Pense Virtual 2018

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PENSE Revista Virtual das Faculdades Integradas Barros Melo Volume 5 | nĂşmero 8 | Dezembro 2018


Conselho Editorial:

Diego Raphael D Azevedo Carreiro Milena de Lima Travassos Ricardo César Campos Maia Rodrigo Martins Aragão Editor: Izabella Barros Melo Dias Coordenação técnica: Sydia Magnólia Pinto Sousa – Especialista em Informação Tecnológica – CRB-4 1246 Diagramação: Maria Eduarda Maux e Silvio Ribeiro Revisão ortográfica: Cristiane Abreu, Jovana Roberta de Souza e Raíne Albuquerque Projeto gráfico: Maria Eduarda Maux A Revista Acadêmica das Faculdades Integradas Barros Melo tem por escopo a publicação científica de artigos acadêmicos. Os artigos são de responsabilidade dos respectivos autores, não refletindo necessariamente a opinião do Conselho Editorial acerca do conteúdo dos mesmos. Direitos Reservados à AESO – Faculdades Integradas Barros Melo. Copyright by Ensino Superior de Olinda Ltda-AESO. A Ensino Superior de Olinda Ltda - AESO cumpre, rigorosamente, a Lei do Depósito Legal (Lei no 1.825 de 20 de dezembro de 1907), sendo a Revista das Faculdades Integradas Barros Melo, preservada como patrimônio jurídico-literário na Biblioteca Nacional. É permitida a reprodução parcial dos artigos, desde que citada a fonte. Solicita-se permuta / Exchange disued / On demande échange

PENSE – Revista de Direito das Faculdades Integradas Barros Melo. Olinda: AESO, v.5, n.8, 2018. 109p. Anual ISSN 1983-5957 1. Direito - Periódicos. 2. Ensino Superior de Olinda – AESO. I. Faculdades Integradas Barros Melo. CDD 340.05




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Volume 5 | número 8 | Dezembro 2018

07 | Thiago Diniz do Nascimento

Diplomacia pública americana: cultura, soft power e o jornalismo internacional

19 | Ricardo César Campos Maia Júnior

O discurso audiovisual outsider em resgate cultural

37 | Nataly de Queiroz Lima

Hélida Costa Pinto Marjourie Stephanie Corrêa

A Voz Delas: As Estratégias de Comunicação da Marcha das Vadias Recife

47 | Eduardo Santos Filipe Falcão

Questões estéticas do cinema mainstream contemporâneo: Uma análise da estética do excesso e do hiper cinema no blockbuster no século XX

61 | Ivson Souza

Rodrigo Martins Aragão

Onde a zoeira encontra seu limite: uma análise do uso de memes no jornalismo do Estadão

75 | Maria Eduarda Andrade Barbosa Rodrigo Martins Aragão

Mapeando estratégias do Telejornalismo em cenário de Transmidiação

89 | Bruna Andrade Pessôa

Daniele Oliveira De Souza Alves Igor Santos Vélez Marcele Dias De Moura Ana Carolina Vanderlei Cavalcanti

Trabalho de parto: a experiência de produção de uma série de reportagens para tv

97 | Luis Felipe Barros Cavalcanti Luiza Falcão Soares Cunha

Padrões tipográficos como facilitadores da assimilação das possibilidades semânticas das fontes de texto



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DIPLOMACIA PÚBLICA AMERICANA: CULTURA, SOFT POWER E O JORNALISMO INTERNACIONAL

Thiago Diniz do Nascimento

Professor do Curso de Publicidade e Propaganda das Faculdades Integradas Barros Melo Mestre em Marketing nascimento100@hotmail.com

Resumo Neste artigo, estuda-se a relação entre a Diplomacia Pública dos Estados Unidos e os meios de comunicação impressos. Examina-se, também, a questão da cultura sob a ótica de Bhabha (2003) e de autores como Fitzpatrick (2008) e Arndt (2007), e da influência da mídia na tentativa de promover a imagem de um país por meio de ações de soft power. A teoria é crítica em relação às tomadas de decisão de política internacional do governo Donald Trump. O foco dos acadêmicos tem se voltado mais a questões com o mundo árabe, que recebem mais cobertura de mídia. Por outro lado, os jornalistas entendem que os conflitos mundiais e temas econômicos e políticos são mais presentes no noticiário internacional. Este estudo revela que, em alguns países da América Latina, o antiamericanismo também é crescente e que o jornalismo internacional e as agências internacionais de notícia desempenham papel importante nas ações de Diplomacia Pública. No entanto, as principais conclusões apresentam que a cultura, enquanto pauta de notícias, não é entendida por parte dos jornalistas como tema que possa gerar um reposicionamento de imagem do país em outras nações. Palavras-chave: Jornalismo Internacional; Diplomacia Pública; Relações Internacionais; Cultura; Estados Unidos.


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1. Introdução Diferente da Diplomacia Oficial, em que os líderes mundiais se comunicam em níveis mais altos e em que as decisões tomadas são, em algumas situações, de gabinete e sem consulta popular, a Diplomacia Pública pode ser descrita como as diversas formas e ferramentas por meio das quais um país se comunica com os cidadãos de outra nação na tentativa de criar uma imagem positiva. Os impactos deste diálogo são observados, diretamente, com o público da nação estrangeira, com a mídia deste país ou por meio de Organizações Não Governamentais. Alguns países – especialmente, após a descolonização – utilizaram-se deste instrumento a partir de organizações de promoção e fomento à cultura, como a Alliance Française (França), o The British Council (Reino Unido) e o Instituto Cervantes (Espanha). No entanto, o ataque às Torres Gêmeas, no dia 11 de setembro de 2001, marcou uma nova relação do homem consigo no campo das relações internacionais. Países tornaram-se cada vez mais distantes entre si e as fronteiras antes, delimitadas em mapas, agora, estão no imaginário popular e se desenham também em redes sociais e no noticiário internacional. Tendo acontecido em solo norte-americano, o evento definiu uma nova relação do governo dos Estados Unidos da América com o mundo. Em relação ao Oriente Médio, as decisões imediatas da administração Bush causaram um impacto negativo na imagem norte-americana, que se alastrou por outras regiões e, graças à cobertura jornalística dos meios de comunicação, atingiu, também, diversas partes do mundo. Neste sentido, alguns estudos têm como foco a crise que se estabeleceu entre os EUA e antigos aliados árabes e como usar a Diplomacia Pública para minimizá-la (AMR, 2004; NYE JR., 2003). Outros autores, no entanto, procuram encontrar motivos pelos quais os Estados Unidos não são mais tão admirados pelo mundo ocidental como costumavam ser, especialmente, durante os anos da Guerra Fria (FITZPATRICK, 2008). Sendo assim, algumas características da Diplomacia Pública, que se mostraram bastante eficientes dos anos pós-guerra até o 11 de setembro, não reverberaram no cenário atual. Ao mesmo tempo em que tem sido debatido a respeito do impacto das decisões de Washington sobre o mundo árabe, pouco se discute a respeito das consequências nas relações norte-americanas com os países da América Latina. Fatos como a decisão do governo de Donald Trump em revisar o acordo de aproximação com Cuba, anteriormente aprovado por Barack Obama, os constantes ataques do governo Nicolás Maduro da Venezuela à administração estadunidense e até a construção do muro na fronteira com o México têm trazido à tona um novo ingrediente ao tema da Diplomacia Pública: uma cobertura jornalística mais crítica dos Estados Unidos, o que pode gerar uma imagem mais distante dos objetivos do país na região. Historicamente, os laços sempre foram mais fortes com o Brasil, haja vista o confirmado patrocí-


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nio ao Golpe Militar de 1964 exposto no documentário “O Dia que Durou 21 anos” (2direção de Camilo Tavares, 2013). Mesmo assim, é importante tentar entender como a imprensa constrói a imagem de um país estrangeiro para os cidadãos nacionais. Desse modo, o propósito deste estudo é a respeito da Diplomacia Pública considerando o caso dos Estados Unidos da América e as Editorias de Internacional dos dois maiores jornais de Pernambuco em tiragem, entendendo tais editorias como possíveis agentes multiplicadores da imagem internacional do país. Tema importante dentro das estratégias de Diplomacia Pública, a promoção da cultura nacional para outras nações é examinada considerando a cobertura jornalística de editorias de Internacional.

2. Diplomacia Pública Segundo a Agência de Informação dos Estados Unidos, a Diplomacia Pública (DP) tem como objetivo: Promover o interesse e a segurança dos Estados Unidos através da compreensão, informação e influência de públicos estrangeiros bem como aumentar o diálogo entre instituições norte-americanas e suas equivalentes de outros países (AMR, 2004, p 4).

