[ meio ambiente ]
Delicada e controversa, a questão nuclear já é discutida desde o final da Segunda Guerra Mundial. E embora ainda se mostre em expansão no mundo, a Alemanha — país de grande importância no cenário mundial com a crise financeira — já prometeu desligar todas as suas usinas nucleares até 2022. Será essa uma tendência mundial? Por: Bárbara Blas
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O
primeiro contato que o mundo
Manifestação contra míssil nuclear na França
teve com material nuclear foi nos ataques por bombas atômicas às cidades japonesas
de Hiroshima e Nagasaki, no final da Segunda Guerra Mundial, no ano de 1945. Elas puseram um ponto final ao conflito. Mas, se por um lado, além das mortes — calcula-se que foram mais de 200 mil —, geraram um temor mundial com o potencial de destrutividade do homem, por outro, tornaram-se objeto de desejo de muitos líderes de nações. Sessenta e sete anos depois, mesmo após acordos internacionais, ainda há temor de que ocorram novas catástrofes, sejam elas intencionais, como em Hiroshima e Nagasaki, ou involuntárias, como o desastre nuclear de Fukushima, também no Japão, após o terremoto e o tsunami, em março do ano passado, e os episódios acidentais como os de Chernobyl, na Ucrânia, então integrante da União Soviética, e do césio-137, na cidade brasileira de Goiânia, ambos na década de 1980 [veja mais sobre esses acidentes
na página 88].
O programa “Átomos para a paz”, lançado pelos Estados Unidos na Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), em 1953, foi a primeira iniciativa de políticas de desenvolvimento da tecnologia nuclear voltada exclusivamente para fins pacíficos — como a
foto: sxc/baily elodie
foto: sxc/mike munchel
A central nuclear Three Mile Island, no estado americano da Pensilvânia, possui registrado em sua história um acidente, ocorrido em 1979, no qual gás radioativo foi lançado na atmosfera
geração de energia, em diagnósticos e tratamentos de saúde, e na agricultura. A partir dele, foi criada a Agência Internacional de Energia Atômica, vinculada à ONU e com sede em Viena, na Áustria, para promover o uso da tecnologia nuclear de forma segura e pacífica.
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[ meio ambiente ] Ciclo do urânio no Brasil para a produção de energia
2. Transporte: o yellowcake é transportado em caminhões até o porto de Salvador-BA, de onde segue de navio para o Canadá.
3. Conversão: no Canadá, o yellowcake é convertido em gás. 1. Mineração: o urânio é extraído do solo, na mina de Caetité, na Bahia, concentrado em licor e, posteriormente, convertido em um pó amarelo, conhecido como yellowcake.
4. Enriquecimento: o urânio é levado até a Holanda para enriquecimento. Atualmente, o Brasil só realiza esse processo em escala-piloto na cidade fluminense de Resende.
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7. Lixo: do processo da geração de energia resulta, também, o lixo nuclear, que deverá ser armazenado.
6. Combustível nuclear: o urânio chega às usinas nucleares de Angra I e II, onde será utilizado como combustível nos reatores para a produção de energia elétrica. 84 ecoaventura l Pesca esportiva, meio ambiente e turismo
5. Reconversão: o urânio retorna ao nosso País pelo porto do Rio de Janeiro e segue até Resende, onde o gás será transformado em pastilhas. fonte: “Ciclo do perigo: impactos da produção de combustível nuclear no Brasil”, 2008
foto: sxc/johany lópez
Finalidades não militares
preço muito alto, que é a possibilidade de ter um acidente ou contaminação”, afirma
No caso da produção de energia elétrica, Fernanda Giannasi, auditora-fiscal do
Pedro Torres, coordenador de Campanha de Clima e Energia da instituição.
MTE (Ministério do Trabalho e Emprego),
Outro emprego de material radioati-
em São Paulo, ressalta que não é possível
vo é para diagnósticos e tratamento de
fazer uma comparação simples entre o qui-
doenças na chamada medicina nuclear.
lowatt-hora de uma central nuclear e o de
É utilizado em exames, como ressonân-
outras formas de produção de energia, pois
cia magnética, tomografia e imagem car-
é preciso levar em conta questões como a
diovascular, para os quais ainda não há
segurança e os rejeitos, que elevam o custo
tecnologia alternativa mais eficiente e/ou
social da energia nuclear. Segundo Fernan-
economicamente viável. Por esse motivo,
da, que o urânio é uma boa fonte de ener-
Pedro explica: “O Greenpeace não é total-
gia é incontestável, mas a grande questão
mente contra o urânio, porque ele atende
é: “em um País no qual há abundância
a questões fundamentais na área da saú-
de sol, vento, maré, biomassa e potencial
de, além da utilização para agricultura.
