador de uma melhor gestão da água já existente na região. Com relação ao impacto no seu manancial, o Rio São Francisco, quando comparado a todos os demais projetos de transposição do mundo, pode-se afirmar que é insignificante, pois vai retirar 26 m³ /seg constantemente,
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A VISÃO DO GOVERNO FEDERAL SOBRE O PROJETO
por condicionamento da outorga da ANA, o que corresponde a somente 1,4% da vazão firme do rio, ou 7,2% da vazão total admitida para usos consultivos pelo Plano Decenal da Bacia (360 m³/ seg). A execução das obras dos dois eixos de adução de água ao Nordeste Setentrional; a implementação dos 36 Programas Ambientais aprovados pelo IBAMA e do Programa de Gestão de Recursos Hídricos na Região Beneficiada desenvolvido em parceria com a ANA, ações que compõem o Projeto de Integração do Rio São Francisco, estão, neste momento, em pleno andamento. A decisão do Governo Federal de implantar o Projeto está baseada em dados, premissas e evidências que, pelas suas clareza e consistência, não deixam dúvidas quanto a viabilidade e importância do empreendimento, não só para a região beneficiada como para o Nordeste e o país: - Os estudos realizados são suficientes e adequados quanto às suas natureza e nível de detalhamento, e demonstram com clareza e precisão a escassez de água na região e a necessidade de solução dos problemas para garantia da sustentabilidade da vida e promoção do desenvolvimento econômico. - O Projeto foi exaustivamente discutido, resultado do amplo debate, significativa contribuição ao seu aperfeiçoamento. - Os impactos ambientais identificados são bem mais importantes e significativos no campo das vantagens, não tendo nenhum impacto negativo de relevância, tanto na bacia do São Francisco quanto nas bacias beneficiadas. Nenhum dos Projetos de Transposição feitos no mundo, teve, ou tem, as condições ideais e os cuidados ambientais. - A retirada de água é insignificante quando se considera o porte e as condições hidrológicas do rio São Francisco (rio federal) e é fundamental para a garantia de oferta hídrica a 12 milhões de brasileiros da região beneficiada. A integração das bacias hidrográficas é, portanto, uma alternativa a ser consolidada dentro do princípio do federalismo cooperativo. - O Projeto foi analisado e aprovado pelo CNRH, pelo IBAMA e pela ANA, instituições com as devidas atribuições institucionais e reconhecidas capacidade técnica. - O Projeto Básico Ambiental, constituído de 36 Programas, constitui uma garantia de alcance dos objetivos e metas do empreendimento.
(*) Coordenador Geral da Obra Ministério da Integração Nacional. romulomacedo@hotmail.com
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OS ASPECTOS JURÍDICOS DO PROJETO DA TRANSPOSIÇÃO DO SÃO FRANCISCO E A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM DEFESA DA BACIA. Luciana Khoury*1
A partir da Constituição Federal de 1988, o Ministério Público passou a desempenhar novo papel na sociedade, sendo sua função zelar pela garantia dos direitos sociais, coletivos e difusos. A nova missão institucional trazida requereu dos Ministérios Públicos uma atuação voltada para a proteção dos direitos metaindividuais, ou seja, aqueles que extrapolam o direito individual, podendo tutelar o direito de uma coletividade de indivíduos, a exemplo do direito à saúde, ou mesmo devendo buscar a garantia dos direitos de todos indistintamente, a exemplo do direito difuso ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e da proteção ao patrimônio público, esses direitos são os chamados difusos, pois pertencem a todos indistintamente. Para cumprir com eficiência a missão constitucional, o Ministério Público precisou adotar novas diretrizes, eleger prioridades, modificar a antiga postura dos Promotores de Justiça que apenas atuavam em seus gabinetes. Para defender os direitos da sociedade, os Promotores de Justiça precisam conhecer a realidade, atuar em parceria com os movimentos sociais na busca de uma transformação efetiva da realidade, onde os direitos não sejam mera formalidade, mas criem vida. Nesse sentido, o Ministério Público do Estado da Bahia, vem, desde 2002, em parceria com os Ministérios Públicos dos demais Estados banhados pelo rio São Francisco, atuando de maneira integrada, através da Coordenadoria Interestadual das Promotorias de Defesa do São Francisco, com projetos destinados à melhoria das condições do ecossistema desta bacia, responsabilizando os agentes causadores de danos ambientais e prevenindo a ocorrência de novos danos, sendo a revitalização da bacia uma prioridade institucional. Toda atividade potencialmente poluidora ou impactante na bacia deve ser investigada pelas Promotorias do São Francisco. Por essa razão, o Projeto de Transposição, não poderia passar sem a apreciação dos Ministérios Públicos. Nesse particular, os Ministérios Públicos dos Estados que integram a bacia vêm atuando juntamente com o Ministério Público Federal, por intermédio dos Procuradores da República com atuação nos Estados e das Subprocuradoras da República Coordenadoras da 4ª
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e da 6ª Câmara da Procuradoria Geral da República, que atuam respectivamente nas questões ambientais e de populações tradicionais, em singular integração institucional. Nesse sentido, foram realizadas diversas audiências conjuntas com o Ministério da Integração, com a finalidade de melhor conhecer o empreendimento. E, como o conhecimento da matéria ambiental é essencialmente interdisciplinar, foram buscadas as Universidades, bem como a análise técnica da 4ª e 6ª Câmaras de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, para formação de opinião sobre o tema. Após cuidadosa avaliação dos Estudos apresentados, os Ministérios Públicos dos Estados e Federal constataram que o Projeto viola a Constituição Federal, as normas ambientais e de recursos hídricos.