Outro objetivo da Diplomacia está, justamente, no crescimento da comunicação entre países, de modo a aumentar as relações de admiração e confiança. Neste cenário, os meios de comunicação, que podem ser oficiais ou privados, desempenham papel fundamental na condução de uma imagem proposta (BAYLES, 2005). O jornalismo surge como ferramenta importante no atingimento deste objetivo, já que a mensagem a ser divulgada conta com a credibilidade do profissional ou do veículo de comunicação. Por outro lado, em um mundo em que o receptor da mensagem, hoje, torna-se emissor, este controle sobre a imagem de determinada nação perante outra cai drasticamente. Aliado a isto, desde 2003, houve uma queda nos investimentos em Diplomacia Pública por parte do governo dos Estados Unidos. Brzezinski (2004 apud FROELICH, 2005) também observa a importância do uso de ferramentas de Diplomacia Pública como fator catalisador para o desmantelamento do comunismo entre os países europeus, tendo a Polônia e sua admiração pelo modo de vida ocidental como ponto de partida. Mesmo assim, a relação de boa vizinhança com o mundo ocidental, explícita por meio de filmes, músicas e do American Way of Life, mostrava os Estados Unidos como a terra das oportunidades e da liberdade, conceitos que são, hoje, timidamente associados à marca-país americana – um dos exemplos mais recentes dessa nova compreensão da imagem estadunidense foi a reação do governo Trump à crise de refugiados. É claro que, com o avanço da tecnologia, fica mais difícil para qualquer nação controlar a sua imagem no exterior.


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A literatura também mostra que o hard power (uso da força militar e/ou embargos econômicos) tem sido utilizado com mais frequência em detrimento do soft power (ações que envolvem informação, turismo, cultura, educação e da qual faz parte a Diplomacia Pública). Desse modo, quanto maior for a força empregada em uma tomada de decisão (por exemplo, o veto à entrada de nacionais, como Irã, Síria, Iêmen, Somália, Sudão e Líbia nos Estados Unidos sob argumento de garantir a segurança nacional) maior será a reação a ela. Por outro lado, Fitzpatrick (2008) mostra que, durante a administração Reagan, os gastos em ações de DP aumentaram consideravelmente, muito embora a Agência de Inteligência Americana tenha definido que “destruir o comunismo” era apenas o 11º objetivo das ações de Diplomacia Pública naquele momento. Até o final da década de 90 do século XX, o programa “A Voz da América” era exibido em mais de 150 países, e a promoção cultural de ideais americanos acontecia por meio de exibições de arte e de programas educacionais de intercâmbio. É preciso lembrar, ainda, que este presidente utilizou com veemência o hard power, especialmente, em nações latino-americanas que ameaçassem sair da esfera de influência de Washington. Os estudos de Snow (2002) mostram que o mundo ocidental é, hoje, cada vez menos pró-americano. A estratégia diplomática, após o 11 de setembro, aliada a uma forma de comunicação complexa, tornaram a nação americana menos simpática, especialmente, entre europeus e canadenses, tradicionais aliados. Nesse sentido, para Amr (2004), o mundo passou a repelir mais os ideais americanos, uma vez que algumas normas comuns de Diplomacia Pública deixaram de ser colocadas em prática. Segundo ele: a) É preciso ter a Diplomacia Pública como prioridade: A Diplomacia Pública precisa ser priorizada e estar de acordo com as decisões de diplomacia oficial de um país. Para ter efeito, é preciso um orçamento específico e interessante. b) Eficiência de ações de DP necessitam de coordenação: Todas as instâncias de governo (Secretaria de Estado, Subsecretaria de Diplomacia Pública e Conselho de Segurança Nacional) precisam andar de mãos dadas a partir de ações coordenadas. c) Para ações no exterior, não existe uma única fórmula: No mundo islâmico, por exemplo, existe uma complexidade e heterogeneidade de comportamento, acesso à informação e à riqueza. Isto se repete em outras regiões e, desse modo, é preciso compreender as diferenças regionais antes de tomar uma decisão. d) Aumentar programas de intercâmbio é essencial: Programas como a Fullbright devem ser enfatizados, uma vez que, ao entrar em contato com a cultura norte-americana, o estudante pode passar a admirá-la e, ao voltar ao país de origem, espalhá-la entre os seus.


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Este último ponto, no entanto, é confrontado nas palavras do próprio senador William Fullbright: Eu rejeito absolutamente qualquer opinião que mostre nosso sistema de educação e cultura como armas ou instrumentos de combate. Não há nem haverá espaço para interpretar este programa como propaganda (ROTH, 1984, p. 371).

Em regiões onde existe um crescente sentimento antiamericano, naturalmente, fica mais difícil implementar tais ideias. Os meios de comunicação também podem agir de modo independente para contribuir para a melhoria ou para deterioração de uma imagem (JOHNSON e DALLE, 2003). Corroborando com esta ideia, Froelich (2005) mostra que algumas decisões do governo George W. Bush, que teriam um impacto positivo imediato, considerando o país como única potência econômica mundial, foram condenadas pela mídia. A unilateralidade do ataque ao Iraque, sob o pretexto de fabricação de armas de destruição de massa, chegou, para a cobertura de mídia, como um efeito dominó. Por outro lado, o Governo Donald Trump tem sido criticado com veemência por veículos de comunicação e por jornalistas em função de decisões de repercussão internacional que comprometeram a imagem positiva dos Estados Unidos. O efeito “Trump slump” já se observa também em áreas como a de Turismo. Dados da U.S. Travel Association (Associação de Viagens dos Estados Unidos) mostram que, no primeiro trimestre deste ano, houve uma entrada de 7,3 milhões de visitantes internacionais (excluindo Canadá e México), ou seja, uma queda de 7,8% em relação ao mesmo período do ano passado. O decréscimo foi notado em quatro dos primeiros sete meses do ano, mas foi mais percebido nos meses de fevereiro e março, que apresentaram queda de 6,8% e 8,2% respectivamente. Segundo Pires (2017), A queda de desembarques internacionais nos EUA alimenta o receio de que a política vigente esteja afastando os turistas, sendo um dos efeitos “Trump slump”. Principalmente porque as quedas foram mais observadas nos meses seguidos à posse do presidente norte-americano.

Por outro lado, o aspecto transnacional da cultura é apresentado por Bhabha (2003) ao afirmar que a cultura é transnacional porque os discursos pós-coloniais contemporâneos estão enraizados em histórias específicas de deslocamento cultural, como no caso do trânsito de refugiados econômicos e políticos dentro e fora do Terceiro Mundo. Muito embora exista o simulacro representado pelo discurso de internacionalismo por parte de multinacionais, redes de tecnologia ou mesmo de governos, o que há, segundo o autor, são “circuitos viciosos do superávit que ligam o capital do Primeiro Mundo aos mercados de trabalho do Terceiro Mundo por meio das cadeias da divisão internacional do trabalho”. Bhabha (2003) ainda propõe que o nacionalismo anglo-americano, que articulou seu poder econômico e militar em episódios de conflitos, como os das Ilhas Malvinas ou os da Guerra do Golfo, alastra-se para questões cul-


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turais na tentativa de estabelecer influência hegemônica sobre as ordens de informação do mundo ocidental e, mais especificamente, na sua mídia. Nesse sentido, ao apostar na “fixidez” como forma de imposição de discurso, Bhabha (2003) afirma que o estereótipo é a principal estratégia discursiva. Sendo assim, os esforços de Diplomacia Pública Norte-Americana no soft power teriam como objetivo mostrar os Estados Unidos como o “capitão do mundo livre” ou “a terra das oportunidades” por meio de signos representados em filmes, livros e músicas. O autor apresenta ainda a dicotomia do estereótipo que demonstra o ideal cultural americano como pioneiro e masculino em detrimento de uma ameaça estrangeira por raças e culturas supostamente inferiores – suposição confirmada pelo discurso do presidente Donald Trump. Já no tocante à Diplomacia Pública e à cultura, Arndt (2007) defende que as relações culturais ocorrem naturalmente entre pessoas de diferentes nações como resultado de comércio, intercâmbio cultural, turismo, entretenimento e comunicação. Mas a Diplomacia Cultural apenas acontece quando um governo decide apoiar programas que visem promover o interesse nacional em outros países.

