DOS
Revista Bancários Ano III - Nº 30 - Maio de 2013
Publicada pelo Sindicato dos Bancários de Pernambuco
www.bancariospe.org.br
FELICIDADE NO TRABALHO No Mês do Trabalhador, a Revista dos Bancários apresenta profissionais que são felizes e encontraram prazer no trabalho
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Editorial
Dia do Trabalho ou do Trabalhador? No Mês do Trabalhador, a Revista dos Bancários publica uma reportagem especial, em que apresenta profissionais que são felizes no trabalho. Sim, eles existem e são mais comuns do que imaginamos. São pessoas realizadas, que gostam do que fazem, independentemente da área em que atuam. Mas nem por isso deixam de reconhecer que há problemas no emprego, que só serão solucionados com muita luta. É um Luta, aliás, foi a tônica adotada contrassenso pela CUT neste Primeiro de Maio. chamar o A maior central sindical do país foi 1º de Maio às ruas para cobrar do governo uma de Dia do resposta para a pauta de reivindicaTrabalho. A ções entregue há dois meses com data nasceu importantes demandas da classe da luta dos trabalhadores trabalhadora. E, por falar em Primeiro de Maio, a data comemora o Dia do Trabalho ou o Dia do Trabalhador? Quem pesquisar na internet vai ficar mais confuso ainda. Não há um consenso, mas, com o perdão da rima, é um contrassenso chamar a data de Dia do Trabalho. Ela nasceu em 1886, com uma manifestação de trabalhadores nas ruas de Chicago, nos Estados Unidos. Essa manifestação tinha como finalidade reivindicar a redução da jornada de trabalho para 8 horas diárias e teve a participação de milhares de pessoas. Nesse dia teve início uma greve geral nos EUA, que se seguiu a uma forte repressão da polícia e das autoridades, culminando na morte de muitos grevistas. Apesar da violência, os trabalhadores conseguiram que o Congresso americano aprovasse a redução da jornada de 16 para 8 horas diárias. Desde então, dezenas de países comemoram o Primeiro de Maio como o Dia do Trabalhador, inclusive com feriados como ocorre no Brasil. Um dia de descanso, mas também de reflexão e, por que não, de comemoração.
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Índice Felicidade no trabalho
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Maternidade no emprego
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A violência entre os jovens
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Entrevista: Nilmário Miranda
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Dicas de Cultura
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Bancário Artista
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Conheça Pernambuco
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Correções
Na entrevista da edição passada, com o escritor Urariano Mota, cometemos alguns equívocos. O nome correto da editora que publicou seu último livro, “O Filho Renegado de Deus”, é Bertrand Brasil, e não Bertrand Russel. “Só” é um soneto de Cruz e Souza, não um livro. E Bolonha fica na Itália, não na Espanha. O entrevistado também pede uma correção. Quando ele diz que Euclides da Cunha foi a Queimados fazer uma reportagem, quis dizer Canudos.
Revista Bancários DOS
Opinião
Informativo do Sindicato dos Bancários de Pernambuco Redação: Av. Manoel Borba, 564 - Boa Vista, Recife/PE - CEP 50070-00 Fone: 3316.4233 / 3316.4221 Correio eletrônico: imprensa@bancariospe.org.br Sítio na rede: www.bancariospe.org.br Presidenta: Jaqueline Mello Secretária de Comunicação: Anabele Silva Jornalista responsável: Fábio Jammal Makhoul Conselho editorial: Anabele Silva, Geraldo Times, Jaqueline Mello e João Rufino Redação: Fabiana Coelho, Fábio Jammal Makhoul e Sulamita Esteliam Projeto visual e diagramação: Libório Melo e Bruno Lombardi Foto da capa: ©Depositphotos/Michele Piacquadio Impressão: NGE Gráfica Tiragem: 12.000 exemplares
Mês do Trabalhador Fabiana Coelho
Evaldo Cavalcanti trabalha há quase três décadas na limpeza urbana e ama o que faz
Quando trabalho e prazer se misturam Não importa a profissão; quando a pessoa está feliz no trabalho a vida é muito melhor
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valdo Cavalcanti, Carla Fonseca, Irmãos Santana: trabalhadores da limpeza urbana, de bancos, do circo. Entre todos eles, uma coisa em comum: o prazer que sentem com o próprio trabalho. O carinho de Carla pela profissão vem no DNA: o avô e a mãe são bancários. Quando criança, ela acompanhava a mãe à sua agência, na Caixa Econômica Federal. E, nas brincadeiras, fingia que ela mesma trabalhava num banco. O faz-de-conta virou realidade e, há oito anos, ela segue os passos maternos. É bancária da Caixa e pretende seguir carreira na empresa. Atualmente, Carla é gerente de atendimento Pessoa Jurídica Pública da Agência Cais do Apolo. Mas já passou por várias áreas: atendimento social, comercial, entre outros. “O que eu gosto mesmo é de trabalhar com atendimento, em suas diversas esferas. A gente se sente participando da vida dos clientes, ajudando a criar possibilidades para cada um deles”, diz. Inspirada, talvez, pela experiência do avô Gilberto Azevedo, militante e dirigente histórico do Sindicato dos Bancários, Carla chegou a fazer parte da direção de sua entidade representativa. Mas achou que era difícil dar às duas atividades
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Mês do Trabalhador
arquivo pessoal
Capa
Os irmãos Santana se divertem tanto quanto a plateia
