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Construindo uma nova política Em vez de reclamar dos políticos, o brasileiro precisa fazer política, lutando por uma reforma que melhore o sistema e aperfeiçoe a democracia
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Revista dos Bancários Publicação do Sindicato dos Bancários de Pernambuco
Redação Av. Manoel Borba, 564 - Boa Vista, Recife/PE - CEP 50070-00 Fone 3316.4233 / 3316.4221 Site www.bancariospe.org.br Presidenta Jaqueline Mello Secretária de Comunicação Anabele Silva Jornalista responsável Fábio Jammal Makhoul Conselho editorial Jaqueline Mello, Anabele Silva, Geraldo Times e João Rufino Redação Camila Lima e Fabiana Coelho Projeto gráfico e diagramação Studio Fundação Design & Editorial Crédito da capa Acervo do Museu da República Impressão NGE Gráfica Tiragem 12.000 exemplares
Sindicato filiado a
Editorial
O que queremos da política? Corrupção, má gestão do dinheiro público, negociatas, enriquecimento ilícito. A imprensa brasileira só publica notícias negativas sobre a política, reforçando o senso comum de que político é tudo ladrão. Com essa visão, chegamos às vésperas das eleições de outubro com 30% do eleitorado sem ter definido seu candidato ou que vai votar em branco e nulo, segundo as últimas pesquisas. Este desencanto com a política, no entanto, não é bom para a democracia. Primeiro porque a visão negativa generalizada sobre os políticos coloca todos no mesmo saco, como se não houvesse alternativas. Em segundo lugar, porque boa parte dos problemas é sistêmico e só se resolveria com uma boa reforma política. Mas a imprensa também é contra a reforma política e prefere manter tudo como está. Prefere trabalhar para eleger seus candidatos e derrotar os adversários políticos do que investir numa reforma que aperfeiçoe a democracia brasileira e acabe com boa parte das nossas mazelas. Vale destacar, porém, que a imprensa – no Brasil ou em qualquer lugar do mundo – não é imparcial. A imparcialidade é um mito que criado pelos próprios jornalistas e, principalmente, pelos empresários dos meios de comunicação. Como toda empresa, os veículos de comunicação têm seus interesses e se afinam melhor com este ou aquele partido. No caso do Brasil, a meia dúzia de famílias que detêm o monopólio da chamada grande imprensa possuem uma mesma visão de mundo e apoiam os mesmos candidatos, sempre. Cansados dessa lenga-lenga da imprensa e de parte dos políticos, um grupo de entidades sindicais e dos movimentos sociais lançou um plebiscito sobre a reforma política, que será realizado em setembro. A votação não tem caráter jurídico, mas serve como um instrumento de pressão para que o Brasil, enfim, faça a tão esperada reforma política.
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Revista dos Bancários
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Índice Eleições 2014
Valter Campanato/ABr
A insatisfação do brasileiro com os políticos estará no centro dos debates das eleições de outubro. Mas, para acabar com este descontentamento, o Brasil precisa fazer uma profunda reforma política Página 4
Legislação inviabiliza Rádios Comunitárias
Elza Fiúza/ABr
Página 10
Renato Meireles, do Datapopular, traça o perfil do eleitorado atual Página 7
Conheça Serrita, a Capital do Vaqueiro
Bancários às vésperas da Campanha Nacional Página 13
Confira nossas dicas para cultura e lazer Página 14
Prefeitura de Serrita/PE
Página 16
Aécio Maia, o bancário que vive para escrever Página 15 Julho de 2014
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Fábio Rodrigues Pozzebom/ABr
Eleições 2014
Aprimorando a democracia A reforma do sistema político brasileiro será um tema recorrente nestas eleições. Para pressionar o Congresso e garantir uma nova legislação, a CUT e os movimentos sociais vão realizar um plebiscito na Semana da Pátria
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inalizada a Copa do Mundo, as atenções no Brasil voltam-se para as eleições de outubro. A reforma do sistema político brasileiro é um tema recorrente entre os que buscam caminhos para o aprimoramento da democracia brasileira. Após as manifestações de junho de 2013, a presidenta Dilma Rousseff propôs um plebiscito sobre a reforma política. A ideia era aprovar, via consulta popular, a realização de uma Constituinte Exclusiva para reformar o sistema político. A oposição, a chamada grande imprensa e o próprio PMDB do vice-presidente Michel Temer foram contrários à mudança; e a proposta foi, mais uma vez, engavetada no Congresso Nacional. Em apoio à proposta de Dilma, movimentos sociais, entre eles os sindicatos filiados à CUT, estão organizando um plebiscito popular sobre a reforma política, que será realizado entre 1 e 7 de setembro, na Semana da Pátria. A pergunta da consulta será: “Você é a favor de uma Constituinte Exclusiva e Soberana sobre o Sistema Político?” Exclusiva, por ser composta por integrantes eleitos, apenas, para formular as reformas na legislação; e soberana, por deter amplos poderes de decisão. O presidente da CUT, Vagner Freitas, ressalta que o Congresso Nacio-
