Revista dos Bancários 74

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nº 74 - fev. a abr./2019

FIM DA APOSENTADORIA Reforma da Previdência aumenta tempo de contribuição, estipula idade mínima e reduz benefício para os mais pobres

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Revista dos Bancários Publicação do Sindicato dos Bancários de Pernambuco

Redação Av. Manoel Borba, 564 - Boa Vista, Recife/PE - CEP 50070-000 Fones (81) 3316.4233 / 3316.4221 Site www.bancariospe.org.br Presidenta Suzineide Rodrigues Secretário de Comunicação Epaminondas Neto Conselho Editorial Epaminondas França, Beatriz Albuquerque, Josenildo Santos, Suzineide Rodrigues, Expedito Solaney e Cândida Fernandes Jornalista responsável Beatriz Albuquerque Redação Beatriz Albuquerque e Brunno Porto Projeto gráfico e diagramação Bruno Lombardi - Studio Fundação Imagem de capa Cristian Newman/Unsplash Impressão CCS Gráfica Tiragem 6.000 exemplares

Editorial

Quem ganha com a reforma da Previdência? A reforma da Previdência proposta pelo governo Bolsonaro não acabará com os privilégios. Na prática a mudança das regras dificulta o acesso à aposentadoria e reduz os benefícios, sendo mais injusta com as mulheres. Para reequilibrar as contas, o governo penaliza o povo brasileiro. Mas essa conta não é das trabalhadoras e trabalhadores. As empresas privadas devem cerca de R$ 450 bilhões à Previdência, entre elas o Bradesco, Itaú e Santanter. Estima-se que somente R$ 175 bilhões são recuperáveis. A Proposta de Emenda à Constituição já foi entregue ao Congresso Federal, é hora de pressionarmos os deputados que elegemos para impedir a aprovação. Em 2017, a greve geral engavetou a proposta de reforma do governo Temer. A do governo Bolsonaro é ainda pior, vamos derrotá-la. Essa reforma da Previdência só interessa aos banqueiros e aos grandes empresários. Entre outras maldades, a PEC estabelece a obrigatoriedade da idade mínima de 65 anos para os homens, 62 para as mulheres e aumenta o tempo de contribuição de 15 para 20 anos, além de retirar da Constituição o sistema de Seguridade Social brasileiro. Para receber a aposentadoria integral o trabalhador precisará contribuir por 40 anos. Bolsonaro também quer acabar com o pagamento da multa de 40% do FGTS aos trabalhadores que se aposentam e continuam trabalhando na mesma empresa. O Sindicato dos Bancários de Pernambuco não medirá esforços na luta em defesa da Previdência pública e solidária! Suzineide Rodrigues Presidenta do Sindicatos dos Bancários de Pernambuco

Sindicato filiado à

@bancariospe

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/bancariospe

/bancariospe


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Movimento sindical intensifica luta em defesa dos direitos

Flexibilização da posse de armas aumenta risco de feminicídio p. 6

Tragédia da Vale causa impactos sociais e ambientais p. 10

Entrevista: Pedro Dallari critica incentivo à comemoração dos 55 anos do Golpe Militar p. 8

Bancária de Talento: cortinas abertas para arte de Neluce Sedicias

Governo libera registro de agrotóxicos em larga escala

p. 15

p. 12

Conheça o NE: Usina de Arte movimenta Interior de Pernambuco p. 16

fev. a abr. de 2019

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Aposentadoria

Reforma da Previdência não combate privilégios

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etirada de direitos, aumento do tempo de contribuição e redução do benefício. Essas serão algumas consequências decorrentes da reforma da Previdência do governo Bolsonaro. A Proposta de Emenda à Constituição (6/2019) é, sobretudo, um arbitrário ataque a todo o sistema de Seguridade Social da forma como foi concebido na Constituição de 1988, público e solidário. O governo Federal propagandeia que a mudança das regras fará com que o sistema equipare pobres e ricos, deixando mais justo todo processo. Mas a proposta dificulta o acesso à aposentadoria, rebaixando o valor dos benefícios para todos os segmentos, em especial para os mais pobres e a classe média, nivelando todo o sistema por baixo. Pelas regras apresentadas pelo governo Federal e que estão em discussão na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, a aposentadoria por tempo de contribuição será extinta. As mulheres só poderão se aposentar aos 62 anos de idade e com 20 anos de contribuição, e os homens aos 65 anos de idade e com os mesmos 20 anos de contribuição ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). A aposentadoria integral só será paga para quem contribuir por 40 anos. Com o tempo mínimo de 20 anos, o trabalhador terá direito a 60% da

