nº 45 - agosto/2014
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Os bancários acabam de dar início a mais uma Campanha Nacional, em busca de aumento real de salários, PLR maior, proteção ao emprego e melhores condições de trabalho, com o fim das metas abusivas e do assédio moral. Na última década, os trabalhadores têm saído vitoriosos de todas as campanhas. Mas, mesmo com todas as conquistas acumuladas, os bancários querem mais este ano. Para isso, a categoria já está mobilizada e pronta para a luta
Revista dos Bancários Publicação do Sindicato dos Bancários de Pernambuco
Redação Av. Manoel Borba, 564 - Boa Vista, Recife/PE - CEP 50070-00 Fone 3316.4233 / 3316.4221 Site www.bancariospe.org.br Presidenta Jaqueline Mello Secretária de Comunicação Anabele Silva Jornalista responsável Fábio Jammal Makhoul Conselho editorial Jaqueline Mello, Anabele Silva, Geraldo Times e João Rufino Redação Camila Lima e Fabiana Coelho Projeto gráfico e diagramação Bruno Lombardi - Studio Fundação Crédito da capa Lumen Fotos Impressão NGE Gráfica Tiragem 12.000 exemplares
Sindicato filiado a
Editorial
Hora de enfrentar os bancos O Bradesco e o Santander, dois dos maiores bancos do país, acabam de abrir a temporada de publicação dos balanços semestrais. Juntas, as duas empresas lucraram nada menos que R$ 10,2 bilhões nos primeiros seis meses do ano. O valor do lucro dos dois bancos, em meio ano, representa sete vezes mais que todo o investimento que o Governo do Estado de Pernambuco fará este ano nas cinco áreas que mais pretende gastar: abastecimento de água, saneamento, educação, saúde e segurança. Com este lucro astronômico, os bancos podem muito bem atender as reivindicações dos bancários para a Campanha Nacional que está começando, não? Na verdade, a ganância dos bancos sempre dificulta as negociações com os bancários. As instituições financeiras não concedem um centavo sequer para seus funcionários se não for na base da pressão e da mobilização dos bancários. A ganância é tão grande que o mesmo balanço do Bradesco e Santander, que aponta lucro de R$ 10,2 bilhões, mostra que os dois bancos cortaram 2.323 empregos dos bancários no primeiro semestre. Ora, se a falta de funcionários é tão gritante, os bancos deveriam contratar em vez de demitir. Mas a lógica do sistema financeiro é diferente. Os bancos só enxergam números e não conhecem o mínimo de responsabilidade social. É assim, por exemplo, com a segurança. A conta é simples: para investir em equipamentos que garantam a segurança das agências, os bancos gastariam X. Para deixar tudo do jeito que está e depois gastar com indenizações para as vítimas, os bancos gastam meio X. Pela lógica do lucro, é melhor deixar que os assaltos ocorram do que preveni-los, já que o dinheiro roubado tem seguro. Não importa que 32 pessoas tenham perdido a vida no Brasil em assaltos a bancos só no primeiro semestre deste ano. O que importa é lucrar mais. Por isso, a tarefa dos bancários nesta Campanha não é fácil. Mas, com união e mobilização, mostraremos aos bancos todo o descontentamento dos bancários e da sociedade com este setor que explora a todos.