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nal é conservador, além de ser beneficiado pelo financiamento empresarial de campanha. “Os atuais parlamentares brasileiros jamais estabelecerão uma reforma política que leve em consideração as opiniões da sociedade”, afirma. Vagner defende que o sistema representativo não exclui a participação da sociedade nas decisões políticas do país. “Quando elegemos um representante, não estamos outorgando a ele a possibilidade de decidir por nós sobre qualquer assunto”, explica. Os movimentos sociais que estão organizando o plebiscito popular ressaltam que a reforma política é
Roberto Parizotti
Vagner Freitas, presidente da CUT
Antônio Cruz/ABr
essencial para que as demais reformas estruturais possam acontecer. O sistema político brasileiro funciona para atender, prioritariamente, aos interesses das elites política, econômica, social e cultural. As reformas agrária, urbana e tributária, além da reestruturação dos sistemas de saúde e educação e da democratização da comunicação, só ocorrerão no Brasil se houver o empoderamento de setores da sociedade que defendam os interesses da maioria da população, entre eles os movimentos sociais. Em maio, um decreto presidencial instituiu a Política Nacional de Participação Social. A reação de grupos políticos brasileiros ao decreto evidenciou, mais uma vez, o conservadorismo de grande parte dos políticos brasileiros e a importância da reforma política. Eles afirmaram que essa Política Nacional põe em risco a democracia, ao afetar o sistema representativo. No entanto, o decreto apenas institucionalizou mecanismos de participação social já praticados há
A presidenta Dilma bem que tentou, mas grande parte dos políticos e a grande imprensa conseguiram barrar a reforma política
mais de uma década pelo governo federal. Entre eles, estão a realização de conselhos e conferências nacionais, ouvidorias, e audiências e consultas públicas.
Pontos da reforma O professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Ernani Carvalho, explica que, por trás da discussão sobre a reforma política, há uma crise de representação. “Existe, hoje, uma crítica muito forte à forma como a classe política toma decisões no Brasil. A reforma faz parte da vontade de mudar as regras da política”, afirma. Vagner Freitas destaca dois pontos fundamentais à reforma política: o financiamento público de campanha e o fortalecimento de mecanismos de participação direta e controle social. O financiamento público traria mais igualdade entre os candidatos na disputa eleitoral e coibiria as trocas de favores en-
tre financiadores de campanhas e políticos eleitos. De acordo com Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), a organização do Congresso Nacional, após a eleição de 2010, é a seguinte: são 594 parlamentares (513 deputados e 81 senadores), dos quais 273 são empresários, 160 compõem a bancada ruralista, 66 constituem a bancada evangélica, e apenas 91 são considerados representantes dos trabalhadores, que são a grande maioria da população brasileira. Outras parcelas significativas da população também são sub-representadas no Congresso Nacional. Mulheres, negros, índios e jovens, proporcionalmente, ocupam poucos cargos no Congresso. As mulheres representam mais da metade da população, no entanto são detentoras de apenas 9% dos mandatos na Câmara dos Deputados e 12%, no Senado. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Julho de 2014
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Tomaz Silva/ABr
Eleições 2014
Todas as reivindicações apresentadas nas manifestações de junho do ano passado convergiam para a reforma política
Arquivo pessoal
(IBGE), em 2010, 51% da população brasileira se autodeclarou negra, enquanto apenas 8,5% dos parlamentares se autodeclaram negros. A população indígena brasileira é composta por mais 869 mil pessoas, no entanto não há representação, no Congresso Nacional, dessa parcela da população. Por fim, os jovens (de 16 a 35 anos) representam 40% do eleitorado brasileiro, mas constituem menos de 3% dos parlamentares
do Congresso. O professor Ernani Carvalho também propõe uma mudança no sistema político brasileiro: a diminuição do número de partidos. Atualmente, 32 partidos políticos estão registrados no Tribunal Superior Eleitoral. De acordo com o professor, a diminuição forçaria uma maior identidade da população com partidos. “Os partidos, no Brasil, viraram negócios. Um partido político pequeno vende seu tempo de televisão aos maiores. Eles barganham, muitas vezes de forma inadequada, seu espaço dentro de uma composição”, afirma.
