Revista dos Bancários 71 - Jan. a Abr 2018

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nº 71 - jan. - abr. 2018

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Intervenção militar no Rio

não garante segurança


Revista dos Bancários Publicação do Sindicato dos Bancários de Pernambuco

Redação Av. Manoel Borba, 564 - Boa Vista, Recife/PE - CEP 50070-000 Fones (81) 3316.4233 / 3316.4221 Site www.bancariospe.org.br Presidenta Suzineide Rodrigues Secretário de Comunicação Epaminondas Neto Conselho Editorial Adeílton Filho, Cleonildo Cruz, Epaminondas Neto, Jonatas Campos, Micheline Américo e Suzineide Rodrigues Coordenação e supervisão Tempus Comunicação Jornalista responsável Micheline Américo Redação Beatriz Albuquerque e Brunno Porto Projeto gráfico e diagramação Bruno Lombardi - Studio Fundação Imagem de capa Montagem com as fotos de Mídia Ninja e Tânia Rêgo/Agência Brasil Impressão CCS Gráfica Tiragem 12.000 exemplares

Sindicato filiado à

/bancariospe

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Revista dos Bancários

Editorial

Intervenção militar é reversa da paz Iniciamos 2018 vencendo uma batalha contra a reforma da Previdência. Contudo, estamos diante de novos desafios que exigirão de nós capacidade de organização e muita resistência para garantirmos o estado democrático de direito e de bem-estar social. A intervenção militar no Rio de Janeiro é mais uma medida esdrúxula que requer coragem e mobilização das forças vivas da sociedade para barrar esse projeto-piloto de militarização do País. A execução da mulher, negra, moradora de periferia e vereadora, Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, dá o tom da política de segurança intervencionista. É um grosseiro engano achar que as Forças Armadas vão proteger a população da violência e da criminalidade. Grosso modo, o Exército é treinado para a guerra e não para a segurança pública. É sabido que o crime organizado é um ator da violência que enorme mal causa para a sociedade, cujo avanço está diretamente relacionado com à corrupção de agentes públicos de segurança, com políticos delinquentes por eles financiados e com total ausência do Estado como promotor das políticas sociais. Esses três pilares da criminalidade brasileira nunca foram seriamente enfrentados e não temos esperança de que a partir de agora serão. Isso porque o Exército não está enfrentando os chefes das quadrilhas, mas tão somente acuando a população pobre e negra das favelas. Mesmo que estivesse, não seria suficientemente competente para cortar o mal pela raiz porque o problema está fincado na desigualdade social. Se, de fato, esse desgoverno desejasse, minimamente, mitigar a violência no País, não teria mutilado os investimentos em educação, saúde e assistência social por 20 anos. Essa medida popularesca, sim, é um crime de enormes proporções que acentua a pobreza, lançando diariamente nossa juventude no colo dos traficantes e dos demais chefes do crime organizado. Um ato leviano que humilha um pai e uma mãe de família colocados diante da fome e da falta de perspectivas de seus filhos. Lutar para transformar essa condição é o mínimo que podemos fazer se realmente desejarmos uma nação justa e pacífica. De outro modo, não haverá paz nem justiça! Suzineide Rodrigues Presidenta do Sindicato dos Bancários de Pernambuco


Bancos implementam ilegalmente reforma trabalhista

ENTREVISTA - CARLOS VERAS

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Mídia Ninja

“Quem deve à Previdência não são os trabalhadores”

Pais devem acompanhar o acesso de crianças à internet p. 10

Assassinato de Marielle faz ecoar vozes da favela contra a intervenção militar

8 Beto Nery/Acervo

Bárbara de Alencar: protagonismo feminino na Revolução de 1817

Dicas de cultura p. 14

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BANCÁRIO DE TALENTO

Beto Nery completa 34 anos de carreira artística p. 15

CONHEÇA O NE

Chapada Diamantina oferece novos roteiros turísticos p. 16 Janeiro a Abril de 2018

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Campanha “Homologação Segura É no Sindicato” alerta bancários sobre riscos

Homologação Segura É no Sindicato

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reforma trabalhista impactou duramente os bancários neste primeiro trimestre de 2018. Desrespeitando a Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) da categoria, o Santander e o Banco do Brasil informam aos funcionários demitidos que as homologações não serão mais realizadas no Sindicato. A medida está sendo combatida pela entidade, que evitou perdas nos casos denunciados. Além de confrontar diretamente a direção dos bancos sobre o descumprimento do acordo, o Sindicato dos Bancários de Pernambuco

