nº 61 - mar./abr. 2016
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Há esperança! Há ameaças que pairam sobre a democracia. Mas há, também, ruas que se pintam de sonhos, que seguem na contramão da ditadura midiática. E há a juventude, para recriar a utopia com novo vigor. Enquanto houver sonho, há esperança. Enquanto houver quem lute, a democracia resiste. E quando a democracia sucumbe, as maiores vítimas são os trabalhadores. Páginas 4 a 8
Revista dos Bancários Publicação do Sindicato dos Bancários de Pernambuco
Redação Av. Manoel Borba, 564 - Boa Vista, Recife/PE - CEP 50070-00 Fone 3316.4233 / 3316.4221 Site www.bancariospe.org.br Presidenta Suzineide Rodrigues Secretária de Comunicação Daniella Almeida Conselho Editorial Suzineide Rodrigues, Daniella Almeida, Adeilton Filho e Epaminondas Neto Jornalista responsável Fabiana Coelho Redação Camila Lima e Fabiana Coelho Projeto gráfico e diagramação Bruno Lombardi - Studio Fundação Imagem de capa Juca Varella / Agência Brasil Impressão NGE Gráfica Tiragem 12.000 exemplares
Sindicato filiado a
Editorial
Menos ódio, mais democracia Em reportagem publicada pela Revista dos Bancários nº 58, de setembro do ano passado, alertávamos para o surgimento de uma onda de intolerância, que se revelava em manifestações de ódio contra petistas, movimentos sociais e militantes de esquerda. Esta criminalização da esquerda não arrefeceu. Pelo contrário, piora a cada dia. Para o cientista político Michel Zaidan, os principais meios de comunicação de massa do país são os maiores responsáveis por isso: “Há um tribunal midiático funcionando 24 horas por dia, há vários anos. Neste contexto, mesmo uma mentira, repetida centenas de vezes, se torna verdade. E os estragos são irreparáveis. As pessoas foram envenenadas. Há um ódio semeado pelo tribunal midiático que é difícil reverter”. Nesse cenário, todos são rotulados e os estereótipos tornam-se verdade. “Quem é contra o impeachment de Dilma é corrupto”. “Quem veste vermelho é petista ladrão”. “Quem defende a democracia e o exercício do mandato governamental é contra o Brasil”. E não faltam relatos de agressão. Sem falar nos xingamentos, amizades desfeitas, grupos destruídos no WhatsApp... Enquanto uns, respaldados pelo senso comum veiculado nas mídias, defende a ferro e fogo seu direito de se manifestar, outros convivem com o medo até mesmo de vestir uma roupa vermelha. As manifestações de ódio se revelam em comentários no facebook do Sindicato: “#vergonha #alienados, não é golpe, é remédio constitucional para salvar o povo desses comunistas”, escreveu alguém. “Vergonha!!! E revolta!!! Brasil, um país de tolos!!!”, declarou um outro, proclamando sua verdade como a única inteligente. No entanto, e apesar de tudo, os atos do dia 18 de março provaram que os que defendem a democracia continuam firmes, apesar da intolerância. A hora é de amplificar essas vozes dissonantes contra os que pretendem impôr uma única verdade. Pois, nas palavras de Bertolt Brecht, em seu texto “A Exceção e a Regra”: “Não se deve dizer que nada é natural numa época de confusão e sangue, desordem ordenada, arbítrio de propósito, humanidade desumanizada, para que imutável não se considere nada!”
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Revista dos Bancários
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POLÍTICA: A hora é de defender a democracia contra o Tribunal Midiático
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ABRIL INDÍGENA: Povos indígenas se organizam em defesa de seus direitos CIDADANIA: As novas gerações da esquerda brasileira Página 06
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MARÇO DAS MULHERES Mulheres denunciam os pequenos machismos cotidianos Página 13
AGENDA Conheça nossas dicas de cultura e lazer Página 14
ENTREVISTA: Marcos Aurélio, dos Petroleiros, expõe os interesses que ameaçam Lei do Pré-sal Página 09
BANCÁRIO DE TALENTO Gestores da Caixa dividem amor pela música Página 15
CONHEÇA PERNAMBUCO Custódia, sob as bênçãos de São José Página 16
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Wilson Dias/Agência Brasil
Política e democracia
Sombras de tirania Mídia, Poder Judiciário e as velhas oligarquias ameaçam ordem democrática. A hora é de reagir!
