junho/2014
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1950-20 14 64 ANOS DEPOIS
O BRASIL VOLTA A SEDIAR UMA COPA DO MUNDO. MAS COMO OS NOSSOS AVÓS TORCERAM NAQUELA ÉPOCA?
Revista dos Bancários Publicação do Sindicato dos Bancários de Pernambuco
Editorial
Roupa nova A Revista dos Bancários está de cara nova. A partir desta edição, a publicação mensal do Sindicato veste um novo layout para que você tenha uma leitura mais agradável e prazerosa. Mas, se a roupa é nova, o conteúdo é o mesmo. As reportagens mantém o espírito
Redação Av. Manoel Borba, 564 - Boa Vista, Recife/PE - CEP 50070-00 Fone 3316.4233 / 3316.4221 Site www.bancariospe.org.br Presidenta Jaqueline Mello Secretária de Comunicação Anabele Silva Jornalista responsável Fábio Jammal Makhoul Conselho editorial Jaqueline Mello, Anabele Silva, Geraldo Times e João Rufino Redação Camila Lima e Fabiana Coelho Projeto gráfico e diagramação Studio Fundação Design & Editorial Crédito da capa Montagem sobre foto de Marcelo Camargo / Agência Brasil
que a revista busca desde o seu lançamento, há quase quatro anos. Nossas matérias continuam tratando de temas importantes para o mundo do trabalho e para a construção de uma sociedade melhor, sempre com a ótica dos bancários.Também valorizamos as reportagens de comportamento, cultura, lazer, atualidades e sobre as coisas boas e ruins de Pernambuco. E as novidades não param por aí. Nas próximas semanas, o Sindicato colocará em prática outras mudanças nos seus veículos de comunicação, visando, cada vez mais, a aproximar os bancários da sua entidade representativa. Entre as novidades que vem por aí estão o novo site do Sindicato, que está em fase de conclusão, além da reformulação da Rádio dos Bancários e da criação de um programa semanal de TV, ambos veiculados no site da entidade. E para os bancários que quiserem receber notícias diárias do Sindicato no seu e-mail, a Secretaria de Comunicação está preparando uma nova newsletter, que chamamos de Expresso Online. Basta entrar no novo site do Sindicato e se cadastrar para receber, todos os dias, as principais notícias de interesse dos bancários. Também estamos reformulando o Jornal dos Bancários, editado
Impressão NGE Gráfica
quinzenalmente com as principais notícias do período.
Tiragem 12.000 exemplares
dia dos bancários e, principalmente, sobre as lutas do Sindicato,
Sindicato filiado a
Tudo isso para que você fique bem informado sobre o dia a que visam sempre garantir mais direitos, melhores condições de trabalho e mais qualidade de vida para a nossa categoria. O primeiro passo dessa revolução na Comunicação está dado com esta edição da revista. Esperamos que goste.
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Revista dos Bancários
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Índice
COPA DO MUNDO
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Depois de 64 anos, o Brasil volta a sediar o maior campeonato de futebol do planeta. Mas, como foi a Copa de 1950?
Entrevista do Mês: Alexandre Freitas
Copa do Mundo: legados e problemas
Página 10
Página 7
Campanha Nacional dos Bancários 2014
Confira nossas dicas para cultura e lazer
Página 13
Página 14
Geraldo Lelis: o bancário-adestrador
Fazenda Macuca e a tradição de São João
Página 15
Página 16
José Estelita: Recife e a especulação do mercado imobiliário Página 9 Junho de 2014
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Futebol O Maracanã foi inaugurado para a Copa de 1950 ainda inacabado
Da Copa que se escuta Bancário aposentado narra as lembranças da Copa do Mundo de 1950, a primeira sediada pelo Brasil
J
oão Furtado de Mendonça tinha acabado o ginasial, quando saiu de sua terra, no interior do Piauí, para estudar no Rio de Janeiro, na época a capital do Brasil. Morava em uma república de estudantes e, para se sustentar, trabalhava com venda de seguros. Foi assim que, no ano de 1950, ele estava presente na inauguração do estádio do Maracanã. Não pôde assistir aos jogos lá dentro porque o ingresso era caríssimo: estudantes e operários não podiam pagar. Mas acompanhou a euforia e a tristeza da primeira Copa do Mundo de Futebol sediada pelo Brasil. Naquela Copa, ainda não havia televisão no Brasil, que só chegaria meses depois, quando o paraibano Assis Chateaubriand fundou o primeiro canal de televisão no país, a TV Tupi. Era pela rádio que se escutava os jogos da seleção.