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média de todas as contribuições. A resistência contra a reforma da Previdência está sendo construída em todos os estados da federação. Os dirigentes dos sindicatos estão mobilizando as bases, por meio da realização de assembleias, reuniões nos locais de trabalho e atos públicos, para construção coletiva da luta contra a reforma. “A organização dos trabalhadores através do movimento sindical é fundamental para barrar a reforma da Previdência. Ficar de braços cruzados é a pior forma de combate, já que o governo Federal não está poupando esforços para aprová-la o mais rápido possível”, afirma a presidenta do Sindicato dos Bancários de Pernambuco, Suzineide Rodrigues. A desconstitucionalização da Previdência é um dos principais ataques da proposta. A reforma retira da Constituição praticamente todas as regras que regem os direitos previdenciários no Brasil e passa a permitir que futuras mudanças sejam feitas por lei complementar. Se isso acontecer, qualquer alteração poderá ser feita com aprovação por maioria absoluta. Ou seja, basta a metade mais um dos integrantes da Câmara e do Senado. Outro item polêmico presente na proposta é a redução do valor do Benefício de Prestação Continuada (BPC). Atualmente, o benefício é pago a idosos em situação de miserabilidade a partir dos 65 anos, com valor equivalente ao de


um salário mínimo (R$ 998). Com a reforma da Previdência, o benefício passará a ser pago a idosos com 60 anos, mas no valor de R$ 400, com aumento progressivo que atinge a integralidade apenas aos 70 anos. Seguindo o exemplo de Países desenvolvidos como Reino Unido e Suécia, o Brasil adotou um Sistema de Seguridade Social sustentável, que garante por meio de contribuições do Estado, dos trabalhadores e dos empregadores, uma rede de proteção formada por três pilares: Previdência Social, Assistência Social e Saúde. Segundo o governo Federal, a reforma previdenciária acabaria com “privilégios”. Mas na prática, penaliza trabalhadores rurais e urbanos, principalmente as mulheres, e até as pessoas que ainda não entraram no mercado de trabalho. Por exemplo, um jovem que ingresse no mercado de trabalho aos 18 anos, com carteira assinada, completaria os 40 anos de contribuição exigidos pela reforma da Previdência para acesso à aposentadoria integral aos 58 anos de idade, se contribuir de forma ininterrupta. Ele ainda teria que trabalhar por mais sete anos para atingir a idade mínima, de 65 anos no caso dos homens, para aposentar-se. Sem contar com a progressão da idade mínima, que aumentará a cada quatro anos a partir de 2024. O trabalhador que estiver próximo de aposentar-se deverá atender aos critérios da regra de transição. Além de ter que observar a idade mínima, terá que pagar um pedágio de 30% sobre o tempo de contribuição que falta para requerer o benefício

pelas regras atuais (35 anos, homem e 30 anos, mulher). A medida também impacta os aposentados, pois tira da Constituição a regra que determina reposição da inflação para os benefícios acima do salário mínimo. Pela proposta, também não será mais permitido acumular pensão por morte e aposentadoria de forma integral. Será mantido o benefício de maior valor, e os demais serão limitados a um percentual. Quanto maior a soma dos benefícios, maior este limite.

Pela não retirada de direitos, no dia 22 de março, no Recife (PE), mais de 20 mil trabalhadores marcharam no Dia Nacional de Luta em Defesa da Previdência. O Sindicato dos Bancários de Pernambuco fortaleceu a luta contra a reforma da Previdência. “Todas as trabalhadoras e trabalhadores, pensionistas, jovens que ainda vão ingressar no mercado de trabalho, precisam defender a Previdência pública e solidária, caso contrário será o fim da aposentadoria no Brasil”, conclui Suzineide.

