Revista dos Bancários 64

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nº 64 - jan. 2017

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Meio século de trabalho para aposentadoria integral

A proposta de reforma da Previdência do Governo Temer atinge trabalhadores ao alterar as regras para concessão do benefício da aposentadoria. Apenas os militares das Forças Armadas, policiais militares e bombeiros não serão afetados pelas mudanças


Revista dos Bancários Publicação do Sindicato dos Bancários de Pernambuco

Redação Av. Manoel Borba, 564 - Boa Vista, Recife/PE - CEP 50070-00 Fone (81) 3316.4233 / 3316.4221 Site www.bancariospe.org.br Presidenta Suzineide Rodrigues Secretária de Comunicação Daniella Almeida Conselho Editorial Adeílton Filho, Cleonildo Cruz, Daniella Almeida e Suzineide Rodrigues Coordenação e supervisão Tempus Comunicação Jornalista responsável Micheline Américo Redação Beatriz Albuquerque, Camila Lima, Jonatas Campos e Wellington Correia Projeto gráfico e diagramação Bruno Lombardi - Studio Fundação Imagem de capa Cristian Newman/Unsplash Impressão CCS Gráfica Tiragem 12.000 exemplares

Sindicato filiado a

Editorial

Esperanças renovadas Um novo ano acaba de iniciar; e, com ele, renovamos as nossas esperanças em um país mais justo e democrático. Apesar das perspectivas para 2017 não serem positivas como desejávamos, precisamos nos conscientizar de que a unidade da esquerda brasileira é capaz de transformar a realidade perversa que nos foi imposta. Em 2016, os trabalhadores sofreram fortes ataques a direitos conquistados ao longo de décadas de luta. Para frear os avanços da política ultraliberal, dominada pela especulação financeira e baseada na propriedade privada, será fundamental a mobilização da população, com o apoio dos movimentos sociais e sindicais. Um dos retrocessos já anunciados é a reforma da Previdência, que é tema da matéria de capa desta edição da Revista dos Bancários. A proposta apresentada pelo governo ilegítimo Michel Temer prevê a exigência da idade mínima de 65 anos, para homens e mulheres, e 49 anos de contribuição para garantia da aposentadoria integral. A primeira edição do ano da revista também denuncia a violação dos direitos humanos da etnia Guarani-Kaiowá do Mato Grosso do Sul. A negação do direito ao território é uma das principais causas do elevado grau de insegurança alimentar verificado em três comunidades indígenas da região. Na entrevista do mês, conversamos com o cientista político italiano e ex-secretário da Confederação Italiana de Sindicatos de Trabalhadores (CISL), Alessandro Alberani, sobre os pacotes de austeridade lançados pelos governos da Itália e do Brasil e os impactos dessas medidas na vida da população. Apresentamos, no “Bancários de talento”, Fernando Duarte, artista plástico piauiense radicado em Pernambuco desde 1966. A nova fase da produção artística de Duarte tem como cerne aquarelas, gravuras e sumiês, que representam a libertação do artista de influências e pressões externas. Desejamos aos nossos leitores uma profunda reflexão sobre os temas propostos nesta edição, para que estejamos todos preparados para a construção de um ano próspero para o povo brasileiro. O Sindicato dos Bancários de Pernambuco renova, neste ano, o seu compromisso com os trabalhadores do ramo financeiro, em defesa de uma sociedade justa e solidária. Tenham todos um feliz ano novo, repleto de conquistas coletivas e realizações pessoais.

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Meio século de trabalho para aposentadoria

Reestruturação do Banco do Brasil afeta a todos Pág. 06

ENTREVISTA O cientista político Alessandro Alberani, ex-secretário Geral da Confederação Italiana de Sindicatos de Trabalhadores (CISL), fala sobre as semelhanças da crise institucional que ocorre no Brasil e na Itália

Violação dos direitos humanos ameaça a etnia Guarani-Kaiowá

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A libertação artística de Fernando Duarte Pág. 15

Juros do cheque especial e cartão de crédito batem recordes históricos. Pág. 08

Ecoturismo em Lagoa dos Gatos Pág. 16 Janeiro de 2017

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Spencer Desmond/Free images

Previdência Social

Meio século de trabalho para aposentadoria

O

s homens e mulheres brasileiros terão de trabalhar por mais tempo para conseguir a aposentadoria, caso a reforma da Previdência, lançada pelo governo ilegítimo de Michel Temer, seja aprovada no Congresso, em 2017. A proposta estabelece dois requisitos para o recebimento do benefício: a idade mínima de 65 anos para ambos os sexos e o tempo mínimo de contribuição de 25 anos. Hoje, os brasileiros podem se aposentar por idade - eles aos 65 anos e elas aos 60 anos, ambos com contribuição mínima de 15 anos - ou por tempo de contribuição, no qual os homens precisam ter contribuído por 35 anos e as

