Meio ambiente - Estação Ecológica Jureia-Itatins

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[ meio ambiente ]

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foto: Renato Martins

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[ meio ambiente ]

S

ão 45 quilômetros de praias preservadas, aproximadamente, e um total de 79.240 hectares com rica fauna e flora de

Mata Atlântica. Rios límpidos e piscosos, trilhas e cachoeiras enchem os olhos dos forasteiros. Um paraíso praticamente into-

A portaria e posto de fiscalização da EEJI na Barra do Una

cado a cerca de 150 quilômetros da ca-

foto: Marcel Nishiyama (Tchel)

pital paulista. Já imaginou que maravilha? Só que não é permitido ao turista contem-

mesmo de forma irregular, pois era

que tramita, desde o final de 2011, na

plar essas belas paisagens. Isso porque

dever do Estado realocá-las e indenizá-

Assembleia Legislativa, teremos duas

a área em questão, a Estação Ecológica

-las. Graças ao Mosaico de Conser-

unidades menos restritivas. Nele está

Jureia-Itatins (EEJI), é classificada como

vação da EEJI, criado em 2006, que

previsto o uso do recurso natural pelo

unidade de conservação (UC) de proteção

previa a existência de diversos tipos de

morador tradicional, além de abrir um

integral, que não admite ocupação huma-

UCs, elas puderam respirar aliviadas,

leque de atividades, como o ecoturismo

na, tampouco o turismo.

pois reconhecia-se o direito de ocupa-

e a pesca esportiva”, explica Roberto

Pela lei estadual 5.640/87, que ins-

ção da terra em que viviam. Porém, três

Nicacio da Costa, biólogo da Fundação

tituiu a Estação Ecológica, as famílias

anos depois, com a suspensão dessa

Florestal, instituição vinculada à Secre-

que tinham fincado suas raízes naquela

classificação, reiniciou-se o tormento.

taria do Meio Ambiente do Estado de

área, havia anos, foram proibidas de ali

“Com o retorno do Mosaico, que pode-

São Paulo, e gestor da Estação Ecológi-

permanecerem. Mas se mantiveram,

rá ser implantado por um projeto de lei

ca Jureia-Itatins. foto: Fausto Pires

Praia do Juquiazinho

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A Estação Ecológica resguarda um pouco do que ainda há de mais belo em nosso País foto: Marcel Nishiyama (Tchel)

A Estação Ecológica Jureia-Itatins

foto: Inácio Teixeira

Enquanto a pesca de subsistência — que é mais predatória e menos rentável — é permitida na Estação Ecológica, a esportiva — mais sustentável e que possibilita uma maior fonte de renda aos guias — é ilegal

ca, segundo conta o então secretário da ins-

recém-criada SMA (Secretaria do Meio Am-

tituição, professor Paulo Nogueira-Neto, em

biente do Estado de São Paulo). A configura-

seu artigo “Breve história da área da Jureia-

ção da atual Estação Ecológica Jureia-Itatins

Devido ao crescente interesse econômico

-Itatins como unidade de conservação”. Em

foi estabelecida por um decreto em 1986 e

na região da Jureia, em especial do turismo e

1980, o governo federal declarou uma área

ratificada no ano seguinte por meio de uma

do setor imobiliário, a área do maciço (serra)

de 23.600 hectares como terras de utilida-

lei estadual. A EEJI, que tem como objetivo

da Jureia foi tombada em 1978 pelo Conde-

de pública para a construção de duas usinas

assegurar a integridade dos ecossistemas e

phaat (Conselho de Defesa do Patrimônio

nucleares da Nucleobras (Empresa Nuclear

utilizar a área exclusivamente para fins edu-

Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico

Brasileira S/A). Entretanto, em 1985, foi

cacionais e científicos, também englobou as

do Estado de São Paulo). No ano seguinte,

decidida a não instalação das usinas, e as

terras da antiga Reserva Estadual de Itatins

uma área de 2 mil hectares foi cedida em

terras ficaram na iminência de serem ren-

(criada em 1958) e ficou com um total de

comodato pelo então proprietário à SEMA

didas pela especulação imobiliária. Como

79.240 hectares, 80% dessa área perten-

(Secretaria Especial do Meio Ambiente)

resultado da luta de diversos ambientalis-

cente ao município de Iguape, e o restante

para o estabelecimento da Estação Ecológi-

tas, a área passou a ser administrada pela

a Peruíbe, Miracatu e Itariri. ecoaventura 65


[ meio ambiente ] Para entender melhor o Mosaico A Estação Ecológica foi criada em um local já habitado e com movimentação turística, situação incompatível com a classificação de unidade de conservação de proteção integral. O que fazer, então, com essas pessoas? Um primeiro passo foi a realização do Cadastro Geral de Ocupantes com a finalidade de identificar e caracterizar os moradores tradicionais e seus modos de vida. Entre eles estava Wake dos Santos, de 36 anos, que vive há 34 na Jureia. Ele conta que, nos anos 1970, seu pai, um baiano que à época morava na capital paulista, resolveu mudar-se para lá por conta de um incentivo do Governo do Estado de São Paulo que visava aumentar o cultivo na região. Outra versão, citada pelo professor Paulo Nogueira-Neto, é que o proprietário Carlos Telles Correa e a firma Gomes Almeida Fernandes resolveram implantar um loteamento no local para abrigar 40 mil pessoas. Seja como for, ali já existiam grupos caiçaras, comunidades que surgiram fruto da miscigenação entre indígenas, colonizadores portugueses e negros, desvinculadas cultural e economicamente desde o período colonial e que utilizavam os recursos naturais com baixo impacto. Segundo Wake, as terras dos caiçaras lhes foram doadas, na época do Brasil Império, conforme se pode constatar em documentos guardados na Igreja de Iguape.

