Gê Viana

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GÊ VIANA

AUH_310: História da Arte II Barbara Rennó Merlotti 10377945 Guilherme Wisnk


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sumário 04

introdução

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arte como território de resistência indígena

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a artista, e o contexto político nacional

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cidade como espaço democrático e pedagógico

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paridade

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traçando relações, exempros que dialogam: JR e Tatexaki Nio

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colagem na era digital e sua reprodutibilidade técnica

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considerações finais

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bibliografia


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introdução

Este trabalho tem como objetivo o estudo e análise da obra Paridade, produzida pela artista maranhense Gê Viana em 2017. Paridade consiste em uma série de fotomontagens e fotoperformances expostas nas paredes e muros do centro histórico de São Luis do Maranhão, MA, em formato de lambe-lambe gigante. A participou de uma exposição individual na Galeria de Arte do Sesc Maranhão em 2017, e de outras duas exposições coletivas neste mesmo ano, na Galeria Chão, também em São Luis - MA e Valongo Festival Internacional de Fotografia em Santos - SP. E em 2018 foi selecionado para o Festival de Fotografia de Tiradentes. As imagens exibidas nesta série caracterizam-se pela sobreposição de fotografias de indígenas contemporâneas com fotografias antigas. As imagens contemporâneas são capturadas pela própria autora, descendente da tribo Muypurá, e retratam pessoas do

“Eu tento fazer uma narrativa que provoca uma reflexão da ideia de futuro. De como a gente pode estar resistindo por meio dessas camadas fotográficas, dessas imagens, criando uma nova narrativa [...] eu faço um contraponto com indígenas que foram assassinados com remanescentes que ainda estão vivos, que estão resistindo, que sabem da suas lutas, de sua história”. Gê Viana em entrevista para O Imparcial, em maio de 2019. A ideia surgiu a partir de um questionamento da artista à sua avó, acerca do sangue indígena na família. Ela recorda que sua mãe (bisavó de Gê) era bicho de cachorro do mato, havia sido sequestrada e retirada de seu lugar de origem. Desde então, Gê carrega consigo a ânsia de compreender o significado e a dor que carregam seu sangue. Dessa forma, a obra também consiste em um resgate da própria ancestralidade da autora, um mergulho na sua história e de sua família, e nas intersecções dessas com outras histórias de indivíduos pertencentes à comunidades de povos nativos. Em que ponto nossas raízes tocam ou cortam as veias indígenas? Trata-se de um estudo a respeito de identidade, colonialidade, ancestralidade e resistência. Gê busca pela semelhança em outros corpos, em outros indivíduos que se reconhecem ou pertencem a uma descendência comum.

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cotidiano de sua comunidade ou de comunidades vizinhas, amigos e familiares. Segundo ela, Paridade é uma denúncia. Denúncia do genocídio e maus tratos sofridos pelos povos originários, e um manifesto da sua existência e resistência até os dias de hoje.


Gê Viana, Instituto Moreira Sales - 2020

Geane Viana nasceu em 1986, em Santa Luiza, no interior do Maranhão, a quase 300 km da capital São Luis, para onde se mudou quando era criança. Descendente da etnia Muypurá, Gê conta ter crescido na rua, nos canaviais, nas matas, nos buracos onde a sua mãe costumava envolvê-la em um lençol para que repousasse em contato com a terra, na revisão dos mitos e nos muros. Segundo ela, cultiva o interesse por imagens desde criança; conta que ficava vidrada nas propagandas de revistas em quadrinhos, e que assim que chegou em São Luís, gastava todo o seu dinheiro nelas, chegando a trocar tênis por revistas de vários tipos. Mais tarde fez um curso técnico de teatro, mas no meio do curso descobriu que não gostava de atuar, ela queria “[...] era mexer com papel, pintar. Sempre gostei do tempo das artes visuais, os períodos, os estilos”. Decidiu então cursar Artes Visuais pela Universidade Federal do Maranhão, onde concluiu a graduação em 2019. Lá, passou a pes-