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á um tribunal midiático funcionando 24 horas por dia, há vários anos. Neste contexto, mesmo uma mentira, repetida centenas de vezes, se torna verdade”. A fala, do cientista político Michel Zaidan, professor da UFPE, explica o cenário instalado no Brasil. Para ele, houve uma inversão da ordem legal: o Poder Judiciário e a Polícia Federal deixaram de ser aqueles que investigam e aplicam a lei para acolherem e respaldarem denúncias e provas divulgadas e fabricadas pelos meios de comunicação. A mídia acusa e condena, sem julgamento. O exemplo mais notório ficou conhecido como o caso da Escola Base. Aconteceu em 1992,
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quando duas mães denunciaram os donos de uma escola infantil em São Paulo, um motorista do transporte escolar e um casal de pais de um aluno por abuso sexual contra crianças de quatro anos. As acusações vazaram para a imprensa e passaram a ser amplamente divulgadas. A escola foi invadida e depredada, assim como a casa de professores. Os acusados não podiam sair de casa, sob ameaça de linchamento. Tempos depois, as acusações ruíram, mas a vida dos acusados nunca mais pôde ser refeita. “Os estragos desse Tribunal Midiático são irreparáveis. Basta observar o que está acontecendo. As pessoas foram envenenadas. Não adianta conversar, não adianta contra-argumentar... há um ódio semeado pelo tribunal midiático que é difícil reverter”, diz Michel Zaidan. Balizado pela opinião pública que ele mesmo ajudou a construir, esse tribunal permite tudo: vazamento de interceptações telefônicas, condução coercitiva de alguém que não se recusa a depôr, delações sem comprovação que se tornam prova irrefutável. No mais recente capítulo desta novela, uma decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Teori Zavascki, mostrou que ainda há esperanças no Poder Judiciário. Ao determinar que o juiz Sergio Moro envie à Corte todas as investigações relativas ao ex-presidente Lula, ele questionou a legalidade da quebra de sigilo das interceptações telefônicas, permitidas pelo juiz Moro: “O art. 5º, XII, da Constituição, somente permite a interceptação
fesa da democracia: “Militância volta com força às ruas”.
Extrema direita nas ruas
de conversações telefônicas em situações excepcionais, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. (…) Não há como conceber, portanto, a divulgação pública das conversações do modo como se operou, especialmente daquelas que sequer têm relação com o objeto da investigação criminal”, ressaltou Zavascki.
Democracia não é manchete Os atos em Defesa da Democracia, realizados no país inteiro no dia 18 de março, mostraram que a batalha nas ruas também não está perdida. Em Pernambuco, a manipulação dos números ficou evidente. A Polícia Federal estimou em 15 mil pessoas uma marcha que tomou as duas faixas da Avenida Conde da Boa Vista inteira. “A avenida tem 1,7km
de comprimento. Ou seja, 1.700 metros. E uma única faixa tem sete metros de largura. Ou seja, uma área de 11.900m². Se considerarmos uma média de cinco pessoas por metro quadrado, já são quase 60 mil. E isso em apenas uma das faixas, quando a gente sabe que a manifestação ocupou as duas”, calcula a presidenta do Sindicato Suzineide Medeiros. A força dos atos obrigou os jornais a dar alguma notícia. No entanto, basta comparar as manchetes de capa, publicadas pelos três jornais pernambucanos nos atos do dia 13 e do dia 18, para perceber a diferença no tratamento. Nas manifestações do dia 13, as capas noticiaram: “E agora, Brasil?” (Jornal do Commercio), “Recado das ruas aumenta a pressão sobre Dilma” (Diario de PE); “Multidão vai às ruas e força impeachment” (Folha PE). No dia 18, somente a Folha de Pernambuco focou nos atos em de-
Dois dias antes da mobilização nacional de 18 de março, um ato pela Legalidade Democrática reuniu juristas, intelectuais, escritores, movimentos sociais e artistas no Teatro da Universidade Católica de São Paulo (Tuca), na capital paulista. Durante o evento, a filósofa Marilena Chauí alertou: “Nós temos nas ruas do Brasil um caldo de cultura perigosíssimo porque é onde se forjam as ditaduras, tiranias, formas de cerceamento de todas as liberdades e conquistas que conseguimos desde a Constituição de 1988”. Segundo ela, vivemos uma onda de reacionarismo político que não é exclusiva do Brasil. “Nos EUA, o Trump tem o apoio, inclusive, da Ku Klux Klan e se declarou contra todos os direitos das mulheres, dos negros e dos homossexuais”. Não por acaso, o deputado de extrema-direita Jair Bolsonaro foi aclamado durante as manifestações pelo impeachment no dia 13. Para a presidenta do Sindicato, Suzineide Rodrigues, “quando a democracia é afetada, os trabalhadores são as maiores vítimas”. Segundo o Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), há cerca de 55 projetos que tramitam na Câmara e representam retrocesso. É o caso do que reduz a idade de ingresso no mercado de trabalho; do que aumenta a jornada de horas extras dos trabalhadores rurais; do que reduz a amplitude do conceito de trabalho escravo; e do que escancara a terceirização. Março e Abril de 2016
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A esquerda se renova O batuque e a alegria do Levante Popular da Juventude estão em todos os atos dos movimentos sociais
“Eu acredito é na rapaziada” Grupos como o Movimento Zoada, Ocupe Estelita e Levante Popular da Juventude mostram a renovação da esquerda e da esperança
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m tempos de crise, reavaliações e incertezas, a juventude reinventa a organização da esquerda. Em todo o país, vários grupos de jovens participam ativamente da política nacional e questionam as estruturas do sistema político-partidário brasileiro. Além de terem como uma das pautas prioritárias o respeito à diversidade, esses movimentos chamam a
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atenção por possuírem formas de organização interna diferentes das estruturas hierárquicas tradicionais. A Revista dos Bancários conversou com três desses grupos, que atuam no Recife.