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mulheres por 30, mas sem idade mínima exigida. Pelas regras propostas, o trabalhador precisa atender aos dois critérios exigidos, idade e tempo de contribuição mínimo, para poder se aposentar com direito a apenas 76% do valor da aposentadoria. A cada ano a mais de contribuição, o trabalhador terá direito ao aumento de um ponto percentual. Na prática, para receber a aposentadoria integral (100% do valor), o brasileiro precisará contribuir por 49 anos. Um jovem que começou a trabalhar aos 22 anos, por exemplo, só poderá se aposentar integralmente aos 71 anos. Em países desenvolvidos, como Alemanha e França, é possível chegar aos 100% do benefício em 43 anos de contribuição. Além disso, a expectativa de vida ao nascer é outro fator de disparidade. Na Alemanha, por exemplo, a expectativa é de 77 anos. No Brasil, o número fica em 71,9. Se por um lado, as novas regras são defendidas pelo Governo Federal sob alegação de que são necessárias para manter a sustentabilidade das contas públicas; por outro, especialistas no assunto criticam a medida. O advogado Bruno Baptista defende que não há um deficit na Previdência. “O que está se desenhando é um grande corte sem justificativa. Em 2015, por exemplo, a Previdência fechou com um superavit de R$20 bilhões”, afirmou. Porém, o montante foi desviado para pagar outras despesas, como os juros da dívida pública da União.


Antonio Cruz/ABr

Para a presidenta do Sindicato dos Bancários de Pernambuco, Suzineide Rodrigues, a reforma da Previdência é mais uma medida do governo ultraliberal para instalação do Estado Mínimo. “Michel Temer está cortando na carne do povo para atender às expectativas do mercado financeiro”, protesta. Antes mesmo do governo ilegítimo anunciar oficialmente a proposta de reforma da Previdência, o Sindicato iniciou uma agenda de resistência e mobilização em Pernambuco. No segundo semestre de 2016, convidou especialistas em Direito Previdenciário e promoveu uma palestra sobre a ameaça que essa reforma representa para os trabalhadores. Além disso, após os detalhes da proposta serem divulgados, realizou um ato público em conjunto com movimentos sindicais e sociais. Os protestos devem ser intensificados em 2017. A reforma da Previdência vai atingir quase todos os brasileiros. Os que já recebem o benefício ou que já preenchem todos os requisitos para se aposentar pela regra atual não serão afetados. Já os homens com mais de 50 anos e as mulheres com mais de 45 anos entrarão no grupo de transição, que seguirá normas intermediárias. Apenas os militares das Forças Armadas, policiais militares e bombeiros não serão submetidos às novas regras, embora o deficit previdenciário atribuído às Forças Armadas seja estimado em 44,8% do saldo negativo, com seus integrantes representando apenas 30% dos servidores públicos.

REFORMA DA PREVIDÊNCIA COMO É HOJE

COMO PODE FICAR

Idade de aposentadoria: A soma da idade e tempo de contribuição deve ser de 85 anos para mulher e 95 anos para homens

65 anos para homens e mulheres, com regra de transição para homens com mais de 50 anos e mulheres com mais de 45 anos de idade.

Tempo mínimo de contribuição: 15 anos de contribuição

25 anos de contribuição para conseguir 76% do benefício

Aposentadoria rural: Mulheres se aposentam com 55 anos; e homens, com 60. Precisam comprovar 15 anos de trabalho no campo. Contribuem com um percentual sobre a receita bruta de sua produção

Passam a contribuir para o INSS, e se aposentam a partir dos 65 anos, com 25 anos de contribuição

Servidores públicos: Regime próprio. Parte das aposentadorias vem das contribuições dos próprios servidores; e outra parte, do governo