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Revista dos Bancários
“A gente sintonizava a Rádio Nacional para escutar a locução de Cordeiro e Jorge Curi. Eles conseguiam dar vida a cada lance: eram 240 palavras por minuto e uma empolgação imensa...”, lembra Seu João. O aposentado, que depois se tornaria bancário do Banco do Brasil, fazia parte de um grupo de amigos, todos flamenguistas. Quando soube que haveria a inauguração do Maracanã, e de
Tânia Rego / Agência Brasil
No ano passado, um “novo” Maracanã foi reinaugurado para sediar a Copa das Confederações e a Copa do Mundo
à Copa que se vê graça, o grupo se juntou para
pulares. Na entrada da loja, ele
jogos restritos a seis cidades. E
assistir.
exibia os resultados dos jogos,
não havia a televisão com todos
“Soltaram aqueles pombos,
a classificação, a tabela e um
esses anúncios...”, diz Seu João.
fizeram aquela festa. Mas parte
placar ia marcando cada gol. Em
A república em que Seu João
das construções ainda estava
dias de disputa do Brasil, todos
morava era propriedade de um
nas estacas. Só nas vésperas dos
se concentravam em frente ao
espanhol, também ele torcedor
jogos é que o estádio ficou pron-
local, alguns com seus próprios
eufórico pelo time de sua terra.
to de fato”, conta o torcedor.
rádios ligados, outros de ouvidos
“No dia em que a Espanha per-
atentos à transmissão da loja.
deu, a gente teve que segurá-lo.
Orelhas em pé
Camisas, álbuns, roupas, brin-
Ele queria se atirar pela janela
Para ouvir aos jogos, o ponto
quedos, instrumentos... nada
do primeiro andar”, conta o
de concentração era o Largo da
disso havia para vender. “Não
aposentado.
Carioca, mais especificamente a
existia essa comercialização
Havia alguns adversários for-
Loja Exposição, de um cearense
que há hoje. Até porque eram
tes, como a Itália. Em jogos da
que vendia artigos a preços po-
apenas dezesseis clubes, com
seleção italiana, todo mundo Junho de 2014
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Futebol Na final da Copa de 50, o Brasil e seu favoritismo foram derrotados pelo Uruguai no episódio conhecido como Maracanazo
João Mendonça lembra de todos os detalhes da Copa de 1950
torcia para o outro time. “A não ser que o adversário fosse um latino. A gente não torcia pelos latinos, a rivalidade era muito grande”, lembra João Mendonça.
O dia fatídico Então, veio o dia 16 de julho de 1950. Na grande final: Brasil X Uruguai. A seleção canarinha era um trator. Apenas um empate contra a Suíça e quatro vitórias fenomenais: 4 a 0 no México, 2 a 0 na Iugoslávia, 7 a 1 na Suécia e 6 a 1 na Espanha. Do outro lado, um latino-americano, rival poderoso, campeão do mundo em 1930 e invicto em jogos de Copa.