a atenção que requerem. Preferiu se dedicar integralmente à carreira bancária. Um detalhe: em setembro, Carla se casa e acrescenta mais um bancário em sua vida, o noivo. Mas apesar do amor que sente pela profissão, Carla tem consciência de que muita coisa precisa ser feita para melhorar as condições de trabalho. “O fato de gostar do que faço não significa que eu esteja satisfeita com tudo. A gente sabe, por exemplo, que há muito trabalho para poucos bancários e que a qualidade de vida dos trabalhadores, assim como a qualidade do atendimento, seria bem melhor se houvesse mais contratações”, afirma. Profissionais do riso Também é herança genética a relação de Jackson, Allison e Anderson Santana com o circo. A mãe e o tio eram da área. A diferença é que o tio costumava repetir: “Não se iludam! Tenham o circo só como hobby”. Só que “a gente fez tudo ao con-
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trário”, conta Jackson. Desde 95, o trio vive eles confessam que, às vezes, o cansaço do circo. Mas, para sobreviver, precisam se é tão grande que bate aquela vontade de virar em muitos outros: confeccionam ma- largar tudo e correr para outra profissão. terial circense, dão aulas e oficinas, fazem “Mas quando estamos frente a frente com festas infantis, são diretores, produtores. um público, o prazer é tão grande que a A rotina é, portanto, bem cansativa. gente esquece tudo”, diz Jackson. “Dou aulas na EscoOs Irmãos Santana la Pernambucana de também já rodaram Circo, de segunda A satisfação dos em circos tradicioà sexta-feira. Saio trabalhadores é melhor nais: Circo Los Anpara todo mundo, correndo de lá para ir geles, Circo África aos ensaios. No final inclusive para os patrões, do Sul, Circo Sandra, de semana tem apre- já que se reverte em dentre muitos outros. sentação. Às vezes, aumento da produção Mas, questionados outras atividades. ou melhor atendimento sobre a possibilidade No tempo que sobra, de largar as atividatudo o que eu quero é descansar”, desa- des paralelas e ficar só com os espetácubafa Allison. los, eles são enfáticos: “Sinceramente, não Allison também já foi marceneiro e dá”. E acrescentam: “O pessoal não dá ajudante de pedreiro – profissões que lhe valor aos profissionais daqui. O material ajudam hoje a confeccionar os materiais de circense que a gente confecciona, por circo. Jackson já foi cobrador de ônibus, exemplo, é muito bom. Mas tem gente vendeu amendoim e picolé. Anderson, o que prefere comprar de fora, pagando mais novo, já trabalhou com gráfica. Todos mais caro e com frete”, reclama Jackson.
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Capa O fato é que os três irmãos, que começaram a vida brincando de circo, foram aprendendo técnicas de tanto observar a mãe e o tio, apostaram no próprio talento e, hoje, constroem coletivamente seus espetáculos. Cada um tem sua habilidade principal: um é melhor na direção e produção; outro na confecção dos materiais; outro na divulgação. Juntos, eles fazem sorrir crianças e adultos e, da alegria dos outros, tiram o prazer que os revigora para a batalha do dia-a-dia. Tudo limpo Diferente dos outros dois casos, o gari Evaldo Cavalcanti não tem a profissão no sangue. O carinho pelo que faz foi construído dia após dia. “No começo, eu não gostava. Mas a realidade também era mais dura. Não existia máquina elétrica para aparar grama, por exemplo. Eu ia do Tacaruna ao Derby com uma estrovenga na mão. Chegava em casa com os dedos estourados...”, lembra. Nesse tempo, Evaldo pensou até em desistir. Foi a mãe que deu forças para que ele superasse as dificuldades. Ele acredita que valeu a pena insistir. “Ser funcionário público tem suas vantagens. Meu salário-base é menor do que o mínimo. Mas quando junta quinquênio, incentivos e outros benefícios, dá mais de mil reais”, conta. Há 26 anos, ele trabalha na mesma praça. Viu muitas coisas mudarem no lugar. “Antes, aqui era mais bonito. Tinha grama, aguação... eram oito funcionários para cuidar do local. Hoje, ficou somente eu”, lembra. Evaldo conheceu moradores e até os filhos foram criados por lá. “De manhã, eu deixava um na creche e dois na escola. Pegava de meio-dia e eles ficavam a tarde comigo, brincando na praça”. Hoje, os filhos estão crescidos, casados e com trabalho. Ele continua acordando às quatro da matina para sair de Paulista, onde mora, até o Pina, onde trabalha. Mas gosta do que faz. “Não tem ninguém pra
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ficar dizendo o que a gente tem que fazer. inclusive para os patrões, já que se reverte Minha função é cuidar da praça e eu faço em aumento da produção ou melhor ateno melhor que posso. O problema é que eu dimento. “Nossa luta é, justamente, para garantir condições peço material e não para que todos posmandam. Disseram sam se sentir seguros que iam construir No mês do trabalhador, um poço pra gente a CUT reforçou a pressão e felizes com sua profazer a aguação, mas para fazer avançar a pauta fissão. E possam também dispor de tempo o poço não chega. de reivindicações que e qualidade de vida Não tem água nem foi entregue ao Governo para se dedicarem à para ir no banheiro, Federal em março família, aos amigos e nem para tomar banho no fim do expediente. Oficialmente, ao lazer”, afirma a dirigente. No mês do trabalhador, a CUT (Ceneu sou encarregado. Mas isso é só de boca, porque a gente não tem poder pra resolver tral Única dos Trabalhadores) reforçou a pressão para fazer avançar a pauta de as coisas”, desabafa. reivindicações que foi entregue ao Governo Federal em março. Entre as demandas Satisfação Para a presidenta do Sindicato dos Ban- estão a redução de jornada sem diminuicários, Jaqueline Mello, a satisfação dos ção do salário, o combate à terceirização trabalhadores é melhor para todo mundo, e à rotatividade nas empresas.