3. Jornalismo internacional construindo imagens O Jornalismo Internacional surge como uma das principais ferramentas de construção de imagem de um país em relação a outro (NATALI, 2004). O autor define, ainda, que algumas variáveis específicas devem ser observadas: a) Quantidade de Títulos – Em função da grande quantidade de títulos jornalísticos, o interesse pela notícia internacional perde-se absolutamente. O que pode ser mais interessante para o jornal de um país cobrir, pode passar em branco para o periódico de outra nação. b) Distanciamento da Fonte – Diferente das outras editorias, o jornalista internacional, na maior parte das redações, encontra-se bastante distante da fonte e, em algumas situações, até do fato em si. Desse modo, como estabelecer prioridades e prever possíveis interpretações da notícia? c) O fim da Guerra Fria – Este é um tema que, segundo o autor, mudou paradigmas na cobertura de assuntos internacionais. De acordo com ele, o mundo era dividido entre duas ideias antagônicas, o que tornaria muito mais fácil para o leitor identificar posicionamentos políticos que, sem dúvida, existem na cobertura jornalística. Em um mundo menos polarizado, como fazer com que a notícia não incorpore interesses de uma superpotência absolutamente hegemônica? d) O papel da Agência de Notícias – Aqui, o autor é ainda mais crítico. Se o jornalismo internacional nasceu com a própria profissão, as agências de notícias nasceram entre os vitoriosos da 2ª Guerra Mundial em países democráticos (o que seria evidente pela liberdade de imprensa vigente).


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Ou seja, as Agências de Notícias nasceram em países vitoriosos como instrumento de conservação do status quo. Entre elas, estão a AFP (França), Reuters (Reino Unido) e a Associated Press (Estados Unidos da América).

O Noticiário Internacional também assume um novo papel dentro da realidade colaborativa de informação. Novas ferramentas, como Youtube, Facebook, Blogs e Wikis, fazem com que a opinião pública mundial tenha mais valor ainda. Muitas vezes, não sendo necessariamente jornalísticas as opiniões de youtubers ou de grupos de Facebook, elas podem ser levadas em conta a partir de critérios como page views, resposta e credibilidade da mensagem.

4. Análise de entrevista

Como parte da análise deste estudo, foi realizada uma entrevista com o Editor do Caderno Internacional do Jornal do Commercio (PE), Leonardo Spinelli, e com o Editor do Caderno de Internacional do Diário de Pernambuco, Kauê Diniz. Algumas reflexões a respeito do assunto abordado merecem destaque. O trabalho baseou-se em uma pesquisa de caráter exploratório. Este é um tipo de pesquisa que tem como objetivo principal o auxílio na compreensão da situação-problema enfrentada pelo pesquisador (MALHOTRA, 2006). Os dados secundários foram colhidos em livros, artigos, relatórios e publicações a respeito do assunto específico (Diplomacia Pública e Jornalismo Internacional), tendo por base os estudos de Fitzpatrick (2008), Snow (2008), Amr (2004) e Natali (2004). Já os dados primários foram conseguidos a partir de entrevista com a Editoria de Internacional do Jornal do Commercio de Pernambuco e com a Editoria de Internacional do Diário de Pernambuco. “A pesquisa qualitativa é uma metodologia de pesquisa não estruturada e exploratória baseada em pequenas amostras que proporcionam percepção e compreensão do contexto do problema” (MALHOTRA, 2006). A estrutura deste tipo de pesquisa é bastante flexível, permitindo que diferentes ideias, que possam surgir durante o estudo, possam ser exploradas. Neste caso, as hipóteses são, muitas vezes, vagas, pouco definidas e até inexistentes. As principais características da pesquisa exploratória qualitativa são: a informalidade, já que são feitas sem uma estrutura prévia e, geralmente, por meio de pesquisas pessoalmente; a flexibilidade, devido ao fato de não ter um questionário fechado, é possível aprofundar-se ou não em determinados assuntos dependendo do entrevistador; e a criatividade, já que muitas perguntas podem ser formadas no ato da pesquisa, de acordo com as respostas do entrevistado. A escolha da amostra para colher os dados primários foi por conveniência. A ideia foi estabelecer paralelos entre o que aborda a teoria de Diplomacia Pública, a importância do jornalismo internacional como ferramenta de construção de imagem e a editoria.


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4.1 Entrevistas Ao desconhecer o significado do termo “Diplomacia Pública”, o Editor do Diário de Pernambuco aponta que, para ele, o termo Diplomacia já determina a relação entre países. Sobre a questão de imagem do governo americano e os reflexos na cobertura jornalística, Kauê Diniz afirma que há realmente uma crítica maior ao presidente Donald Trump, que já vem desde a campanha eleitoral do ano passado. O temor pelo que ele representa nos ideais pelos quais faz questão de divulgar, sobretudo de nacionalismo exacerbado e preconceito a outros povos, colocou não só a América Latina, acredito eu, como boa parte da Europa reticente a seu governo. Isso podemos escutar também em conversa que temos com embaixadores de outros países que visitam Pernambuco.

Mesmo assim, ele não aponta nenhuma tentativa clara da administração americana em reverter tal tipo de imagem. Sobre a questão da cultura como pauta para ajudar a compreender um posicionamento mais positivo do país, o jornalista aponta que um resultado eficaz seria mais na área econômica, com algum avanço na pauta de negócios, e, sobretudo, na questão do visto de entrada no país. Se essa burocracia foi diminuída, como o presidente anterior, Barack Obama, vinha tratando, com certeza, poderia mudar um pouco dos olhos dos brasileiros em geral ao presidente Trump.

Ainda sobre o papel das Agências de Notícias, ele comenta que a produção do veículo é fundamental para evitar incompreensões ou desvios do fato: No Diário de Pernambuco, de alguma forma, conseguimos minimizar os efeitos em relação a um material com esse intuito das agências porque utilizamos bastante textos do Correio Braziliense – jornal que faz parte do mesmo grupo. Eles têm uma equipe própria que acompanha o noticiário internacional e desenvolve os próprios textos a partir do conceito e visão deles. De qualquer forma, além de utilizarmos textos das agências quando necessário, tentamos, também, acompanhar o desenrolar dos fatos para evitar excessos. Mas, com certeza, termina-se criando, neste noticiário internacional, muitas vezes, "mocinhos" e "bandidos". Hoje, por exemplo, neste segundo hall temos Venezuela e Coreia do Norte.

A respeito dos pontos levantados por Natali (2004), o jornalista fala que existe sim um distanciamento da notícia, uma vez que são poucos os veículos que mantêm sucursais no exterior. O uso de agências de notícias, deste modo, é frequente e ele aponta apenas a France Press como, puramente, internacional. Para construir a notícia, a Editoria precisa encontrar a matéria que traga mais visões sobre o mesmo fato. Mesmo distanciando-se mais dos fatos, a imprensa é mais apaixonada quando o fato tem a ver com o país do jornal. A imprensa americana é mais apaixonada na cobertura do 11 de


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setembro, assim como foi a brasileira no caso da extradição de cidadãos brasileiros na Europa. O jornalista concorda com os pontos levantados por Fitzpatrick (2008) e vai além. A antipatia mundial a Trump gera uma cobertura parcial, o que é natural diante da condução da política internacional desde as últimas eleições. Já o Editor de Internacional do Jornal do Commercio de Pernambuco, Leonardo Spinelli, que também desconhece o termo “Diplomacia Pública”, embora reconheça que países tentam influenciar uma cobertura mais favorável como o caso de Israel e Noruega – acredita que há uma abordagem desfavorável a Trump por parte dos jornalistas: Tirando blogs focados no público conservador e de direita, dificilmente se acha, na imprensa brasileira e, possivelmente, latino-americana, alguma abordagem totalmente favorável a Trump. Isso tem muito a ver com o estilo do presidente e sobre suas prioridades de campanha que, de forma geral, pregava perseguição aos trabalhadores ilegais que vivem naquele país, que são, em grande parte, hispânicos, latinos. É um quadro diferente em relação a Obama que tinha uma imagem pública mais favorável no continente.

Por outro lado, o jornalista apresenta a Venezuela como foco de atenção dos americanos na América Latina: Não acredito que o atual governo dos EUA tenha interesse diplomático específico no Brasil. O que já lemos a respeito é que o governo Trump tem um maior interesse na situação da Venezuela e vê a situação atual brasileira como passageira, assim como o atual mandatário Temer.

Ainda sobre uma possível cobertura pró-americana da imprensa brasileira em relação a de outros países do continente latino-americano, o editor acredita que isto acontecerá apenas se ocorrerem fatos. O Brasil, segundo ele, está mais atento aos assuntos internos e o país parece ter perdido o protagonismo internacional que havia conquistado. Por outro lado, o profissional não reconhece a cultura como pauta que gera reposicionamento de imagem, mesmo que concorde com a teoria de Bhabha (2003) a respeito da influência cultural dos Estados Unidos da América na região. Sobre os temas do jornalismo internacional, ele afirma que os maiores destaques, hoje em dia, abordam os conflitos entre nações e grupos de nações. Essa característica vem desde muito tempo, mas podemos notar uma atenção maior no conflito Israel-Palestina desde o fim da Guerra Fria. Estamos num momento de incertezas, como a eleição de Trump nos EUA e o Brexit do Reino Unido da União Europeia, enquanto a Rússia tenta se aproveitar para ganhar influência em outras partes da Europa, como no caso da Crimeia, e na guerra da Síria. Estes fatos, por si só, atraem a atenção das pessoas.