A Constituição Federal foi violada, pois o ponto de captação do Eixo Norte situa-se em Terra Indígena Truká, bem como trechos dos canais situam-se em território Truká, ainda em processo de demarcação na FUNAI, e, conforme previsto no art. 49, inciso XVI, é competência exclusiva do Congresso Nacional autorizar a utilização de recursos naturais em terra indígena, bem como o art. 231 determina a obrigatoriedade de oitiva das comunidades afetadas, o que não ocorreu. As normas de recursos hídricos estão
TRANSPOSIÇÃO DO SÃO FRANCISCO E A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM DEFESA DA BACIA.
sendo frontalmente desrespeitadas, uma vez que o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco CBHSF, cumprindo com sua obrigação legal e num verdadeiro exercício de democracia e responsabilidade com a sua missão, aprovou o Plano de Bacia que prevê a possibilidade de alocação externa de água apenas para consumo humano e animal, em casos de comprovada escassez. Ocorre que a transposição se destina à irrigação, carcinicultura, usos industriais, já outorgados pela Agencia Nacional de Águas - ANA, em flagrante afronta ao CBHSF. Vale ressaltar que os representantes do Governo Federal no Comitê buscaram descaracterizar as competências do Comitê, o que não foi aceito pelos membros que integram o CBHSF e exercem a cidadania no curso do seu mandato.
As normas ambientais foram violadas, pois os Estudos de Impacto Ambiental desconsideram os reais impactos negativos na bacia, apenas observando as áreas dos canais, sendo omissos quanto aos reais impactos no meio físico, biótico e sócio-econômico na bacia do São Francisco e nas bacias receptoras. Postergaram-se os estudos que deveriam ter sido realizados antes da emissão da primeira licença que é a Licença Prévia para a fase posterior que é a concessão da Licença de Instalação. Quanto a esse aspecto, o TCU em Acórdão recente ao apreciar tais
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OS ASPECTOS JURÍDICOS DO PROJETO DA
questões, determinou ao IBAMA que não mais proceda dessa maneira, pois deverão ser exigidos do empreendedor todos os estudos de impactos possíveis antes de decidir emitir a Licença Prévia, pois é esta quem atesta se o empreendimento é ou não viável ambientalmente. No caso do EIA/RIMA da Transposição é tamanho o desrespeito às Resoluções CONAMA, pois nem antes da Licença Prévia nem antes da Licença de Instalação foram realizados a contento tais estudos, deixando toda a população brasileira sem qualquer certeza sobre os prováveis impactos do projeto. Vale dizer que pelo Princípio da Precaução mundialmente festejado não mais se admite omissões dessa natureza. E, mais recentemente a 4ª Câmara da Procuradoria da República emitiu mais uma importante Nota Técnica que trata das diversas alterações sofridas pelo Projeto sem que tenham sequer sido objeto de qualquer estudo. Novos traçados dependeriam de novos estudos. Diante de tamanha afronta ao ordenamento jurídico brasileiro, os Ministérios Públicos expediram Recomendações ao IBAMA, a ANA, ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos buscando o respeito às decisões do Comitê, a complementação dos estudos, o respeito ao direito dos povos indígenas, mas não houve qualquer êxito nessa busca extrajudicial de solução. Assim, foram ajuizadas Ações Civis Públicas, sendo o MP da Bahia autor de duas das ações em andamento, em conjunto com o MPF e com o Fórum Permanente de Defesa do São Francisco, obtendo duas liminares que suspenderam o Projeto por dois anos. Os Ministérios Públicos de Minas Gerais e de Sergipe também ajuizaram Ações Civis Publicas questionando vícios do projeto. Atualmente são 14 ações que tramitam no STF sob a relatoria do Min. Sepúlveda Pertence. Em 18.12.06 o Ministro decidiu permitir a continuidade do licenciamento ambiental entendendo que não havia dano naquela fase do licenciamento, pois ainda não havia possibilidade de dano ambiental, uma vez que ainda não tinha sido concedida a Licença de Instalação. O Procurador Geral da República recorreu dessa decisão e também as ONG, pois o Ministro Relator excluiu todas as entidades da sociedade civil,
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OS ASPECTOS JURÍDICOS DO PROJETO DA TRANSPOSIÇÃO DO SÃO FRANCISCO E A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM DEFESA DA BACIA.