Gê Viana vê seus trabalhos como uma forma de resistência de diversos segmentos sociais marginalizados, como: os indígenas, o universo LGBTI os negros e as mulheres, destacando projetos como Corpografia do Pixo (2015), Paridade (2017), Enfarofado (2016), Sapatona (2018). Gê Viana foi recipiente dos prêmios de performance, no Salão de Artes Plásticas de São Luís, em 2012, e de fotografia e fotomontagem, também no Salão de Artes Plásticas de São Luís, em 2014. Em 2015 foi residente pelo programa Alter-Cidades, em Clara Domingas, na Bahia, e em 2019 pelo Bolsa Pampulha - uma dentre os dez artistas selecionados para fazer parte da residência artística por seis meses em Belo Horizonte, e em setembro apresentar as obras produzidas. Concorreu para prêmio Pipa em 2019 e 2020. Aos 34 anos, canaliza e emana a sensação de que é na arte, talvez, que consigamos nos reconciliar subjetivamente e ontologicamente com o Brasil que atualmente vive esse contexto socio-politico de guinada neoliberal, políticas de desmonte das instituições públicas, intensificação das desigualdades, redução do acesso à direitos básicos como saúde, moradia e educação. A questão das demarcações das terras indígenas e as leis de respeito à vida e a cultura desses povos vêm sendo institucionalmente desrespeitadas de maneira mais aguda nos últimos anos. Apesar disso, os grupos sociais historicamente oprimidos e invisibilizados durante tanto tempo estão gritando cada vez mais alto, e sendo ouvidos cada vez mais de longe. Figuras emblemáticas do movimento negro, LGBTQIA+, indígena estão se comunicando com as massas e o debate acerca de sua existencia está em alta como nunca esteve antes. Reivindicam seu território por uma corporalidade descolonizada.

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a artista e o contexto sociopolítico nacional

quisar a respeito do corpo performático e os corpos abjetos pela cultura colonizadora hegemônica, especialmente nos sistemas de arte e comunicação. A partir daí, debruçou-se acerca do tema da “imagem precária” e os meios de apropriação das fotos históricas de fotojornalistas.


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paridade

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São Paulo Rua Viril Sesc Santana 2019 Fotos: Pablo Monteiro


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São Paulo Rua Viril Sesc Santana 2019 Fotos: Pablo Monteiro


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Santos - SP 2016


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São Paulo Rua Viril Sesc Santana 2019 Fotos: Pablo Monteiro


Colagem se trata de uma composição feita de distintas imagens, texturas, objetos e materialidades. Normalmente os autores procuram unir diferentes contextos criando imagens sem sentido, ou com pouca fidelidade ao mundo real/material. A arte da colagem apareceu na nossasociedade durante o movimento cubista, no século XX, através dos artistas Pablo Picasso e Georges Braque; movimento esse que não possui nenhum compromisso com a realidade, representa elementos da natureza reduzidos/simplificados à figuras geométricas, assim como desenha objetos vistos a partir de vários pontos de vista, deformados quando comparados à visão à olho nú. Outros expoentes notáveis da arte da colagem são André Breton, no movimento surrealista, Hannah Hoch, no movimento dadaísta, Ria Patricia Roder e Vik Muniz, artistas contemporâneos. Gê explora a sobreposição de imagens sem se aprofundar na criação de distintos planos e camadas, a força em seu trabalho está

É notável que existe um exímio cuidado na escolha da imagem do indígena ancestral, para que ambos indivíduos representados possuam certa semelhança física. O uso desse recurso visual conduz nossa imaginação à simbiose dos dois corpos, transpõe as duas temporalidades e torna concomitante as duas existências; eles se tornam um. Entretanto essa mesma imagem está cortada ao meio, rasgada. Interpreto esta ruptura como uma própria ruptura na vida daquele indivíduo, que já não está mais presente, mas de alguma forma ainda pode viver no corpo daquele em que está justaposto. Gê faz uso de ferramentas digitais para realizar suas obras, desde a câmera fotográfica para registro dos indígenas das comunidades da região, até a edição e recorte feitos no photoshop ou aplicativos de celular. A arte digital surgiu a partir do final dos anos 90 e início do 2000 quando scanners e computadores começaram a se tornar aparelhos mais acessíveis; e ela segue se desenvolvendo em ritmo bastante acelerado, acompanhada da popularização dos smartphones e do aprimoramento dos softwares e aplicativos de edição. Existem algumas questões que permeiam a discussão entre colagens analógicas e digitais. Uma delas é acerca da ocasionalidade da colagem digital, uma vez que ela é construída através de uma pesquisa em sites de busca ou bancos de imagem; se a pesquisa é direcionada, há ocasionalidade? A ocasionalidade de uma colagem digital pode aparecer de distintas maneiras, não apenas durante a busca do material, mas também durante um clique acidental em algum botão que produza um efeito interessante, ao acaso. O uso de plataformas digitais também possibilita maior liberdade para o artista, uma vez que permite o redimensionamento da imagem, alteração de cor/ textura, acesso à ferramentas como “Ctrl Z” ou “delete”. Outra vantagem é a viabilidade de reprodução de uma obra digital, podendo tanto ser replicada em distintas plataformas, facebook, instaram, whatsapp, como se converter à distintas materialidades, lambe-lambe, publicações, adesivos, estampas em objetos, etc. A possibilidade de reprodução de uma obra de arte pode ser considerada uma expressão da sua dessacralização, fenômeno desenvolvido por teóricos como Walter Benjamin. A arte, antes do surto de desenvolvimento dos meios de comunicação em massa, ficava restrita à determinados espaços, como as galerias e museus, acessí-