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Revista dos Bancários
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Índice DIA DOS PAIS Conheça a história de um bancário que mudou a vida para cuidar do filho com autismo
Campanha Nacional dos Bancários ganha as ruas Página 4
Página 10 Adeus Ariano, João Ubaldo e Rubem Alves Página 16
ENTREVISTA DO MÊS Desembargador Fábio Farias, do TRT, fala sobre os males da terceirização Página 7
CONHEÇA PERNAMBUCO Glória do Goitá tem um mestre da cultura popular em cada esquina Página 13
Confira nossas dicas para cultura e lazer
João Coimbra: de bancário a maestro
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Lumen Fotos
Campanha Nacional dos Bancários
Começou a batalha! A Campanha Nacional dos Bancários de 2014 já está nas ruas. A pauta de reivindicações será entregue aos bancos no próximo dia 11 e as negociações começam logo em seguida. Para garantir mais conquistas, a mobilização e pressão dos bancários serão fundamentais
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Campanha Nacional dos Bancários de 2014 já começou. No próximo dia 11, os banqueiros recebem a pauta de reivindicações, definida durante Conferência Nacional da categoria, no final de julho, e referendada por assembleias em todo o país. As negociações com os bancos começam logo em seguida. “O andamento das negociações sempre depende de nossa capacidade de mobilização e pressão. Os bancos nunca entregaram nada de mão beijada. Por isso, vamos organizar os bancários para a luta, com atividades cotidianas nas agências e departamentos dos bancos a partir do início de agosto”, reforça a presidenta do Sindicato, Jaqueline Mello. Em Pernambuco, um encontro no próximo dia 23 prepara o pessoal do interior para a batalha que se aproxima. Trata-se do 3º Encontro dos Bancários do Interior, em Salgueiro, uma atividade que tem se firmado na agenda de Jaqueline Mello: precisamos pressionar os bancos
Confira as principais reivindicações dos bancários REAJUSTE SALARIAL 12,5% PLR Três salários mais R$ 6.247 PISO R$ 2.979,25 (salário-mínimo do Dieese em valores de junho); VALES ALIMENTAÇÃO, REFEIÇÃO, 13ª CESTA E AUXÍLIO-CRECHE/BABÁ R$ 724,00 ao mês para cada benefício (valor do salário mínimo nacional) MELHORES CONDIÇÕES DE TRABALHO Fim das metas abusivas e do assédio moral que adoecem os bancários EMPREGO Fim das demissões e da rotatividade; mais contratações; proibição das dispensas imotivadas; aumento da inclusão bancária; combate às terceirizações, diante dos riscos de aprovação do PL 4330 na Câmara Federal e do PLS 087 no Senado e do julgamento de Recurso Extraordinário com Repercussão Geral no STF PLANO DE CARGOS, CARREIRAS E SALÁRIOS Novo PCCS em todos os bancos AUXÍLIO-EDUCAÇÃO Pagamento para graduação e pós PREVENÇÃO CONTRA ASSALTOS E SEQUESTROS Cumprimento da Lei 7.102/83, que exige plano de segurança em agências e PABs, garantindo pelo menos dois vigilantes durante todo o horário de funcionamento dos bancos; instalação de portas giratórias com detector de metais, na entrada das áreas de autoatendimento das agências; e fim da guarda das chaves de cofres e agências por bancários IGUALDADE DE OPORTUNIDADES PARA TODOS Fim das discriminações nos salários e na ascensão profissional de mulheres, negros, gays, lésbicas, transexuais e pessoas com deficiência (PCDs)
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organização dos trabalhadores no estado. Bancários de todo o interior de Pernambuco podem se inscrever para o Encontro pelo telefone 3316-2404 (falar com Manuela ou Sinhá). Os inscritos terão direito à hospedagem e ao transporte.
Reivindicações Para a Campanha deste ano, os bancários pedem reajuste de 12,5% e valorização do piso salarial no valor do salário-mínimo calculado pelo Dieese (R$ 2.979,25 em junho). Para a Participação nos Lucros e Resultados (PLR), a reivindicação é de três salários mais R$ 6.247. Além das cláusulas de remuneração, são prioritárias para a categoria as demandas referentes a emprego e condições de trabalho. É o caso de mais contratações, fim da terceirização e da rotatividade, combate às metas abusivas e ao assédio moral, segurança contra assaltos e sequestros, e igualdade de oportunidades. Veja as principais reivindicações no quadro da página 5.
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Agenda política A Campanha Nacional também põe em foco uma agenda política, com temas importantes da conjuntura nacional que precisam ser discutidos com os bancários e com a população: marco regulatório da mídia para democratizar as comunicações, Conferência Nacional do Sistema Financeiro e Plebiscito Popular pela Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Político. Para dar visibilidade às deman-
das dos bancários, uma agenda de atividades está sendo construída nacionalmente. “Vamos realizar uma série de Dias de Luta, em todo o país, pela segurança bancária, contra a terceirização e pelo emprego. Também vamos organizar uma paralisação nacional de duas horas contra as metas abusivas. É muito importante contar com a participação de todos nas atividades. Cada uma delas ajuda a fortalecer a organização do movimento”, diz Jaqueline.