ao fundamento de que por se tratar de um conflito federativo somente os Estados ou o MP, através do Procurador Geral da República podem agora ser parte. Vale ressaltar que não é esse o nosso entendimento. Com o curso do licenciamento autorizado, teve seguimento e, em 27.03.07 foi concedida a Licença de Instalação que autoriza a obra. O Procurador Geral da República nos últimos dias levou ao conhecimento do Ministro Relator essa nova etapa do licenciamento ambiental e argumentou em sua petição que não foi cumprida a decisão do ilustre Relator uma vez que determinou a realização de audiências públicas antes da Licença de Instalação, bem como o estudo de todas as condicionantes previstas na Licença Prévia, o que não ocorreu. O próprio IBAMA em seu parecer anterior a expedição da LI demonstrou que não houve atendimento total às condicionantes, mas mesmo assim expediu a LI. Em síntese, encontra-se agora para apreciação do Min. Relator a petição do Procurador Geral da República, pleiteando ao STF que suspenda as obras de Transposição até que se decida o mérito das ações. A atuação durante esses anos na apreciação do Projeto de Transposição possibilitou constatar que o problema do Nordeste não é a falta de água, mas sim a sua democratização. Aliás, como tudo nesse país! Percebe-se claramente que as águas do projeto não se destinam à população difusa do Nordeste que passa sede e sim, ao Porto Industrial de Pecém no Ceará, aos criadores de Camarão do Rio Grande do Norte e aos grandes irrigantes dos Estados. Uma outra conclusão que chegamos é a de que a Administração Pública não observou e nem pretende perceber que o Brasil é um Estado Democrático de Direito, pois tanto no aspecto da democracia, quanto na submissão do Governo às normas que regem o país, está longe de se exercer essa condição. Os espaços de democracia relacionados ao Projeto foram todos desrespeitados pelo Governo Federal. Desde as Conferências de Meio Ambiente de 2003 e 2005 que deliberaram contrárias
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ao Projeto, até a violação a decisão do Comitê de Bacia, até as audiências públicas do licenciamento ambiental que não ocorreram. De igual modo absurda a quebra do Pacto de Diálogo feita pelo Presidente da República com o povo brasileiro, por intermédio de Dom Luiz Flávio Cappio após a sua greve de fome em outubro de 2005. Ainda no mês de dezembro de 2005, o Ministério Público esteve presente em audiência com o Presidente da República quando garantiu a realização do diálogo sobre os temas da Transposição, desenvolvimento sustentável do semiárido e revitalização. O debate ocorreria sem qualquer início de obras. Após debates técnicos em Brasília, seriam descentralizados para a bacia do São Francisco e para o Semi-Árido. A abertura do Diálogo ocorreu precisamente em 06 e 07 de julho de 2006. O combinado era que, após as eleições, retomássemos as discussões. Passaram as eleições, o Natal, o carnaval, posse dos Ministros e após muitas cobranças de Dom Luiz Cappio, do Ministério Público e dos diversos segmentos da sociedade veio a resposta, o Exército em campo. Não é possível acreditar que estamos numa democracia. A Revitalização do São Francisco é a recuperação da bacia com a conseqüente melhoria dos seus recursos ambientais e da qualidade de vida do seu povo. Medida indispensável que precisa do Governo Federal, dos Governos Estaduais, dos Governos Municipais, dos Ministérios Públicos e de toda a coletividade, com mudanças de práticas e de cultura e com investimentos de recursos. Não se pode admitir a proposta da Revitalização como uma moeda de troca da Transposição. Da Revitalização verdadeira o Ministério Público é parceiro e já atua para que seja uma realidade concreta. Quanto à Transposição, não podemos admitir que tamanhas violações ao Estado Democrático de Direito ocorram e por essa razão utilizaremos os instrumentos postos em nossa legislação para a Defesa do Velho Chico e esperamos que exista Justiça em nosso país! (*) Promotora do Ministério Publico do Estado da Bahia lucianakhoury@mp.gov.br
Carta aberta de defesa do rio São Francisco ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva
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DO VELHO CHICO AO PRESIDENTE LULA
