nº 65 - fev. 2017
ano 7
Reforma coloca em xeque direitos históricos da classe trabalhadora A proposta de reforma apresentada pelo governo Michel Temer prevê que o acordado entre empresa e empregado se sobreponha à Consolidação das Leis Trabalhistas. Ao contrário do que falseiam seus defensores, essa arapuca enfraquecerá as entidades sindicais e colocará em risco os direitos conquistados, com muito suor e sangue, pelos trabalhadores brasileiros
Revista dos Bancários Publicação do Sindicato dos Bancários de Pernambuco
Redação Av. Manoel Borba, 564 - Boa Vista, Recife/PE - CEP 50070-00 Fone (81) 3316.4233 / 3316.4221 Site www.bancariospe.org.br Presidenta Suzineide Rodrigues Secretária de Comunicação Daniella Almeida Conselho Editorial Adeílton Filho, Cleonildo Cruz, Daniella Almeida e Suzineide Rodrigues Coordenação e supervisão Tempus Comunicação Jornalista responsável Micheline Américo Redação Beatriz Albuquerque, Camila Lima e Jonatas Campos Projeto gráfico e diagramação Bruno Lombardi - Studio Fundação Imagem de capa Domínio Público/ Pixabay Impressão CCS Gráfica Tiragem 12.000 exemplares
Sindicato filiado a
/bancariospe
2
Revista dos Bancários
Editorial
Afronta à Constituição é base para todo Estado de exceção A máxima “nada está tão ruim que não possa piorar”, muito bem se aplica à gestão do ilegítimo Michel Temer. Como se não bastasse o traço negativo de importantes indicadores sociais e econômicos como desemprego e elevação do índice de inflação, as medidas implementadas pelo governo federal são de amargar. Destacam-se a reforma trabalhista que coloca patrões acima dos trabalhadores e da CLT; e a intenção de privatizar de patrimônios nacionais importantes como o Aquífero Guarani, maior manancial de água doce da América do Sul, que está sob os olhos grandes de multinacionais e cuja venda ameaça a autonomia do país e a sustentabilidade ambiental. Tais medidas que compõem o vigente regime de exceção vêm se acentuando dia após dia com afrontas à Constituição. Para analisar esse cenário de retrocessos e caos, a Revista dos Bancários traz referências renomadas como o professor da UFSC, Luiz Fernando Scheibe e a economista do Dieese, Adriana Marcolino, com o auxílio valioso da entrevista ao juiz do Trabalho e doutor em Desenvolvimento, Cidadania e Direitos Humanos, André Machado. Para além dos analistas, a sociedade aponta um caminho para frear o projeto ultraliberal em curso no país: Eleições Diretas Já! Neste mês de fevereiro, quando se festeja o carnaval, evidenciamos o Maracatu Rural que, além de se configurar como uma manifestação cultural, representa o índio guerreiro que lutou para defender suas terras contra as investidas dos colonizadores. Que essa resistência secular nos remeta às nossas origens e nos inspire em tempos tão sombrios que exigem de nós muita coragem e fé para lutar contra a escravidão de nosso povo e pelo fortalecimento da República, assim como fizeram nossos antepassados. Figuras essas retratadas na xilogravura de J.Borges, cuja exposição nos será presenteada pela Caixa Cultural nos próximos dias. Na página Bancários de Talento, apresentamos Lúcio Marques que põe a mão na massa para a felicidade dele próprio, dos familiares e amigos. A parte lúdica de nosso periódico traz ainda a Baía do Sancho, localizada no Arquipélago de Fernando de Noronha. É lá que nativos e turistas se deslumbram com as paisagens e mergulhos inesquecíveis. Um patrimônio brasileiro que merecemos todos desfrutar e que oxalá se preserve assim, apesar das investidas predatórias dos mercadores do Palácio do Planalto. Boa leitura!