Veja o que muda nas regras de acesso ao benefício pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS) COMO PODERÁ FICAR APOSENTADORIA POR IDADE

62 anos

para mulheres

Contribuição mínima de

20 anos

65 anos

para homens

Tempo de contribuição para acesso à aposentadoria integral

40 anos

FIM DA APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO

COMO É HOJE APOSENTADORIA POR IDADE

60 anos

para mulheres

65 anos

para homens

Contribuição mínima de

15 anos

APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO

30 anos

para mulheres

35 anos

para homens

Idade mínima

Não tem

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Armas matam mulheres Assinado no dia 15 de janeiro pelo presidente Jair Bolsonaro, o decreto nº 9.685, que regulamenta a posse de armas no Brasil,poderá aumentar o número de casos de feminicídios. Atualmente, o País é o quinto em mortes violentas de mulheres no mundo, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). A nova norma permite que todas as pessoas que vivem em cidades com taxas superiores a 10 homicídios para cada 100 mil habitantes tenham até quatro armas, em casa ou em estabelecimento comercial. Não ter antecedentes criminais é um dos requisitos exigidos. O decreto também exige que pessoas que vivem com crianças, adolescentes ou pessoas com deficiência intelectual apresentem declaração de que sua casa tem cofre ou local seguro com tranca para armazenamento. Além de modificar a definição de quem tem “efetiva necessidade” de ter uma arma, o decreto aumenta o prazo de validade da autorização de posse de cinco para dez anos. O decreto também determina a renovação automática de todos os registros já expedidos, sem qualquer verificação sobre se essas pessoas continuam cumprindo os mesmos requisitos de quando compraram suas armas nos últimos 15 anos. Facilitar a posse de armas foi uma das pro-

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messas de campanha do governo Bolsonaro, que adotou a medida como solução para a violência no País. Entretanto, a maior parte da população não defende o direito a se armar. De acordo com a pesquisa Datafolha sobre o assunto, divulgada em dezembro de 2018, 61% dos entrevistados disseram que a posse deve “ser proibida, pois representa ameaça à vida de outras pessoas”. Há diferenças nas opiniões de acordo com o sexo, renda e escolaridade. Mulheres são mais contrárias à liberação do que os homens. A farmacêutica Maria da Penha, símbolo da luta contra a violência às mulheres, também posicionou-se contra o decreto em entrevista ao Jornal da Unicamp, publicada em março deste ano. “Eu vejo com contrariedade. Eu mesma recebi um tiro. Vai haver um aumento dos casos de feminicídio. Espero que ao menos haja um critério para determinar se a pessoa pode ou não usar arma”, afirmou.

A rejeição das mulheres às armas é legítima, considerando que duas em cada três vítimas de feminicídio foram mortas dentro da própria casa, entre 2016 e 2017, segundo pesquisa do Núcleo de Gênero do Ministério Público de São Paulo (2018). O mesmo estudo revela que 85% dos agressores foram maridos, companheiros ou ex-maridos ou ex-companheiros das vítimas. Namorados e ex-namorados corresponderam a 12% dos criminosos. “O lugar mais inseguro para as mulheres é dentro de casa. A arma dentro de casa, além de intimidar as mulheres vítimas de outros tipos de violência a denunciarem os seus companheiros, aumenta o risco de feminicídio, ou seja, da morte de uma mulher pelo fato de ser mulher”, avalia a secretária da Mulher do Sindicato dos Bancários de Pernambuco, Eleonora Costa. É rara a chance de sobrevivência de mulheres em caso de uso de armas de fogo. A maioria das víti-

mas que sobrevivem à tentativa de feminicídio foram violentadas com instrumentos de baixa letalidade, como armas brancas. Embora existam organismos e unidades especializadas, como os Centros de Referência de Atendimento à Mulher, ainda é necessário ampliar e qualificar essa rede de suporte para escuta das mulheres. Por sua vez, as delegacias especializadas não funcionam nas madrugadas e nos fins de semana e falta celeridade tanto para concluir os processos judiciais quanto para as vítimas conseguirem as medidas restritivas. No dia 13 de março, o debate sobre a liberação das armas foi reacendido após um brutal episódio de violência, envolvendo armas de fogo, ter resultado na morte de nove pessoas, incluindo os próprios assassinos, estudantes e funcionários, na Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano (SP), além de uma décima vítima fora das dependências da escola. As investigações mostraram que os dois adolescentes que cometeram o crime planejavam deixar em situação degradante os corpos das mulheres após o massacre. Para a presidenta do Sindicato, Suzineide Rodrigues, a proteção às mulheres deve ser responsabilidade do Estado. “Conseguimos avanços com a Lei Maria da Penha, embora ainda não seja o sistema ideal. Mas, agora, o governo está seguindo na contramão, impondo retrocessos ao decretar a flexibilização da posse de armas. Não resolveremos a violência com mais armas, nem apenas com a polícia ou a Justiça. É preciso investir em políticas públicas para avançarmos”, conclui. fev. a abr. de 2019