Valorização da boa gestão
Professor Ernani Carvalho, da UFPE
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Ainda segundo o professor, um dos maiores problemas da política brasileira é a incapacidade dos gestores de planejar e implementar políticas públicas. Ele explica que os investimentos em saúde e educação, no Brasil, são muito altos, no entanto os resultados das políticas
dessas áreas são pífios. Em 2013, segundo dados da Secretaria-Geral da Presidência da República, a União investiu R$ 101,9 bilhões em educação e R$ 83 bilhões em saúde. Ernani explica que um dos principais fatores que contribuem para essa situação é a falta da cultura de valorização da boa gestão. Como o Brasil é um país grande, heterogêneo e complexo, as políticas públicas são diversas, e apenas com uma cultura de valorização das práticas que lograram êxito será possível alcançar os objetivos almejados. “A sociedade civil organizada, inclusive os sindicatos, têm um papel muito importante na política. E esse papel não se restringe a propor mudanças, engloba também a vigilância ao funcionamento do Estado e ao desenvolvimento das políticas públicas”, completa o professor. Vagner Freitas corrobora a ideia defendida por Ernani. Para o presidente da CUT, é função-chave da sociedade civil a proposição e implementação da reforma política. Segundo a Constituição Federal de 1988, tanto um plebiscito sobre a reforma como a própria reforma política só poderiam ser realizados por iniciativa do Congresso Nacional. Questionado quanto a esse obstáculo jurídico, Vagner ressalta: “Não se trata de uma questão jurídica, mas de uma questão política. Se tivermos uma vitória política na sociedade, de forma que a maioria da população se manifeste pelo plebiscito e pela reforma política, forçaremos o Congresso Nacional a transformar isso em lei”.
Entrevista: Renato Meirelles
Em busca de uma nova política que vem basicamente do fato da população ter uma expectativa de melhora na economia de 2010 e que acabou não se realizando na velocidade que era esperada.
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altam menos de três meses para as eleições de 2014. No dia 5 de outubro, a população vai às urnas escolher novos deputados, senadores, governadores e presidente. Nestes meses que antecedem o pleito, o cenário que se desenha - segundo o coordenador do Instituto Datapopular, Renato Meirelles, é de uma ânsia por mudança. Em cena, a juventude da nova classe média, com força bastante para influenciar votos. Uma juventude que não quer mais cesta básica, mas Plano Nacional de Banda Larga; não quer ouvir o discurso do passado, quer respostas concretas a seus anseios. E, assim como o da maioria da população, estes anseios passam por uma política e economia que falem sua língua e estejam mais perto da realidade cotidiana. Como você avalia a conjuntura eleitoral a partir das estatísticas de que dispomos hoje? O quadro que se apresenta aponta para uma eleição de dois turnos, com crescimento de um sentimento de mudança na população, que faz com que, mesmo a candidata de situação, que é a presidenta Dilma, faça um discurso de mudança. Mas existe um candidato que, de fato, represente esta mudança? Não existe um candidato de mudança. O que existe é o sentimento,
Isso explicaria o alto índice de abstenção que vem se revelando nas pesquisas? O que se vê é um desgaste da classe política como um todo. E as candidaturas, como um todo, não se afastam deste modelo de política tradicional. A que você atribui este desgaste? O que você acredita que as pessoas desejam na política? O pensamento político, a fala política é ainda muito tradicional. Uma fala cujo vocabulário não dialoga com a maior parcela da população brasileira. Uma fala que usa termos muito restritos e afastados do cotidiano. Então a mudança passaria também pela mudança na linguagem? Uma das mudanças que o presidente Lula conseguiu trazer para o Brasil foi este sentimento da classe política mais próxima da população. Ele tem uma capacidade ímpar de se comunicar com o povo. E o povo ficou órfão disso. Quando se junta isso com a piora do desempenho econômico, surJulho de 2014