Fernando Frazão/ABr
04
AQUÍFERO GUARANI A concessão de outorgas do Aquífero Guarani, maior manancial de água doce da América do Sul, para o setor privado, preocupa o renomado geólogo Luiz Fernando Scheibe MARACATU Símbolo do Carnaval pernambucano, o Maracatu Rural é tradição centenária mantida pelos pequenos agricultores do Estado
REFORMA TRABALHISTA Convenção Coletiva completa 25 anos sob ameaça da reforma trabalhista Página 6
Página 12
ENTREVISTA O juiz Regional do Trabalho e doutor em Desenvolvimento, Cidadania e Direitos Humanos pela Universidade Pablo de Olanide, Sevilha (ESP), André Machado, analisa a crise política brasileira Página 10
DIRETAS JÁ! O pedido de “Diretas Já” volta a ecoar entre os segmentos da esquerda brasileira como resposta ao projeto ultraliberal do governo Michel Temer Página 10
BANCÁRIO DE TALENTO O bancário Lúcio Marques coloca as mãos na massa Página 15
CONHEÇA PERNAMBUCO Baía do Sancho proporciona deslumbrantes paisagens e mergulhos inesquecíveis Página 16 Fevereiro de 2017
3
Venda do Aquífero Guarani ameaça soberania nacional
A
pós o governo ilegítimo de Michel Temer criar o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), em setembro de 2016, por meio da aprovação da Medida Provisória (MP) nº 727, o direito de acesso da população às riquezas do subsolo brasileiro está ameaçado. O PPI será o principal instrumento do governo para promover concessões e privatizações de bens públicos. O Aquífero Guarani, um dos maiores mananciais de água doce do planeta, é um dos patrimônios que está sob a mira das multinacionais. De acordo com o texto da MP 727, o programa é destinado à “ampliação e fortalecimento da interação entre o Estado e a iniciativa privada por meio da celebração de contratos de parceria para a execução de empreendimentos públicos de infraestrutura e de outras medidas de desestatização”. Além dos empreendimentos públicos de infraestrutura, também entram nessa lista os projetos do Programa Nacional de Desestatização (PND), instituído pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1997. No passado, a Lei que criou o PND (N° 9.494/1997) garantiu a privatização das estatais Companhia Vale do Rio Doce,
4
Revista dos Bancários
Eletropaulo e Telebrás. Depois de ficar por 13 anos sem uso, durante os governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff (ambos PT), ela foi integrada de forma explícita ao texto da MP 727. Entre os patrimônios públicos que chamam atenção do setor privado pelo seu valor, destaca-se o Aquífero Guarani, área de 1,1 milhão de quilômetros quadrados que compreende as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do país. De acordo com o professor titular emérito da Universidade Federal de Santa Cataria (UFSC) e coordenador estadual do Projeto Guarani e Serra Geral, Luiz Fernando Scheibe, é preciso compreender que a palavra aquífero sempre refere-se a uma rocha. “Essa rocha, que é um arenito, tem poros que contêm água que pode ser extraída através de um bombeamento. Essa água é extremamente importante para o abastecimento público das cidades”, explica. Localizado em quatro países que compõem a Região da Bacia do Prata - Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai -, o Aquífero Guarani tem alto valor por estar em áreas economicamente relevantes e muito habitadas. “O Aquífero Guarani tornou-se um símbolo dos aquíferos que estão espalhados pelo país. Se forem privatizados, eles podem ter as suas águas exploradas acima da capacidade de reposição”, alerta. A prática resultaria na violação do direito da população de acesso à água.
Solon Soares/Agência AL
tranquilos com absolutamente nada. A doutrina neoliberal que está pautando este governo é uma ameaça. O governo Temer, que ainda não é uma ditadura explícita, mas se encaminha para isso, poderá modificar a lei desde que haja interesse das multinacionais”, denuncia. A água do Aquífero Guarani, em quase sua totalidade, é boa para o consumo humano e, por isso, desperta o interesse do setor privado. De acordo com Scheibe, empresas como a Nestlé, Cola-Cola, Pepsi e Danone já são candidatas à exploração do aquífero para o engarrafamento de água mineral. Na avaliação do diretor do Sindicato dos Bancários de Pernambuco, Expedito Solaney, as medidas defendidas pelo governo Michel Temer colocam em risco a
soberania do país. “A retomada de uma pauta radicalmente liberal, pior do que a implementada por Fernando Henrique Cardoso, tem o intuito de vender todo o nosso patrimônio material e natural aos ianques, rifando também a soberania do país. A entrega do Aquífero Guarani é um afronta ao povo brasileiro”, afirma. Fernando Frazão/ABr
O Aquífero Guarani é protegido por diretrizes previstas no Programa Estratégico de Ação (PEA). O instrumento de planejamento de curto a longo prazos foi acordado pelos países onde o aquífero está localizado, com o objetivo de promover a gestão coordenada e sustentável das águas subterrâneas, reconhecendo e respeitando as soberanias nacionais sobre o recurso. Na avaliação do especialista, apesar do PPI não colocar em risco imediato as águas subterrâneas, é preciso estar vigilante para possíveis manobras do governo. “Hoje é necessária a outorga para exploração dos aquíferos, que é concedida por ação dos governos estaduais. Mas, depois que o Congresso modificou as leis e até a Constituição para tantos outros objetivos, não podemos estar
Fevereiro de 2017
5
Arquivo
Sociedade 1992: bancários pernambucanos em luta pela CCT
Convenção Coletiva completa 25 anos sob ameaça da reforma trabalhista
N