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“O retrocesso deve ser severamente condenado pelas forças democráticas”

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m entrevista, o coordenador da extinta Comissão Nacional da Verdade, Pedro Dallari, critica a descontinuidade pelo governo Federal do trabalho de resgate da memória, na busca por Verdade e Justiça, relativa ao período da Ditadura Militar no Brasil. A Comissão Nacional da Verdade, instituída em 2012, representou um grande avanço no debate sobre Memória, Verdade e Justiça no Brasil. Quais foram as condições sociais e políticas que permitiram a instalação da CNV? A Comissão Nacional da Verdade veio com um atraso, porque com o Regime Militar tendo sido encerrado em 1985, e a nova ordem constitucional democrática instaurada em 1988, com uma nova Constituição, deveria haver uma Comissão Nacional da Verdade muito antes, como se deu em países como África do Sul e Argentina. No Brasil foi muito demorado. Isso inclusive trouxe dificuldades para averiguação, porque muita gente já havia falecido, certamente muitos documentos importantes desapareceram. As razões para instalação foram a pressão

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dos familiares, governos de esquerda mais sensíveis a esse tema e, por outro lado, a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, no caso da Guerrilha do Araguaia, que inferiu na sua sentença a indicação de que fosse constituída uma Comissão da Verdade no Brasil. Em 31 de março de 2019, o golpe completa 55 anos e o presidente da República estimula a celebração da data. Entre as recomendações da CNV está a proibição da realização de eventos oficiais em comemoração ao golpe... Ficou evidente no Brasil, no período de funcionamento da CNV, o absoluto repúdio da sociedade brasileira às gravíssimas violações aos direitos humanos. Portanto, fazer daquele período tão ruim da história brasileira motivo de celebração é um enorme retrocesso. As próprias forças armadas estão cautelosas, porque sabem do sentimento da população. Mesmo a imensa maioria dos eleitores do atual presidente, votou nele por causa do descontentamento com a política brasileira, a corrupção, o desemprego, não porque são favoráveis à Ditadura Militar. É um retrocesso que deve ser severamente condenado pelas forças democráticas. Uma das principais recomendações da CNV, a criação de um Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, atendida pelo governo Dilma com a criação da Lei 12.847, funcionou plenamente até 2018. Mas,


até o momento, não foi dada posse aos membros do Comitê de Prevenção e Combate à Tortura para gestão 2019-2021, assim como os peritos não foram nomeados pelo Presidente. Como o senhor avalia essa situação? O pior é que a imprensa traz a informação de que o número de casos de tortura no Brasil aumentou muito no sistema prisional. A recomendação da CNV foi justamente no sentido de reforçar uma política pública que já vinha sendo implementada no governo Dilma Rousseff. Lamentavelmente foi abruptamente cortada no atual governo. O documento da CNV relata 434 casos de mortos e desaparecidos políticos no período. Indígenas, trabalhadores rurais e urbanos, não foram contemplados pela lista oficial. O Brasil ainda falha na reparação de violações e de crimes da Ditadura Militar? Sem dúvidas. A própria CNV em seu relatório conclui que esse número não é absoluto. Exatamente porque as linhas de investigação que nós desenvolvemos a partir do pouco que se tinha, sobre o extermínio dos povos indígenas e o combate aos camponeses, merecem uma continuidade para que se tenha dados mais precisos. Portanto, o que a Comissão fez foi ser muito rigorosa e esses 434 casos são absolutamente comprovados e se conhece claramente as pessoas. Nós temos indicações de outros casos, que por falta de tempo ou de elementos não foram aprofundados com o mesmo rigor.