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lançou em março a campanha “Homologação Segura é no Sindicato”. A ação objetiva alertar os bancários sobre a falta de segurança jurídica que permeia a realização de um ato de rescisão fora da entidade sindical. Ao entrar em vigor em novembro de 2017, a reforma trabalhista desobrigou as empresas de homologarem as demissões no Sindicato, reduzindo o papel de fiscalizador dos direitos dos trabalhadores exercido há décadas pelas entidades. Entretanto, os bancários de todo o País têm esse direito garantido pelo acordo coletivo até 31 de agosto deste ano. “A reforma trabalhista cria um ambiente permissivo aos ataques contra as trabalhadoras e os trabalhadores. Mas, não vamos nos deixar abater por uma lei escravagista que beneficia descaradamente os patrões. Temos uma organização forte e preparada para defender os direitos dos bancários e iremos lutar duramente contra os retrocessos reformistas”, garante a presidenta do Sindicato, Suzineide Rodrigues. Um dos casos de irregularidade verificados pelo Sindicato é o da funcionária, do Santander – Shopping Recife, Regina Célia Cavalcanti. A documentação apresentada pelo banco, além de não respeitar a dupla estabili-


dade da funcionária, por tempo de serviço e por doença ocupacional, não garantia o pagamento correto das verbas rescisórias. No dia e local agendado pelo banco para a conclusão do processo de demissão, o Sindicato realizou um ato, e representantes da assessoria jurídica da entidade acompanharam a bancária. Para surpresa da entidade, a gestora do banco não tinha sido preparada para dar prosseguimento ao desligamento e a documentação necessária sequer foi apresentada. “Tenho 32 anos dedicados ao banco e recebi uma carta de demissão. O alerta que eu faço aos colegas bancários é que sempre procurem o Sindicato para garantir os seus direitos”, aconselha Ana Célia. De acordo com o histórico da Secretaria de Assuntos Jurídicos do Sindicato, não é incomum que as rescisões apresentem equívocos, como o não pagamento de horas extras e equiparação salarial, por exemplo. Nesses casos, o Sindi-

cato faz ressalva nos documentos informando os direitos que não estão contemplados para que sejam garantidos ao trabalhador. “Em razão da reforma trabalhista, os bancos estão aproveitando para demitir, ilegalmente, funcionários com estabilidade e adoecidos, além de não pagar corretamente as verbas devidas. Nosso foco é a defesa do emprego, e não vamos deixar o bancário sozinho em um momento tão difícil. Desde já, orientamos que, em caso de desligamento, procure imediatamente o Sindicato para garantir a segurança jurídica e não assine nenhum documento no banco nem realize exame médico demissional”, orienta o secretário de Assuntos Jurídicos, João Rufino. As mudanças na legislação trabalhista afetam não apenas os bancários, mas toda classe trabalhadora. Conforme apurado pelo Portal CUT, nos três primeiros meses de vigência da Lei 13.467/2017, a classe patronal buscou soluções não convencionais para encerrar

as relações trabalhistas. A mais recorrente até agora é realizar a homologação em cartórios que oferecem o serviço por meio de escrituras públicas e que podem ser emitidas via correio eletrônico, sem a necessidade da presença física do trabalhador. Também já existem registros da criação de centro de demissões, com advogados atuando em favor do empregador. Além da temida negociação direta entre empregado e empregador que, em geral, coloca o funcionário em situação de constrangimento. “Apesar dos lucros exorbitantes, os bancos continuam demitindo. Continuaremos lutando por mais contratações e contra essas demissões. O momento da rescisão contratual é muito marcante na vida do trabalhador. É o rompimento de um vínculo que, muitas vezes, perdura há anos. Por isso, precisa ser revestido de segurança para a parte mais frágil da relação que é o trabalhador”, conclui Suzineide Rodrigues. Janeiro a Abril de 2018

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Entrevista: Carlos Veras

“Quem deve à Previdência não são os trabalhadores”

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arlos Veras é trabalhador rural e presidente da Central Única dos Trabalhadores de Pernambuco (CUT-PE). Ele denuncia a falácia recorrente acerca do deficit da Previdência e destaca que o povo precisa se manter alerta e mobilizado. A PEC 287/2016 - da reforma da Previdência foi suspensa da pauta do Congresso. Isso significa que os trabalhadores venceram essa batalha? A ação organizada por meio das centrais sindicais - principalmente da CUT, que aqui em Pernambuco, com a Fetape, os bancários, os servidores públicos estaduais e federais - em visitar todas as bases dos deputados federais, em fazer mais de 150 audiências públicas no Estado, tem impedido que o desgoverno de Temer obtenha maioria para aprovar a reforma da Previdência. A suspensão da pauta da reforma da Previdência no Congresso Nacional é uma vitória das ruas, das centrais sindicais, dos sindicatos, dos trabalhadores e das trabalhadoras. Apesar disso, não podemos confiar em um governo golpista e ilegítimo, que pode suspender a intervenção no Rio de Janeiro (RJ) e votar a PEC 287 na primeira oportunidade.