este 2017, quando se comemoram os 25 anos da Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) da categoria bancária, o governo ilegítimo de Michel Temer coloca em pauta a reforma trabalhista que sobrepoe o acordado sobre o legislado e, ao contrário do que é dito pelos seus defensores, enfraquece a atuação das entidades sindicais. A CCT assegura ganho real nos salários, valorização do piso, participação nos lucros, garantias relativas às questões de saúde, segurança bancária e igualdade de oportunidades. Tudo isso está ameaçado pelo Projeto de Lei nº 6787/2016. “A Convenção Coletiva tem um significado histórico especial, por
6
Revista dos Bancários
isso estamos comemorando os 25 anos desse instrumento fundamental para a unidade nacional e para as conquistas da categoria. Até hoje é uma referência para as demais por sua unidade”, afirma a presidenta do Sindicato dos Bancários de Pernambuco, Suzineide Rodrigues. O ponto mais polêmico previsto na lesiva reforma é o que permite que negociações isoladas, entre empresas e empregados ou entre setores econômicos e seus trabalhadores, se sobreponham à Consolidação das Leis Trabalhistas. Segundo o projeto, a jornada de trabalho, por exemplo, poderá ser acordada em até 220 horas mensais. Caso a proposta do governo ilegítimo seja aprovada, em toda empresa que tiver mais de 200 trabalhadores haverá a eleição de um representante dos funcionários para participar das negociações. Os candidatos não precisam ser sindicalizados. Além de retirar dos sindicatos o papel negociador, o projeto não prevê a realização de assembleias para referendar os acordos firmados entre as empresas e os representantes dos trabalhadores. Ao anunciar e defender o projeto, o governo afirmou que as “centrais sindicais” foram ouvidas. Porém, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) negaram que tenham participado de qualquer conversa a respeito do assunto com a equipe de Temer. Assim como quase todas as entidades sindicais, o Sindicato dos
Bancários de Pernambuco é contrário à aprovação da proposta. Segundo Suzineide, o governo mente descaradamente ao dizer que a reforma trabalhista fortalecerá os sindicatos. “Esse projeto é parte do golpe de um governo que não escuta as ruas, nem as entidades representativas da sociedade. Essa reforma trabalhista, do modo como está posta, cria um artifício para que os patrões possam escolher esses representantes, quando são os trabalhadores que têm o direito de fazer a escolha. O Sindicato é eleito pela base, somos escolhidos pelas nossas companheiras e companheiros de trabalho”, critica. Outro agravante é que o PL nº 6787 discorre expressamente sobre a “ultratividade” das futuras negociações. Isso significa, em linhas gerais, que as leis ou convenções e contratos coletivos anteriores podem ser revogados a qualquer momento, assim que as partes estabelecerem um novo acordo. Na avaliação da secretária-Geral do Sindicato, Sandra Trajano, a negociação por
COMO É HOJE
PROPOSTA DE REFORMA TRABALHISTA
Acordos trabalhistas não podem desrespeitar direitos previstos na CLT
Supremacia dos acordos sobre a CLT
Trabalhadores reúnem-se em categorias para negociar com as empresas do setor. Centralizados, têm mais força de mobilização e negociação. A categoria bancária, por exemplo, é composta por cerca de 500 mil trabalhadores
Negociações podem ser feitas em cada empresa. Dispersos, os trabalhadores perdem força nas negociações com os patrões. A “ultratividade” prevista na proposta permite que leis, convenções e contratos coletivos anteriores sejam revogados por meio das negociações
Sindicatos representam os trabalhadores em negociações com as empresas e celebram contratos coletivos de trabalho
O trabalhador eleito para representar os demais nas negociações em empresas com mais de 200 funcionários não precisa ser sindicalizado. Sem integrar um sindicato, o representante torna-se mais vulnerável às pressões do patrão
Contratos temporários de trabalho são de 90 dias
Ampliação do tempo de contrato temporário para 120 dias, prorrogáveis por 120 dias
Jornada padrão de 8h por dia, com o limite diário de no máximo duas horas extraordinárias
A jornada de trabalho negociada poderá ser de até 12h por dia, com limite de 220 horas mensais
empresa valida o resultado inferior ao negociado pela categoria e poderá fragmentar ainda mais a luta da classe trabalhadora. “A conquista da convenção coletiva é o nosso principal escudo durante as negociações, pois chegamos fortes à mesa com os patrões. Realizamos grandes campanhas nacionais e, assim, conquistamos os nossos direitos. Essa proposta é uma ameaça à unidade dos trabalhadores”, avalia. O PL nº 6787/16 ainda permite que o chamado trabalho temporário tenha duração de até oito meses. O argumento, escrito no projeto, é “atender à necessidade transitória de substituição de seu pessoal regular e permanente ou ao acréscimo extraordinário
de serviços”. De acordo com a economista do Departamento Intersindical de Estudos Socioeconômicos (Dieese), Adriana Marcolino - em entrevista concedida ao portal da CUT Nacional - não surgirão mais empregos com a flexibilização das leis trabalhistas. “Na maior parte do ano, o número de empregos vai mesmo é cair”, afirma. A economista acredita que, para economizar, os empresários vão contratar apenas trabalhadores temporários no momento em que a produção subir. Na maior parte do ano, eles vão manter o menor efetivo possível. “Todo o setor econômico tem períodos de pico, que não duram o ano todo. Neste momento, o empresariado vai recorrer aos temporários. No restante do ano, o emprego vai escassear”, esclarece. Fevereiro de 2017
7
Roberto Parizotti/ CUT
Política
Diretas já!