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5. Conclusões e limitações de estudo As ações de Diplomacia Pública ainda são um tema que gera uma série de opiniões. Muito embora a definição seja em torno de ações coordenadas que têm por objetivo promover a imagem de um país no exterior, a cobertura jornalística procura atentar-se mais aos fatos do que, necessariamente, às estratégias de influência de um ou outro governo estrangeiro. Por outro lado, uma nova abordagem sobre a produção de conteúdo – notadamente via agências de notícias – pode gerar uma cobertura que vai além do que está proposto na concepção da Diplomacia Pública. Fundadas no período pós-guerra pelos países vencedores, as agências de notícias contribuíram significativamente para preservar o status quo dessas nações no mundo. O jornalismo internacional tem como característica única um certo distanciamento da fonte – especialmente, no caso dos jornais examinados, não há sucursais de nenhum dos veículos no exterior. Deste modo, as agências internacionais de notícia são as fontes em que vão pesquisar os editores na construção da matéria. Em um mundo menos polarizado politicamente (pós-Guerra Fria), as informações que chegam às editorias precisam dialogar e mostrar a maior quantidade de pontos de vista sobre o mesmo fato. O estudo ateve-se à pesquisa de como a percepção dos Estados Unidos da América pode ser construída pelos órgãos de imprensa do Recife. O caso estudado revela que há uma piora significativa a respeito da cobertura jornalística do país tendo como ponto de partida a eleição do Republicano Donald Trump. A questão da cultura foi abordada como forma de construir uma imagem mais sólida e mais positiva do país. Ambos os entrevistados discordam da pauta cultural como base para cobertura jornalística e acreditam que temas ligados à economia e à política – por terem resultados mais imediatos – podem gerar uma mudança de imagem e de percepção de país. Neste sentido, os esforços de Diplomacia Pública precisam concentrar-se na divulgação de informações mais voltadas a estas pautas, o que poderá gerar mais interesse dos veículos do que, necessariamente, pautas culturais. Contudo, ambos entendem que há uma influência cultural dos Estados Unidos nos países ao sul do continente. No continente latino-americano, alguns focos de antiamericanismo foram apontados. As declarações oficiais de governantes da Venezuela contrastam, por exemplo, com ações diplomáticas do Brasil que se opõem aos Estados Unidos. Assim, outro tópico examinado foi o papel da imprensa brasileira como agente multiplicador de uma nova imagem norte-americana. A entrevista revelou que a imprensa não é agente multiplicador de uma imagem, mas sim que depende do que existe de notícia a ser divulgada. Sendo assim, os jornais publicarão notícias de interesse do leitor, sendo ou não de interesse americano. As limitações deste estudo foram de natureza metodológica. O estudo da Diplomacia Pública ainda é bastante embrionário no Brasil. Apesar de ser uti-


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lizada como forma de compreender o contexto de determinado problema, o pesquisador indica, para futuros estudos, que editores de Internacional de outros jornais brasileiros também sejam entrevistados.

Referências AMR, H. The Need to Communicate: How to Improve U.S. Public Diplomacy with The Islamic World. 2004. 66f. The Saban Center for Middle East Policy at The Brookings Institution. Washington D.C. ARNDT, R. T. The First Resort of Kings: American Cultural Diplomacy in the Twentieth Century. Paperback, 2007. BAYLES, M. Goodwill Hunting In: Wilson Quarterly, Summer 2005. p. 46-56. BHABHA. H. K. O local da cultura. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2003. BRZEZINSKI, Z. The Choice: Global Domination or Global Leadership. New York: Basic Books, 2004. CHICAGO (IL). The Chicago Council on Global Affairs. World Public Opinion 2006 Chicago, 2006, 17p. FITZPATRICK, K. R. The Collapse of American Public Diplomacy. In: ISA ANNUAL CONVENTION, 49., 2008, San Francisco. FROELICH, I. V. A Política Externa Americana e seus críticos. Revista Brasileira de Política Internacional. Brasília, vol. 48, n. 002, p. 205-215, jul./dez. 2005. GREGORY, B. Public Diplomacy and Strategic Communication: Cultures, Firewalls and Imported Norms.46f. George Washington University. Washington D.C. JOHNSON, S.; DALLE, H. How to Reinvigorate U.S. Public Diplomacy. Disponível em: < http://www.heritage.org/defense/report/how-reinvigorate-us-public-diplomacy >. Acesso em: 17 set. 2017. MALHORTRA. N. Introdução à Pesquisa de Marketing. Pearson. 2006. NATALI, J. B. Jornalismo internacional. São Paulo: Contexto, 2004. 127p. NYE JR, J.S. Propaganda Isn´t the Way: Soft Power. The International Herald Tribune. 10 jan. 2003. Paris. SNOW, N. Save The Really Important People. Disponível em: < https://www. commondreams.org/views/2002/03/02/save-really-important-people> Acesso em: 19 set. 2017.


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O DISCURSO AUDIOVISUAL OUTSIDER EM RESGATE CULTURAL

Ricardo César Campos Maia Júnior

Doutor em Comunicação Professor do Curso de Produção Fonográfica das Faculdades Integradas Barros Melo -AESO rmaiajr80@gmail.com

Resumo Este artigo pretende investigar o discurso fílmico outsider, ou desviante, do grupo pernambucano Telephone Colorido, sobretudo através do que esse material pode inferir enquanto embate entre política e estética. Desse modo, serão utilizados, como base para esta pesquisa, os teóricos do campo dos Estudos Culturais. A partir de um olhar crítico, que se volta para as intenções audiovisuais, o presente trabalho busca entender as transformações do cinema e da própria sociedade brasileira contemporânea. Para tanto, este artigo se concentrará no curta-metragem Resgate Cultural (2001). Palavras-chave: Política; outsider; estética; audiovisual.

1. Introdução Embalados pela autonomia subjetiva, os membros do Telephone Colorido desempenharam, em meio à marginalidade audiovisual pernambucana, um papel significativo. O panorama dessa produção fílmica é plural: da vídeo-arte a videoclipes com bandas locais, do documentário com grupos indígenas do Estado à cobertura de eventos de artes plásticas contemporâneas, da ficção rapsódica à vídeo-performance.


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Mas, apesar deste caráter multifacetado, há uma linha de tensão entre a política e a estética, recorrente nas realizações do coletivo, seja pela posição desencanada em trabalhar com equipamentos de baixo orçamento e tirar proveito disso, seja pela postura crítica-criativa de tocar em temas tabus e questionar assuntos interditados. Assim, introduzimos o ponto norteador da crítica a partir de um dos produtos audiovisuais do Telephone Colorido, o Resgate Cultural (2001), e o que ele pode inferir no choque entre a arte, a estética e a política. E para estabelecer uma relação de pesquisa consistente, é preciso compreender o momento histórico e a complexidade das ações artísticas do coletivo e de seus membros, principalmente através das aproximações interpretativas propostas pelo pesquisador e pelas teorias afins. O Telephone Colorido foi um grupo de produções audiovisuais proveniente do Moluscos Lama, que funcionou como uma comunidade de afinidade de artistas multimídias, no final da década de 1990. O curta metragem Resgate Cultural, realizado em 16 mm (18’51’’), pode ser considerado a síntese do coletivo, por ter sido “o clímax desse projeto não planejado” (MENDONÇA FILHO, 2010, p.40). A tendência expressiva a criticar abertamente e provocar os representantes do campo em disputa da Cultura é observada neste audiovisual. Assim, para começar a refletir sobre esta postura desviante, o que Inès Champey indagou, na contra-capa de apresentação de Livre-Troca: Diálogos entre Ciência e Arte (1995), de Pierre Bourdieu e Hans Haacke, vale como questionamento geral, porém, pertinente e, segundo ela, deve ser inerente para termos uma arte e uma crítica independentes, no mundo da livre-troca: Como se pode afirmar a independência de artistas e intelectuais críticos quando confrontados pelos novos cruzados da cultura ocidental, pelos campeões neoconservadores da moralidade e do bom-gosto, pelos patrocínios de multinacionais e apoio do Estado, além da preocupação auto-indulgente dos teóricos que perderam totalmente o contato com a realidade? Como salvaguardar o mundo da livre-troca, que é, e deve permanecer, o mundo dos artistas e intelectuais? (BOURDIEU, HAACKE, 1995).