Fim das diferenças entre o regime de previdência geral e o público

Janeiro de 2017

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Sociedade

Flávio Coelho / Sindicato dos Bancários de Pernambuco

Reestruturação do Banco do Brasil afeta a todos

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reestruturação do Banco do Brasil (BB) agradou o mercado financeiro, com ações ordinárias liderando o ranking de altas do Índice da Bolsa de Valores de São Paulo (Ibovespa) no dia seguinte ao anúncio, mas trouxe graves prejuízos aos bancários, clientes, e população em geral, especialmente à parcela mais pobre. Além da necessidade de migração dos correntistas, as medidas de enxugamento da máquina resultam na precarização do trabalho, desqualificação do atendimento ao cliente e ameaçam o papel social da instituição. O BB é agente de fomento, por exemplo, da agricultura familiar, do crédito para os pequenos empreendedores, e também dos grandes programas sociais brasileiros. De acordo com o anúncio feito

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pelo presidente do BB, Paulo Caffarelli, a reestruturação prevê o fechamento de 402 agências, a transformação de 379 unidades em postos de atendimento, o encerramento das atividades de 31 superintendências regionais e a redução do corpo funcional, por meio da adesão a um Plano Extraordinário de Aposentadoria Incentiva (PEAI). Em outubro de 2016, o BB já havia iniciado o encerramento de outras 51 agências. Os cortes receberam o crivo do presidente ilegítimo Michel Temer. Cliente do BB há cinco anos, a assistente administrativa Olívia Tereza Pinheiro foi uma das milhares de pessoas afetadas pela reestruturação do banco. Na ocasião, o banco informou para a cliente que a mudança da conta-salário teria sido repassada automaticamente para o cadastro do seu órgão empregador. Entretanto, ao conferir o seu cadastro pessoal no local de trabalho, a funcionária pública constatou que ainda constava no registro a sua conta antiga. “Precisei retornar à agência para pegar o novo contrato e levar para o meu órgão pagador. A situação da agência estava caótica, superlotada. Esperei das 11h às 15h para conseguir o atendimento. Assim como eu, muitas pessoas se queixavam no local”, afirma. Se a situação nas agências já apresenta entraves, a perspectiva é que ao longo de 2017 a realidade para os clientes e bancários seja ainda pior. Isso porque com a adesão de 9,4 mil funcionários ao PEAI e sem previsão de concursos, a nova estrutura do BB funcionará com o quadro funcional reduzido. Atualmente, o banco possui 109.159 funcionários no país, e 18 mil faziam parte do público potencial para adesão voluntária à aposentadoria.


Flávio Coelho / Sindicato dos Bancários de Pernambuco

“As medidas de desmonte dos bancos públicos seguem o modelo ultraliberal do Governo Federal que prioriza o mercado financeiro em detrimento dos investimentos sociais e dos direitos dos trabalhadores”

Em decorrência dos com o objetivo de “ampliar o investimento no impactos da reestrutuatendimento digital”. A ração do BB, o Sindicato estratégia de ampliação dos Bancários de Perdo setor por canais tecnambuco fez uma série nológicos prevê a aberde reuniões com os funtura, ainda em 2017, cionários afetados pelas de mais 255 unidades mudanças, articulou o de atendimento, entre apoio de parlamentares escritórios e agências para a realização de uma digitais. audiência pública, apreA reorganização, sentou as reivindicações porém, não leva em da categoria para os reconsideração a granpresentantes do banco e de parcela de clientes organizou paralisações que não utiliza as node protesto na Região vas tecnologias, como Metropolitana do Recife a população de baixa e no Interior do Estado. renda e os aposentados Na avaliação da secreSandra Trajano, e pensionistas. Atualtária-Geral do Sindicato, mente, o banco tem 63 Sandra Trajano, a reessecretária-Geral do Sindicato milhões de clientes, dos truturação significa o quais apenas 9 milhões desmonte do BB. “Há operam pelo celular. três anos que o BB apresenta pacoo funcionário da unidade, Giuseppe Com a reestruturação, o plano do tes de reestruturação, sempre em Padilha, a situação ficará insustentáBB é cortar R$ 750 milhões em gasprejuízo dos funcionários, fazendo vel, pois a agência está atendendo à tos do banco, sendo R$ 450 milhões com que a vida financeira e social população de dez cidades vizinhas. com a nova estrutura organizacional deles piore. O que está ocorrendo “A agência de Arcoverde está supere R$ 300 milhões com redução de é uma onda de preparação para a lotada e estamos sobrecarregados. despesas com transporte de valores, privatização”, destaca. Não temos condições de trabalhar segurança e imóveis. Com a reestruturação do BB, a dessa forma”, denuncia. Depois do BB, a Caixa Econômica agência Acorverde, por exemplo, De acordo com informativo do Federal está ameaçada de sofrer que possui uma equipe de 22 pesBB à imprensa, as medidas previstas uma reestruturação nos mesmos soas, perderá cinco delas. Segundo na reestruturação foram tomadas moldes, a partir de 2017. A entidade pretende fechar 100 agências no país e lançar um plano de apoio à aposentadoria ou de demissão voluntária, que pode atingir cerca de 11 mil empregados. Além dos serviços bancários, os cidadãos buscam na Caixa o acesso a benefícios e direitos como FGTS, PIS e Bolsa-Família, além dos financiamentos habitacionais de baixa renda. Janeiro de 2017