Dentro do Maracanã, aglomeravam-se 200 mil torcedores. No Largo da Carioca, outros milhares, entre os quais Seu João Mendonça. “A gente tinha certeza de que o Brasil sairia campeão. A seleção era uma máquina”, lembra o torcedor. Comemoraram cedo demais. A consagração deflagrada antes do tempo feriu os brios do adversário. E o goleiro Barbosa apenas encarnou o símbolo de uma derrota que foi construída durante todo o jogo, mas foi sacramentada quando faltavam apenas onze minutos para o fim da partida. “Foi um silêncio, uma tristeza... Muita gente chorando...”, lembra Seu João. E completa:
VOCÊ SABIA Que o Recife foi uma das sedes da Copa do Mundo de 1950? O Estádio Adelmar da Costa Carvalho (Ilha do Retiro) foi uma sede decidida de última hora. Pertencente ao Sport, foi reformado para a competição e tinha capacidade, na época, para 20 mil pessoas. Recebeu somente um jogo: Chile 5 X 1 Estados Unidos, assistido por um público de 8 mil pessoas.
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“Dois dias depois, o jeito foi rir de nossa própria tragédia e assistir, na ABI (Associação Brasileira de Imprensa), o filme que era protagonizado por Oscarito e Grande Otelo: uma sátira à nossa derrota”.
Novos tempos João Mendonça continua o mesmo torcedor, do Brasil, do Flamengo e do Sport. Mas confessa que, hoje, não tem a mesma animação para a Copa do Mundo. “Nem aos jogos do Flamengo e do Sport eu tenho assistido. É emoção demais, o coração pode não aguentar”, explica. Para ele, o surgimento da televisão foi um fenômeno. Mas, às vezes, ele sente saudades: “da euforia dos comentaristas, de quando os jogos aconteciam somente à tarde e a televisão não mandava nos horários das partidas, de quando as disputas entre torcedores se limitavam às brincadeiras, de quando não havia todo este comércio...”, comenta o torcedor.
Antônio Cruz / Agência Brasil
Futebol e sociedade Ampliação do terminal de ônibus de Camaragibe, uma das obras da Copa, desalojou 200 famílias que moravam no Loteamento São Francisco: a grande maioria ainda não recebeu indenização
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Tânia Rego / Agência Brasil
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A Copa de 2014 vai deixar um grande legado para o Brasil ou sediar o mundial foi uma péssima ideia? Saiba o que é mito e o que é verdade nesta discussão feita, quase sempre, de forma apaixonada
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Copa do Mundo de Futebol tem gerado muitas discussões acerca dos benefícios e dos prejuízos que o mundial trará para o Brasil e para os brasileiros. Os movimentos sociais fazem críticas severas ao governo federal pelos gastos e
pelas desapropriações gerados pelas obras da Copa. Em contrapartida, o governo federal afirma que o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil terá um acréscimo de R$ 30 bilhões e que os R$ 4 bilhões em créditos concedidos pelo Banco Nacional de Desenvol-
vimento Econômico e Social (BNDES), para a construção de estádios, retornarão aos cofres públicos com juros. Os investimentos federais para a Copa, de acordo com o governo, foram em setores estratégicos para o país, como transporte, telecomunicações e mobilidade urbana. Um consenso entre os movimentos sociais e o governo federal é
que faltou diálogo com a população. O próprio ministro da Secretaria-geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, em reunião com os movimentos sociais no Recife, no dia 16 de maio, reconheceu que a iniciativa de diálogo foi tardia. “Só agora nos demos conta da brutal desinformação da população e da necessidade de dialogar”, afirmou. Por outro lado, o ministro reJunho de 2014
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Futebol e sociedade bateu as críticas de que a verba destinada à construção dos estádios deveria ter sido investida em melhorias nos serviços públicos de saúde e educação. E apresentou dados que mostram que os investimentos nessas áreas são muito superiores. Em 2013, a União investiu R$ 101,9 bilhões em educação e R$ 83 bilhões em saúde; e o custo total dos estádios foi de R$ 8 bilhões (R$ 4 bilhões financiados pelo governo federal por meio do BNDES e R$ 4 bilhões provenientes de recursos estaduais, municipais e privados). De acordo com o governo, com base em uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, a indústria do futebol brasileiro tem potencial para movimentar mais de R$ 60 bilhões por ano e empregar até 2,1 milhões de pessoas no país. Por outro lado, o membro do Comitê Popular da Copa em Pernambuco, Evanildo Barbosa Filho, em entrevista à Revista dos Bancários, denunciou a
Ministro Gilberto Carvalho reconheceu que faltou diálogo entre o governo e a sociedade civil
pressão nas remoções e a má-fé nas avaliações dos imóveis para indenização das famílias e dos comerciantes prejudicados pelas obras da Copa. São histórias como a de Adjailma Ferreira, que nasceu e foi criada numa das casas do Loteamento São Francisco, em Camarabige. “Meu pai morava lá desde os 11 anos de idade. E teve que sair aos 71 anos, durante o tratamento de um câncer. Ele não queria sair sem ter os seus direitos garantidos, mas saiu sem receber nada”, contou, no vídeo produzido pelo Memorialatina. net. Adjailma afirma que 75% das pessoas da comunidade ainda não receberam indenizações e estão morando em casas de parentes ou de aluguel.