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O carinho de Carla pela profissão vem no DNA: o avô e a mãe são bancários
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Mês das mães
O preço da MATERNIDADE
Benjamin Earwicker/SXC.hu
Trabalho
Mulheres continuam a enfrentar restrições para ascender na carreira profissional
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er mãe é sublime, diz o adágio popular. Conciliar as exigências da maternidade com a atividade profissional, entretanto, não é nada fácil. Quem é mãe-trabalhadora sabe. O ônus vai além da privação da convivência diuturna com suas crias, e da sobrecarga de trabalho numa sociedade onde o cuidado familiar ainda recai sobre os ombros da mulher. Por mais que a modernidade imponha parceria, a parcela dos homens que se atribui co-responsabilidade nas tarefas domésticas ainda é ínfima. As políticas públicas e leis protetivas, também, estão aquém das exigências cotidianas, no capítulo creche, por exemplo. E nas empresas, embora se negue, persiste a crença de que contratar mulher, sobretudo casada, é um risco que aumenta pela possibilidade da maternidade, e esta acaba sendo uma barreira nas oportunidades de ascensão profissional. O chamado “mito do custo maternidade” resiste, à revelia dos estudos, inclusive da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que o desmontam, e ao fato de que é a Previdência Social, e não as empresas, quem banca o ônus financeiro decorrente. O preço que se paga pela dádiva de procriar e pelo exercício da dupla, tripla jornada, entretanto, inclui menores salários para atividades semelhantes dentre outras restrições e discriminações mal dissimuladas, quase nunca reconhecidas ou definidas no papel. A pergunta “você pretende engravidar?” é uma praxe não só nas entrevistas de emprego, mas também em seleções
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ou indicações para promoções internas. A despeito de a presença das mulheres no mercado de trabalho ser cada vez maior, em diferentes ramos de atividade, aqui e alhures, a assunção a cargos mais altos se reduz, progressivamente, à medida que sobe a escala hierárquica. Ainda que, em todos os levantamentos, a mulher seja mais preparada do ponto de vista da educação formal. Para ficar apenas no Brasil, se hoje temos uma presidenta da República e várias ministras de Estado, a proporção de mulheres em cargos de direção não supera 20%, e cai a 3% em postos altamente estratégicos. Dentre as 500 maiores empresas do país, apenas 14% têm mulheres em cargos de direção. São constatações oficiais, por exemplo, de relatório da ONU/PNUD, em parceria com a Secretaria de Políticas Públicas para Mulheres da Presidência da República, de 2009, e do Dieese, de 2011, respectivamente. As mulheres representam 45,4% da ocupação do mercado de trabalho formal, de acordo com o IBGE/2011. A proporção feminina em postos de comando se reproduz em diferentes setores da economia, e nos bancos não é diferente. As mulheres bancárias somam 234 mil e ocupam 49% das vagas (53% nos bancos privados e 43% nos bancos públicos). Pesquisa do Dieese, de 2012, a propósito de diferenças salariais entre homens e mulheres, revela, porém, que a maioria das trabalhadoras bancárias ocupa funções na base da pirâmide, o que explicaria os salários menores 24%, em média. Apenas 18% das bancárias ocupam cargos de diretoria e, mesmo assim, recebem salários cerca de 10% inferiores aos dos colegas homens. No Banco do Brasil, por exemplo - um banco público com característica privada -, a presença da mulher em nível de gerência média, de negócios, tem crescido significativamente. Segundo dados do próprio banco, encontráveis na internet, hoje elas representam cerca de um terço do total de funcionários no cargo: 12.019 para 22.514 homens. Em contraposição, há uma mulher para seis homens no Conselho de Administração, uma em três no Comitê de Auditoria, duas em seis no Conselho Fiscal e nenhuma na Diretoria Executiva – Estatutária. O mesmo se verifica nas superintendências; em Pernambuco, por
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exemplo, dos seis superintendentes, apenas um é mulher, em Garanhuns. E isso num banco que já recebeu dois prêmios pela prática da equidade pró-gênero, concedido pela Secretaria de Políticas Públicas para Mulheres, da Presidência da República – em 2010 e 2011. O pecado da maternidade Sulany Lacet Cavalcanti de Lima, graduada em Administração e cursando Direito, uma jovem mãe de três crianças, de diferentes gerações, conhece de perto os obstáculos de ascensão profissional. Há cerca de dois anos, participou de seleção interna no
Banco do Brasil, onde trabalha há 10 anos e já passou por diferentes setores. Goza de reputação de “excelente funcionária” entre os gestores, segundo a própria área local de recursos humanos. Trabalha no PSO-Recife, atualmente. Em março de 2011, concorreu a vaga para Assistente A no CSO (Centro de Suporte Operacional), onde já havia trabalhado. Estava no sexto mês de gestação. Não se classificou em primeiro lugar, mas ficou no cadastro de reserva para a nomeação. Pelo normativo do banco, a seleção tem validade de seis meses, a partir da data de divulgação do resultado, o que ocorreu em 15 de março. Em 26 de junho, entrou em licença maternidade para receber e cuidar do bebê, uma menina. Retornaria ao trabalho em 23 de dezembro de 2011, pois o BB adota a licença estendida de seis meses, opcional para as empresas. Nesse período, abriram-se novas vagas no CSO. A penúltima pessoa do cadastro de reservas, uma mulher, foi chamada. Seria a vez de Sulany. A nomeação não aconteceu. Ao invés disso, o BB convocou novo processo seletivo, em 11 de agosto do mesmo ano, “para preenchimento de uma vaga de Assistente A”, de acordo com mensagem da Ouvidoria, a qual bancária recorreu, e que foi repassada à Revista dos Bancários pela Gepes (Gerência Geral de Gestão de Pessoas), no Recife. Na verdade, é a segunda mensagem de teor idêntico endereçada a Sulany, que está afastada para recuperar-se de três cirurgias. A cópia a qual nos foi dado acesso não traz data. Entretanto é recente, pois recomenda que a bancária “dê ciência ao Sindicato sobre os esclarecimentos supra”. Foi enviada, portanto, após o Sindicato publicar artigo no qual Sulany denuncia a discriminação, por ocasião das comemorações do Dia Internacional da Mulher. Fato é que a nova concorrência interna se deu “ainda dentro do prazo de validade da seleção da qual eu participara e fora selecionada, e que se extinguiria em 15 de setembro”, anota a bancária. Sulany soube do acontecido antes do término da licença maternidade, mas priorizou os cuidados