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colagem; a arte digital e a sua reprodutibilidade técnica

na sobreposição de apenas duas imagens: o indígena ancestral e o contemporâneo, os outros elementos eventualmente adicionados possuem relação com a cultura indígena, mas frequentemente passam despercebido. A mensagem dela é clara e contundente: há uma conexão entre os corpos. Ela traça uma relação entre eles, de identidade, ancestralidade e processos histórico ao qual os corpos retratados foram sujeitos.


02 Pablo Picasso - Garrafa de Vieux Marc (1913) 03 Vik Muniz - Santa Rita (2012) 04 Hannah Hoch - Fashion Show (1925-1935) 05 André Bretton - Egg in the Church or The Snake (1932) 06 Vik Muniz - Série Lixo Extraordinário 2010

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vel para pequena parcela da população, detentoras de privilégios sociais em sua maioria - elite intelectual e econômica. Somado à isso, cada peça de arte possuia caratér único e exclusivo, uma vez que os meios de reproduzi-la ainda não existiam/eram difundidos. Considerada uma peça singular de altíssimo valor, e distante do restante da população, as obras de arte adquirem caráter sacro. Ao primeiro grande abalo neste estatuto de culto, a fotografia, a arte respondeu com a doutrina da arte pela arte, da qual:

“resultou uma teologia negativa da arte, sob forma de uma arte pura, que não rejeita apenas toda função social, mas também qualquer determinação objetiva [...] com a reprodutibilidade técnica, a obra de arte se emancipa, pela primeira vez na história de sua existência parasitária, destacando-se do ritual” A Obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica (p. 171).

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01 Hannah Hoch - Flucht (1931)

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A arte, rompido o termo de compromisso com o belo e erudito, adquirido capacidade de reprodutibilidade, ampliado seu alcance dentro das distintas camadas sociais, viu, nesse momento, seu potencial de reprodução de uma mensagem e, portanto, de veículo de comunicação em massa. 04

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Paridade chega até nós em formato de denúncia. A imagem dos povos indígenas é nada menos que um testemunho histórico de sua existência, que nos faz lembrar de sua história, intimamente vinculada à história da colonização, aquela que já tanto cansamos de denunciar, marcada por atrocidades de todos os tipos, genocídio, escravidão racial, desterritorialização, invasão e violação de seus corpos, suas terras, deslegitimação de suas crenças, ritos e da sua cultura. Um povo que teve sua existência negada por ser considerado não civilizado, selvagem ou primitivo. E as consequências são manifestadas até os dias de hoje, através da violência desproporcional, morte prematura, falta de direitos e escassez de recursos humanos, contaminação ambiental, violações sistemáticas, desapropriações territoriais e outras formas de negação. É evidente, que grande parte das artes e da história que encontramos nas galerias e nos museus são contadas pela perspectiva do ho-

A arte como forma de resistência não se trata somente de negar o poder opressor, mas sim de traçar um caminho para criação de novas maneiras de existir, pensar, sentir e viver. Formas de re-existência.