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Na semana em que seria votada a reforma da Previdência, as três maiores revistas semanais do País (Veja, Época e Istoé) foram publicadas com uma capa com propaganda do governo federal em defesa da aprovação da PEC 287. Como você avalia o papel da grande mídia nesse processo? A grande mídia neste País tem prestado um desserviço à população, inclusive com recursos públicos, porque o que pagou a esses veículos de comunicação foram recursos públicos, recursos dos trabalhadores para mentir e enganar, mas a população está esclarecida, sabe o significado dessa reforma da Previdência. Historicamente, os grandes meios de comunicação sempre estiveram a serviço do capital e das grandes empresas e também para implementar no Brasil um projeto neoliberal. Interessa às grandes empresas essa reforma porque elas, inclusive, são as maiores devedoras da Previdência e quanto mais precarizar as relações de trabalho, quanto mais deixar os trabalhadores carentes, mais vulneráveis eles se tornam. A grande mídia tem tentado manipular a sociedade, mas com a reforma da Previdência, não teve sucesso, porque, através dos nossos meios de comunicação populares e das mídias sociais nós conseguimos reverter esse debate na sociedade.


O argumento principal do governo ao defender a reforma da Previdência é um suposto “deficit”. O rombo previdenciário é um engodo? É uma grande farsa. Eles utilizam apenas um índice, que é o de arrecadação e de pagamento da Previdência. Ela faz parte do eixo da seguridade social e tem várias fontes de arrecadação, não é só a contribuição direta dos trabalhadores. Em 2015, por exemplo, sobraram 15 milhões de reais nos cofres da seguridade social. Quem deve à Previdência não são os trabalhadores, porque já é recolhido direto no seu contracheque. Quem deve à Previdência são os bancos, as grandes empresas, os empresários, que recolhem a contribuição previdenciária dos trabalhadores e não repassam para o fundo. Então, o que nós precisamos fazer é combater a sonegação e cobrar as grandes dívidas. A Previdência pública é a maior fonte de distribuição de renda do mundo, então, nós não podemos aceitar que façam essa reforma para penalizar os trabalhadores e trabalhadoras e impedir que eles tenham direito à sua aposentadoria e com a finalidade de privilegiar os banqueiros, porque passando uma reforma como essa, a grande maioria da população brasileira vai ter que procurar os bancos para fazer previdência privada. A reforma da Previdência é mais perversa com as mulheres e com a população de baixa renda? Com as mulheres, com a juventude, com o povo negro, com os assalariados rurais que só trabalham seis meses por ano. Então, em vez de 40

anos de contribuição, eles vão ter que contribuir 80 anos e só vão se aposentar com mais de 90 anos. Ela prejudica o conjunto dos trabalhadores, aqueles que mais precisam, que já trabalham muito e ganham pouco. Todos os segmentos dos trabalhadores serão prejudicados: bancários, metalúrgicos, servidores públicos, trabalhadores rurais, assalariados rurais, quer sejam da iniciativa privada e do serviço público, quer sejam do campo e da cidade. Serão penalizados porque não vão conseguir ter o tempo de

“Diante da contaminação dessas instituições que estão validando os ataques à Constituição, a luz no fim do túnel teremos nós mesmos que acender com muita resistência e luta.” serviço determinado nem a idade mínima para conseguir aposentar-se, vão morrer de trabalhar e não vão conseguir aposentar-se. A estratégia de unificação dos movimentos sindical e social na Frente Brasil Popular tem conquistado resultados positivos? As nossas grandes mobilizações e atos são frutos dessa unidade da classe trabalhadora, dos movimentos sociais por meio da Frente Brasil Popular. Essa frente nos permite