“Não vejo no governo atual boa vontade para dar continuidade ao resgate da memória em busca da verdade e da justiça” Esta é a primeira vez que os militares chegam ao poder por meio do voto direto desde 1946. Quais são os impactos da presença da cúpula militar para as políticas de reparação, justiça e verdade no País? Esse assunto será deixado de lado definitivamente pelo governo. A não ser que haja uma pressão da sociedade civil, não vejo no perfil do governo atual a menor boa vontade para dar continuidade a esse processo de resgate da memória em busca da verdade e da justiça. Não acho com isso que os militares que estão ocupando cargos no poder executivo desejem a volta da ditadura. Mas, por outro lado, também não vejo qualquer indicação deles no sentido de reconciliação tendo em vista o passado. Enquanto permanecer o silêncio dos militares com relação ao que houve no período da Ditadura, a sociedade legitimamente ficará insegura com relação ao papel que eles podem desempenhar na vida política brasileira. As políticas relacionadas aos direitos humanos, como a dignificação do sistema prisional e

do tratamento dado aos presos, recomendada pela CNV, estão secundarizadas com o Pacote Anticrime do Ministro Moro? Sem dúvida, mais até do que pelas medidas individualmente, porque me parece que está prevalecendo neste pacote uma visão de que o trato do problema da Segurança Pública virá apenas com medidas fortemente repressivas, quando na verdade deveriam envolver um conjunto de medidas sociais. Como a sociedade civil pode garantir o fortalecimento da democracia e a efetivação das recomendações da CNV? Com mobilização. Eu tenho viajado pelo Brasil e é muito grande o número de estudiosos que estão tratando sobre esse tema. A força está na mobilização da sociedade. Se a sociedade não se mobilizar, o tema cairá no esquecimento. A criação da comissão Arns é muito positiva, pois as grandes personalidades que a compõem têm um papel de militância muito ativo na promoção dos direitos humanos. Eu torço para que iniciativas como essa se multipliquem pelo Brasil. fev. a abr. de 2019

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Privatização

QUANTO

VALE

UMA VIDA?

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rivatizada no dia 6 de maio de 1997, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, a venda da Vale do Rio Doce vai completar 22 anos, sendo considerada um dos maiores crimes cometidos contra o patrimônio brasileiro. Na referida data, o governo FHC vendia a principal empresa estratégica do País no ramo da mineração e infraestrutura. Hoje, nas mãos da iniciativa privada, a Vale causou tragédias sociais e ambientais de proporções incalculáveis. A justificativa para a venda da Vale à época, foi o pagamento de parte da dívida pública interna e externa que o Brasil acumulava, sobretudo para equilibrar as contas do governo. Porém, a privatização concretizou-se e o objetivo

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da União não foi alcançado. A secretária-Geral do Sindicato dos Bancários de Pernambuco e membro do Comitê Nacional em Defesa das Empresas Públicas, Sandra Trajano ressalta que o governo FHC não ouviu os brasileiros. “A Vale foi vendida sem debate com a sociedade e ignorando um plebiscito popular. Os movimentos sociais tentaram impedir a liquidação do patrimônio público, mas não foram ouvidos”, afirma. As cidades de Brumadinho e de Mariana, ambas no Estado de Minas Gerais, foram vítimas de tragédias anunciadas, protagonizadas por uma empresa que visa o lucro em detrimento da segurança e da garantia de condições de trabalho para os seus funcionários. A tragédia mais recente, que aconteceu no dia 25 de janeiro deste ano, em Brumadinho, ainda contabiliza seus aterrorizantes números. Até o dia 25 de março, 214 mortos foram identificados e 91 pessoas ainda estavam desaparecidas. Para Vale, o que aconteceu na cidade mineira foi um acidente. Mas, para a Polícia Civil e o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), o que aconteceu foi resultado do descaso que precede a tragédia. Segundo informações repassadas pelo delegado Bruno Cabral à imprensa, a direção da Vale já possuía informações desde 2017 sobre a possibilidade de ruptura da barragem, mas não tomou medidas concretas para evitar a tragédia. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG)


decretou, no dia 13 de março, a prisão de 11 funcionários da Vale e dois da empresa terceirizada Tüv Süd, investigados no processo que apura responsabilidades pelo rompimento da barragem. O rompimento da mineradora ocorreu no início da tarde, na Mina Feijão. Os rejeitos atingiram a área administrativa da Vale, um refeitório, e boa parte da comunidade da Vila Ferteco. Com volume de 11,7 milhões de metros cúbicos de rejeitos, a barragem que se rompeu desencadeou vários problemas ambientais. Esse rejeitos, com a velocidade que desceram no local da tragédia, destruíram grande parte da vegetação local e causaram a morte de diversas espécies animais. Ainda sobre o impacto na biodiversidade, é importante destacar que o local abrigava uma extensa área da Mata Atlântica, cerca de 147,38 hectares de acordo com o Instituto Estadual de Florestas (IEF), que também foi afetada. A lama de rejeitos chegou até