O
s p r i me i ro s mo mentos de 2017, em Brasília, foram marcados por um pedido de eleições diretas para presidente do Brasil. Responsável pela contagem regressiva para a chegada do ano, na festa realizada no Museu da República, o rapper paulistano Criolo exibiu no telão do seu show o apelo: “Diretas Já!”. A proposta que ecoa em diversos segmentos de esquerda é também defendida pelos movimentos sociais e sindicais. Trata-se de uma resposta ao golpe, iniciado com o impeachmment de Dilma Rousseff que, agora, se encaminha para a realização de eleições indiretas conduzidas pelo Congresso Nacional. A implementação do projeto ultraliberal do governo ilegíti-
8
Revista dos Bancários
mo de Michel Temer não tem oferecido esperanças ao povo brasileiro. Ao contrário, impõe de forma profunda e acelerada medidas de retrocesso. Frente a este cenário perverso, a convocação de eleições diretas garantiria ao povo o poder de escolha para o seu futuro. Apesar do Datafolha verificar que 63% dos brasileiros querem a saída imediata de Temer, os parlamentares brasileiros se negam a levar à votação a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 227 de 2016, de autoria do deputado Miro Teixeira (Rede), que autoriza as eleições diretas depois de transcorridos 50% do mandato presidencial e propõe que as novas eleições ocorram até o fim do primeiro semestre de 2018. Essa PEC altera o trecho da Constituição que estabelece novas eleições diretas somente na primeira metade do mandato – ou seja, nos dois primeiros anos – em eventual cassação do presidente e do vice. Hoje, a Constituição Federal de 1988 estabelece que o processo de escolha de um novo presidente e de seu vice ocorreria de maneira indireta, em caso de cassação dos ocupantes dos dois cargos na segunda metade do mandato, ou seja, a partir de janeiro de 2017. Nesse caso, o Congresso comandaria a eleição de dois parlamentares para preencher os postos vagos. O trâmite para aprovação da PEC 227/2016 não é simples, mas é possível. Além da votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a proposta precisa ser avaliada no mérito por uma comissão especial, em até 40 sessões, e só então iria para a Câmara e depois ao
Roberto Parizotti/ CUT
retorno aos trabalhos ocorrerá neste mês de fevereiro. Até o fechamento desta edição, o processo ainda não havia entrado em pauta. Paralelamente à ADI, tramita no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o processo que pode cassar a chapa Dilma-Temer. Ajuizada pelo PSDB, a ação acusa a chapa de suposto abuso de poder político e econômico durante as eleições de 2014 e deve ser julgada no primeiro semestre deste ano.