Zoada da diversidade O Zoada é um grupo da Faculdade de Direito do Recife (FDR), criado em 2011. De acordo com alguns de seus integrantes, a FDR ainda é um ambiente muito conservador, e o Zoada consegue romper um pouco com isso. Militantes do movimento assumem, nas suas vidas, posturas coerentes com aquilo que acreditam: “Alguns de nós são bichas assumidas, mulheres que defendem a legalização do aborto e pessoas que usam maconha e defendem a legalização dela. É uma questão performance, de forma de atuar no mundo”, explica Artur Maia, que faz parte do Zoada. Mayanne Lima, que também integra o grupo, conta que discriminações ainda ocorrem na faculdade, mas que as mudanças no perfil dos estudantes, após as cotas, e as discussões suscitadas pelo Zoada contribuíram para que hoje haja mais respeito às diferenças. “Quando entrei na faculdade, antes das cotas raciais e sociais, os estudantes, em sua grande maioria, eram pessoas ricas e brancas que, se não fossem heterossexuais, esforçavam-se para parecer ser. Comentários machistas e homofóbicos eram muito mais comuns”, conta Mayanne. Além disso, uma das marcas do Zoada é possuir uma gestão participativa e horizontal, que se contrapõe às estruturas burocráticas tradicionais.
Para cumprir as exigências estatutárias do Diretório Acadêmico da FDR, o Zoada registrou os candidatos que, formalmente, ocuparão cargos. Mas fez essa escolha de forma aleatória: os primeiros nomes da lista de integrantes da chapa, organizada em ordem alfabética, serão os titulares. “Na prática, quem ocupa esses cargos é um integrante como outro qualquer, que não detém poder algum por isso”, conta Artur. O direito à fala é garantido a todos os estudantes, independentemente do conhecimento que o sujeito político tenha sobre o assunto em pauta. Para o Zoada, trata-se de uma questão de protagonismo político, de empoderamento. “Uma das maneiras mais eficazes de ampliar a participação direta na gestão é horizontalizar o conhecimento. Por isso fazemos formações constantes”, explica Artur. “Estamos muito acostumados a ser representados. Então, é preciso esforço para quebrar a lógica da representatividade, tão cara à política partidária. As pessoas precisam falar por elas mesmas”, ressalta Mayanne.
Ocupe Estelita e a força das redes A horizontalidade na organização também é uma das características do Movimento Ocupe Estelita (MOE). O movimento foi criado em 2014, a partir de uma ocupação para evitar a demolição do Cais José Estelita e a posterior construção de 12 torres de luxo. A área do cais pertencia à União e compõe um dos principais car-
Movimento Zoada ajudou a reunir juristas e comunidade acadêmica na Faculdade de Direito em Ato em Defesa da Democracia
tões postais do Recife. O projeto, chamado Novo Recife, foi aprovado sem diálogo com a população e com uma série de irregularidades legais. A organização do grupo se deu na própria ocupação, que durou cerca de dois meses. O grupo dividiu-se em comissões: infraestrutura, cozinha, comunicação e cinema. “A ocupação mudou a minha forma encarar a organização da sociedade. Vivenciei a possibilidade real de construção coletiva. Experiências como essa podem transformar a vida das pessoas”, afirma Paulo, integrante do movimento que participou da ocupação e preferiu ser identificado com esse pseudônimo por temer perseguição. Um dos principais meios de divulgação do movimento e de diálogo entre seus membros é o facebook. “Infelizmente, desde as jornadas de junho, em 2013, muitas pessoas foram identificadas pelos seus perfis nas redes sociais e perseguidas”, explica Paulo.