construir ações unificadas entre todos os segmentos, tanto aqueles organizados nos sindicatos, como aqueles organizados nos movimentos sociais. Os bancários de Pernambuco por exemplo, vêm tendo uma participação decisiva em todas as mobilizações desde o processo de articulação contra o golpe que retirou a presidenta Dilma. Hoje há uma tentativa de desmonte das empresas públicas, como a Caixa , o Banco do Brasil e o Banco do Nordeste. A reforma Trabalhista nos bancos privados, vem reduzindo os salários, com a tentativa de fazer a homologação dentro dos bancos. O Sindicato dos Bancários de Pernambuco é uma instituição que faz a verdadeira luta de classes, que não luta apenas pela pauta específica. Existe uma luz no fim do túnel para o povo brasileiro? O golpe está sendo executado com apoio de setores majoritários dos Poderes Legislativo e Judiciário. Diante da contaminação dessas instituições que estão validando os ataques à Constituição, nossa luz no fim do túnel teremos nós mesmos que acender com muita resistência e luta. Não podemos cruzar os braços e assistir os nossos direitos serem esmagados. Não vamos mudar o Brasil com uma “live”. Precisamos, de fato ocupar as ruas olhando nos olhos das pessoas, despertá-las para o que está acontecendo com o nosso País. As urnas, também, podem constituir-se como ferramentas de luta por meio da qual podemos extirpar os inimigos do povo das assembleias, do Congresso Nacional e de governos estaduais e federal. Janeiro a Abril de 2018

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Mídia Ninja

Marielle, presente!

Assassinato de Marielle faz ecoar vozes da favela contra a intervenção militar

Quantos mais vão precisar morrer para que essa guerra acabe?”, twittou Marielle Franco, um dia antes de sua execução. A vereadora da Câmara do Rio de Janeiro – mulher negra, cria da Maré e defensora dos Direitos Humanos, como descrevia ela – foi brutalmente assassinada a tiros na quarta-feira (14/3), no bairro do Estácio, Região Central do Rio. Duas semanas antes de sua morte, ela se tornara relatora da Comissão da Câmara criada para acompanhar a atuação dos militares na intervenção que ocorre no estado. A medida decretada pelo governo ilegítimo de Michel Temer era criticada publicamente por Marielle. Além da vereadora, o motorista do veículo, Anderson Pedro Gomes, também foi baleado e não resistiu. A morte política de Marielle mobilizou milhares de pessoas no Brasil e tam-

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bém no exterior. Inclusive, com protesto no Parlamento Europeu. O crime também expõe a intervenção, que concluiu seu primeiro mês sem avanços na Segurança Pública. Com armamento pesado e tanques de guerra, as operações comandadas pelo general Walter Braga Netto, que a princípio deveria combater a violência no Rio de Janeiro, têm posto em estado de vigilância, exclusivamente, moradores da favela. No último relatório anual sobre a situação das liberdades fundamentais no mundo, a Organização das Nações Unidas (ONU) expressou preocupação com a violação de Direitos Humanos e cobrou medidas que previnam a filtragem racial e a criminalização dos pobres. A solução à criminalidade encontrada pelo governo não vem obtendo resultados positivos. Os registros de assassinatos e assaltos revelam que a violência cresce, enquanto a presença dos militares faz de reféns os moradores da favela. De acordo com os dados da plataforma digital Fogo Cruzado, que registra disparos de arma de fogo, entre o dia 16 de fevereiro e 12 de março, 609 ocorrências foram contabilizadas, 123 mortos, 86 feridos e 120 operações policiais aconteceram no Rio de Janeiro. Marielle entra agora para as estatísticas, mas sua morte não será esquecida. Se a execução da ativista pretendia calar as vozes da favela, o resultado surtiu efeito inverso. Gizele Martins, comunicadora comunitária, pesquisadora de periferias urbanas e moradora da Favela da Maré (RJ), faz do seu luto a luta e denuncia: “depois do carnaval, o governo Temer anunciou essa intervenção no RJ. Na verdade não é um plano de Segurança Pública na medida do que deveria ser em um governo democrático. É, sem dúvida, uma forma de


Tânia Rêgo/Agência Brasil

controlar as favelas, as periferias, a população empobrecida, negra, indígena e nordestina, que mora nesses locais periféricos, que neste momento estão sofrendo com a retirada de direitos”. De acordo com Gizele, além das favelas hoje estarem sem médicos, hospitais, postos de saúde e com parte das escolas municipais e estaduais fechadas, a população enfrenta uma ação muito mais armada, com a presença de “caveirões” utilizados na Palestina e de soldados que passaram dez anos no Haiti. “Eles estão agindo dentro das favelas fazendo fichamento dos moradores, revistas, invadindo casas. Sabemos que o modelo de segurança é muito diferente para o asfalto. Nas favelas é ‘pé na porta’, estupros, chacinas, soldados controlando as vidas, distribuindo revistas para as crianças montarem tanques de guerra. Temos uma vida militarizada dentro das favelas”, afirma. Na Vila Kennedy, localizada na Zona Oeste da capital fluminense, por exemplo, o gabinete de intervenção decidiu intensificar a atuação com a presença diária do Exército. Além de falhar ao não prover segu-