Resgate histórico Senado. Por isso, a mobilização popular no sentido de pressionar os deputados é fundamental. A baixa popularidade da maioria do Legislativo – imers a em denúncias de corrupção e rechaçada pela aprovação das medidas governistas sem interlocução com a sociedade – tende a ampliar a oportunidade de os movimentos construírem uma conjuntura que favoreça uma nova eleição popular. “É crucial que ainda no primeiro semestre deste ano haja muita mobilização popular. Não podemos ficar esperando novos ataques aos nossos direitos, que foram conquistados com muito suor e sangue. Precisamos voltar às ruas para exigir eleições diretas no Brasil”, defende Suzineide. O Sindicato iniciou em janeiro deste ano visitas às agências de bancos públicos para denunciar o projeto Temer, que visa a retirar os direitos sociais e
privatizar o patrimônio público. No âmbito judicial também existe a possibilidade de novas eleições diretas serem convocadas, caso Temer seja cassado pela Justiça Eleitoral. Isso porque tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5525, movida pelo procurador-Geral da República, Rodrigo Janot. A ação impugna alterações feitas em 2015 pelo Congresso no Código Eleitoral por meio da Lei nº 13.165, que estabelece que, caso o mandato presidencial seja cassado pela Justiça Eleitoral faltando menos de seis meses para o término do mandato, a eleição do novo ocupante do cargo deve ser indireta. A ADI foi distribuída para o ministro Roberto Barroso, que já formulou parecer sobre o caso, mas ainda não se manifestou publicamente. Como o Supremo estava em recesso, o
No dia 5 de janeiro de 1984, o PT organizou um comício em Olinda, por meio do qual ergueu a bandeira das Eleições Diretas em Pernambuco. O movimento se espalhou por Curitiba, Porto Alegre, Camboriú e Salvador. Em todos os lugares, dezenas de milhares de pessoas se reuniam e gritavam em coro o mesmo hino: “um, dois, três,/ quatro, cinco, mil/ queremos eleger/ o presidente do Brasil!”. No dia 25 de janeiro daquele ano, cerca de 200 mil pessoas se reuniram na Praça da Sé, em São Paulo, para apoiar um comício organizado por líderes oposicionistas que reivindicava a realização de Eleições Diretas. Lula, Ulysses Guimarães, Brizola e Franco Montoro compareceram. Em abril, a sessão da Câmara dos Deputados responsável por votar a emenda das “Diretas Já”, proposta pelo ex-deputado Dante de Oliveira, foi concluída sem a quantidade de votos necessários para a sua aprovação. Apesar do resultado, a campanha foi triunfante nas ruas e virou um marco da história política do país.
Fevereiro de 2017
9
“Precisamos refundar e reinventar a República”
O
juiz do Trabalho da 6ª Região e doutor em Desenvolvimento, Cidadania e Direitos Humanos pela Universidade Pablo de Olanide, Sevilha (ESP), André Machado, analisa a crise política brasileira “sem espaços para soluções minimalistas”. Após menos de seis meses de governo do presidente Michel Temer, fala-se sobre a cassação da chapa Dilma-Temer, que culminaria na realização de eleições indiretas. A escolha de um novo presidente pelo Congresso Nacional solucionaria ou aprofundaria ainda mais a crise política e econômica no Brasil? A solução ideal seria a anulação do processo de impeachment e o retorno da presidenta Dilma. Só dessa forma seria possível restaurar a democracia que foi desconstruída por um golpe parlamentar-midiático-judicial. Entretanto, essa alternativa passa, necessariamente, pelo crivo do Supremo Tribunal Federal, que atuou, e vem atuando, como principal protagonista do golpe de 2016. O mal menor parece ser cada vez mais a construção da luta pelas Diretas Já.
10
Revista dos Bancários
Eleições diretas confeririam ao novo presidente a legitimidade necessária para contornar os problemas políticos e econômicos que afligem o país. Mas não só. A estrutura político-jurídica que se inaugurou com a promulgação da Constituição de 1988 se encontra completamente desfigurada, daí porque deveríamos pensar na possibilidade de convocar uma Assembleia Nacional Constituinte. Não há mais espaços para soluções minimalistas. Precisamos refundar e reinventar a República. Temer anunciou uma série de medidas - como a PEC 55 e a proposta de reforma da Previdência - que, segundo o governo, tem por objetivo impulsionar a economia do país. Há como sair da crise econômica sem resolver a crise política? A PEC 55 foi o tiro de misericórdia na Constituição de 1988, que deixou de ser uma constituição dirigente, ou seja, a favor do Estado de Bem-estar Social. Agora, temos uma constituição preocupada com ajuste fiscal. A PEC 55 congela os investimentos em políticas públicas compensatórias por 20 anos, retirando qualquer perspectiva política de superação dos principais problemas do país, que são a educação e a saúde. No meu modo de entender, a PEC 55 é inconstitucional porque viola todos os tratados internacionais que versam sobre direitos humanos. O arrocho fiscal e salarial não é solução para os problemas econômicos do Brasil. O governo golpista quer retomar políticas econômicas adotadas nos anos 90 que se mostraram completamente equivocadas - fato, inclusive, reconhecido pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). O Brasil está na contramão da história, a caminho da barbárie - o que é possível constatar com a queda dos índices de qualidade de vida. No apagar das luzes de 2016, foi regulamentada a Lei de Responsabilidade das Estatais, com a promessa do fim da corrupção. Como o senhor avalia essa lei?