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Entrevista: Renato Meirelles
“O eleitorado está mais preocupado em discutir o futuro do que o legado. Não cabe mais discutir quem foi melhor, se Fernando Henrique ou Lula.” Renato Meirelles
Mas não houve avanços nesta gestão? Houve melhoras. Mas, se você está a 120 km/h e vê uma placa falando para ir a 80km/h, quando diminui, a sensação que tem é de que está parado. Você não está parado. Mas sua expectativa era continuar a 120km/h. E quando começar a propaganda eleitoral, a tendência é que este quadro permaneça? Se conseguirem vender uma ideia de otimismo com relação ao futuro, o vínculo com a classe política pode aumentar. Se a linha da campanha for de confronto generalizado e polarização, tende a existir um desgaste ainda maior da classe política e aumento dos votos nulos. Qual sua posição a respeito da obrigatoriedade do voto? Eu, particularmente, defendo o voto obrigatório por uma razão muito simples. Ele faz com que os mais pobres, efetivamente, tenham as mesmas condições de votar do que os mais ricos. Se não fosse obrigatório, os que têm menor poder aquisitivo estariam mais sujeitos à desilusão política. A obrigatoriedade do voto faz com que haja um compromisso maior do poder público com a distribuição de renda, já que os votos vieram de todas as parcelas da população. Mas a obrigatoriedade do voto também não facilita o uso de
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Arquivo pessoal
ge este sentimento de descrença...
instrumentos como a compra de votos? Eu acredito que isso independe do voto ser obrigatório ou facultativo. Pelo contrário, quando o voto é facultativo, o valor de sua compra passa a ser maior. Você acha que as pesquisas influenciam no eleitorado? Eu acho que tem uma parcela do eleitorado que tende a votar em quem vai ganhar. Mas é uma parcela muito pequena. A pesquisa é um termômetro importante para saber o humor do eleitorado e a forma de discurso que ele espera. Você falou sobre a linguagem, que não estaria afinada com a população. E qual seria uma linguagem afinada com o eleitor? O eleitorado está mais preocupado em discutir o futuro do que o legado. Não cabe mais discutir quem foi melhor, se Fernando Henrique ou Lula. O eleitor quer saber qual candidatura vai ter a melhor plataforma pra que ele continue melhorando de vida.
Mas você acha que o eleitor está desiludido com os candidatos e com a linguagem ou com o sistema político de maneira geral? Ele está desiludido com a classe política, o que não significa que esteja desiludido com a democracia. Tanto que sete de cada dez eleitores acreditam no poder do voto como uma forma de melhorar o Brasil. O que ele acha é que as alternativas que estão sendo colocadas para ele não dialogam com suas necessidades. E que necessidades são estas? O eleitor tem necessidade de discussão da economia do ponto de vista do cotidiano. O que a Taxa Selic tem a ver com o valor da comida? E você tem os dois porta-vozes da economia, da situação e da oposição, falando grandes besteiras do ponto de vista eleitoral. Você tem o Armínio Fraga (presidente do Banco Central no Governo FHC) falando que o problema da economia está no aumento do salário-mínimo e o Guido Mantega (ministro da Fazenda do Governo Dilma) falando que a culpa da inflação está no valor dos alimentos e que é só tirar os alimentos do cálculo que não haveria inflação, ou seja, é só as pessoas não comerem. Então esta distância do discurso econômico é um grande problema, assim como a sensação de distanciamento entre governantes e governados. É como se todos estivessem mais interessados no poder do que em, efetivamente, melhorar a vida do povo.