Todas as conquistas dos bancários só foram possíveis graças à mobilização
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Renato Araújo/ABr
Entrevista: Fábio Farias Os trabalhadores dos correspondentes bancários desempenham o mesmo trabalho da categoria, mas não têm os mesmos direitos
Terceirização em julgamento Fábio Farias, desembargador do TRT, é nome reconhecido por sua atuação contra a terceirização ilegal. Segundo ele, o setor bancário é um dos piores e está entre os que mais geram processos na Justiça do Trabalho
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stá para ser julgado, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), recurso movido por uma empresa de celulose, a Cenibra, que questiona sentença sobre terceirização de atividade-fim. O julgamento não causa impacto apenas aos trabalhadores desta empresa. O Supremo reconheceu repercussão geral na matéria, o que significa que a decisão afeta o futuro de todos os trabalhadores. Os riscos são, portanto, tão grandes quanto aqueles que se manifestam no parlamento, em projetos como o PL 4330, no Congresso Nacional, ou o PLS 87, no Senado, que liberam a terceirização, inclusive em atividades-fim. O desembargador Fábio Farias, do TRT (Tribunal Regional do Trabalho) é nome reconhecido, entre os trabalhadores, por sua atuação contra a terceirização ilegal. Ex-procurador do Ministério Público do Trabalho, já moveu processos contra empresas como a Celpe, Correios, Emprel, Lafepe. No setor bancário, já julgou casos de terceirização no Hipercard/Itaú e no HSBC, entre outros. Agosto de 2014
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Entrevista: Fábio Farias Ele ressalta que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) e a Associação de Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) já se pronunciaram contra a ampliação da terceirização. Para ele, mais grave do que a carência de legislação, é a incapacidade de fiscalização das terceirizações ilegais. “Todos os dias, há processos de terceirização sendo julgados nas quatro turmas do TRT. No entanto, existem casos que sequer chegam à Justiça do Trabalho”, diz. Que expectativas podem ter os trabalhadores quanto ao julgamento no STF sobre terceirização? Existem muitas possibilidades. O Tribunal tanto pode ter o entendimento atual com relação à atividade-fim, ou seja, de que a discussão deva ser feita caso a caso; como pode decidir pela permissão de terceirização em toda e qualquer atividade da empresa. O recurso aposta nisto. O TST e a Associação de Magistrados da Justiça do Trabalho, por sua vez, já se manifestaram contra a ampliação da terceirização além dos limites previstos em lei. O senhor já julgou alguns casos de terceirização por parte de bancos. Qual sua avaliação a respeito? A Justiça do Trabalho tem tido papel ativo contra a terceirização de atividades-fim nas instituições bancárias. É um setor que tem praticado a terceirização ilícita com bastante frequência, especialmente nos serviços de
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O desembargador Fábio Farias já moveu processos contra os bancos
teleatendimento, e que tem usado de vários expedientes para precarizar os direitos trabalhistas. É o caso da criação de outras empresas pelos próprios bancos, muitas vezes com o mesmo nome fantasia, mas cujos empregados não gozam dos mesmos direitos dos bancários contratados. E quanto aos correspondentes bancários? Existe todo um modelo construído para fragilizar a categoria. Eu escuto falar, por exemplo, que a quantidade de bancários diminuiu. Mas se todos aqueles que hoje executam serviços bancários fossem enquadrados na categoria, o número seria muito maior. Só no teleatendimento, por exemplo, falando apenas de
Pernambuco, são três mil pessoas. Bancários, a meu ver. Que falar, então, dos correspondentes e de todos os que executam serviços bancários, mas não têm direito àquilo que está previsto na Convenção Coletiva de Trabalho da categoria? Mas a atividade dos correspondentes é ilegal? A atividade dos correspondentes é prevista e regulamentada pelo Banco Central. O problema é o uso incorreto destes instrumentos, como forma de precarizar a mão de obra e fragilizar a organização trabalhista. O que é, afinal, atividade-fim? Existe consenso jurídico a esse respeito?