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Economia

Juros bancários batem recorde histórico

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Marcos Santos/USP Imagens

O

s valores cobrados pelos bancos nas operações com cheque especial para pessoas físicas e cartões de crédito bateram recordes históricos em 2016. Em outubro, os juros do cheque especial subiram quatro pontos percentuais, atingindo o elevado índice de 328,9% ao ano. De acordo com o Banco Central, esse foi o maior registro da série histórica iniciada em julho de 1994. Em outubro de 2016, a taxa do cheque especial subiu mais de 41,9 pontos percentuais em relação a dezembro de 2015, quando estava em 287% ao ano. Já os juros médios cobrados pelos bancos no cartão de crédito rotativo, apesar de terem registrado quedas pontuais no acumulado até outubro de 2016, subiram 44,4 pontos percentuais. Esses chegaram a atingir o percentual de 475,8% ao ano, valor superior aos 431,4% ao ano registrados no fechamento de 2015. De acordo com a presidenta do Sindicato dos Bancários de Pernambuco, Suzineide Rodrigues, os bancos representam o ramo que mais lucra no país mesmo com a crise financeira. “Esse é o setor mais perverso da economia liberal, pois vive da ciranda financeira dos juros e da exploração, sem gerar a contento empregos e contribuir para o desenvolvimento social e econômico da população”, avalia.

Apesar do lucro de R$ 39,5 bilhões em 2016, os quatro maiores bancos do país cortaram mais de dez mil postos de trabalho no referido ano. Mesmo com o lucro exorbitante e precárias condições de trabalho, os banqueiros estabelecem metas cada vez maiores para seus funcionários, gerando estresse e adoecimento físico e mental para o bancário. As alíquotas do cheque especial e do cartão de crédito rotativo estão entre os mais altos do mercado. Segundo a economista e pesquisadora do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Ione Amorim, essas modalidades de empréstimos só devem ser utilizadas em situações emergenciais. “O cheque especial deve ser utilizado por um curto período de tempo. Mas, com o aumento do desemprego e a facilidade para obter esse empréstimo, vemos que o consumidor está utilizando esse recurso com frequência, inclusive, incorporando aos proventos mensais”, afirma. No caso de endividamento, a recomendação é que os clientes procurem outras linhas de crédito para evitar os encargos e solicitem a redução do limite do cheque especial para o valor mínimo. “O endividamento pode atingir um estágio crítico, pois tem um efeito exponencial. Como essa linha de crédito não tem garantias, toda a expectativa de risco reflete em tarifas elevadas”, explica. Segundo o Banco Central, a taxa média de juros cobrada pelas instituições financeiras nas operações do crédito consignado, com desconto em folha de pagamento, somou 29,5% ao ano em outubro – o que representa um aumento de 0,2 ponto percentual em relação a setembro. No ano, a taxa para o consignado subiu 0,7 ponto percentual e, em doze meses, houve um aumento de 1,5 ponto percentual. A inadimplência do crédito para pessoas físicas, em que são considerados atrasos acima de 90 dias, ficou estável em 6,2%, pelo quinto mês seguido. “Os dados oficiais não refletem todo o panorama da inadimplência, pois, apesar de o crédito consignado não constar como dívida bancária, reflete em atrasos nos pagamentos de outras contas, como aluguel, água, etc.”, avalia Amorim.