Senhor Presidente: As águas crescem porque se encontram. E é em nome desse encontro marcado, naturalmente, pela natureza que nos protege e integra, chamado Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, que nos dirigimos, publicamente, à Vossa Excelência. No entendimento do Comitê da Bacia, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC, do Banco Mundial e de inúmeros cientistas, a transposição da Bacia do Rio São Francisco para as bacias receptoras do Nordeste Setentrional jamais poderia ser o ato inicial de uma solução integrada e sustentável para o semi-árido, mas a última etapa de um conjunto de ações que deveria começar pela democratização do acesso à água, através da adução e distribuição do estoque de água já existente, tanto na região receptora como doadora, a conclusão das obras de infra-estrutura hídrica paralisadas, a revitalização da bacia do Velho Chico e pelo investimento prioritário em soluções de convivência com a seca para a população dispersa do semi-árido, quase metade dela contida no Vale do São Francisco. Diante desta avaliação e em virtude das dúvidas e incertezas técnicas, institucionais, ambientais e sócio-econômicas que cercam o atual projeto de transposição, conclamamos Vossa Excelência a ampliar o debate do tema com a sociedade brasileira e estimular a negociação, no âmbito do pacto federativo, entre os Estados doadores e receptores das águas sanfranciscanas determinando o adiamento das obras, até que uma solução sustentável e negociada possa ser encontrada. Mesmo assim, visando não deixar dúvida quanto a nossa irrecusável solidariedade aos irmãos nordestinos, apoiamos integralmente a decisão do Comitê de permitir a transposição de água para abastecimento humano e dessedentação animal nos casos de comprovada escassez de recursos hídricos, quando não houver alternativa de suprimento local nas regiões receptoras, concomitantemente com a implantação do Plano de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica. Como rio da unidade nacional, o São Francisco constitui-se no elo físico, orgânico, cultural e sócioeconômico da integração do País, representando o corredor natural de interligação do Nordeste com o Sudeste brasileiros, do litoral com o sertão e eixo de conectividade dos biomas da caatinga e do cerrado. As suas águas, mesmo que degradadas, ainda banham e levam vida à sete unidades da federação. Mas correm o risco de não fazê-lo mais num futuro ecologicamente previsível, porque o rio vem perdendo, progressivamente,
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DO VELHO CHICO AO PRESIDENTE LULA Carta aberta de defesa do rio São Francisco ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva
em lenta agonia, sua vocação natural de ser fonte de vida e riqueza para os brasileiros, especialmente para os nossos compatriotas do Nordeste. Na sua área de abrangência, temos 3 milhões de hectares de terras potenciais e oficialmente aptas para serem irrigadas. Mas as águas assim induzidas do Velho Chico só chegam hoje a apenas 340 mil hectares, dos quais em torno de 150.000 há com as obras de infra-estrutura inacabadas e, conseqüentemente, sem nenhum aproveitamento sócio-econômico. A plena utilização do potencial representado pelas atividades usuárias das águas já outorgadas legalmente, mais o crescimento da demanda para abastecimento público, incluindo geração de energia e navegação, levarão ao esgotamento da disponibilidade correspondente à vazão que pode ser alocada para os múltiplos usos no curto e médio prazos. Quantos mais eles serão em 2030? Vem do rio, e não de nós, os dados da realidade que, desde D. Pedro II, a indústria da seca insiste em negar, embaçando a visão dos nossos governantes ao longo da história. Pertencem a esta realidade, a poluição das águas, a devastação das matas ciliares e das áreas de recarga dos lençóis freáticos, a prática das queimadas, o garimpo predatório, a erosão e o assoreamento, a cunha salina da foz, entre outros fatores que ameaçam a vida do Rio. Do pescado que, mesmo raro, por causa da poluição e do assoreamento, resistiu até início dos anos 90, hoje só se pesca 20%. E os nossos irmãos barranqueiros ainda dão graças a Deus. Não é essa realidade que, acreditamos, um presidente do Brasil com a sua biografia e a sua ecologia social quer transpor para o Nordeste Setentrional. Mas um São Francisco revitalizado. Um rio ambientalmente recuperado, economicamente viável e socialmente mais justo, sobretudo para a população pobre que, mesmo vivendo à beira do rio, permanece atrelada ao ciclo histórico de pobreza que a disponibilidade de água, por si mesma, não é suficiente para romper e superar. Torna-se necessário, ainda, Senhor Presidente, reconhecer o papel do Comitê da Bacia, como instância legítima para definir o pacto de alocação de águas porque não há outro motivo ou futuro maior para os nossos irmãos nordestinos, que pedirmos o seu apoio e reconhecimento federal na gestão colegiada e democrática das águas do Velho Chico. A sua participação e comprometimento, como estadista de um mundo novo a nossa frente, na implantação do Plano de Recursos Hídricos proposto pelo Grupo Técnico de Trabalho liderado pela Agência Nacional de Águas e aprovado pelo Comitê da Bacia deste que é o maior rio