rança para os moradores do local, as forças de segurança apoiaram uma medida da prefeitura do Rio de Janeiro que usou retroescavadeiras para derrubar 52 quiosques e barracas de ambulantes da região. Para Gizele Martins, a ação de qualquer força de segurança - Exército, Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE), Batalhão de Choque, Polícia Militar ou Civil - dentro das favelas, sempre será diferente do que é praticada no asfalto do Rio de Janeiro. “A cidade não é murada, mas a gente vive um apartheid quando não temos acesso à Zona Sul. As pessoas que moram na Zona Oeste, na Baixada, não conseguem ir ao Centro porque a passagem é cara ou porque não tem ônibus. Temos uma cidade dividida entre os brancos, ricos ou de classe média e os pretos, índios e nordestinos, pobres de periferia”. A intervenção em um estado da União é um tipo de ação federal inédito na história do Brasil desde a redemocratização. O general Walter Braga Netto comanda agora as polícias Civil e Militar do RJ e tem cerca de 30 mil homens das Forças Arma-

das à sua disposição para a tarefa. A ação ganhou repercussão na imprensa internacional, com publicações no jornal americano ‘New York Times’ e no argentino ‘La Nación’, com destaque para os impactos na votação da reforma da Previdência, que, por ser uma Proposta de Emenda à Constituição, não pode ser apreciada durante período de intervenção. Segundo Gizele, o Rio de Janeiro é sempre um experimento e, por isso, merece atenção. “A gente espera que isso não ocorra em todos os outros estados, mas para isso é necessário que os sindicatos, grupos de mulheres, de negros, periféricos, a população em geral, denunciem aos órgãos internacionais e se mobilizem para que a gente não volte a viver uma ditadura como a de 1964”. O alerta da moradora da Maré não está distante da realidade. Pois, em entrevista coletiva sobre a intervenção, o general Braga Netto chegou a afirmar que “o Rio é um laboratório para o Brasil”. No Rio de Janeiro, os movimentos de favelas estão se reunindo diariamente com o objetivo de entender o processo de intervenção para definir ações de resistência. “Como se trata do Exército, nós não sabemos para quem enviar as denúncias de violações, não temos conhecimento de nenhum órgão do Estado do RJ que responda por essas ações de intervenção dentro das favelas. Hoje, qualquer pessoa detida vai responder no Tribunal Militar, com base em leis utilizadas apenas na ditadura militar. Quem vai nos socorrer? A quem podemos levar o pedido de não intervenção no Rio de Janeiro?”, indaga. Janeiro a Abril de 2018

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Comportamento

Pais devem monitorar o acesso de crianças à internet

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este mês de março, autoridades e especialistas reforçaram o alerta sobre os riscos que o uso das redes sociais oferecem às crianças e adolescentes. Em Jaboatão dos Guararapes, na Região Metropolitana do Recife, foi registrado um caso de assédio

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sexual, cometido por um homem de 22 anos contra, pelo menos nove meninas de nove a 12 anos. Ele fingia ser uma criança por meio de perfis falsos e chegou a chantagear algumas das vítimas para conseguir fotos delas despidas. Danilo Farias da Silva foi preso e encaminhado para o Centro de Observação e Triagem Everardo Luna (Cotel). No universo virtual, ele é só mais um dos aliciadores que buscam vítimas vulneráveis. E, embora a maioria das redes sociais estabeleça a idade mínima de 13 anos, a criação de perfis próprios de crianças é crescente.


Segundo o psicólogo e psicoterapeuta, Rodrigo Goulart, membro do Instituto de Psicanálise da Sociedade Psicanalítica do Recife, é fundamental o uso das redes sociais por crianças com monitoramento dos responsáveis. “Não acredito que a proibição seja uma alternativa, porque os dispositivos eletrônicos já fazem parte da nossa realidade. Mas o acompanhamento dos pais, professores e demais responsáveis é importante para que sejam observadas possíveis mudanças de comportamento”, afirma. De acordo com Goulart, o isolamento da criança do convívio social com familiares e amigos pode ser um dos sinais de alerta para indicar que algo fora da normalidade está acontecendo. “Os pais devem demonstrar interesse e preocupação e fazer com que os filhos saibam que o diálogo é a melhor alternativa, sempre. Também é preciso estabelecer limites, mas sempre explicando o porquê para a criança, pois medidas impositivas não surtem efeito”, orienta. Monitorar as atividades dos filhos nas redes sociais não deve implicar a invasão da privacidade deles. Por isso, o diálogo é a principal ferramenta para a construção da relação de confiança entre pais e filhos. O psicoterapeuta explica que a criança é um ser mais vulnerável que outros em qualquer ambiente, mas no mundo virtual está mais desprotegida, principalmente se estiver usando um celular ou tablet sozinha, sem o necessário aconselhamento e supervisão.