Prós e contras Evanildo Barbosa, do Comitê Popular da Copa, questiona o legado
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Revista dos Bancários
Em uma perspectiva ampliada, a Copa trará grandes benefícios para o Brasil, como defende o governo. Mas, para muitas famí-
lias desapropriadas, o mundial tem sido motivo de sofrimento. “Se a Copa vai trazer um legado positivo para o país é para os grandes. Para os pobres, jamais. Eles estão sendo obrigados a aceitar uma proposta baixíssima de indenização, a ficar meses sem receber um centavo e a esperar a boa vontade do Estado de pagar”, afirmou no vídeo Vânia Ferreira, que também morava no loteamento São Francisco. Evanildo Barbosa ressalta a ausência de diálogo adequado, do governo estadual e das empresas, com as famílias nos procedimentos de indenização e remoção. “Não há orientação, nem fiscalização, nem transparência, nem respeito aos direitos das famílias”. De acordo com ele, em Pernambuco, cerca de 800 famílias foram desapropriadas em decorrência das obras da Copa (Arena Pernambuco e Cidade da Copa, no Grande Recife).
Cidadania
Leonardo Cisneiros / Direitos Urbanos
Recife reage contra a especulação imobiliária
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cidade do Recife protagonizou nestas últimas semanas de maio um movimento de resistência à especulação imobiliária. Integrantes do grupo Direitos Urbanos se uniram a moradores de comunidades vizinhas, artistas e sociedade civil contra a tentativa de demolição dos galpões do Cais José Estelita para construção do chamado Projeto Novo Recife. O projeto é iniciativa do consórcio que reúne as empresas Moura Dubeux, Queiroz Galvão, G.L. Empreendimentos e Ara Empreendimentos. Prevê a construção, na área de 101 mil metros quadrados, de 12 torres de até 40 andares e estacionamento com cinco mil vagas, protegido por um muro de cinco metros de altura. Desde sua gestação, ele provoca polêmica e é discutido judicialmente. Cinco ações questionam
o Novo Recife: uma civil pública do Ministério Público Estadual, uma do Ministério Público Federal e três ações populares.