Arquivo pessoal
Entrevista: André Machado
A Lei 13.303/16 é uma ode à tecnocracia e à prevalência do mercado sobre políticas de investimento público em setores desinteressantes para o capital. Prevalece a lógica de que o mercado é que deve ditar quais as prioridades para o investimento do governo em setores sociais. A reforma trabalhista é a mais recente medida defendida pelo governo Temer. Essa flexibilização da legislação representa riscos para a classe trabalhadora? A reforma trabalhista é o outro pilar do projeto golpista. A essência da reforma é fazer com que o negociado prevaleça sobre o legislado. Ocorre que a proposta é diferente dos mecanismos que já são adotados pelos instrumentos estatais de composição dos conflitos trabalhistas. Por intermédio desses instrumentos, o negociado sempre prevaleceu sobre o legislado, mas com a diferença que a priorização do negociado deve resultar em condição mais favorável ao trabalhador. O que o governo golpista pretende que as entidades representativas de patrões e trabalhadores possam ajustar normas que resultem prejudiciais aos trabalhadores. Num contexto em que as empresas não são obrigadas a exibir sua situação financeira e a demissão pode se concretizar sem qualquer justificativa por parte do empregador, falar em negociação justa é uma piada. Os trabalhadores sempre comparecerão à mesa de negociação com um só objetivo: preservar os empregos, sacrificando melhorias nas condições de trabalho. A reforma
"A reforma trabalhista é o outro pilar do projeto golpista." André Machado
previdenciária também é outro soco no estômago do trabalhador. Torna a aposentadoria decente quase inacessível. Aliado aos mecanismos de Desvinculação das Receitas da União (DRU), o governo perversamente utiliza os recursos da previdência para pagamento de juros, fortalecendo o rentismo internacional. O Ministério Público tem cumprido o seu papel de defensor dos interesses sociais e do regime democrático? O Ministério Público ganhou uma nova configuração com a Constituição de 1988, deixando de ser um órgão acoplado ao governo para ser um poderoso instrumento de consolidação da cidadania. Ultimamente, a partidarização do sistema de Justiça Penal Federal tem desvirtuado profundamente esse papel de defensor da cidadania. O que se tem visto é que o combate à corrupção visa à criminalização de uma legenda partidária e à perseguição de personagens desagradáveis ao establishment. Qual o impacto da eleição de Donald Trump como presidente
dos Estados Unidos na geopolítica internacional? Num texto recente, a feminista norte-americana Nancy Fraser afirmou que a eleição de Donald Trump significa um colapso para a hegemonia neoliberal. Eu diria que esse colapso se dá pelo campo da direita nacionalista e fascista. O questionamento das medidas neoliberais já vinha ocorrendo, desde o final dos anos 90, na América Latina, pelo campo da esquerda, com a eleição de políticos cujas plataformas não mantinham qualquer compromisso com a agenda neoliberal, como foram os casos de Hugo Chaves, Rafael Correa, Evo Morales, Lula, Cristina Kirchner etc. A desconstituição do neoliberalismo pela via da extrema-direita nacionalista pode significar o fortalecimento de um cenário de grandes conflitos mundiais. Considerando os cenários políticos nacional e internacional, o que podemos esperar de 2017? Em nível regional, é possível que em 2017 sejamos testemunhas do desgaste das políticas antineoliberais inauguradas com os governos progressistas eleitos a partir do final dos anos 90. Se houver um alinhamento com a guinada à direita que vem se dando em nível global, não será nenhuma surpresa o fortalecimento de projetos autoritários e antidemocráticos. Caberá aos partidos de esquerda e aos movimentos sociais progressistas ampliar o leque de alianças e continuar firme no trabalho de construção de propostas contra-hegemônicas. Fevereiro de 2017
11
Jan Ribeiro/ Prefeitura de Olinda
Carnaval
Trabalhadores do campo mantêm tradição do Maracatu Rural
M
ãos calejadas e rostos queimados pelo sol extenuante que atinge os canaviais. As duras marcas adquiridas no trabalho do corte da cana, por vezes, ficam escondidas sob a exuberante indumentária do “Caboclo de Lança”, personagem central do Maracatu Rural. A tradicional manifestação popular, característica da Zona da Mata de Pernambuco, é hoje um dos símbolos do carnaval do Estado, celebrado neste mês de fevereiro. O Maracatu Rural, também conhecido como Maracatu de Baque Solto, foi criado há mais de 100 anos por agricultores e cortadores de cana da Mata Norte, região composta por municípios como Carpina, Aliança, Goiana e