o rio Paraopeba, que é um dos afluentes do rio São Francisco, tornando sua água imprópria para o consumo e reduzindo a quantidade de oxigênio disponível, causando mortandade de animais e plantas aquáticas. O solo também é outra preocupação dos especialistas em razão da possível alteração da sua composição, o que acarretaria prejuízos para o desenvolvimento de espécies vegetais. Ao secar, os rejeitos formam uma camada dura e compacta, que afeta a fertilidade do solo. Embora ainda não seja possível mensurar todos os danos, é esperado que o impacto ambiental seja inferior ao que aconteceu em 2015, na cidade mineira de Mariana. Com relação ao rio São Francisco, a expectativa é de que a lama seja diluída antes de atingi-lo. O pós-doutor em Gestão de Risco aos Desastres Naturais e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), Neison Freire, destaca a importância de acom-

panhar de perto os riscos de contaminação do Rio São Francisco. “Além da pesquisa emergencial que fizemos logo no início da tragédia, através de imagens de satélite, realizamos uma expedição de campo na região, coletando água e fazendo entrevistas com habitantes da localidade, onde foi verificado no Rio Paraopepa material contaminante vindo da lama de rejeito. Isso é preocupante e precisamos intensificar nossos cuidados, já que as áreas visitadas são bem próximas ao leito do São Francisco”, afirma Neison. O pesquisador reitera que é necessário debater os impactos econômicos e sociais desse desastre, observando todos os problemas causados pelos rejeitos espalhados pelo rompimento da barragem. A Fundaj está organizando um seminário para discutir com professores, pesquisadores e gestores de Minas Gerais, os últimos avanços da pesquisa realizada pela Fundação sobre a tragédia ambiental e social. fev. a abr. de 2019

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Saúde

Veneno na mesa dos brasileiros

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os dois primeiros meses deste ano, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) do governo Bolsonaro autorizou o registro de 74 novos produtos relacionados a agrotóxicos no País. Em média, mais de um agrotóxico foi liberado por dia, tornando os alimentos dos brasileiros ainda mais contaminados. O Diário Oficial da União já divulgou a aprovação de 58 destes produtos, alguns considerados extremamente tóxicos. Apesar dos venenos já serem comercializados no Brasil, a novidade é que agora passa a ser autorizada a associação com outros componentes químicos, que trazem riscos à saúde da população. Hoje, o Brasil chega a 2.123 produtos elaborados com agrotóxicos em circulação. Segundo o Ministério da Agricultura do governo Bolsonaro, os pesticidas são de uso seguro. Extremamente tóxicos e utiliza-

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dos em produtos que fazem parte da dieta de quase todo brasileiro, os mesmos componentes liberados no Brasil tiveram a comercialização reprovada na União Europeia. Entre os pesticidas com novos registros aprovados está o Mancozebe, usado em culturas como arroz, banana, feijão, milho e tomate. Além do Piriproxifem, indicado para café, melancia, soja e melão.

Fim da segurança alimentar Uma arbitrária Medida Provisória publicada pelo governo Bolsonaro altera a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional. A MP leva à extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) na estrutura organizativa do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. O Consea era um órgão de assessoramento à Presidência da República, cuja competência era tratar do controle social na formulação, execução e monitoramento da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. O Conselho, por sua vez, tinha o objetivo de organizar uma política pública nacional voltada para segurança alimentar, tendo a tarefa de apoiar o governo, ouvindo a sociedade, sobre como deveria ser o processo de produção de uma alimentação adequada, composto, em partes, por membros voluntários da sociedade civil de diferentes setores. Diversos programas foram desenvolvidos para garantir qualidade alimentar durante a gestão do Consea, entre eles as discussões realizadas sobre a revisão do marco normativo do Programa Nacional de Alimentação Escolar, que levaram à determinação de que 30% do valor repassado aos municípios para a compra de alimentos fossem utilizados com produtos da agricultura familiar. Reconhecido por organizações internacionais, como a Organização


Alex Garcia/Divulgação MST

das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), O Consea foi considerado como um espaço de defesa do direito humano à alimentação adequada, que inclui desde um modelo de produção dos alimentos mais sustentável e seguro, até a proteção ao consumidor quanto às informações nutricionais contidas na rotulagem dos produtos.