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com a filha, que nasceu com problemas de saúde: “Mergulhei no meu papel de mãe. Naquele momento, os cuidados com minha filha eram mais importantes”, observa. Quando retornou ao trabalho, em dezembro de 2011, a bancária ligou para o CSO para saber a quantas andava o processo de nomeação. Garantiram-lhe que tudo estava bem e que sua vez chegaria. Entretanto, em junho de 2012, foi surpreendida com uma Nota Técnica convocando nova seleção para o mesmo cargo. Então, se apercebeu que havia alguma coisa errada. Ligou novamente para o CSO e a mesma pessoa que a tranquilizara antes lhe deu a ducha de água fria: “sinto muito, mas sua seleção venceu”. Passou, então, a formalizar tudo, via correio eletrônico, e em março deste ano, colocou a boca no trombone. “Senti-me uma perfeita idiota. Em meus contatos anteriores, em nenhum momento me disseram que havia qualquer impedimento, me empurraram com a barriga. Foram seis longos meses de angústia diária. Tranquei minha faculdade, porque era impossível trabalhar oito horas – exigência da nova função que considerava iminente -, cuidar da bebezinha e estudar. Tive que recorrer a médico e a antidepressivos para reduzir a ansiedade. Parei minha vida, minha família foi prejudicada. O desgaste emocional foi muito forte”, relata Sulany, com voz embargada e lágrimas nos olhos - ainda hoje, dois anos passados. E deixa a pergunta que não quer calar: “Se eu fosse homem, isso teria acontecido comigo?” Miguel Arruda, responsável pela Gepes no Recife, prefere ver a situação de outra forma. Em suas palavras, “pelo ângulo de que ela tinha o direito a descansar e cuidar das crianças”. Admite, porém, que havia “um acordo interno” para Sulany ser priorizada em vagas futuras para o posto de Assistente A. Nega a discriminação que a bancária denuncia. Insiste no argumento de que, em 2011, “o novo processo seletivo foi necessário porque ela estava em licença maternidade e o setor tinha urgência no preenchimento da vaga”. Segundo ele,
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FOTOS: ivaldo bezerra
na política do banco “inexiste a hipótese de substituição para guarda de vaga, o que pode vir a ser um ponto de reivindicação na pauta dos sindicatos, no plano nacional”, sugere. Importante notar que o normativo do BB inclui contrato de trabalho suspenso como uma das situações em que impede nomeação. Entretanto, a própria Dipes (Diretoria de Gestão de Pessoas) confirma, em novembro de 2012, respondendo a consulta de Sulany: “Licença maternidade não configura suspensão do contrato de trabalho”. Aliás, não poderia ser diferente, já que a norma está na CLT (artigo 473). Miguel Arruda, contudo, descarta a hipótese de o banco reavaliar o pleito que Sulany considera um direito, embora assegure compreender “as razões” da funcionária. Para ele, a bancária foi vítima de “infeliz coincidência de falta de sorte”: estar de licença maternidade quando chegou a vez de ser nomeada, e o setor ter urgência em preencher a vaga; a isso ele soma a reestruturação do banco. O gestor afirma que Sulany pode candidatar-se a uma vaga futura, “em igualdade de condições com os demais”. Ela descarta a possibilidade sugerida pelo gestor de Pessoas do banco, o que, aliás, não considera benesse: “Eu sei que posso concorrer, é um direito meu. Mas não reivindico ascensão
futura. Já passei pelo processo seletivo, integrei o cadastro de reserva, e quero o lugar que me é de direito. E se o banco considera a maternidade uma “má sorte”, só posso dizer que é uma infelicidade”. A coragem para encarar essa batalha, ela acredita, “vem da maternidade”. subjetividade A categoria bancária está na vanguarda da conquista de direitos que visam contemplar a igualdade de oportunidades, no que diz respeito a gênero, etnia e orientação sexual. Há cláusulas a respeito na Convenção Coletiva da categoria. Muitos bancos, como a Caixa, por exemplo, além do Banco do Brasil, mantêm programas pró-equidade, para estimular o acesso a oportunidades de progressão interna. Contudo, “os critérios de seleção são carregados de subjetividade, o que torna a prática diversa da teoria”, aponta a presidenta do Sindicato dos Bancários de Pernambuco, Jaqueline Mello. Ela lembra que “o processo seletivo da Caixa, por exemplo, tem a parte objetiva, mas tem a entrevista, que é subjetiva e acaba valendo a percepção do entrevistador”, observa. E acrescenta: “É claro que o banco não coloca no papel orientação discriminatória. A política do banco existe, mas quem executa são as pessoas. Além Sulany: “Minha coragem vem da maternidade”
do que, a própria política deixa margem a interpretações diversas”. A própria Jaqueline guarda na lembrança algumas posturas discriminatórias que presenciou em seus primeiros tempos na Caixa: “Teve uma época em que havia três bancárias grávidas na mesma agência, inclusive eu. Era comum os olhares atravessados com a gente. Certa vez, também ouvi de uma gerente que se ela fosse dona da empresa não contrataria mulheres. E olha que se tratava de uma mulher com esta postura”, conta. Na Caixa, os empregados, homens e mulheres, se inscrevem livremente para o processo seletivo interno. Quem se habilita nos testes vai à entrevista. “E é nesta fase do processo que se dá a diferença. É comum a gente ouvir relatos de mulheres que foram questionadas se pretendem ter filhos”, observa Anabele Silva, secretária de Comunicação do Sindicato e também funcionária da Caixa. Segundo a diretora, não são poucas as bancárias a relatarem tal constrangimento ao Sindicato, “embora temam fazê-lo publicamente”, ressalva. Há várias “subjetividades”. Contra elas, segundo Jaqueline, “o Sindicato tem que, primeiro, constatar que existe e apoiar a associada vítima de discriminação; depois, cobrar dos bancos que tornem possível a boa prática”, enumera. Jaqueline Mello