O integrante do movimento conta que o grupo avalia a mudança de plataforma, mas o facebook ainda é o meio de comunicação mais viável para eles. “Sabemos que é uma rede social privada, que vende as informações dos usuários, mas com ela conseguimos alcançar as pessoas com muita facilidade. No dia da apresentação do projeto reformulado para a área do cais, em algumas horas, conseguimos reunir cerca de cinco mil pessoas num protesto. E dez mil, no dia seguinte, convocando-as pelo facebook”, conta Paulo. O grupo tem vários parceiros, que ajudam a pensar novas formas de transformar a cidade e se relacionar com ela. É o caso dos trabalhadores rurais e índios Xukuru do Ororubá. “A relação deles com a terra nos traz valores importantes para enxergarmos a cidade e a transformarmos. Temos aprendido muito sobre agroecologia, bioconstrução e valorização do conhecimento ancestral”, afirMarço e Abril de 2016
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A esquerda se renova A resistência contra especulação imobiliária está no foco das ações do Ocupe Estelita
ma Paulo. “Se não houvesse o Ocupe Estelita, provavelmente, as torres já teriam sido construídas. Só a mobilização popular pode contribuir para a mudança. Trabalhamos para conscientizar a população sobre a necessidade de transformarmos nossa cidade”, afirma Larissa Karla, que também integra o movimento.
Levante da Juventude O Levante Popular da Juventude (LPJ) surgiu em 2006, no Rio Grande do Sul. “A ideia era aglutinar jovens do campo e da cidade. Alguns movimentos sociais como MST, PJR (Pastoral da Juventude Rural), MAB (Movimento Atingidos por Barreiras), MTD (Movimento dos Trabalhadores por Direitos) são a base da nossa formação”, afirma uma das coordenadoras do LPJ em Pernambuco, Iyalê Tahyrine. Inicialmente, a mobilização focou jovens da periferia urbana.
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Em 2012, houve a nacionalização do movimento, e jovens do campo e estudantes universitários passaram a também integrar o grupo, que hoje atua em mais de 20 estados brasileiros. “Não temos bandeira única. Queremos transformar a realidade, combatendo as opressões e nos voltando para as questões que toquem a juventude. Algumas das nossas pautas são: assistência estudantil, saneamento básico, acesso universal à saúde de qualidade, combate ao extermínio da juventude negra nas periferias, luta permanente pela reforma agrária popular e contra o fechamento de escolas no campo”, cita Iyalê. As principais atividades do grupo são saraus, ocupação de espaços, atos e agitações culturais. “A batucada é a marca do LPJ. Tocamos e cantamos músicas e paródias. Assim, as pessoas absorvem com facilidade a mensagem que estamos querendo passar”, conta a militante. O LPJ integra a Frente
Brasil Popular. Para esses grupos, a prática diária de defesa da democracia, respeito às diferenças e solidariedade pode render bons frutos para o Brasil. “A experiência da esquerda no governo do Brasil acabou com a ilusão de que haveria uma ruptura abrupta na organização social. A política é fluida. A esquerda percebeu que o problema está na própria estrutura de poder. Precisamos nos reinventar e estamos fazendo isso”, afirma Guilherme Barreto, que integra o Zoada. O juiz do Trabalho, José Augusto Segundo, que também fez parte do movimento estudantil na Faculdade de Direito na década 90 e é pai de Guilherme, complementa a tese do estudante: “Transformar uma sociedade desigual como Brasil em uma sociedade solidária só é possível dentro de uma perspectiva de esquerda, e com a atuação da juventude”, ressalta Augusto, que faz parte da Associação dos Juízes para a Democracia.