12
Revista dos Bancários
Nazaré da Mata. Ainda hoje, a área abriga cerca de 130 grupos ativos, que somam mais de 13 mil integrantes. De acordo com o professor doutor do Departamento de História da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Severino Vicente da Silva, inicialmente os grupos de Maracatu Rural não eram bem vistos pelos habitantes dos vilarejos e das cidades. As autoridades locais, inclusive, não permitiam a presença dos caboclos, o que provocou muitos confrontos no passado. “Só nos anos de 1980, um acordo firmado por 13 líderes de maracatu, criando a Associação dos Maracatus de Baque Solto da Mata Norte, é que garantiu um ambiente pacífico na apresentação dessas agremiações”, afirma. Segundo o historiador, esse folguedo popular é a expressão do desejo de afirmação de um povo que, com o fim da escravidão e a proclamação da República, tornou-se livre. “Sair dos sítios, chegar em um povoado e dançar sem a permissão da autoridade local demonstra o desejo de ser visto e de ser parte da sociedade que rejeitara seus antepassados”, analisa. “Essa dança é marcada por passos rápidos, como os de uma tribo em marcha, em direção a uma guerra”, completa. Durante os desfiles, uma pequena orquestra com uma caixa de guerra, um bombo e uma gaita acompanha a apresentação. Antes de iniciar a jornada do período de carnaval, boa parte dos caboclos se prepara espiritualmente em casas de culto da Jurema, árvore
Jan Ribeiro/ Prefeitura de Olinda
considerada sagrada pelos povos indígenas. Como símbolo dessa relação com a religião herdada dos “índios primeiros”, muitos carregam um cravo na boca quando saem em suas batalhas. A indumentária do caboclo, que pesa cerca de 25 kg, é confeccionada pelos próprios trabalhadores do campo e representa o índio guerreiro que lutou para defender suas terras dos europeus. As cores predominantes são o vermelho e o amarelo, presentes nas golas bordadas com lantejoulas, nas cabeleiras e nas lanças. Ao longo dos anos, a roupa e a composição do Maracatu Rural sofreram mudanças para atender às demandas externas.
Se no passado foram inseridos um rei e uma rainha para atender à definição de Maracatu estabelecida pelo jornalista e intelectual Mario Melo, durante o Estado Novo, hoje a elite econômica, artística e cultural faz novas imposições. “Eles (os caboclos) estão atendendo às exigências da Empresa de Turismo de Pernambuco (Empetur), que lhe pede o uso de cabeleiras à Luiz XV, para que o desfile fique parecendo com o que ocorre na Sapucaí, no Rio de Janeiro. É que as elites locais são neocolonizadas culturalmente. E esta é mais uma etapa da história do Brasil”, critica Severino Vicente.
Na avaliação do pesquisador, toda tradição precisa se renovar e se adaptar às mudanças sociais e econômicas, caso contrário morre. Entretanto, ele alerta que esse processo de adaptação não deve extrapolar os limites das bases culturais. “O grande perigo do Maracatu Rural é também seu aliado. O governo que o ajuda, ao mesmo o tempo o mata para atender os desejos dos turistas, ou o que julga ser o desejo dele”, conclui. Assim, são nos rostos jovens que se misturam aos já castigados pelo tempo que estão depositadas as esperanças para que, no futuro, o Maracatu de Baque Solto resista e mantenha a sua essência viva. Fevereiro de 2017
13
Dicas de cultura J.Borges / Reprodução
»»Exposição
Para celebrar o legado de um dos maiores mestres das artes plásticas pernambucanas, a Caixa Cultural do Recife realiza até o dia 12 de fevereiro a exposição “J. Borges 80 anos”. Com curadoria de José Carlos Viana e Marcelle
Farias, a retrospectiva reúne 30 xilogravuras e suas matrizes, sendo dez inéditas. A exposição reserva também um lugar especial para a poesia popular com um espaço dedicado à literatura de cordel. Cordelista há mais de 50 anos,
os versos de J. Borges tratam do cotidiano do Agreste, acontecimentos políticos, fatos lendários, folclóricos e pitorescos da vida. A entrada é gratuita, e a visita pode ser feita de terça a sábado, das 10h às 20h; domingo, das 10h às 17h.