Miguel Arruda
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Violência Martin Walls/sxc.hu
Cidadania
OLHO POR OLHO Para especialistas em direitos humanos, redução da maioridade penal desconsidera a estrutura social do país e a violência contra os jovens, além de agredir a Constituição
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olta e meia, o debate sobre a redução da maioridade penal ressurge, e traz em seu bojo a insurgência contra o ECA (Estado da Criança e do Adolescente). Desta vez, o mote vem de São Paulo, e foi dado pelo próprio governador, o tucano Geraldo Alckmin. O mesmo cidadão que, entretanto, bate no peito para exibir a formação cristã, cultivada, ao que consta, nas hordas da Opus Dei católica. Contradições à parte, o motivo ou desculpa é o recente assassinato de um adolescente de classe média, branco, por um adolescente da periferia, negro. É claro que não se pode colocar em dúvida a dor que a tragédia da morte violenta traz à família da vítima. Mas a comoção social gerada, açulada em grande parte pelo sensacionalismo da mídia, não alcança
as famílias de centenas de jovens mortos, todos os dias, nas periferias do Brasil, muitas vezes, atingidos pela mão sem medida de agentes do próprio Estado. É como se vidas tivessem valores diferentes, quando diferem a classe social e a cor da pele. Nessas horas, prevalece, na verdade, a mentalidade do “olho por olho, dente por dente”. Aliás, há que se registrar: a imputação penal aos 18 anos é cláusula pétrea da nossa Constituição. Significa que não pode ser alterada, sequer, por uma proposta de emenda constitucional, a PEC. Só por uma nova Constituinte. Alckmin não fala sozinho na defesa da redução da idade para a imputação criminal, que no Brasil se dá aos 18 anos. Encontra eco, também, quando diz que seu partido, o PSDB, deve apresentar ao Congresso Nacional projeto de lei que aumenta o tempo de reclusão para jovens que cometem crimes graves, como homicídios e sequestros. O Estatuto da Criança e do Adolescente fixa três anos como a pena máxima nas chamadas medidas socioeducativas, e tão somente para infrações que configurem “grave ameaça ou atentado à vida” (Art.122). Os argumentos são vários: o ECA seria “brando demais” nas medidas socioeducativas impostas aos menores infratores; seriam esses jovens os principais atores de crimes como homicídio e lesões corporais graves; outro argumento é que as restrições de punibilidade do ECA incentivariam o uso de menores pelo mundo do crime, favorecendo a impunidade.
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Violência
Todos os dados disponíveis, entretanto, contrariam a falácia dos argumentos, garantem estudiosos da matéria e ativistas dos direitos humanos. Segundo Eduardo Paysan, mestre em Serviço Social e advogado especialista em direitos humanos, a defesa da redução da maioridade penal ou o aumento da penalização dos menores infratores “é um discurso reducionista, que teima em desconhecer o problema estrutural na sociedade brasileira, a realidade social do país – a despeito dos avanços visíveis, mas insuficientes, dos últimos tempos”. Para ele, “a maioria dos menores penalizados com medidas socioeducativas o são por danos ao patrimônio, e são os pobres e negros os principais afetados pelas medidas de reclusão. Quem conhece uma instituição dessas por dentro, sabe. É o retrato da criminalização da pobreza”, afirma. O Levantamento Nacional do Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em Conflito com a Lei, de 2009, com dados coletados de dezembro/2009 a fevereiro/2010, revela que 86% dos menores sob medida socioeducativa estão reclusos. São 17.856 sob medidas privativas de liberdade no país, de ambos os sexos. Destes, 11.901 estão internados – o equivalente a regime fechado no sistema prisional adulto; 3.471 estão sob internação provisória; 1.568 em cumprimento de semi-liberdade e 916 sob o que o estudo chama de “outras” medidas, sem especificar. Mais da metade deles não deveria estar presa, pois praticaram roubo ou furto, e está em sua primeira internação. Paysan, que já integrou a equipe do Gajop (Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares) e o Cendhec (Centro
Dom Hélder Câmara de Direitos Humanos), ambos sediados no Recife, provoca: “Pare e pense. O que são três anos de cerceamento da liberdade na vida de uma pessoa? Tente imaginar, então, o que pode representar a interrupção de vida familiar e social para um adolescente de 16 anos. É uma vida!”. Criminosos ou vítimas? Para além do ordenamento jurídico brasileiro, não há como fechar os olhos aos fatos, e estes mostram que ser jovem no Brasil se tornou risco de vida, faz tempo. Um risco que vem crescendo de maneira assustadora nos últimos anos, e que aumenta em progressão geométrica se esse jovem for negro e pobre: a violência homicida tem crescido de maneira alarmante e faz vítimas, particularmente, jovens na faixa etária de 12 a 21 anos. Todavia, atinge duas vezes e meia mais jovens negros do que brancos. Trata-se de verdadeira pandemia, com viés claramente racista e preconceituoso, a escancarar a cultura da violência na sociedade brasileira. A começar pela família, retroalimentada pelo Estado e pela impunidade - justo aqueles que deveriam proteger a infância e a juventude. Dados do Mapa da Violência 2012 – A Cor dos Homicídios no Brasil chamam à reflexão sobre que tipo de sociedade estamos construindo, observa o sociólogo Júlio Jacobo Waiselfisz, coordenador do estudo. Ele põe o dedo na ferida: “O Estado e as famílias toleram a violência e é essa cultura que faz com que ela se torne corriqueira, que qualquer conflito seja resolvido matando o próximo”, avalia.