Entrevista: Marcos Aurélio Silva
Quanto vale o Pré-sal
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arcos Aurélio Silva faz parte da coordenação do Sindicato dos Petroleiros e sabe muito bem o quanto o Brasil perde se a operação dos poços de Pré-sal passar a ser feita por empresas estrangeiras. A lei do Pré-sal exige que a Petrobras opere 30% dos campos. O PL 131, aprovado no Senado, diz que a empresa pode escolher se opera estes 30%. Ou seja, em uma conjuntura em que o governo federal esteja mais afinado com empresas internacionais, o Brasil deixa de ganhar uma receita extraordinária, que seria investida em saúde e educação. Como é a atual legislação brasileira que rege o petróleo e o Pré-sal? Nós temos duas leis: a 12.351, do Pré-sal e a 9478, do Petróleo. Nesta, de 98, o petróleo que está
lá embaixo é da nação brasileira. Mas, quando eles sugam, passa a ser de quem tirou: vai todo embora, não fica nada aqui... Pagam apenas alguns royalties. E a Petrobras concorre nas licitações como qualquer outra empresa, ainda que seja brasileira e que nenhuma outra tenha os mesmos compromissos sociais. Na lei do Pré-sal, existem três pontos que vão de encontro aos interesses das empresas internacionais. Um deles, que foi excluído agora, com a aprovação do PL 131, é a exigência da Petrobras como operadora única. Outro ponto é a existência do Fundo Soberano, que é de onde vai sair dinheiro para a educação e saúde. E, finalmente, tem a questão do conteúdo nacional: a Petrobras hoje é a única empresa de petróleo que atua no Brasil e segue a lei do conteúdo nacional, que determina que as empresas que investem no setor de petróleo tenham 30% de seus investimentos voltados para a indústria local, para fomentar a economia brasileira. Houve algumas alterações no PL 131, após acordo com o governo. Como é que vocês avaliam esse acordo? Pela lei atual, a Petrobras deve atuar como operadora única dos campos do pré-sal com uma participação de pelo menos 30%. Pelo texto do substitutivo aprovado, caberá ao Conselho Nacional de Política Energética oferecer à Petrobras a exploração mínima de 30% e a empresa se manifestará se aceita ou não a responsabilidade. Em um cenário político mais favorável à empresa nacional, pode não ser tão ruim. Mais adiante, em outro cenário, a história muda. No governo FHC, por exemplo, a Petrobras tinha muitos entraves para aumentar seu parque industrial, mesmo quando tinha condições de fazê-lo. Quando existe essa flexibilização, as Março e Abril de 2016
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Entrevista: Marcos Aurélio Silva
“A população não imagina o quanto ganha a nação se a Petrobras operar o Pre-sal” decisões acabam ficando à mercê das circunstâncias políticas. Utiliza-se muito o argumento de que a Petrobras não tem condições de explorar estes campos... É o mesmo argumento utilizado em diversos momentos da história, desde 1953 – ano de criação da Petrobras... Vale ressaltar que, hoje, essa situação de caixa da Petrobras é momentânea. Uma vez que a gente tiver o petróleo subindo para seu valor real, isso já muda consideravelmente o perfil financeiro da empresa. Como é que você vai vender um bem, um patrimônio, um poço, se o petróleo está em baixa? É vender a preço mais baixo a multinacionais que querem investir aqui com facilidades e, depois, quando o petróleo subir, ter controle de um bem que estará valorizado. Quem vai sair perdendo? A nação. Mas, tirando essa questão contextual, qual a real situação da Petrobras hoje?
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Existe um endividamento real, até porque há investimentos que ainda não deram retorno e outros que estão totalmente parados. A Refinaria de Abreu e Lima já era para estar funcionando desde 2010, mas veio iniciar as operações em dezembro de 2014. E está operando com dificuldades já que, por conta da Operação Lava Jato, muitas empresas que estavam à frente da obra tiveram que sair. O Comperge, no Rio de Janeiro, está com as estruturas montadas, mas tudo parado. Na Refinaria do Maranhão, começou-se a fazer a terraplenagem e tudo teve que parar... Como está a situação de outras empresas internacionais? Basta dizer que empresas como a Shell e a Esso estão vendendo seus ativos e demitindo funcionários próprios. E a Petrobras tem condições de operar o Pré-sal? Tem. A Petrobras exporta essa tecnologia de extração de petróleo
no fundo do mar. Tanto que, para a Petrobras, o custo da operação do Pré-sal sai por cerca de oito a nove dólares, enquanto outras empresas colocam a quinze, vinte dólares. Outra questão: uma empresa vem de fora e não há como ter o controle do poço: ela pode informar que tirou cem, quando na realidade está tirando duzentos, quinhentos. Outro problema é a ação predatória, porque essas empresas visam o lucro rápido: quanto mais extraem, mais faturam e, assim, um poço de dez anos tem seu tempo de vida útil reduzido para cinco. E agora, quais os caminhos? A gente precisa encontrar formas de se comunicar com a população, para que ela possa perceber os prejuízos que pode ter quando a Petrobras perde a condição de operadora do Pré-sal. A Educação e a Saúde ganhariam uma receita extraordinária, não teria necessidade de nenhuma CPMF. A sociedade não tem ideia daquilo que pode ganhar com a manutenção da atual lei do Pré-sal.