Que eleitor mais influencia nos resultados eleitorais? São os jovens e, mais especificamente, os jovens da nova classe média. Setenta por cento dos eleitores jovens estudaram mais que seus pais. E qual o perfil deste eleitorado jovem? Eles não querem mais cesta básica, querem Plano Nacional de Banda Larga; eles querem um conjunto de políticas públicas que, efetivamente, melhore a vida deles. E a Copa? Vai influenciar nos resultados? Até agora, a Copa, que tinha tudo pra ser uma bomba-relógio, tem estado dentro das expectativas do governo. Então, não vai significar desgaste para a presidenta Dilma. Mas também não creio que vá trazer grandes dividendos. E o xingamento que aconteceu contra a presidenta deu a chance de posicionar a oposição como uma oposição da elite. O feitiço virou contra o feiticeiro? Sem dúvida nenhuma, em especial por conta das primeiras declarações do Eduardo Campos e do Aécio Neves, que não condenaram os xingamentos. Você acredita que os votos de Eduardo Campos, em um segundo turno, iriam para quem? Os votos de Pernambuco tendem a ir para a presidenta Dilma. Os votos do Sudeste tendem a ir pro Aécio.
A cara do eleitor contemporâneo • A Classe C absorveu 40 milhões de pessoas que saíram da pobreza e, deste contingente, 23 milhões são jovens entre 18 e 30 anos, que recebem salários de até R$ 1.020 por mês, e representam 55% dos brasileiros dessa idade; • 58% destes jovens acham que o Brasil seria melhor sem partidos. Por outro lado, sete em cada dez deles acham que seu voto pode mudar o País; • 81% consideram a política importante, mas somente 32% afirmam entender do assunto; • Pesquisa realizada entre os jovens cariocas mostram que eles têm cartões (70% de débito, 69% de crédito, 54% de loja) e começam a ajudar financeiramente em casa: 23% fazem as compras de mês, 22% pagam contas, 64% são os responsáveis pelas compras de itens de tecnologia; • 79% dos jovens cariocas acessam a internet, 50% têm a web como principal fonte de informação, 61% acessam as redes sociais, 55% têm o hábito de ler jornal semanalmente; • De cada 10 jovens universitários no Rio de Janeiro, cinco são da nova classe média FONTE: Instituto Data Popular
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Marcos Santos/USP Imagens
Rádios comunitárias
Sob a mordaça da lei Legislação brasileira se dobra às rádios comerciais e praticamente inviabiliza a atividade das rádios comunitárias
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ra dia 22 de maio deste ano quando a Polícia Federal chegou ao local onde funciona a Rádio Pernambuco FM, na Bomba do Hemetério. Modulador, mixadores, mesa de som, computador, transmissor, amplificador de sinal... todos os equipamentos obtidos em doze anos de funcionamento da rádio foram apreendidos. Os responsáveis pela rádio foram achincalhados e tratados como bandidos em programas da mídia comercial. Estão respondendo a processo criminal. O fechamento da Rádio Pernambuco FM é um exemplo da criminalização sofrida pelas rádios comunitárias e da importância de se rever a legislação que disciplina a atividade. José Flávio Marques de Souza, presidente da Abraço Pernambuco (Associação Brasileira de Rádios Comunitárias), também já respondeu a processo e sofreu ao ver fechada a rádio Viração FM, que funcionou no bairro de Peixinhos durante um ano e meio. Hoje, ele integra a Rádio Amparo FM, que funciona há dez anos
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José Flávio Marques de Souza
Ana y Paco Sancho/FreeImages
no Sítio Histórico de Olinda. “Com a lei que nós temos hoje, a 9612/98, é praticamente impossível exercer a comunicação sem cair na ilegalidade”, diz Flávio. Segundo ele, a lei é uma cria da Abert, associação que engloba emissoras de rádio e televisão comerciais, feita sob medida “para dificultar a atividade das rádios comunitárias e impedir a concorrência”, explica. As dificuldades começam pela outorga. O Recife, por exemplo, tem apenas seis rádios outorgadas e mais de trinta outras que funcionam sem a licença legal. O problema é que, pela legislação, todas as rádios comunitárias precisam funcionar em uma mesma frequência, a 98.5. Seu alcance deve atingir um raio de um quilômetro e deve haver uma distância de quatro quilômetros entre uma e outra. “Nós já fizemos um mapa aqui e, do jeito que a lei é, fica impossível obter a outorga de
qualquer outra rádio comunitária no Recife”, explica Flávio.