Atualmente, o que existe regulamentado é que algumas funções – como a de vigilância, limpeza, copa e elevador, por exemplo – possam ser contratadas de outras empresas. É o caso de atividades periféricas, que não digam respeito aos serviços prestados pelo contratante. Mas não existe um consenso ou unidade na Justiça do Trabalho. O entendimento é caso a caso, a partir da análise do estatuto da empresa, das provas documentais e também com base na jurisprudência construída ao longo dos anos. O que existe, de instrumento legal, para regulamentar a terceirização? Além do que está na CLT, existe a Súmula 331, do TST. Mas eu acho que o problema maior não é a ausência de legislação, é a incapacidade de fiscalização. Só em Pernambuco, a Justiça do Trabalho tem, hoje, 80 mil processos. É uma demanda muito grande. Todos os dias, há julgamentos de casos de terceirização nas quatro turmas do TRT. No entanto, há muitos casos que sequer chegam à Justiça do Trabalho. Os sindicatos têm um papel fundamental nessa fiscalização, para que as denúncias à Justiça sejam tratadas enquanto ações coletivas e não fiquem restritas a ações individuais isoladas. De quem é a responsabilidade por um trabalhador terceirizado? Se a terceirização é ilícita, se é de atividade-fim, a responsabilidade é solidária, ou seja, as duas
empresas respondem igualmente pela fraude. Quando se trata de terceirização de atividade-meio, a responsabilidade é subsidiária. Significa que, se houver qualquer problema que impeça a empresa contratada de arcar com os custos e direitos trabalhistas, a responsabilidade tem que ser assumida pela contratante. Existe uma categoria que seja alvo maior de terceirização? Todas elas geram processos de terceirização. Mas existem algumas onde isso é mais comum: na construção civil, no setor bancário, telefonia... Em geral, nos setores em que há uma necessidade maior de mão de obra e, também, em categorias com maior nível de organização.
“Existe todo um modelo construído pelos bancos para fragilizar a categoria bancária” Fábio Farias
Bancários lançam brado de guerra contra terceirização Os 634 delegados e delegadas presentes à plenária final da 16ª Conferência Nacional dos Bancários, no dia 27 de julho, aprovaram a Carta de Atibaia, manifesto em defesa da Constituição Federal e dos direitos humanos dos trabalhadores e contra a precarização do trabalho representado pela terceirização. No texto, os bancários conclamam a classe trabalhadora e demais segmentos da sociedade a se unirem para a defesa da dignidade do trabalho. Diz o documento: “Sabemos que o direito não é neutro. A manutenção das mobilizações de rua se faz necessária para que a sociedade brasileira perceba que o está em jogo, neste momento, é a própria liberdade e igualdade constitucionais que protegem a dignidade humana do trabalhador contra a atrevida manobra econômica do empresariado de rebaixar salários, aumentar o desemprego, baixar os custos de pessoal da empresa e implantar o autoritarismo capitalista.” Nos dias 14 e 15 de agosto, o tema vai à discussão no seminário “A Terceirização no Brasil: Impactos, resistências e lutas”, em Brasília. O encontro é promovido pelo Fórum Nacional Permanente em Defesa dos Direitos dos Trabalhadores Ameaçados pela Terceirização, em parceria com o Grupo de Pesquisa “Trabalho, Constituição e Cidadania”, vinculado à Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UNB). Estão juntas, na construção do evento, dez entidades, entre centrais sindicais e confederações de trabalhadores, e órgãos formados por advogados ligados à Justiça do Trabalho.