A Terra Sagrada dos povos indígenas “Não somos nada sem a terra e o agronegócio quer nos eliminar e acabar com nossas florestas e nossos rios (...) Somos povos desta terra e dela não podemos sair. Ela é nossa mãe e mãe não se vende. Nós queremos nossa mãe terra viva e para isso ela não pode ser tomada de nós, povos indígenas” (Carta dos Pataxó e Tupinambá ao STF, 24/02/2016)
Marcelo Camargo/Agência Brasil
Abril indígena
Indígenas criticam omissão do governo durante Conferência Nacional de Política Indigenista
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texto acima é um fragmento da carta escrita pelos povos Pataxó e Tupinambá, do Sul da Bahia, aos ministros do Supremo Tribunal Federal, durante marcha destas comunidades à Brasília, no final de fevereiro. Em abril, outros povos indígenas, de todo o Brasil, fazem essa marcha. E motivos não faltam para tanto. O cenário é desolador: há mais de três anos, as demarcações estão paradas; a Funai (Fundação Nacional do Índio) vem sofrendo progressivo desmonte – com corte de receitas e enxugamento administrativo; e as políticas públicas voltadas aos povos originários estão abandonadas. Some-se a isso os vários projetos que tramitam no parlamento em favor do agronegócio e contra os povos indígenas. A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 215, por exemplo, coloca nas mãos do Congresso Nacional a responsabilidade pela demarcação das terras. Os ataques também vêm do Judiciário. No ano passado, várias terras que estavam na etapa final do processo demarcatório tiveram portarias anuladas com base em uma tese do “marco temporal”, segundo a qual os índios só teriam direito às terras ocupadas em 5 outubro de 1988, na data da promulgação da Constituição. Tal abandono se reflete em violência e morte. Segundo o Relatório “Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil” de 2014, elaborado Março e Abril de 2016
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Abril indígena pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), 138 indígenas foram assassinados em 2014, 41 a mais que no ano anterior. De acordo com informações da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), vinculada ao Ministério da Saúde, 135 indígenas cometeram suicídio em 2014, o maior número em 29 anos. A falta de políticas de assistência à saúde, por sua vez, resultou em um total de 785 mortes de crianças indígenas entre 0 e 5 anos.
A terra encantada Para o diretor do Sindicato, Rubens Nadiel, que faz parte do povo Pankararu, retirar do índio o direito à terra é negar-lhe o direito à existência. Mais do que provedora, a terra é, para eles, sagrada. É o lugar onde vivem os encantados. Nos meses de fevereiro e março, os Pankararu participaram de 40 dias de rituais, na principal festa da aldeia: a Corrida do Imbu. A festa começa com o flechamento do primeiro imbuzeiro e culmina com a saída do mestre guia. Durante todos estes dias, a comunidade passa por vários rituais de aproximação com suas divindades. Alguns deles, vestidos com os praiás – roupa produzida com caroá, representam os encantados – seres invisíveis que habitam e protegem a natureza. Rubens participa de alguns destes ritos, entre os quais a Dança do Cansanção, quando homens e mulheres dançam e se fustigam com um tipo de urtiga, como forma de purificação. “O corpo anestesia,
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Rituais Pankararu revelam relação entre os indígenas e a terra sagrada
a gente se sente leve... Nos anos em que não pude participar, por conta do banco, o meu corpo, mesmo estando longe, passava por sensações semelhantes durante o período da festa”, conta Rubens. Ele também participa da apresentação do Mestre Guia, que fecha a Corrida do Imbu. “Neste dia, só os indígenas podem participar. Vamos para um lugar sagrado e é preciso haver completo silêncio. Se houver conflito na comunidade, o mestre guia não vem. Ficamos silenciosos, concentrados e, então, ele sai, de dentro da mata, abençoa a todos e vai embora. É um momento sublime”, diz o bancário Pankararu.
Licença da Natureza Também para os Xukuru, a relação com estes seres encantados
na natureza se manifesta. Tarcísio, educador Xukuru, conta que, um dia, ele e um grupo entraram na mata para apanhar cipós, que seriam usados na escola para confecção de cestas, durante as aulas de artesanato. “A gente andou, andou... e nada de cipó. Mas todo mundo sabia que não faltava cipó na mata. Então um dos mais velhos lembrou: - A gente não pediu permissão para entrar aqui e pegar nada. Todo mundo fez a roda, cantou, dançou e, logo depois, quando olhou pra cima, estava tudo cheio de cipós”, lembra o Xukuru. Segundo ele, para entrar na mata e pegar qualquer coisa que pertença a natureza, é preciso pedir licença. “A gente, quando morre, também se encanta na natureza. Nossa terra é sagrada”, diz Tarcísio.
#meuamigosecreto
O machismo nosso de cada dia!