genuinamente brasileiro e um dos mais importantes no contexto geopolítico do nosso País. Junte-se a nós, Presidente, na tarefa inadiável de salvar o Velho Chico. REVITALIZAÇÃO, JÁ! Acompanhada dos investimentos necessários para aumentar a oferta e democratizar o acesso à água, bem como concluir as obras de infra-estrutura hídrica inacabadas em toda a região semi-árida brasileira, reorientando as políticas públicas para o desenvolvimento regional sustentável, como preconizam instituições isentas de inquestionável credibilidade nacional e internacional, como a SBPC e o Banco Mundial. REVITALIZAÇÃO JÁ!! TRANSPOSIÇÃO EM DEBATE. DESFRALDE ESTA BANDEIRA, PRESIDENTE!!! Belo Horizonte, 15 de junho de 2005. Esta carta foi assinada pelos Governadores dos Estados de Minas Gerais, Aécio Neves, da Bahia, Paulo Souto e de Sergipe, João Alves Filho, pela Diretoria Executiva e por instituições de Minas Gerais, Bahia, Sergipe, Alagoas e Pernambuco que compõem o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, por Senadores, Deputados Federais e Prefeitos por ocasião da abertura da VI reunião Plenária do Comitê (CBHSF), realizada no dia 15 de junho, no Palácio das Artes, em BH. As instituições, parlamentares e prefeitos que desejarem também endossar a presente carta ou enviar seu apoio deverão entrar em contato com a Secretaria do Comitê (Tel/fax 71-33413559 ou secretariasalvador@cbhsaofrancisco.org.br, com a maior brevidade possível.
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REVITALIZAÇÃO JÁ!
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DECLARAÇÃO DE PENEDO
O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, reunido em sua II Reunião Plenária em Penedo, Alagoas, no período de 1 a 3 de Outubro de 2003, tendo em vista a reapresentação do Projeto de Transposição de Águas do São Francisco, dirige-se à opinião pública brasileira e ao Governo Federal para estabelecer os seguintes posicionamentos: 1. O CBH-SF, solidário com as populações sertanejas do Ceará, Rio Grande do Norte, Piauí, Paraíba e Pernambuco, dispõe -se a apoiar as iniciativas ambiental e sócio economicamente sustentáveis para resolver o problema do abastecimento de água para regiões do semi-árido setentrional, para o consumo humano e dessedentação animal. 2. Pondera, que a transposição de águas não é a única alternativa para o semi-árido setentrional, principalmente em face dos inúmeros questionamentos de ordem técnica que continua a suscitar. 3. O CBH-SF considera que a lógica do chamado “Projeto São Francisco” continua centrada com exclusividade na realização de grandes obras de engenharia hídrica, inteiramente desconectadas de uma visão mais ampla da problemática geral das populações do semi-árido brasileiro. 4. O projeto da transposição não dá respostas claras sobre a transcendência dos impactos ambientais que causará ao rio São Francisco e sobre a relevância dos impactos referentes à capacidade do rio no atendimento às crescentes demandas hídricas que dele se requer, nem tampouco apresenta um cenário transparente de qual é o universo real das demandas hídricas da bacia receptora, ou de como se daria à viabilização, a distribuição e o uso democrático da água a ser transposta para o semi-árido setentrional, de forma a justificar a enormidade de recursos que dispenderá. 5. O CBH-SF encara a “Revitalização da Bacia do São Francisco” como um valor em sí mesmo e totalmente independente das eventuais medidas compensatórias que surgiriam de uma possível viabilização das obras da transposição. Além disso pugna por um maior aclaramento do próprio conceito de “revitalização”, que deve ser entendido, acima de tudo, como revitalização do ecossistema, de tal forma que a recuperação ambiental da Bacia do São Francisco não seja absorvida e neutralizada no bojo de outra revitalização igualmente necessária, mas conceitualmente diferente, qual seja a revitalização sócioeconômica da bacia. 6. Da forma como está sendo reapresentado, numa pressa que não pressagia acerto e rememora obras megalômanas que custaram caro ao povo brasileiro durante o período de autoritarismo, o Projeto da Transposição requer compatibilização com uma visão mais ampla do conjunto de demandas atuais e potenciais das águas do Rio São Francisco e de sua bacia, para que os objetivos prioritários da Política Nacional de Recursos Hídricos não sejam atropelados. Neste sentido, é prerrogativa e desafio urgente do Comitê do São Francisco e dos órgãos públicos a ele afetos, como é o caso da Agência Nacional de Águas, quantificar antecipadamente todo o universo das demandas hídricas para abastecimento humano no contexto da bacia doadora e das bacias receptoras do semi-
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DECLARAÇÃO DE PENEDO REVITALIZAÇÃO JÁ!