“A infância é uma fase importante para o desenvolvimento neurológico e também para a definição de traços da personalidade, especialmente até os três anos de idade. Com o uso das redes sociais nesse período pode haver uma exposição a estímulos para os quais a criança não está preparada”, afirma. Uma pesquisa divulgada em 2016 pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil mostrou que 87% das crianças e adolescentes entre 9 e 17 anos têm perfis em redes sociais, e 68% acessam a internet mais de uma vez por dia. Segundo o estudo TIC Kids Online Brasil, 11% dos entrevistados entre 9 e 17 anos de idade acessaram a internet pela primeira vez antes dos 6 anos de idade. Apenas pelo fato de serem crianças e adolescentes expostos a um ambiente onde o acesso às informações é público, todos eles se tornam potenciais vítimas de abuso e também do cyberbullying, prática de hostilização virtual de uma pessoa. Identificar aqueles que foram vítimas do crime pode ser difícil para a família, mas o auxílio de um especialista pode ajudar nesse processo. “No consultório, e partilho essa realidade com outros colegas de profissão, cada vez mais está presente no nosso dia a dia pessoas que apresentam problemas que podem ter origem no universo virtual”, garante. Além do acompanhamento de um profissional qualificado, nos casos de crimes, as famílias devem fazer a denúncia aos órgãos competentes para que sejam tomadas as providências cabíveis.

COMO MONITORAR O ACESSO DAS CRIANÇAS ÀS REDES SOCIAIS Converse com seu filho sobre os cuidados que precisam tomar quanto ao fornecimento de informações pessoais para pessoas desconhecidas, a exposição pública de fotos e vídeos e o contato com perfis atrativos. Estabeleça limites e os explique para a criança. Se necessário, a intervenção direta dos pais, como definir o local onde a criança acessará a internet, deve ser feita. Procurar aplicativos seguros que ajudem a acompanhar o uso da internet feito pelos filhos. O Family Link, por exemplo, conecta contas do Google dos filhos a dos pais, que conseguem monitorar o tempo gasto online e bloquear aparelhos remotamente em casos de urgência. Vincular-se ao perfil dos filhos pode ser uma boa forma de acompanhar as publicações e interações. Quando julgarem necessário, os pais podem aconselhar mudanças de comportamento na rede. Os pais também devem dar o bom exemplo no uso das redes sociais. Não adianta expor tudo o que acontece na vida do filho na sua rede e exigir que ele não faça o mesmo.

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Homenagem às mulheres

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pós mais de duas décadas, o legado deixado pela revolucionária Bárbara de Alencar (1760-1832) serve de inspiração à luta das mulheres contra a opressão. Embora tenha vivido em uma sociedade essencialmente patriarcal, ela liderou o movimento que proclamou a República no Crato, numa extensão da Revolução Pernambucana de 1817. Sertaneja de Exú, Interior de Pernambuco, Bárbara era casada com o capitão português José Gonçalves dos Santos, comerciante de tecidos na Vila de Crato, região do Cariri, para onde se mudou e passou a maior parte da sua vida. Foi mãe de três filhos, todos homens. A estrutura familiar não a impediu de participar ativamente da política e da luta em defesa da Independência. Foi por meio dos filhos Carlos José e José Martiniano, esse último o pai do romancista José de Alencar, que Bárbara de

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Bárbara de Alencar: protagonismo feminino na Revolução de 1817

Alencar manteve os primeiros contatos com os princípios republicanos. Eles estudavam no Seminário de Olinda, onde as ideias liberais e iluministas da Independência do Estados Unidos (1776) e da Revolução Francesa (1789) estavam em efervescência. Para o pesquisador e escritor cearense Gylmar Chaves, autor do livro A Invenção de Bárbara de Alencar, ela foi uma mulher que esteve à frente do seu tempo. “Ela costumava ler clássicos da literatura universal em sua calçada nas noites de lua cheia para um público geralmente constituído de homens, num contexto em que as mulheres eram proibidas de ler, escrever e participar de reuniões sociais e políticas, além de outras não permissões”, afirma.