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o mês da Mulher, a Revista dos Bancários decidiu recuperar uma ideia surgida nas redes sociais no final do ano passado. Com a hashtag #meuamigosecreto, mulheres denunciaram os comportamentos e atitudes machistas que fazem parte de seu cotidiano. São postagens que evidenciam o drama das duplas e triplas jornadas, causadas por uma cultura que deixa para as mulheres todas as funções do espaço doméstico, enquanto lhes nega a participação em espaços de poder. São falas que evidenciam a dificuldade das mulheres em se fazer ouvir de igual para igual, que ficam claras em atitudes como as tentativas de invisibilizar ou desqualificar o discurso feminino. São textos que denunciam as piadas machistas ou atitudes que tratam a mulher como objeto de posse. Diretoras do Sindicato falaram sobre isso. Confira:
#meuamigosecreto é sindicalista, dos mais revolucionários. Mas, quando chega em casa, só quer cama, comida e roupa lavada! Suzineide Rodrigues – presidenta do Sindicato
#meuamigosecreto trabalha tanto quanto eu. Mas quando eu chego em casa, vou preparar a janta e arrumar as coisas, enquanto ele assiste televisão” Eleonora Costa – secretária de Assuntos da Mulher do Sindicato
#meuamigosecreto é uma pessoa de esquerda. Mas, um dia, disse que uma colega não tinha condições de assumir um cargo porque era mãe. Daniella Almeida #meuamigosecreto acha que a mulher é responsável pelo serviço doméstico e pela educação dos filhos e que ela não tem necessidade de trabalhar fora de casa, já que ele ganha o bastante para arcar com o sustento de todos Janaína Kunst – diretora do Sindicato #meuamigosecreto é um militante. Em tese, defende a igualdade de gêneros. Mas, quando discute com uma mulher e não tem argumentos, tenta desqualificá-la chamando-a de louca ou desequilibrada Jaqueline Mello
#meuamigosecreto insiste em contar piadas e fazer brincadeiras machistas, que deixam a mulher em lugar vulnerável. Sandra Trajano
#meuamigosecreto acha que mulher é um objeto de coleção e que pode namorar várias ao mesmo tempo, ainda que elas não sejam comunicadas da coleção. Bancária anônima
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Dicas de cultura
Vem aí a 5ª edição dos Jogos dos Bancários Agende-se: a quinta edição dos Jogos dos Bancários está prevista para acontecer no segundo final de semana de maio. Como no ano passado, as disputas acontecem em várias modalidades: natação, vôlei de areia, tênis de mesa, xadrez, sinuca, dominó, arremesso de dardo, queimado, spiriball e atletismo, com corrida rústica e de velocidade. Os Jogos serão abertos, também, aos dependentes dos bancários sindicalizados, diretores e funcionários do Sindicato, ampliando o entrosamento entre todos. Fique ligado em nosso site: www.bancariospe.org.br e nas redes sociais, para garantir sua inscrição. Todos os jogos acontecem no Clube de Campo dos Bancários, em Aldeia, e o Sindicato disponibiliza ônibus para os interessados.
Para nunca mais esquecer Duas peças, que estarão em curta temporada no Recife neste mês de abril, levam aos palcos os duros anos de repressão da ditadura militar. A peça “Soledad, a terra é fogo sob nossos pés” é encenada pela atriz pernambucana Hilda Torres. Narra a história de vida e luta política da militante Soledad Barrett Viedma, após 43 anos de seu assassinato. Dias 02 e 03, 09 e 10 de abril, no Teatro Hermilo Borba Filho: sábados, 20h e domingos, 19h. Os instantes que antecederam o golpe militar no Brasil e os primeiros momentos de repressão estruturam o espetáculo “Nem mesmo todo o oceano”, que faz temporada na Caixa Cultural. Protagonizado pelo ator Leonardo Bricio, a montagem é uma adaptação do romance homônimo do escritor, dramaturgo e pensador, Alcione Araújo. Dias 31 de março e 9 de abril, 20h.
»»Eventos recomendados HENRIQUE BRANDÃO O bancário, poeta, cantor, compositor e aboiador Henrique Brandão acaba de lançar o seu CD “Repare. O CD está no box “Canto Sertanejo”, do Mercado da Madalena. E também pode ser adquirido com o próprio Henrique pelo e-mail henriquebrandao@gmail.com.
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FERNANDO DUARTE O artista plástico, Fernando Duarte, bancário aposentado do Banco do Brasil e ex-diretor do Sindicato, estará expondo, durante o mês de abril, algumas obras inéditas no bar Caldo de Boteco, na Rua da Soledade, nº 58. O bar também oferece recitais de poesia e apresentações musicais.