Desequilíbrio As dificuldades não terminam com a outorga. Mesmo quem consegue a licença legal para funcionar, não garante o exercício de sua atividade. Pela Lei, as rádios comunitárias precisam operar em baixa frequência, no máximo 25 watts, e há restrições também quanto aos equipamentos. “O alcance não chega na outra esquina”, explica Flávio. No ano passado, uma portaria do Ministério das Comunicações garantiu um pequeno avanço, ao permitir que as emissoras comunitárias excedam o limite de transmissão de sinal, fixado pela Lei em um quilômetro. Para o coordenador do Coletivo Brasil de Comunicação Social (Intervozes) e membro da executiva do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação
(FNDC), Pedro Ekman, as alterações feitas pelo Ministério da Comunicação significam avanços, mas insuficientes. “Se você somar as 4500 rádios comunitárias outorgadas hoje no Brasil, você vai ter uma potência de 112.500 watts. Uma única rádio comercial na Avenida Paulista opera em mais de 400.000 watts”, explicou, em entrevista à Rádio Agência Notícias do Planalto, de Brasília. A atuação das rádios comerciais para dificultar a atividade das emissoras comunitárias ficou clara após a portaria do Ministério. Ainda que os avanços sejam considerados tímidos por quem atua em rádios comunitárias, a Abert, representante das emissoras comerciais, fez ardorosa campanha em defesa da revogação da portaria.
Sustentabilidade O outro avanço trazido pela Portaria nº 197, do ano passado, diz respeito ao chamado apoio
Leonardo Medeiros
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Rádios comunitárias
“Com a lei que nós temos hoje é praticamente impossível exercer a comunicação sem cair na ilegalidade. A lei foi feita para dificultar a atividade das rádios comunitárias e impedir a concorrência” Flávio de Souza
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cultural. De acordo com a Lei, rádio comunitária não pode fazer publicidade, não pode ter apoio financeiro, o máximo que poderia era receber um apoio cultural. “O problema é que nunca se discriminou o que era esse apoio cultural e as rádios eram proibidas de receber qualquer tipo de apoio de órgãos públicos”, explica Flávio. O que a Portaria fez foi garantir que esse apoio possa vir sob a forma de financiamento público. No entanto, em fevereiro último, a Abert obteve liminar favorável a sua ação que pede a revogação da Portaria e o processo segue na Justiça. Enquanto isso, o desafio da sustentabilidade continua sendo um dos grandes problemas das rádios comunitárias. Leonardo Medeiros, por exemplo, é locutor da Rádio Revelação FM, de Aguazinha, há pouco mais de um ano. “Eu não entendia nada de rádio, mas me apaixonei. E o melhor da rádio comunitária é que ela é a voz do povo. Não é feito rádio comercial, que a pessoa liga não sei quantas vezes e só dá ocupado. Com a gente não. Todo mundo liga, sugere e o artista não precisa pagar jabá”, diz. O problema é que não dá pra viver deste trabalho. A maioria dos que atuam em rádios comunitárias exerce esse ofício por paixão, mas precisa ter outra ocupação que os sustente. “E ainda é preciso pagar as contas da rádio”, completa José Flávio. Flaviana Oliveira tem mais de dez anos de atuação em rádios comunitárias, seis deles na Pernambuco FM. Seu talento acabou
Flaviana Oliveira
sendo reconhecido e hoje ela se vira apresentando eventos e gravando áudios. “Mas o melhor de tudo é o reconhecimento de nosso trabalho pela comunidade: todo mundo sabe onde fica a rádio e dá seu recado. Quantos artistas não foram revelados? Gente como Joelma, da Banda Calipso, ou como a Musa, todos eles devem muito de seu sucesso às rádios comunitárias. Pena que tenham esquecido disso”, diz Flaviana. Ela garante que a Rádio Pernambuco FM foi fechada, mas segue funcionando através da web. “Esta tem sido a alternativa das rádios comunitárias”, afirma Flávio. E acrescenta: “A outra é a luta política. Nossa campanha agora é para garantir um milhão de assinaturas que viabilizem a Lei da Mídia Democrática que tem, entre outras missões, a de democratizar a radiodifusão no país”. Para participar da campanha, acesse www.paraexpressaraliberdade.org.br.