árido brasileiro, antes que se tomem decisões de monta relativamente a outorgas para projetos de grande magnitude, como é o caso da transposição vista como possibilidade para criação de agronegócios no seu local de destino. 7. Para superar a velha contraposição que opõe seguidamente a idéia da transposição às demandas da revitalização, criando um diálogo de surdos, o CBH-SF propõe ao presidente Lula e ao Governo Federal que convertam o projeto da transposição em um grande Programa de Desenvolvimento Sustentável e Integrado do Semi-árido Brasileiro, incorpore a cultura de projetos de menor porte e mais rápido e melhor retorno, quantifique e viabilize todo o grande potencial de captação das águas de chuva, explore as outras alternativas complementares e mais baratas de aumento da oferta hídrica e articule tudo isto com as ações para gerar renda, criar pólos dinâmicos de desenvolvimento endógeno e sustentável das populações sertanejas. 8. Está mais do que provado historicamente que o simples fato de conduzir água a determinado local da região semi-árida não resolve o problema do desenvolvimento. Exemplo mais gritante disso, é o drama que ocorre na própria área que margeia a calha do São Francisco, onde, a distâncias pequenas da água, pode-se presenciar o drama da sede e da miséria de multidões de brasileiros e brasileiras. 9. Qualquer novo projeto gigante, como é o caso da transposição das águas do São Francisco, só se justificará no Brasil se obedecer, com o máximo rigor, aos critérios de sua oportunidade, de sua melhor viabilidade técnica, de um desfecho positivo de sua relação custo/benefício, da efetiva democracia dos seus resultados, do seu caráter sustentável, de sua transparência e, sobretudo, da possibilidade de que seja realmente discutido com a sociedade, com as populações envolvidas, com a comunidade técnicocientífica e com a estrutura da representação política do país. Diante disso, A – O CBH SF reivindica ao Governo Federal que nenhuma iniciativa para a transposição das águas do Rio são Francisco seja adotada antes da aprovação do Plano dos Recursos Hídricos da sua Bacia; B – O CBH SF solicita ao Governo federal que todos os Projetos relativos à transposição sejam encaminhados ao Plenário do CBH SF para apreciação e apresentação de seu posicionamento; C – O CBH SF decide que a análise dos Projetos de Transposição das águas do Rio São Francisco deverá se dar no âmbito do Plano de Recursos Hídricos da Bacia. Penedo, Casa de Aposentadoria, 3 de Outubro de 2003
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CARTA DE JUAZEIRO
O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, reunido nos dias 28 a 30 de julho de 2004, na cidade de Juazeiro, na Bahia, em sua III Reunião Plenária, dirige-se à opinião pública nacional para anunciar, com grande satisfação, que depois de meses de árduo trabalho de elaboração e discussão democrática, que contou com o apoio técnico da Agência Nacional de Águas e Órgãos Gestores Estaduais, aprovou, finalmente, o seu PLANO DECENAL DE RECURSOS HÍDRICOS. A aprovação do Plano configura uma grande vitória do princípio da democracia participativa e se constitui no principal elemento de consolidação do Comitê. Este, sem sombra de dúvida e graças ao empenho dos seus membros e colaboradores, conquistou publicamente e no contexto institucional, o amplo respeito e confiança das populações da Bacia do São Francisco, como espaço privilegiado de diálogo, negociação e construção responsável da gestão das águas sanfranciscanas. Enfrentando dificuldades de diversa ordem, superadas também pela ajuda de uma grande legião de técnicos e cientistas voluntários, o Comitê conseguiu definir, em normas que agora ganham caráter oficial, os parâmetros essenciais para gestão das águas que lhe estão afetas. Mediante os critérios de outorgas, enquadramento e cobrança pelo uso das águas, definição de prioridades de investimentos e outros instrumentos de gestão, o Comitê passará, doravante, a se constituir no grande articulador do processo de recuperação hidroambiental e desenvolvimento sustentável dos Estados e municípios integrantes da bacia. Investido dessa grande responsabilidade e respaldado pela seriedade e entusiasmo cidadão dos seus integrantes, o Comitê soube resistir às pressões de setores do Governo Federal que, até o último momento tentaram colocar no centro da agenda do Comitê, o Projeto da Transposição de Águas, em detrimento da prioridade