Bancários de talento
A alegre musicalidade de uma Caixa Preta
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ernardo, Eliano, Henrique e Ricardo são gestores da Caixa apaixonados por música. Juntos, têm 70 anos de trabalho na Caixa. E 96 anos de dedicação à música. Recentemente, embarcaram numa nova jornada: reúnem-se para se divertir, tocando rock in roll. Os encontros são esporádicos, mas suficientes para reenergizá-los e aliviar o estresse do dia a dia. Algumas referências musicais são Beatles, Rolling Stones, Led Zeppelin, Paralamas do Sucesso, Sting, The Police, BB King, Barão Vermelho e Mutantes. “É a nossa musicoterapia”, afirma o baixista Eliano Benevides. “A nossa hora do recreio”, define o vocalista Henrique Zanchi. Por enquanto, a ideia é se encontrar num estúdio, de vez quando, depois do expediente. Alguns deles já se conheciam de outros carnavais, mas a atual formação acabou de sair do forno.
O nome mais cotado para a banda é “Caixa Preta”. “Trabalhamos todos na Caixa e não temos planos claros para a banda. É surpresa”, diz, entre risos, Ricardo Marques, que é o baterista da banda. Questionados sobre a possibilidade de fazer shows, respondem: “se pintar... pode ser”. Todos têm relações com a música desde cedo. Bernardo conta que, na adolescência, toda sexta-feira, corria para uma banca para ver as novidades das revistas de cifras. “Fiquei tão amigo do dono da banca que, quando eu não ia comprar uma revista, mas tinha gostado de algumas músicas, ele mesmo tirava xerox dessas páginas para mim”, lembra, sorrindo. Eliano começou a tocar baixo ainda criança e tem como uma das referências do início da sua trajetória o professor de música do ensino primário. Toca numa banda de jazz e acumulou décadas de dedicação música. “Música é a ascensão do espírito no estado de graça”, afirma o baixista. A avó de Henrique gosta de contar que, quando criança, ele fazia solos de guitarra em frente à televisão. “O aprendizado da música começa muito antes de pegar o instrumento. Tocar o instrumento é o meio de expressar a emoção do músico que já existia”, defende o vocalista. A tese de Ricardo, por sua vez, é que a música faz parte da alma do músico de uma forma que não é possível para ele se desvencilhar dela. “Lembro de um grupo de amigos músicos que, frustrado com o cotidiano da profissão, jogou os instrumentos no rio, pois havia decidido largar a música. No dia seguinte, estava comprando instrumentos novos. A mesma coisa ocorre com a gente. Trabalhamos como bancários, podemos até deixar a música de lado por um tempo, mas ela sempre acaba voltando para as nossas vidas”, conta. É possível entrar em contato com a banda pelo telefone de Henrique (81 99976.6075). Março e Abril de 2016
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Conheça Pernambuco
»»CUSTÓDIA
A doçura das águas de São José
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arço é mês de São José. Segundo a tradição, se chover no dia de São José, 19 de março, o ano será de fartura. Em Pernambuco, 23 cidades têm como padroeiro este santo que abençoa a agricultura. Custódia é um deles. Não à toa, a festa do santo reuniu este ano mais de 15 mil pessoas, no evento mais importante da cidade. É no período de chuvas que o município amplia suas opções de turismo. É quando a bica do Engenho Lagoinha, cujas águas cristalinas brotam na Serra do Sabá, transforma-se em deliciosas cachoeiras de até seis quedas. A Fonte do Sabá, além de ser um dos pontos turísticos mais importantes do município, guarda várias lendas e histórias. Conta-se, por exemplo, que, numa noite de inverno, uma tromba d’água soterrou, sob uma camada de granito, milhares de esmeraldas, rubis e outras pedras preciosas. Esse tesouro estaria escondido nas profundezas dessa Serra.
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Revista dos Bancários
Diz-se também que a origem do nome e a descoberta das fontes remontam ao segundo quarto do século XVIII, quando um técnico, ao olhar-se nas águas, lembrou a história da Rainha do Sabá, que ofereceu ao Rei Salomão um cântaro de água tão pura que garantiu uma aliança proveitosa entre os reinos. Durante o tempo de chuvas, não menos pródigos tornam-se o Açude Marrecas e a corredeira da Região de Cachoeira – onde os afloramentos rochosos passam a abrigar verdadeiras piscinas naturais. Outros atrativos da paisagem do município são a fonte hidromineral da Fazenda Feliciano e os mirantes da Serra da Torre e do Cruzeiro É interessante também conhecer o distrito de Quitimbu, remanescente de quilombo, com sua Igreja de Santa Rita de Cássia, datada do século XIX, e o Santuário de Nossa Senhora do Livramento, que nos meses de janeiro e fevereiro é motivo de turismo religioso. E, para adoçar a visita, vale a pena provar do doce de leite em corte, da cocada de batata de umbu ou do quebra-queixo - algumas das especialidades de uma cidade que tem a confecção de doces como parte de sua atividade econômica, representada pela Fábrica Tambaú.