Essas interrogações podem ser, a princípio, transformadoras da atitude crítica contemporânea, driblando e expondo esse emaranhado de indulgências a que os artistas estão sujeitos. E a partir destas problematizações podemos investigar, também: por que e como esta obra em questão atua enquanto discurso desviante? Como este campo em disputa da cultura pernambucana é tensionado? Talvez seja por um diálogo franco e aberto - sobre arte e a ampliação dos horizontes da cultura, desde a censura até as condições sociais da criatividade artística - que o Telephone Colorido luta. Não é um pensamento que busca estabelecer limites enquanto fronteiras intransponíveis; não se trata de procurar diferenças, mas, sim, continuidades. A investigação de Howard S. Becker a respeito de indivíduos que não seguem as regras nem têm uma posição clara na sociedade considerada “normal”, em


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seus estudos sobre sociologia do desvio, no que ele intitulou como outsiders, pontua categoricamente este debate teórico sobre a condição da marginalidade. O método antropológico empreendido por Becker deu uma outra perspectiva ao comportamento marginal, tirando a carga simbólica da delinquência e dando vozes aos agentes que são rotulados de desviantes; e entre eles estão muitos artistas. Ou seja, […] grupos sociais criam desvio ao fazer as regras cuja infração constitui desvio e ao aplicar essas regras a pessoas particulares e rotulá-las como outsiders. Desse ponto de vista, o desvio não é uma qualidade do ato que a pessoa comete, mas uma consequência da aplicação por outros de regras e sanções a um “infrator”. O desviante é alguém a quem esse rótulo foi aplicado com sucesso; o comportamento desviante é aquele que as pessoas rotulam como tal (BECKER, 2008, p.22).

Com base nesta percepção, é possível elucidar os processos sociais implicados através dessa ambiguidade: “a situação de transgressão da regra e de imposição da regra e os processos pelos quais algumas pessoas vêm a infringir regras, e outras a impô-las” (BECKER, 2008, p.15). E é valendo-se da noção da dinâmica dos micropoderes, e da aproximação com produtos fílmicos obscuros e pouco debatidos, que o embate crítico pretende inferir sobre os esquemas dos habitus e as estruturas dos campos¹ da coletividade e do indivíduo, em tensão. Dessa forma, Além de reconhecer que o desvio é criado pelas reações de pessoas a tipos particulares de comportamento, pela rotulação desse comportamento como desviante, devemos também ter em mente que as regras criadas e mantidas por essa rotulação não são universalmente aceitas. Ao contrário, constituem objeto de conflito e divergência, parte do processo político da sociedade. (BECKER, 2008, p. 30)

É através dessa divergência que o filme Resgate Cultural reflete sobre o cenário político da cultura pernambucana; fazendo uso do aparato midiático em meio a alegorias locais estilizadas pela paródia, pelo pastiche, pelo sarcasmo e pela ironia, para realizar um produto contestador. A partir desse ponto da análise, uma questão surge: o que as coisas, as pessoas e as obras de arte rotuladas de desviantes têm em comum? “No mínimo, elas partilham o rótulo e a experiência de serem rotuladas como desviantes” (BECKER, 2008, p.22). Apesar desta aproximação proposta entre o comportamento outsider e a arte, mais especificamente o campo audiovisual, Becker escreveu, no prefácio da edição dinamarquesa do livro, publicada em 2005, que existe uma diferença fundamental nessa relação: “o rótulo não prejudica a pessoa ou a obra a que é aplicado, como acontece em geral com rótulos de desvio. Em vez disso, acrescenta valor” (BECKER, 2008, p.14). ¹“[...] há, de um lado, uma gênese social dos esquemas de percepção, pensamento e ação que são constitutivos do que chamo de habitus e, de outro, das estruturas sociais, em particular do que chamo de campos” (BOURDIEU, 1990, p.149).


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Tal afirmação é, decerto, coerente, pois os comportamentos desviantes dos artistas podem agregar valor crítico e criativo, mesmo quando são rotulados como “malditos”. Mas é também contestável: muitos realizadores são censurados e limitados por baixos orçamentos por conta desses rótulos. O diálogo mais próximo dessa relação conflitante é o embate entre os ganhos de um discurso desviante que se vale pela divergência política enquanto procura a estética e as perdas, principalmente, por limitar os investimentos de produção e de divulgação da obra. Então, o rótulo de desviante agrega valor e prejudica a pessoa ou a obra a que é aplicado, ao mesmo tempo. O caminho do Telephone Colorido é, portanto, o da busca de uma estética a qual melhor expresse a realidade e o imaginário cultural pernambucano e que, ao mesmo tempo, cause um impulso transformador. Isso tendo o cinema como um instrumento para a guerrilha, responsável pela produção de uma consciência revolucionária do público. O audiovisual outsider, desta referida produção marginal pernambucana, enquanto procedimento atuante na malha cultural, é de suma importância para o entendimento crítico das estruturas culturais e dos esquemas de percepção, pensamento e ação da sociedade. Para entender o funcionamento destes dispositivos, é coerente aliar essa noção a outros conceitos sociológicos, dessa vez de Bourdieu, como forma de ampliar esta problematização entre os espaços sociais e seus agentes marginais. Tal visão é essencial para guiar a lógica das investigações da pesquisa por meio do embate entre a liberdade artística, a condição outsider e as disputas no campo e habitus da Arte. Cabe pontuar, então, que [...] a verdade do mundo social está em jogo nas lutas entre agentes que estão equipados de modo desigual para alcançar uma visão absoluta, isto é, autoverificante. A legalização do capital simbólico confere a uma perspectiva um valor absoluto, universal, livrando-a assim da relatividade que é inerente, por definição, a qualquer ponto de vista, como visão tomada a partir de um ponto particular do espaço social (BOURDIEU, 1990, p.164).

Esses artistas, por suas condições de produção outsider, procuraram não limitar a criatividade e, por isso, não deixaram de ir atrás de aberturas ou mesmo de criticar esta restrição da ordem do discurso. Aproveitando essa condição marginal, um outro questionamento pode ser formulado para contribuir ainda mais com essa argumentação, pegando emprestada a pergunta feita por Giorgio Agamben em um dos seus ensaios: o que é o contemporâneo? (2009). Segundo o autor, o contemporâneo seria “aquele que mantém fixo o olhar no seu tempo, para nele perceber não as luzes, mas o escuro” (p. 62), aquele que pertence verdadeiramente ao seu tempo, mas que não está “adequado às suas pretensões e é, portanto, nesse sentido, inatual”, sendo, portanto, através “desse deslocamento e desse anacronismo, que ele é capaz, mais do que os outros, de perceber e apreender o seu tempo” (AGAMBEN, 2009, p. 58-59). Por meio dessa aproximação conceitual com o contemporâneo de Agamben, várias indagações surgem, como: o que acontece a uma obra ou a um artista para


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ser ou não ser contemporâneo? Deixar de ser outsider seria a razão decisiva, pois se passaria a ser estabelecido? Algumas dessas produções podem ser apontadas em uma condição de eterna transgressão? O contemporâneo é o outsider? Para Agamben, o contemporâneo procura, nas sombras, a iminência de uma luz que não se encontra, de fato, mas que impulsiona a movimentação do pensamento crítico/criativo. Além disso, busca “reconhecer, nas trevas do presente, a luz que, sem nunca poder nos alcançar, está perenemente em viagem até nós” (AGAMBEN, 2009, p. 66). Ele seria, na verdade, um inatual, um desconectado, e é nesse anacronismo que, paradoxalmente, ele pertence mais ao seu tempo, não no sentido cronológico temporal, daqueles que deixam-se cegar pelas luzes de sua época, pois “aqueles que coincidem muito plenamente com a época, que em todos os aspectos a esta aderem perfeitamente, não são contemporâneos porque, exatamente por isso, não conseguem vê-la, não podem manter fixo olhar sobre elas” (idem: p.59); mas, sim na direção daqueles que expandem os limites das coisas, procurando, na escuridão, a origem, num eterno retorno renovado. Assim, “a contemporaneidade tem o seu fundamento nessa proximidade com a origem que em nenhum ponto pulsa com mais força do que no presente” (idem, ibid.). É nesse movimento, ou nesse dialogismo entre os tempos, tendo o presente como foco de ação, que o Resgate Cultural desmistifica alegoricamente práticas e procedimentos tabus em discursos interditados pelas ordens hegemônicas. Mesmo sendo datados, não deixam de ser relevantes e contemporâneos, pois os questionamentos e as reflexões lançados dizem respeito a um passado folclorizado e a um presente ainda preso e atualizado a essas instituições e regras convencionais. Isso nos leva a pensar a história como esse processo contínuo de rememoração em que o passado retorna, não como fato, mas como abertura, imprevisibilidade e indeterminação. Nesse sentido, os comportamentos e os produtos outsiders estão impregnados de conflitos, de rupturas, de descontinuidades, de dissensos, enfim, de transformações na memória cultural do indivíduo e da coletividade. Dessa maneira, imprime-se um dialogismo voltado “para os atos estéticos como configurações da experiência, que ensejam novos modos do sentir e induzem novas formas da subjetividade política” (RANCIÈRE, 2005, p.13). Essas sentenças despertam uma importante aproximação com as experiências contemporâneas de fusão da arte com a vida, por meio do que Rancière designou como dissenso, o que estabelece uma visão crítica ao campo em disputa da Cultura, em constante movimento: O que eu quero dizer com dissenso não diz respeito ao conflito de ideias ou de sentimentos, pois, este é o conflito de vários regimes sensoriais. É neste ponto que a arte, no regime estético, é política. E é por isso que a dissidência está no centro da política. A política, de fato, não é o primeiro exercício do poder ou a luta pelo poder. Sua estrutura não é inicialmente definida pelas leis e instituições. A primeira questão política