Marcello Casal Jr/ABr

Indígenas

Violação dos direitos humanos ameaça a etnia Guarani-Kaiowá

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grau de insegurança alimentar de três comunidades da etnia Guarani-Kaiowá, que habitam o Mato Grosso do Sul, atingiu o índice de 100%. Esse é o resultado do relatório internacional desenvolvido pela Rede de Informação e Ação pelo Direito a se Alimentar (FIAN Brasil), em parceria com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Para se ter um parâmetro, o índice médio geral de insegurança alimentar da população brasileira é de 22,6%. Segundo o estudo, iniciado em 2013 e concluído em 2016, o gravíssimo quadro de violação ao

direito humano à alimentação e à nutrição adequadas teve como causas a falta de proteção e promoção dos direitos ao território e à identidade cultural da etnia. A pesquisa foi realizada em 96 domicílios de três comunidades indígenas: Kurusu Ambá, Ypo’i e Guaiviry. Pelos critérios da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar e Nutricional (EBIAN), nos domicílios com insegurança alimentar grave, além dos membros adultos, as crianças também passam pela privação de alimentos, podendo chegar à sua expressão mais grave, que é a fome. Este é o caso dos Guarani-Kaiowá. Em 76% dos domicílios, a pessoa entrevistada afirmou que houve ocasião em que crianças e jovens da casa passaram um dia todo sem comer e foram dormir com fome, porque não havia comida na casa. A situação ameaça a sobrevivência da própria etnia que é parte importante da história do povo brasileiro. Atualmente, a produção de alimentos no mundo equivale ao dobro da quantidade que seria necessária para alimentar toda a sua população, mas ainda assim são cerca de 850 milhões de pessoas afetadas pela fome. Exemplos como o dos Guarani-Kaiowá indicam que sem um modelo sustentável, justo e equitativo de produção e consumo de alimentos, Janeiro de 2017

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Indígenas ou acumulação de bens, aos quais estão submetidas as propriedades e os latifúndios do Estado, atualmente destinados, em sua maioria, à produção de soja e gado de corte. Essa ‘diferença’ no modo tradicional que os indígenas têm de se relacionar com a terra se revela como um histórico obstáculo ao direito congênito e originário ao seu território”, avalia. Os Guarani-Kaiowá do Mato Grosso do Sul compõem um grupo de mais de 45 mil pessoas. Além dos que estão em centros urbanos, os demais indígenas vivem em três situações: minoria em terra demarcada; grande maioria nas reservas, onde estão os piores indicadores de violência, desnutrição e suicídio; e outra parcela está em acampamentos à beira de estrada ou em áreas de retomadas, isto é, ocupando partes de fazendas que se sobrepõem aos seus territórios tradicionais, em situação de conflito. Esses povos encontram-se cercados por monoculturas de cana e grãos

que demandam uso intensivo de agrotóxicos. Há muitas denúncias de contaminação de água e de que comunidades são, intencionalmente, alvos de pulverização de agrotóxicos. Os conflitos entre os representantes dos setores do agronegócio e as comunidades indígenas são graves, persistindo os despejos e os assassinatos de lideranças como reação à luta pelo Tekohá (termo indígena que significa o lugar onde somos). Desde o assassinato do conhecido líder Marçal de Souza, em 1983, foram mortos dezenas de líderes, sendo que alguns nunca tiveram seus corpos encontrados, como é o caso de Nísio Gomes, do Tekohá Guaiviry. Além dos líderes, centenas de índigenas foram mortos nos conflitos pela terra. Se todas as terras indígenas demandadas pelos Guarani-Kaiowá no Mato Grosso do Sul fossem demarcadas, elas representariam apenas 2% de toda a área do Estado. Na avaliação do diretor do

Marcello Casal Jr/ABr

não há garantia do exercício ao direito à alimentação e nutrição adequadas. Além do elevado grau de insegurança alimentar, outro indicador preocupante é o de desnutrição crônica, que atinge 42% das crianças com menos de 5 anos, das três comunidades que foram alvo da pesquisa. De acordo com a secretária Executiva da FIAN Brasil, Valéria Burity, a negação do direito ao território dos Guarani-Kaiowá e as graves violações que decorrem da luta pelo reconhecimento de seus territórios e demarcação de suas terras é uma das causas desses indicadores. “No Mato Grosso do Sul, são muitos os conflitos entre não indígenas e indígenas. No campo dos direitos territoriais, atualmente é acirrado o conflito entre a produção por meio de latifúndios e monoculturas e o uso do território de acordo com a cultura indígena. O uso do território indígena, pelos indígenas, não obedece aos parâmetros de produção de ‘riqueza’,

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Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr Marcelo Camargo/ABr