Penny Mathews/sxc.hu
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Nos oito anos que vão de 2002 a 2010, a violência homicida se avoluma até os 20/21 anos, exatamente na faixa que, antigamente, se dizia ser “a flor da idade”. Mais preocupante, ainda, é que, se os assassinatos de jovens brancos aumenta - 29 vezes no período e na faixa etária -, entre os negros é muito maior: cresce 46 vezes. Para ele, a situação “é inaceitável”, e exige políticas públicas mais amplas e integradas para barrar o dique da violência seletiva: “Há no país cerca de 8 milhões de jovens negros que não estudam nem trabalham”, aponta. Brasileiros, todos, que não chegarão ao futuro. Pior, indica o Mapa da Violência, a tendência é de crescimento: nos oito anos que vão de 2002 a 2010, o índice de mortes violentas de jovens negros mais que dobrou; era de 71,7% , passou a 108% em 2006 e atingiu 153,9%, em 2010. Significa que morrem, proporcionalmente, 153,9% mais jovens negros do que jovens brancos no país. Isso acontece porque, ao longo do período, enquanto a taxa de homicídio de jovens brancos cai de 40,6 para 28,3 em cada 100 mil ou 30%, dentre os jovens negros o movimento se inverteu: sobe de 69,6 para 72 homicídios para cada 100 mil. O Governo Federal iniciou por Alagoas, em setembro passado, o piloto do projeto Juventude Viva, primeira etapa do Plano de Prevenção à Violência Contra a Juventude Negra. O objetivo é enfrentar a tragédia nacional com aulas em tempo integral nas escolas estaduais, criação de espaços culturais em territórios violentos e o estímulo ao empreendedorismo juvenil, associado à economia solidária. A conferir.
Nilmário Miranda
Um ‘nó’ para os direitos humanos Para Para oo deputado deputado federal federal Nilmário Nilmário Miranda, Miranda, ex-secretário ex-secretário Nacional Nacional de de Direitos Direitos Humanos Humanos do do governo governo Lula, Lula, oo extermínio extermínio de de jovens jovens éé oo maior maior problema problema social social do do Brasil Brasil
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ilmário Miranda (PT-MG), ex-secretário Nacional de Direitos Humanos do primeiro governo Lula (2003/2006), está de volta à Câmara dos Deputados, depois de presidir a Fundação Perseu Abramo por quatro anos (2008/2012). Desde seu primeiro mandato pela Assembleia Legislativa de Minas, nos anos 80, pauta a carreira política pela defesa dos direitos humanos. Jornalista e cientista social, ex-preso político, conheceu as agruras dos porões da ditadura nos anos 70, criou e presidiu a Comissão Externa para Desapa-
recidos Políticos, na década de 90, em sua primeira passagem pelo parlamento federal. Membro do Comitê Nacional de Anistia, Nilmário também foi autor do projeto que criou a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, foi seu primeiro presidente, em 1995, e depois em 1999. Integra a recém-criada Frente Parlamentar de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, alternativa emergencial para minimizar os estragos que a presença do deputado-pastor Marco Feliciano tem causado na presidência da CDHM. A Revista dos Bancários conversou com o deputado sobre assuntos prementes na pauta dos direitos humanos no país, a começar pela verdadeira pandemia de morte dos nossos jovens, negros em particular, e sobre redução da maioridade penal, que ora ressurge como ameaça no cenário brasileiro. Nesta entrevista, feita via correio eletrônico, ele fala, também, sobre a atuação da Comissão Nacional da Verdade, encarregada de desvendar a memória dos anos de chumbo e, naturalmente, sobre o imbróglio Marco Feliciano.
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AI Deputado
Entrevista
Entrevista
Nilmário Miranda
Revista dos Bancários – O último mapa da violência, com dados de 2002 a 2010, mostra que a juventude vem sendo dizimada nas ruas. A violência homicida no Brasil, segundo mapa, tem cor: mata principalmente negros – 2,5 para cada branco – e dentre estes, jovens de 12 a 21 anos. A quem serve esse massacre e qual a responsabilidade do Estado nisso? Nilmário Miranda - Acredito que o extermínio de jovens é talvez o maior problema de direitos humanos no país. O flagelo do crack agravou a violência associada às “A redução drogas. De fato, da violência os jovens negros e e matanças pardos encabeçam juvenil passa a lista terrível. por políticas Mas também as contra a evasão mortes de jovens escolar e pela gays, vítimas do universalização ódio homofóbidas políticas co, as jovens mulheres, os jovens culturais, indígenas, camesportivas e poneses, quilomde lazer. Só bolas, ambientanão passa pela listas engrossam redução da maioridade penal” os indicadores. Parte dessas mortes vem da atividade policial de milícias, grupos de extermínio.