Agricultura Familiar Não é a toa que Bolsonaro está sendo desmedido em suas ações que atingem diretamente a agricultura e sua forma de cultivo. Durante sua campanha eleitoral, o então candidato não apresentou nenhuma estratégia específica em seu programa. Muito pelo contrário. A agricultura familiar, importante forma de cultivo, segue uma linha totalmente distinta, tanto no dinamismo, quanto nas características de produção, isso em comparação com o agronegócio. Nestes locais de plantio, o trabalho é compartilhado pela família e a atividade produtiva agropecuária é a principal fonte geradora de renda. A secretária de Formação do Sindicato dos Bancários de Pernambuco, Adriana Correia, que consome produtos orgânicos desde 2005, destaca como é viver livre dos agrotóxicos. “É fato que ainda existe dificuldade para encontrarmos produtos orgânicos. Mas existem alternativas. Hoje, recebo na minha casa uma cesta de produtos a cada 15 dias, contendo hortaliças, tomates, bróco-

lis, abobrinha, nabo, beterraba, cenoura e limão. Dessa forma acabo conhecendo o produtor. Os produtos sem agrotóxicos são mais saborosos, têm mais cor e oferecem mais saúde, já que são produtos livres de agentes químicos”, afirma Adriana. A dinâmica do agronegócio é marcada pela produção em larga escala de determinadas commodities, a exemplo da soja, e pela exploração dos trabalhadores. Já a agricultura familiar tem como característica produzir em pequenos lotes de terra, com uma maior diversidade produtiva, onde a família é proprietária, gestora e responsável por toda produção e comercialização. Uma boa alternativa para os consumidores preocupados com a alarmante situação do cultivo no País, ainda mais diante da liberação dos novos venenos químicos que vão direto para mesa das famílias brasileiras, seria realizar suas compras em feiras de produtos oriundos do plantio familiar. Esses alimentos garantem mais saúde e qualidade de vida. O acesso aos mercados é considerado um dos

principais entraves ao desenvolvimento da agricultura familiar, porém, muitos desses alimentos já estão chegando nesses locais, mesmo que com o custo um pouco elevado, mas que trazem qualidade de vida para o consumidor. Membro do Comitê Recife da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Pedro Albuquerque revela o que está acontecendo no Brasil e aponta os riscos do consumo de agrotóxicos. “O governo ilegítimo de Michel Temer quebrou recordes na liberação de novos agrotóxicos para serem usados na agricultura. Jair Bolsonaro segue na mesma linha, não se preocupando com os riscos dessas liberações para população. Nós da Campanha Contra os Agrotóxicos acompanhamos com muita preocupação a liberação de novos princípios ativos, porque o Brasil precisa de uma política nacional de redução do uso de veneno no campo. Países como EUA e Inglaterra já aboliram produtos ativos que ainda são permitidos no nosso País. Precisamos seguir a mesma linha para nossa própria saúde”, alerta Pedro. fev. a abr. de 2019

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Dicas de Cultura »»Livro

Inovador e ousado Considerado um clássico contemporâneo da sociologia brasileira, A Elite do Atraso é um livro fundamental de Jessé Souza, o sociólogo que ousou colocar na berlinda as obras que eram consideradas essenciais para se entender o Brasil. Com linguagem fluente, irônica e ousada, Jessé apresenta uma nova visão sobre as causas da desigualdade que marca nosso País e reescreve a história da nossa sociedade. Sob uma perspectiva inédita, ele revela fatos cruciais sobre a vida nacional, demonstrando como funcionam as estruturas cultas que movem as engrenagens do poder e de que maneira a elite do dinheiro exerce sua força invisível que manipula a sociedade. Esse livro é um best-seller, com mais de 70 mil

exemplares vendidos, considerado um novo clássico d o p e n s a m e n to brasileiro. A elite do Atraso apresenta uma interpretação abrangente, inovadora e ousada da sociedade brasileira que a cada dia ganha novos adeptos, questionando quem é essa elite e como pensa e age essa parcela da população, que controla grande parte da riqueza do Brasil. O livro também questiona onde está a verdadeira corrupção, tanto ilegal quanto “legalizada”.