Gylmar destaca, ainda, que Bárbara de Alencar imprimiu na convivência com os escravos “traços de cidadania”, em uma época em que a dominação e os maus-tratos eram considerados normais. O Sítio Pau Seco, propriedade da família, passou a sediar reuniões do grupo que organizou a luta contra a exploração. Segundo o pesquisador, a cobrança de impostos, cada vez mais altos, e o intenso controle social e político foram os motivos centrais do descontentamento com a Corte Portuguesa. Nesse contexto, a República do Crato durou oito dias. O movimento de insurreição liderado por Bárbara levou a revolucionária a sofrer represálias, sendo a primeira mulher presa política do Brasil. Passou por cárceres em três capitais do Nordeste e ganhou a liberdade em 17 de novembro de 1821, por ocasião da Anistia Geral. Em 1824, ocorreu a Confederação do Equador, da qual participou novamente a família Alencar. “Bárbara de Alencar permaneceu presa por mais de três anos no Quartel da 1ª. Linha em Fortaleza, no Forte de São Tiago das Cinco Pontas em Recife, e em Salvador numa presiganga, como se denominava as embarcações em desuso e utilizadas também como local de encarceramento”, frisou. O protagonismo de Bárbara de Alencar, assim como de tantas outras mulheres que participaram de revoltas emancipatórias, ainda carece de reconhecimento historiográfico. “O que dizer de um País que ainda hoje tem dificuldade de preservar sua memória? Pre-

“Fomos impedidos de ter acesso às inúmeras contribuições que as mulheres deram ao nosso País, muito embora algumas delas tenham conseguido romper com esse rolo opressor imposto à memória e à historiografia” cisamos reafirmar a importância única dessa mulher de vanguarda, profética no fundo do seu ser, e, portanto, um exemplo para os tempos atuais”, pontua Gylmar, que vai lançar neste ano o livro Histórias para acordar cada acontecimento Bárbara de Alencar, uma sertaneja vibrante e inflexível que ajudou a mudar a história do Brasil. Com uma vida marcada pela denúncia da exploração do povo pelos portugueses, Bárbara de Alencar morreu em 28 de agosto de 1832, na fazenda Alecrim, no

Piauí. Para a presidenta do Sindicato dos Bancários de Pernambuco, Suzineide Rodrigues, Bárbara de Alencar deve ser exemplo para as novas gerações. “O rosto dessa heroína foi apagado dos livros de história, mas está na memória das brasileiras e brasileiros que reconhecem a importância da sua luta pela liberdade e dignidade do povo. Nós que representamos o campo progressista deste País devemos ter o compromisso de manter vivos os ideais de Bárbara de Alencar”, conclui. Janeiro a Abril de 2018

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Dicas de Cultura »»Música

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turnê Caravanas, que divulga o mais recente álbum do cantor e compositor Chico Buarque, aporta no Recife. Serão quatro apresentações, nos dias 3, 4, 5 e 6 de maio no Teatro Guararapes. A duração do show é de aproximadamente 1h30, contando com as novas canções e clássicos. Os ingressos para o show custam entre R$ 125 e R$ 490 vendidos na bilheteria do teatro ou pelo site bilheteriavirtual.com.br

Leo Aversa/ Divulgação

Chico Buarque fará quatro shows no Recife Serviço

Shows de Chico Buarque pela Turnê Caravanas Teatro Guararapes, no Centro de Convenções De 3 a 6 de maio Horário: Quinta e sexta, às 21h30; sábado, às 21h; e domingo, às 20h Ingressos: Plateia: R$ 490 (inteira) e R$ 245 (meia) / Balcão: R$250 (inteira) e R$ 125 (meia)

»»Artes plásticas

Mostra Bienal Caixa Novos Artistas - Recife A segunda Mostra Bienal Caixa de Novos Artistas reúne trabalhos de novos talentos das artes visuais de todo o Brasil. A exposição realiza-se na Caixa Cultural - Re-

Serviço

cife, entre os dias 28 de março e

Mostra Bienal Caixa Novos Artistas - Recife

25 de maio de 2018. O público apreciará 37 obras de 30 artistas. Os trabalhos contemplam diversos suportes, de desenhos a esculturas, passando por fotografias, gravuras, intervenções, pinturas, vídeos e instalações. O conceito desta edição gira em torno da configuração das relações urbanas no momento atual. A entrada é franca.

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Caixa Cultural Recife - Galerias 1e2 De 28 de março a 27 de maio Horário: terça-feira a sábado, das 10h às 20h | domingo, das 10h às 17h Ingresso: Entrada franca.