A cidade é de todos O movimento de resistência, iniciado a partir do grupo Direitos Urbanos, quer a redução da altura das torres, uso misto do terreno, espaços de lazer e atividades culturais e a inclusão de moradias populares. Em carta ao prefeito Geraldo Júlio, o grupo se contrapõe a ideia de ‘progresso’ defendida pelas construtoras e encampada pelo poder público: “Há um zelo excessivo pelo espaço privado em detrimento do espaço público. (…) Renuncia-se à visão coletiva de cidade e se age com objetivos imediatistas em benefício exclusivo da atividade construtiva”, denuncia o documento. O movimento em defesa de uma cidade para todos cresceu. Recebeu apoio de artistas de todo o país, como os cantores Ney Matogrosso, Jorge Du Peixe, Marcelo Jeneci, Karina Buhr, Silvério Pessoa, Otto, Siba, o pianista Vitor Araújo, os atores Johnny Hooker, Jesuíta Barbosa, Irandhir Santos e Clarice Falcão. E até de fora do país como a trupe do Cirque du Soleil. Muitos artistas vieram de longe para dar sua contribuição ao movimento. E, no domingo, 1º de junho, cerca de dez mil pessoas ocupavam o local, em conversas sobre urbanismo e o direito à cidade; atividades artísticas; rodas de meditação; recitais de poesia; shows de música... um verdadeiro espetáculo da resistência. Na manhã da terça seguinte, o alvará para demolição dos galpões foi suspenso pela Prefeitura, na primeira grande vitória do movimento. Junho de 2014
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Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Entrevista: Alexandre Freitas
a violência nossa de cada dia
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oram três dias de greve da Polícia Militar: 13 a 15 de maio. Neste breve tempo, Pernambuco parou. Roubos em massa foram realizados e lojas foram saqueadas, inclusive por pessoas comuns: senhoras idosas, donas de casa acompanhadas dos filhos, trabalhadores, pessoas sem antecedentes criminais. Para o professor Alexandre Freitas, da Universidade Federal de Pernambuco, a violência que semeou o pânico nas ruas é apenas a face visível de uma violência maior: sistêmica e difusa. Alexandre é pedagogo, com mestrado em Educação e doutorado em Sociologia. Há 14 anos, ele integra o Neimfa (Núcleo Irmãos Menores de São Francisco de Assis), organização que desenvolve ações de cidadania e educação na comunidade do Coque. Para ele, o comportamento da sociedade diante da ausência do poder repressor revela a frágil construção simbólica das leis no Brasil. Que avaliação você faz de tudo o que aconteceu durante estes três dias de greve da Polícia Militar? Antes de falar da greve da Polícia, eu gostaria de anteceder um pouquinho e retomar as mobilizações que surgiram no país desde junho
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de 2013. A impressão é de que há um sentimento de mal-estar, uma insatisfação difusa no conjunto do tecido social, que se manifesta de diversas formas e em diferentes âmbitos. Atinge, inclusive, os agentes de manutenção do sistema, a partir de seu aparelho repressivo, que é a Polícia Militar. E tudo isso nos tira da zona de conforto porque rompe, momentaneamente, com a cotidianidade e o automatismo no qual estamos mergulhados em nosso dia-a-dia. A gente viu, na ausência da Polícia, pessoas comuns saqueando lojas e roubando
objetos... você acredita que se trata de uma sociedade cuja moral é construída apenas pela repressão? Trata-se de uma sociedade que saiu de um Estado Autoritário para um Estado Democrático, mas ainda não conseguiu assimilar formas de inclusão e participação política. Uma sociedade onde a construção simbólica da lei é extremamente frágil. Nos vários núcleos sociais, desde o núcleo familiar, deveria haver condições mínimas que revelassem que seguir a lei funciona. Mas o que a sociedade brasileira mostra é o contrário. Os direitos básicos, que são os direitos constitucionais de respeito à dignidade humana são violados cotidianamente. O direito à saúde, à educação, ao transporte e tudo aquilo que está previsto na Lei Maior do Estado não é seguido. Isso vai se repetir em várias esferas: empresas e políticos que sonegam ou se apropriam do dinheiro público; o Estado que recorre de uma decisão do Ministério Público que o obriga a cumprir a Lei...
“Os moradores das periferias são privados de existência e de voz. Os saques talvez sejam uma forma em que, no grito, na força e na transgressão, eles adentrem o mundo do consumo e afirmem sua existência”
E por que a transgress ão vem em forma de saques a lojas? Desde o século passado, um sociólogo chamado Jean Baudrillard já alertava para o que ele chamou de sociedade de consumo, no qual o sentido do que se produz só se consolida a partir das relações de consumo. É no consumo que a pessoa se reconhece como tendo existência. A identidade das pessoas e das comunidades passa a ser construída em função de sua identidade enquanto consumidor. E sustentar essa identidade de consumidor implica, muitas vezes, em ir de encontro à identidade coletiva, aquela que é construída a partir das relações sociais e do convívio com os outros. Isso nos coloca em uma zona de perigo, posto que se abdica da esfera da cidadania em função de uma outra lei, a lei do mercado, a esfera individual.