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Dia dos pais
Ivaldo Bezerra
Para filhos especiais, um pai especial José Milton junto com os filhos: empenho e dedicação
O bancário José Milton Portela, do Bradesco, é um exemplo. Ele reestruturou sua vida para cuidar do filho com autismo e, hoje, 20 anos depois, garante: tudo que fez valeu a pena
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uilherme é um jovem de 20 anos. O autismo não o impede de falar, se relacionar com as pessoas, participar de cursos, estudar, acessar o computador e as redes sociais. As dificuldades e limitações trazidas pela síndrome não o impedem de ser feliz. E boa parte de suas conquistas foi construída graças ao empenho e dedicação da família: a mãe, o pai, o irmão. O bancário José Milton Portela fez questão de reestruturar seu trabalho, sua rotina e sua vida
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para dar ao filho, tão especial, a atenção e cuidado de que ele necessitava. Durante muitos anos, não havia um diagnóstico para a criança. Aos quatro anos de idade, ele ainda falava como um bebê, tateando as palavras. Durante vários anos, os pais se empenharam em uma longa peregrinação entre tratamentos com fonoaudiólogos, consultas com neurologistas, exames e mais exames. “Percebiam que havia uma carga elétrica diferenciada no cérebro, mas ninguém chegava a um diagnóstico preciso”, lembra o pai. José Milton alterou sua jornada de trabalho: passou a atuar no horário da noite, no Bradesco Polo. Seu sono tinha que se adequar aos horários dos exames, da escola, das consultas. “Chegava em casa, dava uma cochilada, ia levá-lo no colégio. Voltava, dormia mais um pouquinho e ia buscá-lo. À tarde, às vezes, tinha exame, consulta, fono ou psicólogo”, lembra. Outros sintomas aumentaram as preocupações da família e intensificaram os exames, em busca de um diagnóstico. “Por volta dos sete anos, ele
começou a ter convulsões durante o sono... Foi uma época de muita agonia”, conta o pai.
Em busca da escola ideal Ao mesmo tempo, a família iniciou uma longa trajetória em busca de uma escola onde ele pudesse se adaptar. “Passamos por várias instituições e ele tinha dificuldades de adaptação. Eu lembro da revolta que senti quando ele foi rejeitado em uma escola, mesmo com o regime de inclusão já em vigor. Brigamos muito até que decidi procurar uma psicopedagoga e ela indicou o Colégio Mater Christi, que ele frequentou até o segundo grau”, diz José Milton. No segundo grau, ele foi encaminhado para a Escola Recanto, sempre com acompanhamento psicológico e tratamento com fonoaudiólogo. O Plano de Saúde não cobria nada disso e as despesas eram imensas. “O convênio que o Sindicato tinha com a Escola Recanto ajudou bastante. Recorremos, também à Rede Pública de Saúde, para as consultas mensais com o psiquiatra”, lembra Milton. Foi na Rede Pública que, finalmente, eles tiveram o diagnóstico de autismo. “Lembro que, quando criança, ele passava horas olhando para o ventilador. Também tinha crises de pânico com alguns fatos, como quando entrava em subsolo ou quando passava a música do Plantão da Globo... A médica explicou que são sintomas típicos do autismo”, diz o pai.
Dois filhos, duas histórias
de se perder. Mas adora assistir a
Guilherme não é o único filho de José Milton. Quando ele tinha seis anos, ganhou um irmão e, durante toda a infância, se entenderam muito bem, apesar das diferenças. “Às vezes, era difícil conciliar. Quando o mais novo fazia aniversário, Guilherme também tinha que ganhar um presente, nem que fosse uma coisa simples...”, conta Milton. Hoje, o irmão está com 14 anos e, em plena adolescência, já não tem a paciência de criança. As brigas são mais comuns. “Guilherme perde o controle com facilidade. Grita, às vezes dá murros no guarda-roupa, mas nunca agrediu fisicamente o irmão. Apesar das brigas, existe muito afeto”, garante o pai. Recentemente, Guilherme fez curso de Computação na Microlins. Tem muitas habilidades: gosta de fotografar,
filmes e ouvir música, tem seu perfil no facebook e elogia as garotas bonitas na rua ou no supermercado. Tem um vocabulário rico e é atento a detalhes. Ultrapassou vários limites: fala sem tantas dificuldades e consegue fazer amizades. Guilherme é feliz. Seus pais também. “Cada fase difícil, cada agonia, os sonos mal aproveitados, a rotina de exames e consultas... tudo compensa. A gente se sente muito satisfeito com cada conquista dele”, ressalta José Milton.