“Não se pode ignorar o fato de que o território, assim como o corpo, é o ponto de partida material e concreto para existência humana. [...] Afirmar a arte como território de re-existência seria, neste sentido, uma forma de expandir a reivindicação pelo território e por uma corporalidade descolonizada. [...] A arte como território de resistência envolve tanto a descolonização da arte como a vinculação com outras formas de colonização. [...] Zonas de afirmação da vida frente ao mundo da naturalização da morte (moderno/colonial). Também é estabelecer uma relação com o outro, que expõe limites e provoca perguntas, expõe os horrores dos padrões de percepção existentes, e sugerem formas de espaço, de tempo, de subjetividade e intersubjetividade onde os sujeitos podem existir dando-se uns aos outros em múltiplas comunidades.” Nelson Maldonado Torres (p. 26) Paridade também pressupõe identificação. Algo que é par, está em pé de igualdade, semelhança. Acredito que aqui possa ser descrito dois níveis de identificação de semelhanças. Entre o indígena ancestral e o indígena atual, e os indígenas da obra com o transeunte que passa. Ambas despertam indagações como: em quais pontos as existências desses indivíduos se tangenciam. De quais processos foram agentes ou espectadores. Um existe dentro do outro. Existe uma tendência natural do ser humano, ao observar imagens ou objetos sobrepostos, de compará-los. Onde se assemelham, onde se

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arte como território de resistência indígena

mem branco colonizador. Pensar a nossa historiografia nos remete inexoravelmente à construção temporal que o ocidente europeu instaurou no ocidente geográfico conquistado, e isso é transmitido na denominação dos períodos historiográficos: era pré-colombiana. O prefixo “pré” indica uma construção temporal baseada em um momento anterior e posterior à colonização. Ao anterior, é reservado a parte da história daqueles reconhecidos como “os outros”, uma história consideravelmente menos relevante e anterior à modernidade e ao processo civilizatório. O esquecimento e apagamento histórico consistem em um projeto político e educacional, que aparta um povo de sua cultura e suas raízes ancestrais - lugares de força e resistência. O interesse do patriarcado é a desmembração do grupo, pois assim se reduz a probabilidade de dissidência, e facilita a domesticação.


02 Feliciano Sibé Lana, Kenhiporã - Mito de Diadoe 03 Carmézia Emiliano - O Pescador 04 Jaider Esbell - O Explorador e O Progresso.

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divergem e qual a relação deles com nós mesmos. O que sabemos sobre nós. Suas singularidades, nos aprofundam em nossas particularidades. O que dele também reside em mim.

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01 Denilson Baniwa - Terra Indígena

“O diálogo com a rua como parte inerente à sua concepção. Isso porque o trabalho opera como testemunho explícito de um reconhecimento identitário indígena, evidenciando os amplos efeitos do necroprojeto colonial, que em seu plano de genocídio da população indígena, somado à falácia do programa da miscigenação brasileira, saqueou o direito de um pertencimento enquanto povo, enquanto etnia. Beatriz Lemos,sobre a obra Paridades no site do premio pipa 2020

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A exibição da obra na rua é parte fundamental do trabalho de Gê. Ela leva ao centro da cidade imagens de descendentes de indígenas, subvertendo o paradigma de que tais indivíduos não pertencem ao contexto urbano, colocando-os numa posição de protagonismo dentro dos centros de discussão. Dá visibilidade aos invisibilizados. Levanta questionamentos e traz reflexões acerca do lugar e da história dessas pessoas. Pode-se dizer que ela os humaniza ao aproximá-los das massas urbanas, aquelas que por vezes se sentem distantes demais dos indígenas para se sensibilizar com suas causas. É um convite para o debate no lugar mais democrático que a nossa sociedade construiu até agora. A rua.

“Eu sempre jogo estes trabalhos na rua porque eu acho que a rua é um local onde as pessoas tem um maior acesso às tuas obras e tem uma interlocução maior do tipo saber o que te