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Revista Virtual das Faculdades Integradas Barros Melo é saber quais são os objetos e as temáticas que são afetados por essas instituições e leis, que tipos de relações definem adequadamente uma comunidade política, como os objetos afetam essas relações, enfim, o que importa é a atividade política que reconfigura estruturas sensíveis em meio a objetos e temas que são definidos como comuns. A política rompe com a sensorial evidência da ordem "natural", ou seja, com aquela ordem que destina indivíduos e grupos específicos ao comando ou à obediência, na vida pública e na vida privada, dessa maneira, limitando os corpos a determinados espaços e tempos através da imposição de formas específicas de ser, de ver e de dizer. Esta lógica dos corpos que impõe uma distribuição do comum e do privado, do visível e do invisível, do ruído e da palavra, é da ordem da polícia . A política é a prática que rompe com essa ordem da polícia. Ela problematiza as relações de poder colocando em evidência os dados sensíveis. E, faz isso através da invenção de uma instância de enunciação coletiva que redefine o espaço comum das coisas² (RANCIÈRE, 2008, p.66. Tradução livre).

Ser marginal pode ser uma forma de se organizar os que se opõem às ordens hegemônicas. Mas quando o desviante não é apenas uma retórica? Talvez, a melhor resposta venha da formulação proposta por Glauber Rocha, em “Eztetyka do Sonho”, de 1971: “uma obra de arte revolucionária deveria não só atuar de modo imediatamente político como também promover a especulação filosófica, criando uma estética do eterno movimento humano rumo à sua integração cósmica” (ROCHA, 1981, p. 219). Não basta ter consciência de denúncias políticas ou procurar valor no rótulo de “maldito”, é preciso imprimir ações para que a metodologia e a ideologia não se confundam e paralisem as condições reais de luta, pois, “na medida em que a desrazão planeja as revoluções, a razão planeja a repressão” (idem, p.220). E é através dessa irracionalidade libertadora que o movimento outsider pode ser total. Assim sendo, todo esse aparato teórico suscita uma reflexão densa e plural sobre a condição da marginalidade. As questões que podem ser levantadas são diversas e nos levam a mais um jogo interrogativo: marginal por que não faz uso de verba pública ou mesmo dos mecenas do setor privado ou pela simples opção por um amadorismo técnico ou por um mero exercício de transgressão? Pela falta de grandes orçamentos ou por uma tomada de postura ² “Ce que j’entends par dissensus n’est pas le conflit des idées ou des sentiments. C’est le conflit plusieurs régimes de sensorialité. C’est par là que l’art, dans le régime de la séparation esthétique, se trouve toucher à la politique. Car le dissensus est au coeur de la politique. La politique en effet n’est pas d’abord l’exercice du pouvoir ou la lutte pour le pouvoir. Son cadre n’est pas d’abord défini par les lois et les institutions. La première question politique est de savoir quels objets et quels sujets sont concernés par ces institutions et ces lois, quelles formes de relations définissent proprement une communauté politique, quels objets ces relations concernent, quels sujets politique est l’activité qui reconfigure les cadres sensibles au sein desquels se définissent des objets communs. Elle rompt l’évidence sensible de l’ordre “naturel” qui destine les individus et les groupes au commandement ou à l’obéissance, à la vie publique ou à la vie privée, en les assignant d’abord à tel type d’espace ou de temps, à telle manière d’être, de voir, et de dire. Cette logique des corps à leur place dans une distribution du commun et du privé, qui est aussi une distribution du visible et de l’invisible, de la parole et du bruit, est ce que j’ai proposé d’appeler du terme de police. La politique est la pratique qui rompt cet ordre de la police qui anticipe les relations de pouvoir dans l’évidence même des données sensibles. Elle le fait par l’invention d’une instance d’énonciation collective qui redessine l’espace des choses communes”.


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estética e política? Ou seria uma luta por novos circuitos artísticos, nos quais os artistas possam estabelecer um posicionamento crítico permanente frente aos centros oficiais de Arte, como museus, galerias, festivais de cinema etc.? Ou simplesmente por não dar valor às instituições e enxergar a ruína de todo esse sistema? E que conceitos seriam mais próximos desses artistas e dessa obra audiovisual em análise: vanguarda e subdesenvolvimento (GULLAR, 1978) ou arte experimental (PIGNATARI, 1973), marginal entre marginais ou o cinema de invenção (FERREIRA, 1986), cosmopolitismos periféricos (PRYSTHON, 2002) ou a condição estaria no entre-lugar de Silviano Santiago (1978)? Ou tudo isso seria mesmo por um desmanche da cultura (FEATHERSTONE, 1997)? Todas estas formulações estéticas e políticas, além de outras mais que podem surgir a respeito do Telephone Colorido, induzem-nos à sobreposição, ao dissenso, à transgressão de limites e a uma infinidade de imagens do que entendemos como pensamento desviante. Elas ajudam a crítica inferencial a entender o processo criativo do grupo, e o que a obra audiovisual produzida por eles pode suscitar enquanto corpo teórico. Para deixar os padrões de intenção da análise mais claros ainda, as escolhas metodológicas compreendem a análise fílmica através das aproximações com estas teorias esboçadas em tensão. Apesar das distintas tradições acadêmicas, cada autor e obra do aparato teórico proposto aborda a cultura ou a arte a partir da postura deslocada, da condição marginal, seja expressando o estado de ruína, seja evidenciando os agentes outsiders, seja problematizando os estabelecidos, seja experimentando os limites das linguagens, para, enfim, propor um olhar diferenciado ou discutir uma temática interditada. Após esse panorama introdutório, vamos estender a análise mais minuciosa sobre o produto audiovisual em questão, confrontando a crítica audiovisual – o que compreende, além de seus discursos fílmicos, o processo criativo e o contexto da obra – com os textos e os conceitos apresentados. Isso com a finalidade de justificar a problemática colocada.

2. Resgate cultural O Resgate Cultural usa como mote central o sequestro, que se trata de um ato de violência. A grande diferença é que não há uma tonalidade dramática predominante, pois tratam esse crime com humor, o que dá uma certa leveza, mas, ao mesmo tempo, é um artifício para escancarar algumas questões sobre a tradição artística pernambucana e sua indústria cultural caracteristicamente dependente da institucionalização dos órgãos públicos. Corrobora com essa visão Rocha (1981,p. 31-32), ao pontuar que [...] uma estética da violência antes de ser primitiva é revolucionária, eis o ponto inicial para que o colonizador compreenda a existência do colonizado: somente conscientizada sua possibilidade única, a violência, o colonizador pode compreender, pelo o horror, a força da cultura que ele explora. Enquanto não ergue as armas, o colonizado é um escravo [...]


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Revista Virtual das Faculdades Integradas Barros Melo essa violência, contudo, não está incorporada ao ódio, como também não diríamos que está ligada ao velho humanismo colonizador. O amor que esta violência encerra é tão brutal quanto a própria violência, porque não é um amor de complacência ou de contemplação, mas um amor de ação e transformação.