maneja bem o computador. Depois que o irmão fez primeira comunhão, ele fez questão de também ter a dele. E organizou tudo: fotos, álbuns, editou até um filme no computador, com as imagens do evento. Guilherme não pode sair só, pois corre risco de ser atropelado ou Agosto de 2014
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Conheça Pernambuco Glória do Goitá
Mestres da cultura popular
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é Lopes tinha 10 anos quando viu um mamulengo pela primeira vez. Ajudava a mãe vendendo bolo para sustentar a família, o pai havia falecido quando ele tinha 4 anos. Um dia, enquanto circulava pela cidade, Zé Lopes viu uma apresentação de mamulengos. “Não sabia se eram pessoas pequenininhas. Tentei entrar na barraca,
mas não me deixaram. Não tirei mais isso da cabeça”, conta. Só na terceira tentativa, ele alcançou o propósito. “Soube que ia ter uma apresentação de mamulengo. Disse à minha mãe que queria chegar cedo, antes que a festa começasse, para garantir o lugar para vender os bolos. Mas o que eu queria mesmo era ver a barraca de mamulengo ser montada. E consegui”. Zé Lopes ajudou o mamulengueiro a montar barraca: carregou água para amolecer a terra e cavou os buracos para levantar a estrutura. Como recompensa, viu toda a apresentação nos bastidores. Começou, então, outra batalha: descobrir de que madeira eram feitos os bonecos. O mamulengueiro não sabia, já os comprava prontos. Foram muitas tentativas. Zé Lopes pegava as madeiras que encontrava e tentava forjar os bonecos. Até que, um dia, a avó dele, com dor de dente, pediu que ele pegasse a casca do mulungu para fazer um chá. Enfim, descobriu. Era desta madeira que os mamulengos eram feitos. Assim, há 54 anos, Zé Lopes tornou-se bonequeiro e mamulengueiro. “Aos 12 anos, eu tinha um mamulengo completo, com 120 personagens. Um mamulengueiro precisa saber a história de cada personagem e o momento exato em que ele deve entrar em cena. Mas não é difícil, pois parece que os bonecos falam com a gente”, conta Zé Lopes, que é considerado um mestre na arte de produzir e manusear mamulengos. O Museu do Mamulengo é mantido pela associação dos mamulen-
Zé Lopes se apaixonou pelo mamulengo aos 10 anos
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gueiros de Glória do Goitá. São 14 artesãos, que se revezam para produzir. O Museu fica no centro de Glória de Goitá, no antigo mercado de farinha, e funciona de segunda a sexta, de 8h30 às 11h30 e 14h às 17h; aos sábados, de 9h às 12h e 14h às 17h; e aos domingo, de 14h às 17h. As visitas são gratuitas. Grupos podem agendá-las pelo telefone (81 9993-0139) ou contratar apresentações de um grupo de mamulengo no local (o custo é de R$ 200).
Cavalo-marinho Zé de Bibi também começou a brincadeira no mamulengo, mas a vontade de ter mais contato com o público o levou para fora da barraca. “No mamulengo, é muito calor. A gente não vê o povo. Trabalha naquele abafado”, conta, sorrindo. “Decidi fazer um Cavalo-marinho”. Cavalo-marinho é uma manifestação cultural típica da Zona da Mata de Pernambuco, apesar de ser pouco conhecida no estado. De acordo com o Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, que integra a estrutura do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o Cavalo-marinho é um folguedo de boi, com forte presença de personagens do reisado. Ele integra o calendário natalino e ocorre em homenagem aos Reis Magos. Zé de Bibi é trabalhador rural e tem 73 anos de idade, 52 deles dedicados ao Cavalo-marinho. Em 1961, no último sábado
de agosto, o mestre fez o seu primeiro Cavalo-marinho. Todo ano, ele comemora o aniversário do folguedo; mas, normalmente, no último fim de semana de setembro. “É a época do corte da cana-de-açúcar, então os trabalhadores têm mais dinheiro para brincar”, explica. Com um corpo franzino, o mestre se diverte ao contar que, quando decidiu fazer o Cavalo-marinho, algumas pessoas duvidaram se ele daria conta da brincadeira que exige tanto vigor físico. Aos questionamentos, respondeu: “sou pequeno, mas completo”. Tradicionalmente, a brincadeira começa por volta das 20h e só termina por volta das 8h do outro dia. São 12 horas de música e dança, sem parar. Além da festa de aniversário do Cavalo-marinho de Zé de Bibi, em setembro; há o Encontro de Cultura Popular da Mata Norte, organizado pela Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe), em março ou abril. Os interessados em contratar o mestre Zé de Bibi para apresentações ou para encomendar um Cavalo-marinho devem ligar para o telefone (81) 9922-4407 e falar com Nalva.