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Revista dos Bancários – Na guerra contra a violência e a matança juvenil em que medida, a seu ver, cabe a redução da maioridade penal? Nilmário Miranda - Redução da violência e matanças juvenil passa por políticas contra a evasão escolar no ensino médio, pelo ensino técnico, pela universalização das políticas culturais, esportivas, de entretenimento e lazer, de políticas voltadas para a família, o protagonismo juvenil. Só não passa pelo aumento da população carcerária em prisões com superlotação, sem resultados
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efetivos de ressocialização. Revista dos Bancários - Num país de desigualdades e preconceitos mal dissimulados, como explicar que a Comissão de Direitos Humanos da Câmara seja presidida por um fundamentalista, racista, machista e homofóbico como o deputado-pastor, Marco Feliciano? Nilmário Miranda - Qualquer partido pode presidir a CDHM e já o fizeram o PPB (atual PP), PDT, PCdoB e PT. Todos os deputados juram cumprir a Constituição que inadmite a discriminação. O PSC deveria ter indicado um deputado que não tivesse o perfil deste Feliciano. Revista dos Bancários - O PT e os partidos progressistas abriram mão da CDHM por quê? Nilmário Miranda - Os partidos democráticos que dão destaque aos direitos humanos deveriam ter escolhido a CDHM. Revista dos Bancários – Em entrevista recente à TV Assembleia de Minas, o senhor avalia que a saída de Feliciano da presidência da CDHM seria “uma questão de dias”, tal o nível de rejeição, até na bancada do PSC. Mas ele resiste. Não há saída regimental para fazê-lo descer do telhado? Significa que vamos ter que engoli-lo? Nilmário Miranda - Na verdade, pensei que ele renunciaria devido à rejeição da maioria dos partidos e da opinião pública ao seu discurso medieval. Mas ele teve o apoio dos líderes do PMDB, do PR e do silêncio de outros. Não há no Regimento Interno como tirá-lo. Revista dos Bancários – O que a Frente Parlamentar de Direitos Humanos, da qual o senhor faz parte, pode fazer de concreto para minimizar os estragos da gestão Feliciano? Nilmário Miranda - A Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos Humanos
é uma alternativa à usurpação da CDHM. Ela torna-se o espaço de acolher as demandas que, pelo tema, tornaram-se inviáveis de encaminhamento à CDHM, principalmente as das minorias. A Frente irá encaminhar as demandas através da propositura de requerimentos em outras comissões permanentes, onde seja possível o diálogo com o tema dos direitos humanos; o que já tem feito, como a audiência pública sobre o fechamento do Teatro e Faculdade Dulcina de Moraes, na Comissão de Cultura, a Audiência Pública para a criação de uma política educacional para alunos com altas habilidades, na Comissão de Educação. A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania já aprovou a criação de uma Subcomissão para tratar do Direito à Memória e à Verdade; a Comissão de Cultura, onde sou vice-presidente, criou a subcomissão de Cultura e Direitos Humanos; e a Comissão de Educação, onde também participo, aprovou a realização do 10º Seminário Nacional LGBT, que abordará o tema “Religião e diversidades”. Isso tudo, através dos deputados e deputadas que atuam na Frente. Revista dos Bancários - A que atribui ao avanço do fundamentalismo no Congresso Nacional, e que riscos tal presença pode representar para nossos direitos constitucionais, a começar pela laicidade do Estado? Nilmário Miranda - Há 44 deputados evangélicos na Câmara, mas não são todos fundamentalistas. Estes são uma minoria organizada, que explora a crendice popular e se enraizou na parcela da população seduzida pelo discurso do preconceito, da homofobia, do preconceito com as religiões de matriz afro, por exemplo. O fundamentalismo cresceu na sociedade. Tem concessões ou programas de TV e rádio e elegem vereadores, deputados estaduais e federais. Fazem alianças com ruralistas e outros grupos conservadores.
Entrevista Revista dos Bancários – E por falar em Estado, há quem critique a lentidão e a falta de transparência nos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade, o deputado concorda? Nilmário Miranda - A Comissão Nacional da Verdade está cumprindo seu papel com dignidade, faz atividades públicas e reservadas. Já esteve nas cinco regiões geográficas brasileiras e realizou 13 audiências públicas em nove unidades da federação: Goiás, Distrito Federal (duas audiências),
Rio de Janeiro (três), Pará (Belém e Marabá), Pernambuco, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul e São Paulo. Além disso, participou de atos públicos e reuniões de trabalho em todos esses Estados e colheu depoimentos no Espírito Santo e Tocantins. Contudo, imprevistos ocorrem, como a doença do Gilson Dipp, honrado presidente da Comissão Nacional da Verdade. Há uma rede nacional de Comissões da Verdade em estados, assembleias, sindicatos de jornalistas, universida-
Nilmário Miranda
des, mas ainda não está claro qual o papel delas. Revista dos Bancários – Teme-se que, pelo andar da carruagem, o necessário encontro do país com sua memória não saia do papel. Para além da resistência nas casernas, não estaria por trás desse ritmo o interesse em não explicitar a responsabilidade civil da nossa casa-grande no golpe e nos horrores praticados pelo Estado? Nilmário Miranda - Todas as comissões anteriores (Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos – Comissão de Anistia) esbarraram na dificuldade “Há 44 deputados de acesso às in- evangélicos na formações soCâmara, mas os bre circunstânfundamentalistas cias, autoria e localização dos são uma minoria, desaparecidos que explora a políticos e de crendice popular vários mortos e a parcela da pela repressão. população seduzida Assim como de pelo preconceito” acesso a documentos dos interrogatórios em centros de tortura. A Comissão Nacional da Verdade pode requisitar documentos, mas tem que indicar quais e onde estão. Pode convocar (e já ouviu alguns agentes políticos da época).
AI Deputado
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Revista dos Bancários – Por que a Comissão Nacional da Verdade não parte das informações levantadas, por exemplo, pela Comissão de Desaparecidos Políticos da Câmara, que foi criada e presidida pelo senhor, nos anos 90, ou do Grupo Tortura Nunca Mais? Isso não daria mais celeridade ao processo? Nilmário Miranda - Todas as informações da CEMDP e da CA estão à disposição da CNV. REVISTA DOS BANCÁRIOS 13
Cultura Dicas EM CENA
Palco giratório
De 3 a 31 de maio, a capital pernambucana será o palco de 46 espetáculos, de 42 companhias vindas de 13 estados brasileiros. Promovido pelo Sesc, o festival Palco Giratório traz uma programação múltipla para seis teatros (Marco Camarotti, Capiba, Barreto Júnior, Hermilo Borba Filho, Apolo e Santa Isabel). A edição 2013 traz, pela primeira vez, a linguagem da intervenção urbana, além das ações paralelas. A Cena Bacante é um espaço para a experimentação - com performances e processo de criação. Na Cena Gastrô, seis restaurantes inspiram-se nos espetáculos para criar pratos e drinks exclusivos. Confira em www.sesc-pe.com.br/ hotsites/2013/palcogiratorio/index.php.
Lançamento de livro e contação de histórias no Sindicato No sábado, dia 8 de junho, o auditório do Sindicato é palco do lançamento do livro infantil “O Menino Balão”. Escrito pela jornalista Fabiana Coelho e ilustrado por Libório Mello, ambos da equipe de Comunicação do Sindicato, o texto conta a história de Toninho - uma criança que, a cada raiva que tinha, inchava como um balão. A história foi criada a partir da experiência da autora com mediação de leitura na Biblioteca do Coque, onde atua desde 2008. Publicado com apoio do Funcultura, Governo do Estado, este promete ser o primeiro volume da série “Meninos de Cocal” - histórias feitas a partir da realidade da garotada da periferia. E, para o lançamento, a escritora promete uma tarde muito divertida, com participação de vários contadores de história. A partir das 16h30.