»»Música

Concerto gratuito A Orquestra Sinfônica do Recife voltou a realizar seu concerto oficial gratuitamente no Teatro de Santa Isabel. A próxima apresentação acontece no dia 17 de abril, às 20h. Os interessados podem retirar seus ingressos a partir das 19h na bilheteria do próprio teatro. As aulas-espetáculo do Projeto Concertos para a Juventude também voltam neste período. Para participar desse projeto, os responsáprévia. Considerada a mais antiga orquestra em atividade ininterrupta do País, a Sinfônica do Recife conta hoje com 85 músicos, entre primeiros violinos, segundos violinos, violas, violoncelos, contrabaixos, flautas, oboés, clarinetes, fagotes, trompas, trompetes, trombones, tubas e percussão.

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Andréa Rêgo Barros/Arquivo PCR

veis de escolas ou instituições devem fazer uma inscrição


Bancária de Talento

Neluce Sedicias: artista para todos os públicos

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esde oito anos de idade, lembrança mais remota do seu envolvimento com a arte, Neluce Sedicias já mostrava suas habilidades durante os festejos juninos. Neste mesmo período, já com a veia artística pulsando cultura, a bancária do Banco do Brasil - Escritório Exclusivo Digital, no Recife, fez parte da comunidade evangélica, cantando e atuando nas peças teatrais. Bancária há 11 anos, trabalhando como Gerente de Relacionamento, Neluce atuou como declamadora na União dos Cordelistas de Pernambuco e, mais recentemente, participou, em 2017 e 2018, da peça “O Doente Imaginário”, uma comédia de origem francesa, escrita por Molière, que foi apresentada no Teatro Valdemar de Oliveira e no Eva Herz, respectivamente. “Hoje, com 32 anos, eu não consigo imaginar minha vida longe das artes. Seja na dança, no canto ou no teatro, a relação com a arte faz com que você consiga abrir sua mente e enxergar a vida sobre vários ângulos. Muitas vezes as soluções que precisamos na vida real advém justamente de algum personagem que estamos trabalhando”, ressalta a Bancária de Talento. Neluce herdou a veia artística da família. Recebeu a influência do tio materno Marcos Nascimento,

que já foi maestro e sempre gostou de tocar violão. Na família paterna a bancária sempre esteve rodeada de músicos, entre eles Dimas Sedicias, de Bom Jardim, compositor carnavalesco de primeira e que andou fazendo arte também na Europa enquanto viveu. Agora, na arte da interpretação, Neluce é a pioneira. Sobre espalhar arte para os quatro cantos do mundo, Neluce tem o objetivo de levar arte para comunidades carentes, por considerar que essa é uma das formas mais prazerosas de proporcionar sociabilidade aos jovens da periferia. No cordel, a bancária tem uma edição que foi feita em homenagem ao poeta Chico Pedrosa. “Amo escrever. Ultimamente tenho feito mais textos acadêmicos, mas já estou com alguns poemas guardados. Essa é uma das minhas paixões. Quem sabe um dia surge um livro com um jeito todo especial de mostrar nossa cultura e sabedoria popular”. fev. a abr. de 2019

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Imagens: Divulgação: Usina de Arte/Andrea Rêgo Barros

Conheça o NE

Usina de Arte movimenta Zona da Mata de Pernambuco

A

ntigo ícone da indústria sucroalcooleira de Pernambuco, a Usina Santa Terezinha foi ressignificada pela arte. Localizada no município de Água Preta, Zona da Mata Sul do Estado, o local oferece hoje um Parque Artístico-Botânico, programação cultural regular e residências artísticas e literárias. Sustentabilidade ambiental, in-

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Revista dos Bancários

clusão social e conservação da diversidade biológica e cultural da região, são os principais pilares do projeto. O Parque Artístico-Botânico da Usina de Arte é um jardim de esculturas e um espaço de experiências. A usina começou a operar em 1929 e chegou a ser a maior produtora de álcool e açúcar do País na década de 1950, com uma ferrovia própria, com aproximadamente 100 quilômetros de estradas de ferro, 21 locomotivas e mais de uma centena de vagões, utilizados para o transporte de cana, açúcar e álcool. Em 1998, atingida por grave crise, a usina encerrou suas atividades de moagem. Hoje, o espaço deu lugar a uma efervescente paisagem artística. Além do Festival Arte na Usina, que acontece anualmente, a Usina de Arte realiza cursos, workshop e visitações durante todo o ano.


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