Alexandre Freitas
Muita gente, depois que a greve acabou, correu para as delegacias para devolver os produtos do saque. Você acredita que foi um ato de consciência ou o medo da punição? Infelizmente, na maioria dos casos, não me pareceu que houvesJunho de 2014
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Entrevista: Alexandre Freitas uma forma de ser e de estar no mundo, determina os desejos. Um jovem passa a não ter existência perante o mundo se não tem um celular. Não qualquer celular, mas o que possua as últimas funções. As pessoas passam a valer por aquilo que podem consumir. Um dia desses, eu estava lanchando em um shopping do Recife e escutei um grupo de mulheres, na mesa ao lado, comentar: - No início eu achei que este shopping só ia ter favelado. Mas, felizmente, isso não aconteceu: só tem gente de bem... Essa violência não aparece e é assustadora. Os moradores das periferias são privados de existência e de voz. Os saques talvez sejam uma forma em que, no grito, na força e na transgressão, eles adentrem o mundo do consumo e afirmem sua existência.
Alexandre Freitas: A pior violência é aquela que se torna normal e a gente sofre e reproduz em nosso cotidiano
se um sentimento de culpa ou vergonha. Quando a construção simbólica da lei é frágil, as pessoas passam a se articular pelo medo. Que caminhos você vê para essa sociedade? Aquele sentimento de mal-estar de que a gente falava no início da conversa é fruto de um estado de anomia e violência difusa em que a sociedade está mergulhada. Alguns coletivos e manifestações têm a possibilidade de amplificar este sentimento
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de insatisfação. Mas a violência de um black bloc, que atira uma pedra na vidraça de um banco, ou a violência de um grupo que saqueia uma loja, é concreta, visível. E muitas vezes a gente só enxerga essa violência, mas fica cego para outras: sistêmicas, difusas, invisíveis... Você pode dar alguns exemplos destas violências difusas? A violência da linguagem é uma das piores. Esta que define os códigos, os signos, impõe
Qual o papel dos movimentos sociais e grupos de resistência neste contexto? Os movimentos sociais, partidos políticos, sindicatos, coletivos de resistência têm um desafio imenso que é: como tornar visíveis as formas não visíveis de violência? Para isso, há que repensar os modos de atuação e exercitar a própria consciência em sentido contrário ao automatismo das ações. A pior violência não é aquela que você vê na televisão e que os outros praticam. É aquela que a gente naturaliza, que se torna normal e a gente sofre e reproduz em nosso cotidiano.
Campanha Nacional 2014
A luta não para, nem na Copa Enquanto o país volta seus olhos para o Mundial de Futebol, o Sindicato continua em movimento
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entro de alguns dias, o Brasil vai parar para acompanhar a Copa do Mundo de Futebol. Mas o Sindicato dos Bancários continua em movimento e com toda sua estrutura voltada para a organização de mais uma Campanha Nacional. E o primeiro passo desta organização já foi dada em maio, com a realização da Conferência Regional dos Bancários do Nordeste. O evento definiu os principais pontos que os bancários nordestinos querem ver contemplados na pauta de reivindicações. “Agora, vamos levar as definições da Conferência Regional para a Conferência Nacional, que será realizada no final de julho, em São Paulo”, explica a presidenta do Sindicato, Jaqueline Mello. “Lá, vamos fechar a pauta de reivindicações e organizar a luta para o segundo semestre, visando a garantir, mais uma vez, aumento real de salários, avanços na PLR, mais empregos, menos metas, fim do assédio moral e igualdade de oportunidades, entre outros pontos”, destaca Jaqueline. A Conferência Regional reuniu em João Pessoa cerca de 200 bancários, sendo 42 de Pernambuco. Entre as principais definições está o índice de reajuste. “Queremos repor a inflação do período e garantir mais 7,5% de
aumento real. Vamos lutar pela valorização do salário, que é mais importante do que as várias formas de remuneração variável”, diz.