absoluta que as ações da revitalização da bacia devem ter neste momento, como parte da discussão e construção do Plano Decenal. Felizmente prevaleceu a razão e o Governo Federal, através do Ministério do Meio Ambiente, reconheceu a tempo o equívoco dessa posição e resolveu retomar o caminho do diálogo e da negociação, pedindo vista à proposta de Resolução Deliberativa que trata da alocação e outorga para uso externo, das águas da Bacia do São Francisco. Fiel ao seu compromisso democrático, o Comitê decidiu favoravelmente ao pedido, mas condiciona claramente a retomada do diálogo ao acatamento de condicionantes básicas, estabelecidas desde a II Plenária realizada na cidade de Penedo, Alagoas, quando conclamou o Governo Federal a priorizar a revitalização da Bacia do Rio São Francisco e substituir o polêmico projeto da Transposição das Águas por um amplo e criterioso Programa de Desenvolvimento Integrado e Sustentável da Bacia do São Francisco e do Semi-Árido Brasileiro. O Comitê reafirma sua inteira concordância com a possibilidade de alocação criteriosa de água do São Francisco para abastecimento humano e dessedentação animal destinada a populações dos Estados do semi-árido setentrional, principalmente aquelas radicadas em áreas de comprovada escassez como ocorre nos Estados da Paraíba e Pernambuco. Entretanto, reitera mais uma vez sua firme oposição aos projetos de obras hídricas faraônicas, de custo excessivo e retorno duvidoso, que se façam em detrimento das incontáveis ações e projetos que, dentro e fora da bacia, possam efetivamente provocar processos endógenos de desenvolvimento local, distribuição de renda, recuperação ambiental e melhoria da qualidade de vida das populações da bacia e do semi-árido. O Comitê, finalmente, ressalta, como parte de sua luta futura, o empenho junto Conselho Nacional de Recursos Hídricos para que os valores cobrados em função do uso das águas nas bacias hidrográficas, aqui incluídos os usos para geração de energia hidrelétrica, retornem a essas bacias prioritariamente, como determina a Lei Nacional dos Recursos Hídricos.
Juazeiro da Bahia, 30 de julho de 2004.
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CARTA DE SALVADOR MANIFESTO AO POVO BRASILEIRO!
TRANSPOSIÇÃO NÃO É PRIORIDADE NEM PARA O NORDESTE E NEM PARA O BRASIL!
O Comitê do São Francisco, reunido nesta data na cidade de Salvador, no Estado da Bahia, tem a grande satisfação de comunicar à Nação brasileira, que concluiu finalmente a aprovação integral do Plano de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco. Trata-se de um fato histórico, porque é o primeiro Plano deste gênero aprovado no contexto de uma bacia hidrográfica federal seguindo a Lei 9433/97. E, mais importante do que tudo, constitui-se em ato da maior relevância para o avanço e aprofundamento do princípio da democracia participativa no Brasil. O último passo para a conclusão do Plano foi a decisão sobre os usos externos das águas da bacia do rio São Francisco. O Comitê deliberou que as águas do São Francisco só podem ser utilizadas para uso dentro da bacia, excetuando-se apenas os casos de escassez hídrica comprovada para consumo humano e animal. Portanto, o chamado Projeto da Transposição não se enquadra nos parâmetros constitutivos do Plano da Bacia. Para chegar a este momento emblemático, milhares de pessoas, representativas dos 7 Estados e 503 municípios desta que é uma das maiores bacias hidrográficas do Brasil, participaram de longos processos de mobilização, estudos, debates, elaboração e tomada de decisões, que são notáveis como exemplo de cidadania e de gestão compartilhada das águas em nosso país. A partir de agora, já podemos dizer que a Bacia do Rio São Francisco, que representa 7% do território nacional e abriga 12 milhões e 800 mil pessoas, já conta com um forte instrumento de ordenação do planejamento das atividades e gestão das águas, numa região que é essencial como representação da unidade geopolítica do país e desafiadora pela complexidade dos problemas que apresenta. Lamentavelmente, porém, toda esta cuidadosa construção democrática, já nasce sob a ameaça de um grave retrocesso. O Governo Federal, que foi partícipe ativo e direto da formação do Comitê e da elaboração do Plano, perde-se agora na obsessiva idéia de impor ao país, as obras da Transposição das Águas do São Francisco. Por conta disto, não hesita em questionar até mesmo a legalidade do Comitê da Bacia do São