Exposições
RECOMENDADAS Diário das Frutas
A exposição é uma parceria entre a artista plástica Teresa Costa Rego e o escritor Bruno Albertim. É, também, um convite ao exercício do paladar em frutas que mostram um pouco da identidade nordestina. São telas de Teresa e 12 crônicas de Albertim. Visitação até o dia 26 de maio, no Centro Cultural dos Correios.
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Exposição do Imip
Um panorama das artes visuais produzidas em Pernambuco atualmente é o que pode ser encontrado na 14ª Exposição de Artes do Imip. São 120 trabalhos, de artistas reconhecidos, como Brennand (foto), e outros mais novos, como Derlon Almeida. Até 19 de maio, no Museu do Estado, Graças.
Bancário Artista Fotos: cris vieira
Cultura
CHARLES PIERRE
Arte e ofício que se completam
O funcionário do Bradesco é filho, neto e sobrinho de músicos. O trabalho no banco não atrapalha a sua arte, que está impressa no DNA
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harles Pierre é mineiro, de Varginha. Chegou ao Recife há dois anos, quando o Bradesco comprou a folha de pagamento do estado. A princípio, para uma função temporária, de três meses. Foi seduzido, entretanto, pela cidade de Olinda. Ficou. Bancário há quase sete anos, Pierre tem uma relação bem mais antiga com a música. Mas garante: arte e ofício são atividades que se complementam. Filho, neto e sobrinho de músicos, ele guarda com esta arte uma relação genética, mas podada e lapidada por trabalho e aprendizagem. Desde os 10 anos de idade, ainda em sua cidade natal, ele estudou no Conservatório de Música. Formou-se. Tocou em orquestras. Havia, no entanto, algo que lhe encantava e lhe fazia falta:
“Eu era apaixonado pelo teatro. Mas minha família era de religião muito ortodoxa. Não permitia que eu fizesse um curso na área”, lembra Pierre. O banco lhe surgiu como um grito de liberdade. Ao iniciar-se na profissão de bancário, Pierre mudou também de cidade. Em Pouso Alegre, no sul Minas Gerais, descobriu a dança e o teatro. Fez cursos, inclusive em São Paulo. E passou a integrar o elenco da Companhia Luiz Henrique, com quem ficou até ser transferido para o Recife. Entre os espetáculos que encenou, Pierre lembra de um chamado “Identidade” - uma junção de coreografias, mostrando as várias nuances da identidade brasileira. “Havia uma, inclusive, que se chamava Severino e retratava um pouco do universo nordestino”, conta. Não imaginava Pierre que, tempos depois, estaria no Nordeste. Transferido para Pernambuco para função temporária, ele apaixonou-se por Olinda e ficou. Encantou-se também com a cena cultural do estado. Participou de alguns cursos, de leituras dramáticas no antigo Espaço Muda, fez amigos, assistiu muitas peças e, atualmente, faz parte da banda “Baile dos Seres Imaginários”. Poesia, música e literatura se unem ao universo lúdico das crianças para compor a matéria de que é feito o “Baile”. Para Pierre, a experiência com a banda abre também outras janelas: “Minha formação é erudita. É muito bom trabalhar com pessoas que aprenderam de uma forma diferente da minha. É muito gratificante essa troca de experiências entre erudito e popular”, afirma. REVISTA DOS BANCÁRIOS 15
Turismo
Conheça Pernambuco
Santa Cruz do Capibaribe
Capital das confecções
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onhecida como capital da Sulanca, Santa Cruz do Capibaribe tem a terceira maior população do Agreste Pernambucano. Mas são as confecções que lhe conferem fama nacional: é a maior produtora de confecções de Pernambuco e a segunda maior do Brasil. Possui ainda o maior parque de confecções da América Latina em sua categoria: o Moda Center Santa Cruz. Toda terça e quarta, dias de “Feira da Sulanca”, lá estão armadas mais de sete mil barracas que oferecem - além de roupas - artesanatos, brinquedos e outras mercadorias. Só a Sulanca emprega quase 70% da população local, um mercado que envolve mais de 7.500 empresas informais, que produzem anualmente mais de 450 milhões de peças de vestuário. O índice de desemprego
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na cidade é praticamente zero. O reconhecimento do povo santa-cruzense a esta atividade é tanto que, todo dia primeiro de maio, eles realizam a chamada “Festa do Cobertor”. As ruas da cidade são iluminadas e decoradas com retalhos e peças que rendem homenagem à feira, lembrando os primeiro produtos comercializados ali: tecidos e cobertor. Quando surgiu, a Sulanca era formada por alguns bancos de feira, onde comerciantes vendiam, sempre à noite, apenas sobras de tecidos trazidas das grandes indústrias de São Paulo. Mas o mercado cresceu e, de 1976 a 1980, o número de máquinas de costura vendidas na cidade foi tão grande que um dirigente da fábrica Plaff veio da Alemanha para observar, pessoalmente, o que estava acontecendo no Agreste pernambucano. Apesar da inegável importância para a cidade, nem só de confecções é feita Santa Cruz do Capibaribe. O município tem, por exemplo, um teatro municipal, um shopping center e um time de futebol que por pouco não chega às finais do Campeonato Pernambucano – o Ypiranga. E, para quem gosta de natureza, tem a Serra do Pará. Situada no relevo do Planalto da Borborema, a serra tem cavernas, inscrições rupestres e uma fauna e flora riquíssima, com destaque para a Águia Chilena, que encontra aí território perfeito para morar e procriar. Sem falar na paisagem: com altitude de aproximadamente 750 metros, a serra oferece uma visão panorâmica da região. E para quem curte esportes radicais, alguns grupos oferecem a prática de atividades como ciclismo, mountain bike e rapel.