O audiovisual, nessa perspectiva, tem uma estrutura fragmentada e não linear, e é por meio de saltos narrativos que o Resgate Cultural apresenta um roteiro com conteúdos interditados, ainda tabus, hoje em dia, pois a dinâmica dessas relações produtivas, em Pernambuco, são praticamente as mesmas. A partir disso, o audiovisual nos apresenta uma formatação que indaga os limites processuais tanto da feitura fílmica quanto do embate entre os agentes estabelecidos e os outsiders no campo em disputa da cultura pernambucana. Assim, O Resgate é o supra-sumo do poder. Veja bem, o Resgate foi uma super-produção, tá entendendo? Foi rodado em película e vídeo e depois passamos tudo pra 16mm. A grana veio dos 2 prêmios que a gente ganhou. Destruindo Monolito ganhou prêmio de melhor vídeo experimental e ZAP, um vídeo clip que ganhou prêmio também. E aí, a gente ia dividir essa grana entre quem? 60 pessoas? 15? 23? Só que o Resgate custou o dobro dos prêmios, e todo mundo juntou o que faltava. Foi um grande empenho. O Resgate Cultural é a parte política da estória. É uma coisa sobre valores culturais, acabou sendo o que era mesmo na verdade. O filme é muito experimental, mesmo esse negócio de serem mil pessoas dirigindo, mil trechos de roteiros na hora, como diz Grilo, Jazz mesmo, é a melhor definição, bem improviso. Em vídeo é muito mais simples, a principal dificuldade do Resgate foi essa, porque a gente não sabia operar os mecanismos registradores da lombra, que era câmera e edição, mas Karen Barros se anexou total na montagem e na câmera foi Altair e Maria Pessoa (GUIWHI, 2002).

Com esse depoimento de Lourival, Abel, Ernesto e talvez outro integrante, sobre o Resgate Cultural, ao website sobre audiovisual Curta o curta (http://www. curtaocurta.com.br/), ficam evidentes as condições outsiders de produção do grupo. Essa ligação com o improviso e happening acentua a manifestação artística “naquilo que tem de artesanal, de não-reprodutibilidade e de público restrito” (PIGNATARI, 1973, p. 233). Segundo Pignatari, o happening “ganharia maior amplitude se pudesse dispor de meios de comunicação de massas, como a televisão e o cinema” (idem, ibid.). Mas o que acontece quando o cinema perde seu estatuto privilegiado de rei das artes populares, pois estaria competindo com a televisão, os videogames, os computadores e a realidade virtual, de forma que essa competição acarretaria também uma troca entre esses meios, fazendo os audiovisuais perderem seus lugares estabelecidos por uma formação mais interdisciplinar, situados nas fronteiras, nos limites (STAM, 2003, p. 345)? Esse alcance vem sendo reduzido e a reprodução técnica acaba não sendo mais pressuposto de amplitude para o audiovisual ser um veículo de comunicação de massas. Desse modo,


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Sua importância atual reside em que é uma experimentação, ao vivo, de linguagem e comportamento. O happening é um acontecimento semântico-experimental, isto é, de experimentação de novos significados (bem como de destruição de significados já codificados). É uma típica manifestação de contexto. Os signos que utiliza (geralmente ready-made, objetos já prontos), deslocados de seu contexto habitual e postos em relação insólita, provocam conflitos de significações [...] O happening, se arte é, é uma arte do precário e do passageiro. Arte de ação, contra arte de contemplação. Arte-vida, arte cotidiana, de qualquer lugar – contra toda arte que requer lugar especial para se manifestar ritualisticamente (PIGNATARI, 1973, p. 234).

Dessa maneira, o filme é puro ato, ele se pensa no momento mesmo em que se cria, apesar de ter um argumento, a priori, fechado. E é por meio de uma articulação instável e precária de vozes, de personagens e de pequenos experimentos narrativos que o Telephone Colorido desloca o contexto habitual da cultura pernambucana em relações e significações insólitas. Em meio a esse impulso de contestar os métodos e regras, o Resgate Cultural ironiza as instituições e as personalidades estabelecidas, tendo o campo em disputa da arte como foco do discurso audiovisual. Para irmos mais fundo na análise, é necessário empreender uma descrição analítica do curta-metragem, aliada às aproximações teóricas apresentadas. Embate esse que marca tanto o processo criativo do coletivo quanto o vídeo em questão. Não há concessões nem patrulhas ideológicas que intimidem o discurso outsider fílmico do grupo, pois a arte política, para eles, faz-se por meio do dissenso ou mesmo do estado de dúvida permanente (GOLDMAN, 1988). O filme começa com uma vinheta/emblema: um telefone colorido – com luzes e texturas feitas através da edição e do processamento de vídeo –, funde-se com uma imagem de uma tela de televisão sem definição. Essa sequência procura sintetizar a marca do coletivo e a proposta audiovisual, através do vídeo na TV; não é o cinema com sua instituição e seu espaço de circulação que interessam. Essa ideia nos remete ao experimentalismo e às possibilidades de compartilhamento que o Telephone Colorido propõe enquanto produtor audiovisual. Com a câmera na mão, começa um plano-sequência que nos mostra a montagem de um texto em jornal impresso, que tem uma foto de Ariano Suassuna e cujo título é: “Escritor é alvo de sequestro”. Uma voz, em off, começa a narrar o seguinte texto: “O prêmio La Ursa de Barro evidencia a realidade que a produção cinematográfica universal deve atingir através de iniciativas como essa de valorizar o que temos de melhor fora das fronteiras ideológicas de Pernambuco”. É como se eles já estivessem se auto-premiando. O plano-sequência nos leva para um aparelho televisivo em que aparece a imagem de Ariano, gravada do programa da Rede Globo, NE TV, no qual ele tinha uma coluna semanal, que durou sete anos, no começo dos anos 2000, o “Canto de Ariano”. Exceto que o áudio não é o original, foi feita uma dublagem – prática que ocorre, frequentemente, ao longo do filme – que diz:


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Revista Virtual das Faculdades Integradas Barros Melo Meu nome é Ariano Suassuna. Eu já fui... Estou, aqui, para agradecer o convite para participar desse filme, o Resgate Cultural, que é um filme muito bom, muito belo, que inicia uma nova era do cinema nacional, que começou com Glauber Rocha, então, depois de muito tempo, vieram Os Trapalhões... E vieram Os Trapalhões, e aqui e agora, tem o pessoal do Telephone Colorido fazendo filmes belíssimos sobre a cultura popular, e espero que vocês gostem. E é isso!

E em seguida, há um corte do próprio programa gravado, e aparece o apresentador global, Evaristo Costa, que ri e fala: “Obrigado, Ariano!”. O plano-sequência continua, a TV fica fora de sintonia e a câmera vai atrás de dois homens que estão dentro da casa, mas saindo para o quintal. Nessa movimentação, começa um diálogo em que eles vão elogiando o escritor pernambucano e indagando como podem ajudá-lo. É através da ironia e do humor que podemos perceber nessa sequência como o discurso audiovisual empreende os embates entre os estabelecidos e os outsiders e, também, entre a política e a estética. Nesse contexto, destaca-se o uso da paródia como recurso metaficcional por excelência. No diálogo que novos textos ou discursos estabelecem com outros, via de regra, canônicos e oficiais, a paródia é quase onipresente, uma vez que a retomada se dá pelo viés da ironia. Assim sendo, a paródia é usada no Resgate Cultural para mostrar como a linguagem é instrumento de manipulação do outro; e aí está sua grande lição: revelar explicitamente como se pode enganar, esconder e não desvelar a realidade. Por isso, o humor é um dos elementoschave da paródia; humor, no dizer de Aragão (1980: 21), “mais irônico do que satírico, mais sério do que cômico”. A marca fundamental da paródia é o caráter polifônico, que a faz absorver um texto ou discurso para depois repeli-lo, recriando-o num modelo próprio. Um corte, e estamos com uma mulher lendo jornal, sentada em um sofá, cantarolando. Começa uma música ao fundo, similar a uma orquestração americana de baile de formatura. Ela toma um susto e vemos, no jornal, a foto impressa do curador do festival Cine PE, Alfredo Bertini, que começa a falar com uma dublagem e um dedo que aparece furado na folha do periódico: “Isa do Amparo, eu vim te dizer que eu cortei os meninos da Telephone Colorido do Festival. O filme não vai dar tempo de ficar pronto, não vai dar tempo de ficar pronto. Não vai... Ah, você está achando ruim?! Eu não vou me comprometer não, não vou fazer isso não!”. Com esse salto narrativo, voltamos para os dois homens dentro da casa, conversando, enquanto vem uma mulher e lhes entrega um cartaz que faz exigências absurdas para liberar Ariano Suassuna, como: 23 mil e 133 rabecas afinadas pelo Mestre Salu e 133 mil bonecos de barro do Mestre Vitalino. Barulho de marcação e imagens da claquete com vários trechos do curta, começa a vinheta de apresentação do filme com as letras do Resgate Cultural, ao som de um tema de heavy metal. Esse trecho inicial procura sintetizar as tramas do audiovisual. Primeiro, anuncia, a partir de uma notícia em jor-