Sindicato dos Bancários de Pernambuco e indígena do povo Pankararu, Rubens Nadiel, grande parte dos problemas enfrentados pelos índios no Brasil passam pela disputa por terras. “A bancada do nosso Congresso é formada por grandes fazendeiros que querem usurpar as terras indígenas. Os índios morrem por inanição, sem comida. Essa realidade é cruel e muito triste”, afirma. Além da negação do direito ao território e as disputas que daí decorrem, o estudo aponta como causa dessas violações a discriminação que o povo Guarani-Kaiowá sofre. “Geralmente, as afrontas aos direitos dos povos indígenas acontecem em razão de sua identidade cultural. Tais desrespeitos abrem portas para negação de outros direitos, incluindo o direito à alimentação e à nutrição adequadas. Essas violações são históricas e estão associadas ao processo de exploração econômica de responsabilidade dos três poderes do Estado brasileiro, como procuramos evidenciar no documento”, denuncia. O respeito, proteção e promoção de direitos indígenas estão previstos no Estatudo do Índio, assim como em diversos artigos da Constituição Federal da República Brasileira e são atribuições dos governos Federal, Estadual e Municipal. A demarcação das terras é vista como uma das principais alternativas de combate a essa situação de insegurança alimentar. “Sem o direito ao seu território, eles não podem cultivar plantas, criar animais e produzir alimentos para

autoconsumo ou para produção de seus remédios naturais, tampouco podem ter mobilidade. Em vez disso, encontram-se em um ambiente hostil de discriminação, violência e preconceito e cercados por monoculturas que demandam uso intensivo de agrotóxicos e maquinário, o que empobrece o seu solo, afeta sua saúde física e mental e, consequentemente, afeta todos os seus direitos e suas

vidas”, justifica. Burity ressalta ainda que, assim como os direitos, as violações dos direitos também são interdependentes e se fortalecem. “Dessa forma, os Guarani-Kaiowá são condenados a viver distantes de sua cultura, a existir sem direitos. Ou morrem em nome dessa luta, ou vivem pagando pela ação e omissão do Estado brasileiro”, conclui. Janeiro de 2017

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Wilson Dias/Agência Brasil

Entrevista: Alessandro Alberani

“A esquerda deve retornar aos seus valores profundos, deve retornar para o meio do povo”

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Há quatro anos, a Itália aprovou a reforma trabalhista proposta pelo primeiro ministro Mario Monti. Quais foram os impactos dessa medida para os trabalhadores? A reforma do mercado de trabalho do governo Renzi definida como jobs act mudou as regras

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Arquivo pessoal

pós concluir uma temporada de intercâmbio político no Brasil, o cientista político italiano e ex-secretário geral da Confederação Italiana de Sindicatos de Trabalhadores (CISL), Alessandro Alberani, compara a realidade dos dois países no que diz respeito à crise política institucional e seus impactos para os trabalhadores.

para os trabalhadores e as empresas. Foram modificadas as normas de demissão e introduzido um mecanismo que facilita o trabalho por tempo indeterminado. A reforma procurou combinar a flexibilidade e a garantia dos direitos com um resultado com sombras e luzes. A reforma do governo Monti, ao contrário, foi negativa principalmente porque cancelou direitos sobre as aposentadorias.


No Brasil, o pacote de austeridade proposto pelo governo Michel Temer e aprovado pela Câmara Federal prevê a limitação do teto dos gastos públicos por um período de 20 anos, além de uma posterior reforma da Previdência. Na sua avaliação, essas medidas representam riscos para os trabalhadores? A política reformista deve ser olhada com atenção pelo sindicato sempre que o governo decida verdadeiramente negociar com o sindicato, coisa que não acredito que Temer queira fazer, mas mesmo com Dilma havia problemas com as relações sindicais. Acredito que há um problema de reconhecer as organizações coletivas e o papel delas. O Governo Temer já iniciou o processo de privatização de empresas estatais e está em discussão a legalização das contratações terceirizadas. A partir da experiência italiana, qual sua avaliação a respeito dos temas em questão? A privatização de empresas estatais pode ser uma opção para aumentar a eficiência e produti-

Divulgação/CISL

A reforma trabalhista foi parte de um pacote de austeridade ainda mais amplo na Itália. A contenção de gastos do governo trouxe prejuízos sociais ? As políticas de austeridade da União Europeia tiveram efeito na Itália também. A contenção das despesas públicas é uma ação compartilhada pelo sindicato desde que não passe sobre o cancelamento dos direitos de trabalhadores.