»»Carnaval 2017
O Baile Vermelho e Amarelo do Grêmio Lítero Recreativo Cultural Misto Carnavalesco Eu Acho é Pouco será realizado no dia 4 de fevereiro, às 16h, em Olinda. Criado em 1977, nas ladeiras de Olinda, a agremiação busca reunir foliões e amigos que compartilham os ideais políticos de esquerda e a vontade de brincar Carnaval de forma alegre, criativa e democrática. Até hoje, o bloco desfila vestido das cores vermelha e amarela e levando com orgulho o estandarte de um dragão chinês gigante, símbolo do Eu Acho É Pouco.
14
Revista dos Bancários
Jan Ribeiro/ Prefeitura de Olinda
Baile vermelho e amarelo
Lúcio Marques/ acervo pessoal
Bancários de Talento
Mãos na massa
O
s aromas e sabores da infância despertaram no bancário Lúcio Marques o desejo de se dedicar à gastronomia. O que antes era uma brincadeira de criança, tornou-se parte fundamental da vida de Lúcio, que produz pizzas e pães artesanais nos seus horários livres. Os ensinamentos básicos para ser um bom cozinheiro foram aprendidos com a avó Claudete Marques. Mas, o jovem sempre impressionava recriando os pratos da família. Além de gostar de comer os quitutes da avó, ele tinha interesse em entender como o alimento era preparado. “Estava sempre atento a como minha avó cozinhava. A minha família é muito grande, e nós sempre nos reuníamos em tor-
no da mesa. Acho que a alegria que a comida nos proporcionava foi o meu maior incentivo”, lembra. Durante a adolescência, Lúcio começou a testar as suas próprias receitas. Assim que aprendia a fazer algo novo, ele preparava no dia seguinte para a sua mãe. “Acordava-a com um café da manhã diferente ou me encarregava de fazer o almoço. Ela ficava muito entusiasmada com a minha evolução na cozinha”, recorda. Foi neste momento que Lúcio descobriu que cozinhar era uma troca, na qual ele entregava dedicação e amor no preparo e recebia a gratidão daqueles que se alimentavam. Há nove anos, Lúcio iniciou carreira como bancário. Hoje, atua na agência Derby do Bradesco e é estudante de administração. Nos fins de semana, não abre mão de ir à cozinha preparar as massas. “Eu tenho uma paixão pela exatidão da química que envolve o preparo dos alimentos. É com misturas precisas que consigo bons resultados. Quem não gosta de um pão bem crocante por fora e macio por dentro?”, indaga. Lúcio conquistou o sonho de se tornar um bancário. Agora, sonha em abrir uma panificadora. Ele acredita que existem semelhanças entre os dois ofícios. “Eu percebo que o empenho e a dedicação ao cliente é o ponto de convergência entre as duas áreas, a gastronomia e o ramo financeiro”, afirma. Fevereiro de 2017
15
Divulgação/ Sec. Turismo de Pernambuco
Conheça Pernambuco
Um pedaço do paraíso
C
om o título de Mais Bela Praia do Brasil por três anos consecutivos, a Baía do Sancho revela aos seus visitantes deslumbrantes paisagens e mergulhos inesquecíveis. A praia integra o arquipélago de Fernando de Noronha, localizado a 545 Km de Recife, e está situada em uma pequena enseada. Para ter acesso à ilha paradisíaca é necessário comprar um ingresso - custa R$ 99 para brasileiros e R$198 para estrangeiros - , válido por dez dias, que dá acesso às praias do Parque Nacional Marinho, como as do Sancho, do Sueste e a Baía dos Golfinhos.
16
Revista dos Bancários
Na entrada da praia, a vista do mirante dá as boas-vindas. O mar azul e uma grande falésia compõem a paisagem. Para chegar até a faixa de areia, é preciso descer uma escadaria encrostada em uma estreita fenda rochosa. Enquanto em terra é possível encontrar ninhos de atobás no topo das árvores e pequenos lagartos nas pedras mais baixas, é no fundo do mar que estão reservadas as maiores belezas naturais do Sancho. As águas transparentes com visibilidade de até 50 metros e temperatura de 26ºC são um convite para o mergulho. Debaixo d`água, encontramos ainda mais vida. São tartarugas, peixes ornamentais, corais e, inclusive, tubarões. No fim da tarde, o espetacular pôr do sol visto do Mirante do Forte Boldró é imperdível. O céu transforma-se em uma belíssima tela, com cores surpreendentes. Na ilha você ainda pode conhecer a Cacimba do Padre, uma das melhores praias para a prática de surfe, sobretudo, de dezembro a março. Na Baía dos Porcos, o mergulho é a pedida, com piscinas naturais em dias de maré baixa. Também para mergulho, a praia do Sueste é onde as tartarugas se alimentam. Atalaia aguarda o banhista com piscinas naturais de águas rasas e transparentes.