Trazer esse tipo de projeto para as ruas lhe atribui caráter de conscientização social, uma vez que provoca questionamentos e reflexões acerca da historiografia e da formação e composição da nossa sociedade; tanto no âmbito nacional, como no projeto de colonização em uma escala global. Pode-se dizer que existe quase um viés pedagógico na proposta, que ganha potência quando analisado frente ao contexto em que se encontra. Um país da periferia do capitalismo, cujos índices de desigualdade se apresentam dentre os mais altos do mundo, onde a educação, na prática, é direito apenas de alguns. Para muitos, a educação acontece nas ruas, e daí vem a importância de torná-las ambientes provocadores, filosóficos, que convidem à reflexão e ao debate. E na rota para a demolição dos padrões universais de conhecimento e existência, temos trabalhado de forma incansável na elaboração de um pensamento sistêmico e radical que proporcione os devidos suportes às insurgências que se manifestam na descolonização dos corpos e do inconsciente, de forma que tais insurgências codifiquem e corrompam os procedimentos coloniais de coerção e apagamento. Beatriz Lemos, sobre a obra Paridades no site do premio pipa 2020 Além disso, a intervenção urbana é uma forma de apropriação e participação da cidade. A possibilidade do indivíduo colaborar com a construção e transformação de seu habitat, e de assim se transformar com ele, potencializa a sensação de pertencimento e contribui para uma relação de proximidade com esse espaço. A necessidade de pertencer à um grupo é intrínseca à natureza do ser humano, todos nós buscamos nos sentir parte de algo maior; uma vez que o cidadão sente isso frente à sua própria cidade isso tem impacto na sua percepção como ser coletivo e, talvez, até na sua qualidade de vida. Creio que também podemos entender a intervenção urbana como manifestação de vida, da vida que existe dentro das cidades e as quais foram responsáveis pela atitude de intervir, da vida fruto dos estímulos sensoriais que aquela obra desperta nos transeuntes, nas cores, nas texturas, nas emoções e nos pensamentos que estimula. Além disso, a rua aparta da ideia de obra de arte como objeto de cunho sagrado e cujo fim está em si mesmo; e a joga para a multidão, lhe atribui uma função social, de cunho político. Tem papel fundamental na difusão da mensagem.

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a cidade; como um espaço democrático e pedagógico

afeta e o que afeta o outro” Gê Viana em entrevista para O Imparcial, em maio de 2019.


Outro artista com costume de exibir imagens das escalas mais variadas, inclusive gigantes, pelas suas mundo a fora e cujo paralelo traçado com as obras de Gê nos pode fornecer análises ricas, é o artista francês JR. Ele possui um trabalho na favela do morro da Providência, realizado em agosto de 2008. Depois de ouvir a trágica história na qual 3 meninos da comunidade foram assassinados e tiveram seus corpos dilacerados, jogados nas latas de lixo, JR sentiu necessidade de observar essa realidade de perto. O artista pretendeu dar visibilidade à mulheres ligadas ao episódio, familiares das vítimas, registrando seus rostos e olhares através da fotografia e transformando-os em em lambe - lambe gigantes, colados na residência dos moradores da comunidade. A arte fala sobre as próprias pessoas que nela vivem, assim como gê, ele recupera suas histórias e de suas vidas; onde a vida de um intercepta a do outro, onde um se percebe/ enxerga no outro. É um manifesto de resistência, uma denuncia à violência, e um suspiro de esperança - ainda que há quem não veja,

“Eles me tiraram de uma grande depressão”, fala a cozinheira, encarregada de “cuidar” da equipe. “Me senti realizada de ganhar amigos de tão longe. Nunca vou esquecer.” A outra, cuja imagem ficou estampada nas escadarias da favela, é dona Benedita, 68, avó de David da Silva, um dos rapazes assassinados no episódio. “Sou uma heroína sim. Desde que meu neto morreu, estou lutando para resistir. Perdi um pedaço de mim.” Folha de São Paulo, 19 de Agosto de 2008 Outra análise frutífera que pode ser estabelecida é do trabalho de Gê com “ Estou aqui, Sou daqui” do fotógrafo japonês radicado no Brasil, Tatewaki Nio.

Na espiral do Atlântico Sul, projeto de Tatewaki Nio para a Bolsa de Fotografia ZUM 2017, retoma o tema do fluxo e refluxo de populações africanas entre os dois continentes. O projeto é dividido em três partes. Em “Nas pegadas dos retornados”, Nio vai em busca de traços da presença de escravos libertos retornados do Brasil no estilo de arquitetura que introduziram na região do golfo da Guiné no final do século XIX. Em “Megacidades”, o fotógrafo investiga a feição da Lagos moderna, cidade em constante expansão que já é a maior do continente africano e está em vias de se tornar uma das maiores do mundo. Na terceira e última parte, “Estou aqui, sou daqui”, Nio promove reencontros imaginários entre imigrantes e refugiados nigerianos que vivem em São Paulo e suas famílias em diversas cidades da Nigéria. A ausência e o reencontro, a distância espacial e a proximidade reconstruída na memória são temas que animam seu trabalho. Revista Zum 2019 A corrente de pensamento de Tatewaki tange a de Gê ao tentar transpor essas existências/presenças para outros espaços. Os projetos optam por unir iconograficamente indivíduos que estão em lugares distintos do espaço-tempo, apontando, de maneira indireta, para uma reflexão acerca das descendências de um povo e proces-

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trançando relações; exemplos que dialogam: JR, Tatewaki Nio

existe beleza no morro. Se trata de olhar de fora para poder olhar para dentro. O resultado? Uma paisagem urbana visualmente mais interessante, bela e divertida; o fortalecimento da identidade e reconhecimento da luta e legitimação da beleza daquele lugar.