Bancos públicos Embora a Campanha Nacional seja unificada, as reivindicações específicas dos funcionários dos bancos públicos serão negociadas em paralelo, visando a renovação dos Acordos Coletivos com o Banco do Brasil, a Caixa e o BNB. Para organizar as pautas específicas, os funcionários dos bancos públicos estão realizando seus Congressos Nacionais. Acompanhe os debates em www.bancariospe.org.br.
Jaqueline Mello: Sindicato está construindo a Campanha Nacional dos Bancários de 2014
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Dicas de cultura e lazer
Arraiá dos Bancários
Recomendados
CASA OUTRORA
Dia 28 de junho tem mais um Arraiá dos Bancários no Clube de Campo (Km 14,5 da Estrada de Aldeia). A festa terá fogueira, barracas de comidas típicas, quadrilha improvisada e muito forró. O Sindicato também vai armar um telão para que os torcedores assistam ao jogo das oitavas de final da Copa. A festa começa ao meio-dia e termina às 22h. Estão na progra-
mação da festa: Walgrene Agra; Trio Chamego Urbano (pé de serra); Henrique Brandão, Xaxado e Poesia; João Júnior e Banda; e DJ Rogério. Para levar os bancários à festa, o Sindicato disponibilizará três ônibus, que partirão da sede no Recife. Os interessados devem ligar para 3316-4233 e falar com Vera ou Lúcia para garantir suas vagas nos ônibus.
Um antiquário na Rua da Glória, 300, no Bairro da Boa Vista, é cenário para duas performances teatrais, com personagens femininas em foco. Hilda Torres encarna “Autônoma e Linda”, a partir de texto de Simone de Beauvoir. Luciana Pontual interpreta “Da paz”, de Marcelino Freire. A direção é de Jorge Clésio. Sextas e sábados, 20h. Ingressos: R$ 10.
Tradicional Festa de São Pedro na Brasília Teimosa O Dia de São Pedro, 29 de junho, é um momento de festa, religiosa e profana, para a comunidade de Brasília Teimosa, localizada na zona sul do Recife. “A festa de São Pedro aqui na Brasília tem uma tradição de mais de 50 anos. Pedro, que era pescador, foi chamado por Jesus para pescar almas. O dia dele é comemorado por pescadores de todo o Brasil”, conta o presi-
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dente da Colônia de Pescadores, Augusto de Lima. As comemorações começarão às 8h, com uma missa de Ação de Graças, que será realizada na Capela da Colônia de Pescadores. Às 14h, ocorrerá uma procissão terrestre no bairro e, em seguida, a procissão marítima até o Porto do Recife. Finalizado o cortejo, às 17h, começa a festa profana, como muito coco e forró.
CASA 17 Na Casa 17, Boa Vista, a atriz Márcia Cruz apresenta, toda quinta-feira, autores pernambucanos interpretados por atrizes e atores da terra. Em junho, os textos são da poeta Flávia Gomes, interpretados por Hilda Torres e Nínive Caldas. Reservas e informações pelo e-mail: casa17.maravilhas@gmail.com.