hidráulico, será que a energia nuclear é
Com o devido controle e descarte corre-
necessária?” Essa visão é corroborada,
to, é possível usá-lo para esses dois fins
também, pela ONG Greenpeace. “Acredita-
sem problemas.” A auditora-fiscal apoia a
mos que, para a geração de energia, é uma
ideia de restringir o uso a atividades so-
alternativa muito arriscada, cara e perigo-
cialmente relevantes que ainda não pos-
sa, ou seja, para gerar no máximo 2% da
sam ser realizadas de outra forma, como
energia elétrica nacional, a gente paga um
na área da saúde.
A tomografia por emissão de pósitrons (PET) utiliza elementos radioativos e permite, entre outros diagnósticos, detectar tumores cancerígenos foto: lunaé parracho
O Greenpeace realiza diversas manifestações para alertar sobre as ameaças que o ciclo da energia nuclear pode oferecer
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[ meio ambiente ] Problemas de saúde e ambientais Com exceção do impacto ambiental de um acidente de grandes proporções, o principal problema ao meio ambiente e para o qual ainda não há uma solução segura e definitiva é com relação aos rejeitos gerados, que são altamente tóxicos. Fernanda Giannasi já fiscalizou diversos depósitos de lixo nuclear e afirma que, no Brasil, em muitos locais, são guardados como “qualquer” material, em galpões aos quais a população pode ter acesso e sem placa com aviso da existência de material radioativo. Além disso, não há
Acima, um panorama da mina de Caetité, na Bahia. Abaixo, técnicos do Greenpeace analisam a qualidade da água próximo à mesma mina
fotos: lunaé parracho
um cadastro nacional dos depósitos radioativos do Brasil, com a alegação de que pode cair nas mãos de terroristas — já que o lixo pode ser reaproveitado para a produção de bombas nucleares. Os elementos radioativos também podem contaminar a água, como já se verificou próximo à mina de urânio de Caetité, na Bahia, e foi denunciado na publicação do Greenpeace intitulada “Ciclo do perigo: impactos da produção de combustível nuclear no Brasil”, de 2008. Uma amostra coletada em um poço artesiano a cerca de oito quilômetros da mina apresentou concentrações de urânio sete vezes maiores do que os limites máximos indicados pela OMS (Organização Mundial da Saúde). Ainda com relação aos impactos ambientais, apesar de reatores nucleares não emitirem gás carbônico, um dos
cadeia da energia nuclear não está livre
por um longo período, pode levar mais de
principais gases que aceleram o efeito
da emissão desse gás.
30 anos para se manifestar — na forma de
estufa, o relatório do Greenpeace “Cor-
Ao contaminar a água, vegetais ou
um câncer, de doenças de pele e hormo-
tina de Fumaça: emissões de CO2 e ou-
animais, o material pode facilmente ser
nais, entre outras — ou, ainda, poderá se
tros impactos da energia nuclear”, de
ingerido por seres humanos e, segundo
apresentar apenas em gerações futuras,
2007, aponta que, indiretamente — por
a publicação “Ciclo do perigo”, causar da-
devido aos efeitos mutagênicos. Já em
exemplo, no seu transporte, que utiliza
nos à saúde, como vários tipos de câncer
um contato com altas concentrações, a
combustíveis fósseis, na construção e
e problemas nos rins. Mas o contato pode
intoxicação pode levar à morte em pouco
fechamento da usina, que consomem
se dar pela simples exposição à radiação,
tempo, como no acidente na capital goia-
uma grande quantidade de energia —, a
que, quando de baixa intensidade, mas
na com o césio-137.
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A situação brasileira
possuem pontos falhos, mas é considera-
tado, esse mesmo urânio-235 demora-
da por muitos a “energia verde do futuro”.
rá 713 milhões de anos para atingir sua
Com estimadas 309 mil toneladas de
Com aprimoramento da tecnologia, dizem
meia-vida, ou seja, somente após esse
concentrado de urânio, o Brasil possui a
que será possível produzir mais energia
tempo, a atividade desse elemento radio-
sexta maior reserva do mundo. O municí-
com maior segurança. Mas, ao analisar os
ativo será reduzida à metade da inicial.
pio de Caldas, no sul de Minas Gerais, foi o
desastrosos episódios já vivenciados pela
A partir das discussões acerca da ener-
primeiro a ser explorado, a partir de 1982,
humanidade, não há consenso sobre isso
gia nuclear na Conferência das Nações
e, desde o início deste século, extrai-se
valer ou não a pena. Até porque, por vir de
Unidas sobre o Desenvolvimento Susten-
urânio de Caetité, na Bahia, a única mina
uma fonte de energia não renovável, por
tável, a Rio+20, que ocorreu em junho
em operação atualmente e gerenciada
quanto tempo será possível produzi-la?
deste ano no Rio de Janeiro, espera-se,
pela INB (Indústrias Nucleares do Brasil).