vidade. Não pode representar um tabu para o sindicato. Claro que só o diálogo social pode produzir um resultado eficaz e sem conflitos sociais. Mas, o sindicato deve ter coragem. Você esteve no Brasil nos últimos dois meses iniciando um processo de intercâmbio. Neste primeiro contato, que semelhanças e diferenças foram possíveis identificar no que diz respeito às relações de trabalho praticadas no Brasil e na Itália? O Brasil e a Itália são países muito semelhantes. Há uma crise institucional, há problemas de equidade social e a esquerda democrática está em crise. Há um problema comum de credibilidade na política e tem um risco forte de populismo. Na sua opinião, os países estão vivenciando uma ascensão da direita conservadora? Certamente a direita e especialmente o populismo estão ganhando mais espaço. Infelizmente, encontram consenso também nas

classes média-baixa e entre os trabalhadores. A esquerda deve retornar aos seus valores profundos, deve retornar para o meio do povo. Qual a maior lição que a Itália pode ofertar ao Brasil no que se refere aos direitos da classe trabalhadora? O modelo de consulta colocado em campo pelo sindicato na Itália é muito importante. Já que provocou também uma reflexão da classe dirigente da política para uma renovação, uma estrada difícil mas que está procurando percorrer. Qual é a importância da internacionalização da solidariedade entre os trabalhadores neste momento? O Papa Francisco disse que não basta a globalização da economia, mas é preciso andar em direção à globalização dos direitos e da solidariedade. Esta é a estrada: um novo modelo de desenvolvimento, uma atenção para as políticas ambientais, uma revolução cultural sobre os modelos de vida. Janeiro de 2017

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Dicas de cultura »»Espetáculo

Divulgação

»»Cinema

Divulgação

O Recife será palco do 23º Janeiro de Grandes Espetáculos, que ocorre entre os dias 19 e 23 deste mês. Foram selecionados para o evento 17 produções locais, nas áreas de teatro adulto, infantil e dança. Entre os destaques, está a estreia de Alguém Para Fugir Comigo, do Resta 1 Coletivo de Teatro, além do solo Martelada, do ator e escritor Cláudio Ferrário. Ainda na programação, Terror e Miséria no Terceiro Reich – O Delator, com direção de José Francisco Filho e atuação de Germano Haiut e Stella Maris Saldanha. Os ingressos serão vendidos a preços populares nas bilheterias dos teatros.

O premiado longa metragem Era o Hotel Cambridge estreia em fevereiro nos cinemas comerciais. O filme de criação coletiva, com direção de Eliane Caffé, narra a trajetória de um grupo de refugiados recém-chegados ao Brasil, que se une aos sem-teto e divide a ocupação em um edifício abandonado no centro de São Paulo. Na tensão diária pela ameaça do despejo, revelam-se dramas, situações cômicas e diferentes visões de mundo.

»»Astrologia

Para quem está interessado em se informar sobre as tendências do Ano Novo, no início de janeiro ocorre um dos eventos mais importantes da astrologia em Pernambuco. Trata-se do Stellium, evento criado e ministrado pelo astrólogo Eduardo Maia, que acontece initerruptamente todo dia 6 de janeiro há 35 anos. Em 2017, o tema será os “Ecos da Natureza” e vai falar sobre o “Ingresso do Planeta Saturno no Signo de Capricórnio”. O evento também homenageará o poeta Joaquim Cardozo. Serão analisados os mapas astrológicos do Brasil, do Nordeste e do Recife. Segundo Eduardo Maia, a

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Ricardo Policarpo/Virtual Imagem

Evento de Astrologia discutirá tendências de 2017

oportunidade é única. O astrólogo explica que a ciência milenar não tem relação com misticismos ou adivinhações, mostrando as “tendências do ano novo” para aplicá-las em nosso dia a dia. “Não se trata de previsões, mas de análises de ciclos astrológicos”, diz.

Na astrologia tradicional, Stellium significa uma aglomeração de planetas que se reúnem em constelação no céu. O evento acontecerá na sexta-feira, 6 de janeiro de 2017, às 20h, no Cinema São Luiz, com entrada franca. A data é uma comemoração ao dia dos Reis Magos.