Ivaldo Bezerra
Outros talentos
GERALDO LELIS
Bancário e adestrador Geraldo é empregado da Caixa. Mas, fora do banco, exerce outro trabalho que é sua verdadeira paixão: adestrador de cães
“E
duco pessoas para que elas tenham uma relação mais equilibrada com seus cães, pois eles têm muito mais a nos ensinar do que nós a eles”. A afirmação é do bancário Geraldo Lelis, que, quando não está trabalhando na Caixa, exerce outra função: adestrador de cães. Desde criança, Geraldo possui cães, mas eles também apresentavam problemas de comportamento. Quando tornou-se adulto, decidiu mudar de postura em relação ao seu novo cão. Começou a estudar para aprender a treiná-lo e, desde então, busca aprimorar seu próprio método. Com o passar do tempo, a atividade tornou-se uma profissão. Encarar o animal como um ser humano é, segundo Geraldo, uma das principais falhas do dono. Excesso de carinho e de tolerância, assim como indisponibilidade para dar a devida atenção ao cão, são exemplos de posturas inadequadas. “Grande parte dos cachorros apresentam problemas de comportamento: ansiedade, latido excessivo, descontrole ao encontrar outros animais ou agressividade desmedida. Mas a maioria desses problemas é ignorada pelos donos”, afirma Geraldo. De acordo com o adestrador, é preciso entender a linguagem dos cães, pois eles dão sinais do que precisam. Com base em estudos, Geraldo explica que cerca de 99% dos problemas dos cães são causados pela forma com que os donos lidam com eles.
“Qualquer cão, independente da idade, pode tornar-se obediente”, destaca. Os cães aprendem com facilidade, mas é preciso usar o método adequado.“Se o nosso principal sentido é a visão, o dos cães é o olfato. E eles entendem o que falamos mais pelo tom da voz do que pelo conteúdo”, explica Geraldo. O adestrador afirma que “a violência, física ou verbal, é totalmente condenável, pois gera no cão medo e perda de confiança”. Geraldo atende cães de todos os portes, com exceção dos que possuem a função de guarda. Mais informações sobre o trabalho desenvolvido por ele podem ser obtidas pelo telefone ou pelo whatsapp (81) 9687-5831. Junho de 2014
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Felipe Correia
Conheça Pernambuco
Correntes
São João de verdade
E
ncontrar, em Pernambuco, um São João que mantenha a tradição de valorizar as manifestações da cultura popular não é tarefa fácil. Cidades conhecidas nacionalmente pelas festas de São João, como Caruaru e Arcoverde, há anos, mudaram o perfil das comemorações juninas. Nesse contexto, o município de Correntes, localizado a aproximadamente 250 km do Recife, tem se tornado uma referência no estado pelo São João da Fazenda Macuca. Nas palavras de Zé da Macuca, dono da Fazenda e fundador da festa, “o São João da Macuca é o reduto de resistência da cultura popular junina no estado”. Ele conta que, para a festa acontecer por lá, não é preciso de muita coisa. “O próprio lugar já é o cenário. Aí é só convidar o sanfoneiro e chamar a comunidade”, explica. A ideia é valorizar a espontaneidade do São João feito pelo povo da região. A brincadeira, como o próprio Zé chama, está completando 25 anos. Junto com amigos, ele organizou o primeiro São João da Macuca ainda na década de 80. “Foram dois dias de festa, com 40 pessoas dentro de casa”, lembra Zé, que mora na Fazenda. O São João deste ano contará com apresentações de bandas de pífanos, de forró pé-de-serra e de forró rabecado, além de aboiadores e de um cortejo de carros de boi. Zé estima que, no ano passado, entre 700 e 800 pessoas participaram da festa.
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Outro fator que contribui para deixar a farra ao redor da fogueira ainda mais agradável é o clima da região, com aquele friozinho desta época do ano. O São João da Macuca tem, de fato, aquele “gostinho” de festa em casa de interior, à luz de candeeiro, de onde ninguém quer ir embora. É tanto que muitas pessoas acampam na Fazenda. Também há pousadas em povoados vizinhos e hotéis em Garanhuns, que fica a 30 km de Correntes. Mais informações estão disponíveis no site do evento: www. boidamacuca.com.br. A Macuca tem mais duas festas anuais: o Festival de Cultura Popular, realizado antes do carnaval, e o Festival de Jazz, em novembro.