Campanha Nacional dos Bancários Lumen Fotos
A batalha do ano Campanha Nacional tem sido vitoriosa para os bancários em todos os anos da última década
Falta muito pouco para os bancários darem início à Campanha Nacional 2014, a principal batalha anual da categoria contra os bancos
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Campanha Nacional dos Bancários de 2014 está prestes a começar. Dentro de poucos dias, a pauta de reivindicações será finalizada para ser entregue aos bancos no início de agosto. A partir daí, é esquentar a mobilização e lutar para que as demandas sejam atendidas pelos bancos. A presidenta do Sindicato dos Bancários de Pernambuco, Jaqueline Mello, prevê uma Campanha difícil. “Nunca é fácil arrancar alguma coisa dos bancos. Todas as nossas conquistas vieram com muita luta, mobilização e greves fortes. E este ano não será diferente. Se quisermos avanços, teremos de mostrar união e força durante toda a Campanha Nacional”, explica. A pauta de reivindicações será fechada durante a Conferência Nacional dos Bancários, que será realizada entre 25 e 27 de julho, em São Paulo. Para construir a pauta, o Sindicato está aplicando uma consulta com os bancários para verificar as prioridades. “As respostas do questionário vão subsidiar a construção da pauta de reivindicações. Todas as demandas apresentadas pelos bancários aqui em Pernambuco serão levadas para São Paulo e discutidas durante a Conferência Nacional”, afirma Jaqueline. Os dirigentes sindicais estão percorrendo as agências e departamentos dos bancos para aplicar a consulta. Os bancários também podem acessar o questionário pelo site do Sindicato, imprimir e responder. As respostas devem ser encaminhadas ao Sindicato até o dia 9 de julho. Entre as questões apresentadas, destacam-se as reivindicações de remune-
ração fixa e variável, como o índice de reajuste salarial. O questionário também pergunta sobre quais devem ser as demandas prioritárias de emprego, saúde, segurança e condições de trabalho. Além disso, é perguntado sobre a disposição de participar da Campanha. “E não pode faltar disposição”, comenta Jaqueline. “Se quisermos garantir mais uma Campanha vitoriosa, como tem sido todas desta última década, teremos de lutar”, finaliza.
Jaqueline Mello
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Dicas de cultura e lazer
Recomendados
Campeonato de Futebol dos Bancários vem aí! O 16º Campeonato de Futebol dos Bancários de Pernambuco já está com as inscrições abertas. As vagas são para doze equipes, com um mínimo de 16 e um máximo de 22 jogadores cada. “Por isso é bom se apressar e não deixar a inscrição para a última hora”, diz o secretário de Esportes, Cultura e Lazer do Sindicato, Adeílton Filho.
As inscrições devem ser feitas pelo site do Sindicato. Todos os integrantes das equipes devem ser bancários sindicalizados. A única exceção é para os goleiros, que podem, inclusive, ser de outra categoria. As inscrições terminam no dia 8 de agosto e o Campeonato está previsto para começar entre o final de agosto e início de setembro.
Cultura para todos os gostos
Sob o friozinho inspirador de Garanhuns, há opções para todos os gostos no Festival de Inverno 2014. Na Esplanada Guadalajara, gente como Vanessa da Mata, Elba Ramalho, Titãs. Quem preferir música instrumental, pode curtir a programação do Parque Ruber Van Der Linden, com atrações como Vítor Araújo e Nenéu Liberalquino. Reizados, maracatus, bois, afoxés e outras mani-
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Revista dos Bancários
festações revezam-se na Avenida Santo Antônio, onde também tem teatro de rua, com grupos como o Galpão (MG) e Magiluth (PE). No Parque Euclides Dourado, tem música pop, forró e teatro. Na catedral Santo Antônio, música erudita. Sem falar no cinema, literatura e cursos de formação. Confira a programação em www. cultura.pe.gov.br/pagina/programacao-fig-2014
DANTAS SUASSUNA O Silêncio, o Caos, o Labirinto e o Altar. Este é o nome da exposição do artista plástico Dantas Suassuna, no centro Cultural dos Correios. O universo do artista pode ser conferido até 24 de agosto, de terça a sexta, das 9h às 18h; e sábados e domingos, das 12h às 18h.