perspectiva de valorizar a cultura de Glória do Goitá, duas mulheres criaram um empreendimento de produção e venda de camisas pintadas à mão. A empresa “Fasso Artesanatos” surgiu há 10 anos pelas mãos de Jeruza Souza e Marilândia Luna. O tema principal da produção da empresa é a cultura popular de Glória do Goitá e do Nordeste: Mamulengo, Cangaço, São João, Cavalo-marinho, Carnaval, Frevo, Maracatu, Forró. Além das camisas, a “Fasso Artesanato” também produz bolsas, quadros e artigos para casa, todos personalizados. Os preços dos produtos variam de R$ 32 a R$ 300. Os produtos da Fasso são vendidos no Centro de Artesanato de Bezerros e na sede da empresa, em Glória do Goitá (Rua Viração, s/n, Nova Glória). Os pedidos podem ser feitos pelo telefone (81) 9929-7959 e pelo facebook (fasso@fassoartesanatos.com.br).
Valorização A pouca valorização da cultura popular não é um tema novo. Longe disso. Esse é um antigo problema enfrentado pela maioria dos artistas populares do Brasil. Na
Mestre Zé de Bibi, 73 anos de idade, 52 deles dedicados ao Cavalo-marinho
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Agenda cultural
Dia dos bancários com muito chopp O Dia dos Bancários, 28 de agosto, será comemorado no dia 30 com muita festa e chopp à vontade no Clube de Campo dos Bancários. Por apenas R$ 20, os bancários adquirem sua caneca, podem consumir chopp Brahma, refrigerante e uma deliciosa feijoada. A música fica por conta de “Dudé Voz e Vio-
lão” e a banda “Black Night”. O Clube de Campo dos Bancários fica no km 14,5 em Aldeia. A Festa do Chopp começa às 11h e vai até 17h. O Sindicato disponibilizará três ônibus para ida e volta. Os interessados devem se inscrever pelos telefones (81) 3316.4238 e 3316.4226 (falar com Vera ou com Lúcia).
PRETEXTOS A Bíblia foi o mote escolhido pelo artista visual Roberto Ploeg em sua exposição Pretextos, na Galeria Arte Plural, Rua da Moeda. São 25 telas com cenas do cotidiano que recriam as narrativas bíblicas. Visitação de terça a sexta, das 13h às 19h; sábados, das 16h às 20h.
O romance em foco em Festival de Literatura
De 20 a 31 de agosto, Recife sedia o 12º Festival Recifense de Literatura – A Letra e A Voz. Este ano, o evento homenageia os 50 anos do lançamento do livro A Paixão Segundo G.H, de Clarice Lispector. As particularidades do romance são o foco do Festival. Entre os convidados, há autores como o argentino Rodrigo Fresán, Cristovão Tezza e
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Alberto Mussa. Em palestras, debates, oficinas e diversas atividades, acadêmicos, artistas e jornalistas dialogam com o público sobre a importância do romance na literatura contemporânea. A programação acontece no Museu do Estado e a Festa do Livro (foto) ocorre, nos dias 30 e 31, na Avenida Rio Branco, bairro do Recife.
COM PASSIVOS A arte de Fernando Duarte sempre conviveu com várias ocupações: bancário, diretor do Sindicato, secretário de Cultura. Agora, em sua exposição Com Passivos, ele recupera desenhos que durante vários anos ficaram esquecidos nas gavetas. São 15 telas expostas no Maison do Bonfim, Olinda.