Bancários de Talento Arquivo pessoal

A libertação artística de Fernando Duarte

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arte figurativa, não realista, produzida pelo artista plástico e bancário aposentado Fernando Duarte não tem mais a intenção de agradar aos espectadores. Ao contrário, busca se libertar de pressões dessa natureza e submergir no campo da sensibilidade. Nascido na cidade de Floriano, no Piauí, e radicado em Pernambuco desde 1966, Fernando Duarte realiza trabalhos em pintura, gravura, aquarela e, recentemente, passou a utilizar o nanquim para desenvolver a técnica de pintura chinesa conhecida como sumiê (caminho da tinta). O primeiro contato de Duarte com o mundo das artes ocorreu em 1976 quando, durante uma visita a amigos da cidade de Picos (PI), participou de um forte movimento artístico, chegando a vender os primeiros quadros. Apenas dez anos depois, Duarte decidiu conciliar o trabalho no banco com o ofício sistemático da pintura. “Uma das coisas que me levou a pintar desenhos não realistas ocorreu durante as reuniões da diretoria do Sindicato, na década de 1990, quando eu ficava desenhando figuras atrás dos panfletos enquanto prestava

atenção no que era discutido. Alguns desses desenhos viraram quadros”, revela o artista plástico. Após a aposentadoria, em 2014, o artista autodidata iniciou uma fase de imersão para aprimoramento das técnicas e treinamento da sua sensibilidade. Hoje, dedica cerca de 8h por dia ao que chama de “autocursos”. Até o fim do ano, a meta é produzir 700 aquarelas. Nos último seis meses, fez mais de mil sumiês, que segundo ele, são “pinturas muito rápidas, quase um ato obsceno. É possível fazer cerca de cem por dia”. A gravura, a aquarela e o sumiê, atualmente, são o centro do trabalho de Duarte. Além dos quadros, ele desenha diariamente, desde 1998, nos seus “livros de artista”. “São um diário gráfico onde desenho ideias, escrevo citações e coisas que me marcam. Sempre revisito os cadernos e descobri que faço ciclos de desenhos”, explica. A produção dos livros é hoje um acervo pessoal que conta com mais de 750 cadernos, com mais de 70 mil folhas desenhadas. As primeiras telas de Duarte retratavam figuras mais expressionistas em acrílica. Ao longo dos anos, as pinceladas mudaram. Agora, as obras do artista apresentam traços mais arredondados. “Hoje, estou num momento de aprendizado mais profundo, do sentido das cores, de dar total importância a uma linha”, afirma.

/atelier.efeduarte Janeiro de 2017

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Divulgação / Prefeitura Lagoa dos Gatos

Conheça Pernambuco

Ecoturismo em Lagoa dos Gatos

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Agreste de Pernambuco abriga belezas naturais ainda pouco conhecidas. Cercado de muito verde e água que brota das nascentes locais, o município de Lagoa dos Gatos, por exemplo, está localizado a apenas 178 km do Recife. Um dos principais atrativos turísticos do local é a Reserva Ecológica Pedra D`Anta. Localizada na Serra do Urubu, com cerca de 325 hectares, a reserva abriga espécies raras da fauna e da flora. Além das deslumbrantes paisagens montanhosas, o viajante pode se aventurar a fazer extensas trilhas. E, depois,

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Revista dos Bancários

tomar um banho na cachoeira do Catucar revigora as energias. No fim da tarde, a sugestão é subir até o Alto do Cruzeiro para apreciar o pôr do sol que banha o vale. A reserva está localizada no maior trecho de Mata Atlântica protegida do Nordeste e se destaca pela preservação de aves. São 257 espécies, 19 endêmicas, dez na lista de extinção e duas encontradas apenas no local. O nome do município tem origem na fauna local. Contam os moradores mais antigos que, no fim do século XVIII, o local onde hoje está situada a cidade era uma mata fechada, com uma lagoa na qual os “gatos de maracajá” bebiam água. Até hoje, a espécie é encontrada na região. O animal de pequeno porte possui olhos e caldas grandes e manchas espalhadas pela pelagem. Assim, a Lagoa do Maracajá torna-se o principal cartão postal da cidade. Apesar dos atrativos naturais, é no mês de fevereiro que a pacata cidade recebe um maior número de turistas. Centenas de foliões participam do Carnaval do Mateu, festa aberta ao público que conta com orquestras de frevo, blocos e shows. No centro da cidade, próximo do local onde ocorre a festividade, é possível conhecer a Igreja da Matriz, construída em 1804, o Museu da Cidade e a Casa do Artesão.


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