PARA CRIANÇAS A partir do dia 19, a dica é levar a meninada ao teatro. O 11º Festival de Teatro para Crianças de Pernambuco traz, para as várias casas de espetáculos da cidade, aquilo que de melhor vem sendo produzido para jovens e crianças no país inteiro. Confira em www. teatroparacrianca.com.br.
Outros talentos AÉCIO MAIA
Apaixonado pelas palavras
“P “A folha que cai O fruto que nasce Da argamassa, o tijolo Do tijolo, a casa, o lar Do amor e do sexo, o ser Da germinação, a vida Da vida a eternidade” Trecho da poesia “Miscigenação” de Aécio Maia
oesia, para mim, é expressão de paz, relacionamento humano, bem-querer”. A frase é do bancário aposentado do Bandepe, Aécio Janival Maia. Produziu poesias durante quase 20 anos e se considera um poeta romântico. “Na poesia, mostramos quem somos na intimidade. Evidenciamos nossa forma de encarar a vida”, afirma. A produção poética surgiu, para Aécio, na tranquilidade da vida consolidada. Quando ele já possuía um olhar modificado sobre a vida. O olhar de quem já viveu muitas experiências e já não dá mais tanto valor ao que deu um dia. Sobre as influências na sua poesia, Aécio não cita poetas ou prosadores. “Temos um bagagem cultural que vem dos nossos ancestrais, mesmo que não saibamos disso”, ressalta o poeta. Há alguns anos, Aécio não escreve mais poesias. Embora não tenha formação em Direito, as peças jurídicas que escreve lhe trazem mais prazer. Economista de formação, demonstra paixão pelas palavras. Acredita que qualquer gênero textual expõe o autor e evidencia quem ele é na intimidade. “Nas peças jurídicas, mostro minha forma de ver o mundo e aprimoro, continuamente, a linguagem”, explica. “Já ganhei muitas ações na Justiça. Eu só não as assino”, completa o rábula, com satisfação. E as habilidades de Aécio não se restringem às produções de poesias e peças processuais. “Também sou contador e engenheiro”, brinca. Aposentado desde 1993, conta que a formação dos bancários era muito eclética e que os 23 anos de trabalho no Bandepe subsidiam, até hoje, as consultorias que ele presta em diversas áreas.
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Conheça Pernambuco Serrita
Prefeitura de Serrita/PE
A capital do vaqueiro
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aqueiros reunidos rezam juntos. Oferecem objetos de trabalho no altar. Agradecem a Deus as graças alcançadas. Aboiam. Reafirmam a fé. Pedem forças para continuar superando as dificuldades do cotidiano. A cena se repete, sempre, no quarto domingo do mês de julho, quando é celebrada a Missa do Vaqueiro em homenagem a todos os vaqueiros nordestinos e em memória de Raimundo Jacó. Idealizada pelo Padre João Câncio, pelo Rei do Baião Luiz Gonzaga e pelo repentista Pedro Bandeira, a Missa foi criada, também, para protestar contra a morte do vaqueiro Jacó. O corpo de Raimundo foi encontrado no Sítio das Lajes, em Serrita, local em que a Missa é celebrada desde 1971. Numa versão da música “A missa do vaqueiro”, Gonzaga afirmou: “Raimundo, teu primo está aqui, denunciando a covardia dos homens, o desinteresse da lei em defender o pobre”. A Missa é celebrada ao ar livre, e o Sítio das Lajes fica a 35 quilômetros do centro de Serrita, no Sertão Pernambucano. Mais de mil vaqueiros de vários estados do Nordeste participam do ritual. Montados nos cavalos, recebem bênçãos e oferecem artigos do dia a dia (como gibão, chapéu de couro e rapadura), enquanto entoam aboios. Há décadas, a Missa faz parte do calendário cultural de Pernambuco. Em Serrita, durante a semana que antecede o dia da Missa, neste ano dia 27, haverá apresentações musicais e a “Queda de Boi na Caatinga”, da qual os próprios vaqueiros participam. A Festa da Missa do Vaqueiro acontecerá de 23 a 27 de julho. O município de Serrita fica a 585 quilômetros do Recife. Além de participar da Missa, os visitantes podem conhecer o Centro Cultural do Vaqueiro e a Exposição de Artesanatos e participar da Oficina de Artesanato em Couro.