Bancário de Talento Beto Nery/Acervo

Beto Nery completa 34 anos de carreira artística

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om mais tempo nos palcos do que exercendo seu ofício como bancário, Carlos Alberto Nery, ou Beto Nery, como é conhecido no meio artístico, acaba de completar 34 anos de carreira como ator. Também funcionário do Banco do Brasil há 18 anos, ele mantém o equilíbrio de sua vida conciliando as duas atividades. Embora já tenha produzido espetáculos no passado, seu trabalho é marcado pela atuação, em especial, no teatro musical. “A música ajuda na fluidez, na catarse que o teatro busca causar no público”, explica. A Ópera do Sol foi a última peça da qual fez parte em 2016. A obra narrava por meio do cordel uma história popular que tratava de questões como concentração latifundiária e injustiças sociais. A trajetória artística de Beto Nery teve início em 1984, com o espetáculo Crime na Catedral. “Alguns amigos que participavam de um grupo de teatro no Bairro de São José me convidaram. Nesse época eu ainda era muito jovem, estudante, pude me dedicar por um ano a essa formação oferecida por Arlindo Matias do Rêgo”, relata. Com o teatro surgiu

também o interesse pela literatura, que segundo Nery, é uma ferramenta fundamental para o processo de amadurecimento do ator. Beto Nery tentou viver, exclusivamente, do seu ofício como ator por cerca de dez anos, na década de 1990. Entretanto, a instabilidade financeira não permitiu. Foi então que ele decidiu fazer o concurso do BB. “Estar em cima do palco é o que me realiza como pessoa e o banco é o meu porto seguro financeiro. Preciso do teatro para ser esse desafogo necessário na vida de um bancário. Trabalhamos sempre correndo, preocupados em atingir metas. Então, ser ator me ajuda a ser bancário, porque quando estou fazendo teatro sou uma pessoa muito melhor”, afirma. Entre os marcos dessa jornada nos palcos, ele destaca a participação nos espetáculos Concerto para Virgulino sem Orquestra (1994); O amor do Galo pela Galinha D’água (2007); e Sistema 25 (2015). Com o papel em Nordeste na Mente chegou a ser indicado para a premiação do Festival Nacional de Teatro de Ponta Grossa na categoria “Melhor Ator”, reconhecimento do qual se orgulha. Atualmente, o ator Beto Nery não está em cartaz, mas o bancário Carlos Alberto Nery segue trabalhando na agência BB Estilo - Recife Antigo. Ele não tem planos de voltar a produzir peças e, mesmo sem fazer parte de um grupo teatral específico, continuará atuando em espetáculos teatrais. Janeiro a Abril de 2018

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Chapada Diamantina oferece novos roteiros turísticos

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Revista dos Bancários

Prefeitura de Lençóis

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o coração do Estado da Bahia, a Chapada Diamantina reúne variados atrativos naturais e culturais. Roteiro certo para quem busca paz e tranquilidade ou para quem está atrás de história e aventura. Com o propósito de fomentar a criação de roteiros turísticos que proporcionem geração de emprego e renda na região, a Secretaria do Turismo do Estado (Setur) discutiu, neste mês, o Turismo Étnico-afro com 14 comunidades quilombolas. Um exemplo de êxito nesse segmento é o roteiro criado pelo Quilombo de Coqueiros. A visita à comunidade inclui a vivência em tarefas do dia a dia, como a agricultura familiar, partilha de histórias e tradições, além de caminhadas por trilhas até a Cachoeira do Gelo. Outra comunidade que também já está aberta para acolher turistas é o Quilombo Erê, onde é possível participar de rodas de capoeira, oficinas de dança afro e conhecer aspectos históricos da comunidade.

O Parque Nacional da Chapada Diamantina abriga 28 cidades e mais de 150 vilarejos, numa área total de 70 mil quilômetros quadrados. A região é mais conhecida pelas suas cachoeiras, grutas e morros. Entre os passeios turísticos mais procurados, está o Poço Encantado, localizado no município de Itaetê. No local, a luz do sol atravessa o poço revelando rochas que estão a 40 metros de profundidade. Entre os meses de abril e setembro, uma luz azul é refletida, com ainda mais intensidade, dos minerais presentes na água. A Cachoeira da Fumaça também entra na rota dos que desbravam o parque. Com 380 metros de queda livre, ela é a segunda mais alta do mundo. Em época de estiagem, de maio a setembro, ela fica com pouca água e o vento forma uma camada leve que lembra “fumaça”. Ela está situada a 80 km de Lençóis, principal cidade da Chapada Diamantina.


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