Comunidade Tocaia, que é banhada pelo rio Una foto: Inácio Teixeira

foto: Fausto Pires

O gestor da Estação Ecológica Jureia-Itatins, Roberto da Costa, mostra a configuração do antigo Mosaico

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Margem do rio Una foto: Marcel Nishiyama (Tchel)

Para assegurar a permanência das

tudo à sua maneira, a experiência com o

pelo fato de que a lei de criação foi

famílias, mas, por outro lado, conservar

Mosaico foi muito boa, a RDS (Reserva

proposta pelo Poder Legislativo e não

algumas áreas significativas de Mata

de Desenvolvimento Sustentável) garan-

pelo Executivo, além de argumentos

Atlântica, foi decidido, em 2006, recate-

tia o nosso direito de permanência e nos

de insuficiência de estudos técnicos.

gorizar a EEJI como Mosaico. Com abran-

empenhamos bastante”, relata Wake,

O resultado foi o consequente retorno

gência de cerca de 110 mil hectares, era

que vive na comunidade do Tocaia, na

da Estação Ecológica, em 2009. Atual-

composto por seis unidades de conserva-

Barra do Una.

mente, há um novo projeto de lei para

ção: o Parque Estadual Itinguçu, o Parque

Um ano depois, o Ministério Público

a reformulação do Mosaico, em trami-

Estadual do Prelado, o Refúgio de Vida

Estadual apresentou uma Ação Direta

tação e que aguarda aprovação da As-

Silvestre do Abrigo e Guararitama, a Es-

de Inconstitucionalidade do Mosaico

sembleia Legislativa. foto: Renato Martins

tação Ecológica da Jureia-Itatins, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável de

Praia do rio Verde

Barra do Una e a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Despraiado. Nessa configuração, alguns locais continuariam com proteção integral, mas nos dois locais com ocupação humana significativa — a Barra do Una e o Despraiado —, os habitantes poderiam residir, manter suas tradições culturais e desenvolver atividades para seu sustento, como agricultura e pesca de subsistência, e até mesmo turismo, desde que de forma sustentável. “Tirando o fato de que o governo queria ecoaventura 67


[ meio ambiente ] Enquanto a lei não é aprovada Na Estação Ecológica, foi garantido o direito de as famílias tradicionais desenvolverem atividades de subsistência, como a pesca e a roça, enquanto não forem realocadas e indenizadas, como prevê o Snuc (Sistema Nacional de Conservação da Natureza). Mas Wake afirma que muita gente saiu antes mesmo da criação do Mosaico e sem serem ressarcidas: “O Estado fala que não expulsou, mas ele sufocou a população, pois proibiu ou restringiu muitas coisas, como a roça e o turismo, e não capacitou a população para outras atividades. Então muita gente saiu e ainda não foi

Wake dos Santos, morador da Barra do Una, acredita que é possível desenvolver o turismo ecológico e a pesca esportiva na Jureia de modo sustentável foto: Marcel Nishiyama (Tchel)

indenizada.” Já os veranistas, que dominam cerca de 80% das terras da EEJI, tiveram suas casas derrubadas ou possuem processo de demolição, mesmo as construídas antes da EE. Ao levar em consideração a piscosidade e a farta informação na internet sobre pescarias na região, é dúvida de muitos pescadores se é possível pescar na Jureia. Em tese, não, já que é uma UC de proteção integral. Porém, a pesca esportiva ocorre como resultado de acordos informais com moradores que têm no trabalho de guia seu meio de sobrevivência, mas com rígido controle — só em companhia de guias locais e com fiscalização da entrada e saída de visitantes. No entanto, há muita expectativa de legalização dessa atividade com o retorno do Mosaico, até porque possui grande potencial, especialmente na Barra do Una, onde podem ser encontrados Robalos, Pescadas, Carapaus, Corvinas, Tainhas, Traíras, Bagres, Piaus, Carás, entre outros.

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A EEJI é o único local no Estado de São Paulo com uma área preservada que passa por todos os ecossistemas, dos 45km de praias até a serra, sem interrupções — como estradas e túneis


A melhor solução possível

siderar o direito legítimo de permanência das famílias que já viviam lá antes da EE.

Há diversos estudos científicos que

“Não é possível agradar a todos, mas

apontam para a importância da EEJI — a

esperamos que haja bom senso para re-

segunda maior UC de proteção integral

solver a situação que temos hoje com o

do Estado, a primeira é o Parque Estadu-

reconhecimento dos locais onde há po-

al da Serra do Mar —, ainda mais ao se

pulação e deve ser Reserva de Desenvol-

levar em consideração que cerca de 93%

vimento Sustentável”, argumenta Rober-

da formação original da Mata Atlântica,

to. Não se trata de dizer que a ocupação

o bioma mais rico em biodiversidade do

humana não causa impacto, mas uma

planeta, já foi devastado, segundo dados

vez que os moradores são os primeiros

da ONG SOS Mata Atlântica. Se a Esta-

interessados em preservar a área, pare-

ção Ecológica não fosse criada, a região

ce uma saída mais plausível reservar lo-

provavelmente estaria como o resto do li-

cais onde eles possam continuar a viver

toral paulista: abarrotada de prédios, tu-

e, em contrapartida, capacitá-los para

ristas e, possivelmente, poluída. De fato,

atividades menos predatórias, sob uma

uma UC de proteção integral seria a situ-

efetiva fiscalização, para resguardar o

ação ideal. Por outro lado, é preciso con-

patrimônio natural. foto: Fausto Pires


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