Francisco e suas inequívocas prerrogativas para definir prioridades para alocação e critérios de outorga de águas para usos externos à bacia. Mais grave do que isso: tentar contestar, por esses meios autoritários, a competência que tem o Comitê do São Francisco em estabelecer as prioridades para o uso das águas da bacia, é não somente um precedente que atinge diretamente todos os comitês de bacias hidrográficas do Brasil, como também um golpe que fere de morte os princípios constitucionais que regem a Política Nacional dos Recursos Hídricos. Intransigente na reafirmação de uma polêmica obra hídrica, como se fora a única alternativa para solucionar a problemática do Semi – Árido Setentrional, o governo federal recusa-se a ouvir a voz da razão que, minimamente, recomendaria pelo menos maior prudência, mais amadurecimento e melhor consistência técnica para emprego de tão
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MANIFESTO AO POVO BRASILEIRO!
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CARTA DE SALVADOR
volumosos recursos financeiros em empreendimento historicamente tão contestado por grande parte da comunidade técnico – científica brasileira. Entende o Comitê do São Francisco, que além de não se constituírem em prioridade neste momento, as obras da Transposição, notadamente no que diz respeito ao denominado Eixo Norte do projeto governamental, envolvem sérias interrogativas que, da forma mais recorrente possível, o Governo Federal não consegue responder, a não ser através de reducionismos que não resistem, entre outras, a qualquer contestação feita sob a ótica da necessária equação custo/benefício. Além do mais, é estranha essa pressa do Governo Federal. Sobretudo se forem levadas em consideração circunstâncias extremamente sérias como, por exemplo, a necessidade de concluirse o necessário Pacto das Águas entre os Estados da Bacia do São Francisco, antes de procederse ao exame de qualquer projeto de grande porte para uso externo de suas águas. Mais estranho ainda é, por exemplo, o fato de que os Estados do Ceará e do Rio Grande do Norte, para onde são destinadas as águas do chamado Eixo Norte, são detentores, juntos, das maiores reservas de águas acumuladas do Semi-Árido, sem que os investimentos necessários para a distribuição e uso democrático dessas águas estejam sendo efetivamente encarados pelo Governo Federal. São também insustentáveis as afirmações de porta vozes do Ministério do Meio Ambiente, quando tentam convencer a população brasileira de que apenas 1% das águas do São Francisco serão utilizados na Transposição. Em verdade, o impacto da retirada das águas para o projeto do Governo Federal deve ser calculado em função da água efetivamente disponível para captação e é óbvio que neste contexto os números são absolutamente mais significativos, situando-se entre 25% e 48% da vazão alocável para todos os usos futuros da bacia. Portanto, estas questões e toda uma série de outros fatores não satisfatoriamente resolvidos, como os itens relativos aos impactos ambientais, aos impactos sobre a produção de energia elétrica, às obras de irrigação inacabadas dentro da Bacia do São Francisco e muitos outros, recomendam ao Governo Federal ao menos parcimônia na condução de uma problemática tão complexa e tão polêmica. E é nessa linha que o Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco vem trabalhando, tentando convencer o Governo Federal que a Revitalização Hidroambiental da Bacia do São Francisco deveria ser estabelecida como a prioridade central dos investimentos da política de recursos hídricos, até que o mais amplo diálogo entre todas as partes interessadas possa nos indicar quais são as soluções mais sustentáveis para o desafio da escassez hídrica do Semi-Árido brasileiro. O Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco, à raiz de todos os fatos expostos, em nome do bom senso e da democracia, apela, portanto, a Sua Excelência o Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, para que as decisões do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco sejam respeitadas, o Plano Decenal de Recursos Hídricos acatado e o diálogo entre Governo e Comitê reatado para que a gestão das águas do São Francisco funcione como não como instrumento de divisão fratricida, mas sim como símbolo da união das populações do Semi-Árido brasileiro. Salvador, Bahia, 27 de outubro de 2004.
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