Outros talentos
João Coimbra
Bancário de profissão, maestro por prazer
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úsico de formação, o maestro João Coimbra trabalhou durante 17 anos no extinto Banco do Estado de Pernambuco (Bandepe). Ele canta em corais desde os oito anos de idade e formou-se também em teologia, por se interessar pelas músicas das igrejas. “Gostava do trabalho no banco, mas o meu maior prazer sempre foi ser músico. A música é uma excelente companhia em todos os momentos. Seja para relaxar ou para socializar. Num momento de tristeza ou de alegria”, afirma o maestro. Assim que começou a trabalhar no Bandepe, João Coimbra ingressou no coral do banco.
Três meses depois, foi convidado para regê-lo. Na década de 1990, aposentou-se, mas continuou à frente do coral até junho de 2013, quando ele foi extinto pelo Santander. “O coral do Bandepe foi mantido pelo ABN, mas agora o Santander decidiu fechá-lo”, lamenta, enumerando os bancos que sucederam o Bandepe. O maestro relembra que essa não foi a única decisão do Santander contrária à valorização da cultura em Pernambuco. Em maio, o banco espanhol também fechou o Santander Cultural, que funcionava em um espaço, no Recife, dedicado às artes plásticas, há mais de 20 anos – desde a época em que era administrado pelo Bandepe. “Foi uma perda enorme para a arte no estado”, reforça João Coimbra. Quanto aos benefícios do coral para a categoria bancária, João Coimbra afirma que a atividade tem uma função terapêutica. “É bom para desopilar, reencontrar o equilíbrio e sair do estresse do trabalho”. Ele conta que, na época do Bandepe, os ensaios do coral aconteciam duas vezes por semana, no horário do almoço, e era raro alguém faltar. Atualmente, o maestro João Coimbra rege dois corais: o “Viva Voz”, que ele fundou; e o coral do Sindicato dos Servidores Públicos Federais. Quem tiver interesse em contratar os serviços dele pode contactá-lo pelo telefone (81) 9977-1384 ou pelo e-mail jbcoimbra49@gmail.com. Agosto de 2014
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Festa literária no Céu
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Instituto Rubem Alves
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este mês, a festa literária acontece no Céu. Três grandes escritores brasileiros partiram para as bandas de lá, nas últimas semanas: João Ubaldo Ribeiro, Rubem Alves e Ariano Suassuna. João Ubaldo era escritor, jornalista, roteirista e professor. Autor de romances, contos, ensaios e crônicas. Ganhou vários prêmios literários, entre eles dois Jabutis pelos livros “Sargento Getúlio” e “Viva o povo brasileiro”. Rubem Alves era escritor, psicanalista, educador e teólogo. Escreveu sobre a vida, educação, espiritualidade e religião. É autor de “Ostra feliz não faz pérolas” e “Do universo à jabuticaba”, entre outras tantas obras. Produziu, também, literatura infantil. “Rubem Alves era um homem que gostava de ipês amarelos”, como ele mesmo se descrevia. Já Ariano Suassuna é bem conhecido de todos os pernambucanos. Dramaturgo, romancista, ensaísta e poeta, foi fundador do Movimento Armorial e grande defensor da cultura popular brasileira, em especial da nordestina. Autor de “O auto da compadecida” e do “Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-volta”, entre muitas outras obras. Para homenageá-los, nada melhor do que os seus próprios textos.
João Ubaldo
“A reverência pela vida exige que sejamos sábios para permitir que a morte chegue quando a vida deseja ir.” Rubem Alves
“Tenho duas armas para lutar contra o desespero, a tristeza e até a morte: o riso a cavalo e o galope do sonho. É com isso que enfrento essa dura e fascinante tarefa de viver”. Ariano Suassuna
Valter Campanato/ABr
O Brasil perdeu três grandes escritores, nas últimas semanas: João Ubaldo Ribeiro, Rubem Alves e Ariano Suassuna
“Um romance são tantos romances quantos forem seus leitores.”
Arquivo da Biblioteca de São Paulo
Memória