01 Lanre e sua família: Ibadan - São Paulo 02 Najeen e Bankole: São Paulo - Osogbo 03 JR no Morro da Previdencia - Woman are Heroes, Brazil (2008-2009)

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sos histórico-sociais aos quais foram submetidos. Sob o ponto de vista da composição, ambas as imagens produzidas pelos autores são compostas por dois planos, no caso da artista maranhense esses planos são temporais: o indígena do passado x o indígena contemporâneo; no caso do artista nipo-brasileiro, os planos se dividem por conta diferença geo-espacial: São Paulo x Nigéria. É importante dizer que ambos trabalhos possuem como tema central a ancestralidade e memória, e os indivíduos tratados, vítimas do sistema brutal da colonização.

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Tatewaki Nio Estou aqui, Sou daqui.

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Paridades deve ser considerada uma obra de arte muito potente dada tamanha urgência e importância do debate que levanta. Ela é contemporânea ao suscitar uma reflexão decolonial, e atemporal ao denunciar as violações dos corpos, das culturas e dos territórios indígenas. E demonstra, para além disso, uma vitória na conquista do espaço indígena na arte contemporânea no Brasil. Sua conquista de espaço não se dá apenas nas galerias, mas também nas ruas, ao ocupar o espaço público com um convite à filosofia e à reflexão, democratizando o debate. Ela ainda qualifica a cidade e tornando-a um ambiente mais agradável para se viver e cheia de estímulos filosóficos e visuais. Gê Viana exerce de maneira esplêndida o papel de levantar os debates acerca das minorias étnicas, sociais e de gênero, manifestando sua militância e provocações no campo da arte, e trazendo-a para o espaço público, esse debate que ganha cada vez mais força na sociedade.

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considerações finais

bibliografia

TORRES, Nelson Maldonado. El arte como territorio de re-existencia: una aprocimación decolonial. Rutgers University, New Brunswik (USA), p. 3, 1 jul. 2017. Disponível em: Iberoamerica Social. Acesso em: 14 dez. 2020. ACHINTE, Adolfo Alban. Artistas Indígenas y Afrocolombianos: entre las memorias y las cosmoviziones: estéticas de la re-existencia. In: ARTE y Estetica en la Encrucijada Descolonial. Buenos AiresArgentina: Ediciones del Signo, 2009. Disponível em: pdf. Acesso em: 4 dez. 2020. BENJAMIN, Walter. “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”. In: Obras escolhidas I. São Paulo: Brasiliense, 1987. ROJAS, Francine Carla; DARÓS, Mila Guimarães. O (Des) Aprender Aesthetico como Opção Descolonial:: resenha do livro Arte y Estetica en la Encrucijada Descolonial II. Arte y Estetica en la Encrucijada Descolonial, Buenos AiresArgentina, p. 183, 27 nov. 2014. Disponível em: pdf. Acesso em: 4 dez. 2020. MARTINS, Samartony. A arte denuncia da artista Gê Viana nas ruas de São Luis. [S. l.], 16 maio 2019. Disponível em: https:// oimparcial.com.br/entretenimento-e-cultura/2019/05/a-arte-denuncia-de-ge-viana-nas-ruas-de-sao-luis/. Acesso em: 4 dez. 2020. OSÓRIO, Luiz Camillo. Ocupação Finalistas 2020: Gê VIana. [S. l.], 6 nov. 2020. Disponível em: https://www.premiopipa. com/2020/11/ocupacao-finalistas-2020-ge-viana/. Acesso em: 4 dez. 2020. NOGUEIRA, Thyago. Gê VIana. [S. l.], 8 dez. 2020. Disponível em: https://ims.com.br/convida/ge-viana/. Acesso em: 4 dez. 2020. Currículo Oficial da Artista Gê Viana. Acesso em: 4 dez. 2020. https://cargocollective.com/geart/Curriculo Site Oficial do artista Tatewaki Nio. Acesso em: 4 dez. 2020. https://www.tatewakinio.com/ Site Oficial do artista JR. Acesso em: 4 dez. 2020. http://www.jr-art.net/projects/rio-de-janeiro


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