Estima-se que o volume de urânio de Ca-
mais do que um balanço do setor, o deli-
Após o enriquecimento no exterior [veja ci-
etité será suficiente para abastecer Angra
neamento de políticas que levem também
clo do urânio no Brasil na página 84], vai para
I, II e III por 100 anos. Depois de descar-
em consideração os interesses sociais.
as usinas de Angra I e II, onde a energia elétrica será produzida, e, futuramente, será destinado também à Angra III, que teve suas obras iniciadas em 2010 e cuja previsão é de que comece a operar daqui a aproximadamente três anos. Além disso, está em viabilização o início da exploração da mina de Santa Quitéria, no Ceará. Um dos problemas que nosso País enfrenta no ciclo é com relação à fiscalização, realizada pela Comissão Nacional de Energia Nuclear, ligada à INB. Portanto, a mesma instituição que fiscaliza também fomenta o setor nuclear. Não se pode, também, esquecer as condições de trabalho, que, de acordo com Fernanda, são muito deficitárias com relação à informação e à radioproteção. A auditora-fiscal alerta que os trabalhadores, em geral, não são
Mina de urânio em Caetité-BA, gerenciada pela INB (Indústrias Nucleares do Brasil)
esclarecidos adequadamente sobre os resultados de seus exames e não são afastados quando atingem a dose máxima de radiação. “Até hoje, não foi possível regulamentar a Convenção 115 — referente à proteção contra as radiações ionizantes, da Organização Internacional do Trabalho, criada nos anos 1960 —, que exige que os empregados expostos à radiação tenham acompanhamento médico vitalício às custas da empresa”, revela. A questão nuclear ainda é bastante polêmica, pois sua produção e sua utilização ecoaventura 87
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foto: sxc/baily elodie
Chernobyl, cenário de uma tragédia nuclear há 26 anos, é hoje uma cidade fantasma
Os manifestantes utilizam-se de criatividade para chamar a atenção da sociedade e de políticos a respeito desse tema tão delicado
O que são radioatividade e energia nuclear?
foto: sxc/poooow
Radioatividade é uma propriedade de alguns minérios de emitir partículas radioativas, que servem para produzir calor e energia. Alguns elementos radioativos são o urânio — o mais comum atualmente no Brasil — o césio, o cobalto, o tório, o rádio, o polônio e o plutônio.
Chernobyl e césio-137 O desastre em Chernobyl, na Ucrânia, em 1986, foi fruto de uma falha no resfriamento, que culminou na explosão do reator. Segundo o governo soviético, foram 15 mil mortos, mas ONGs calculam que o número ultrapasse os 80 mil. No ano passado, que marcou os 25 anos da tragédia, foi constatado que a radiação do local ainda era dez vezes maior do que o normal para os seres vivos. Um ano depois de Chernobyl, ocorreu o episódio do césio-137, em Goiânia, considerado o maior acidente radioativo do mundo fora de usinas nucleares. Após a desativação de uma clínica de radiologia, catadores de sucata tiveram contato com um aparelho, o qual pretendiam vender em um depósito de ferro-velho, que continha 19 gramas de césio-137, elemento radioativo que causou deslumbramento na vizinhança devido ao brilho, de coloração azul, no escuro. Oficialmente, o acidente deixou 675 pessoas contaminadas e provocou quatro mortes.
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Existem três tipos de urânio — U-234, U-235 e U-238 —, que diferem pelo número de nêutrons e, por isso, são chamados de isótopos. O U-235 é o mais vantajoso para a produção de energia, porque tem a propriedade de se fissionar, isto é, seu núcleo se divide em duas partes. Nesse processo, muita energia é liberada e também se desprendem dois ou três nêutrons, que podem se chocar com outros U-235, o que provoca uma reação nuclear em cadeia. Toda essa energia é aproveitada nos reatores nucleares. No enriquecimento do urânio, que ocorre antes de ser colocado no reator, aumenta-se a quantidade de isótopo U-235 a fim de aumentar a reação em cadeia.