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nal impresso, que Ariano foi alvo de sequestro, para depois, na sequência, mostrá-lo em seu programa semanal. A seguir, aparecem os admiradores do escritor, que se tornam os detetives do crime, a fim de libertar o sequestrado, além das primeiras exigências feitas pelos sequestradores, as quais vão marcar o tom irônico do audiovisual. Em meio a isso, há inúmeras situações e textos em que o coletivo e o filme assumem a trama ou pela autocrítica – como no diálogo entre Isa do Amparo e o curador do Cine PE – ou expondo o processo criativo ou criando uma aura heróica para o Telephone Coletivo e o Resgate Cultural, quase sempre procurando tensionar o campo em disputa da cultura pernambucana. Assim, as linhas de ação estão apontadas, mesmo que sejam dispersivas e obscuras. A partir desses motes, o grupo processa o que o improviso audiovisual pode gerar enquanto modo operante do fazer fílmico, pois o cinema político não pode se isolar a métodos em que existam engajamentos aceitáveis ou consensuais, sendo através do dissenso que o ser contemporâneo expõe a escuridão e as contradições de seu tempo. Aproximando-se, dessa maneira, à Estética da Fome, de Glauber Rocha, que via, no cinema brasileiro, “um projeto que se realiza na política da fome, e sofre por isto mesmo, todas as fraquezas consequentes de sua existência” (ROCHA, 1981, p. 33). São as condições e o contexto de precariedade que imprimem os conteúdos e as formas fílmicos, e a essa condição outsider não depende somente de concessões econômicas e políticas em meio às artes brasileiras, mas sim de uma ruptura total com a exploração crítica e criativa que está sujeita toda a América Latina a fim de enfrentar a censura intelectual: O Cinema Novo não pode desenvolver-se efetivamente enquanto permanecer marginal ao processo econômico e cultural do continente Latino-Americano; além do mais, porque o Cinema Novo é um fenômeno dos povos novos e não uma entidade privilegiada do Brasil: onde houver um cineasta disposto a filmar a verdade, e a enfrentar os padrões hipócritas e policialescos da censura intelectual, aí haverá um germe vivo do Cinema Novo. Onde houver um cineasta disposto a enfrentar o comercialismo, a exploração, a pornografia, o tecnicismo, aí haverá um germe do Cinema Novo. Onde houver um cineasta, de qualquer idade ou de qualquer procedência, pronto a pôr seu cinema e as sua profissão a serviço das causas importantes do seu tempo, aí o haverá um germe do Cinema Novo. A definição é esta e por esta definição o Cinema Novo se marginaliza da indústria porque o compromisso do Cinema Industrial é com a mentira e com a exploração. A integração econômica e industrial do Cinema Novo depende da liberdade da América Latina (ROCHA, 1981, p. 32).

Continuando com a descrição fílmica, a dupla de detetives reaparece no meio da praça dos Milagres, em Olinda, que nos remete àquelas do interior, com uma igreja, ao fundo. Vê-se, também, um homem de preto, montado no cavalo, e o outro de branco, ao lado do primeiro, a pé; imagem que remete a Dom Quixote e Sancho Pança. Eles vão caminhando e a câmera os segue, com uma imagem sem muita cor, ao som do mais famoso tema de filmes do faroeste


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espaguete: a fistful of dollars, de Ennio Morricone. Em seguida, estamos na sala de edição com um projetor acionado, o intuito é mostrar o processo de realização do filme. Rapidamente, aparece um muro com um homem acabando de pichar uma mensagem: “Diga Yeah, Ñ diga Oxente”. A trilha lembra uma base rítmica de hip-hop, para dar mais ação à cena. A câmera se movimenta e mostra os dois detetives, sem o cavalo, com mais um integrante carregando uma maleta, com a seguinte frase pintada: “Men in Black”. Eles estão agitados, andando rápido, e vão em direção ao pichador, que tem um chapéu de couro de matuto do interior nordestino. Eles cercam o homem, começam a interrogá-lo e, depois, o agridem: “E aí, quem matou Chico Science?/ Me solta, pode me soltar, eu sou daqui da terrinha, rapaz!/ Então, toca um côco de roda com mais de dez notas!/ Então, toca, porra!/ Don’t let me go.../ Filho da puta!/ Porra, de terrinha!/ Quebra!”. Essas cenas nos mostram os heróis da trama em ação, com o intuito de desvendar as primeiras impressões do crime, e é parodiando clichês da dramaturgia cinematográfica que se faz uso desses elementos narrativos para criar as ambiências necessárias do suspense do crime e, a partir daí, vão enxertando críticas, de forma peculiar, sobre os trejeitos dos locais e também a respeito dos diversos modos de como são institucionalizadas a cultura e as artes pernambucanas. O audiovisual prossegue e, mais uma vez, temos outra referência ao fazer cinematográfico e ao processo crítico/criativo do grupo. Dois homens e uma mulher estão na sala de edição, em meio a rolos de filmes: a mulher está vendo, através de um teleprompter, a cena anterior dos três detetives batendo no nordestino caracterizado; um dos homens está com uma câmera, filmando alguma coisa ou examinando o equipamento, e o outro, examinando os negativos fílmicos; na sequência, uma voz em off fala: “Essa galera está queimando o filme mesmo, hein?!”. Parte-se, então, para um trecho rápido que nos apresenta um personagem todo coberto de mantos e com uma máscara de palha, sendo saudado com pó branco na cara, e vozes em off de crianças anunciam: “Pajé limpeza”, para referenciar o grupo que compôs a trilha sonora do filme, além de introduzi-lo também como protagonista da trama. De repente, vê-se o sequestrador pendurado nas grades da janela de uma casa. Com um megafone em mãos, ele anuncia o crime e faz mais exigências: “Fizemos o resgate armorial, venham pagar o resgate cultural. Exigimos o resgate cultural para soltar o sequestrando armorial. Exigimos frota de 200 carros-de-boi com os bois. 320 mil bonecos de Vitalino. Fornecimento vitalício de galeto”. Nessa parte, há muitos cortes, ao som do heavy metal da vinheta de abertura, e, além do sequestrador, podemos ver um aglomerado que se agrupa na frente da casa. São, em sua maioria, personagens tradicionais da cultura pernambucana, como o caboclo de lança do maracatu rural, a La Ursa, dançarinos com as sombrinhas do frevo e camisas com a bandeira de Pernambuco, estandarte de bloco de Carnaval etc. O clima é de festa, com todo mundo dançando, há músicos ao lado da multidão. Assim, o sequestro vira uma troça carnavalesca.


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Com base no audiovisual, percebe-se a necessidade de ressaltar que não se deve entender o Carnaval como um fenômeno apenas festivo, boêmio e banal desde que “criou toda uma linguagem de formas concreto-sensoriais simbólicas” (BAKHTIN, 1997, p. 171). A percepção carnavalesca do mundo apresenta um novo modo de relações humanas, oposto às relações hierárquico-sociais da vida cotidiana, em que há uma excentricidade na expressão porque o homem se abre e se permite a tudo aquilo que comumente está inibido; há também a aproximação de contrários – “o carnaval aproxima, reúne, casa, amalgama o sagrado e o profano, o alto e o baixo, o sublime e o insignificante, a sabedoria e a ignorância etc.” (idem, ibid.). É um evento que está ligado à profanação “formada pelos sacrilégios carnavalescos, pelas indecências carnavalescas, relacionadas com a força produtora da terra e do corpo, e pelas paródias carnavalescas dos textos sagrados e sentenças bíblicas etc.” (idem, p.170-171). Através desse universo propício ao anarquismo, ao deboche, à ironia, à paródia etc., o Telephone Colorido faz uso da condição outsider para escancarar os limites/tabus do habitus cultural pernambucano, ou seja, das estruturas incorporadas, quase naturalizadas, pelo “deboche de tudo que era e ainda é oficial em Pernambuco e no Brasil” (MENDONÇA FILHO, 2010, p. 40). Depois, um grupo de pessoas mascaradas e fantasiadas, representando entidades, reúne-se em torno do Pajé Limpeza e começa um ritual de sacrifício de um cabrito. Grunhindo e gritando, eles vão ficando exaltados. Essa sequência quer externar a violência e a brutalidade do sequestro de uma maneira mística e enigmática. A partir desse ponto desviante, eles fogem, mais uma vez, da trama e nos mostram uma cena dos integrantes do coletivo se divertindo em alguma festa; esse é o ritmo da dramaturgia audiovisual do Resgate Cultural, com vários deslocamentos narrativos. Mas, logo em seguida, a dupla de detetives retorna, dessa vez, dentro de uma caixa de madeira com uma fita na mão, na Praça dos Milagres, onde eles conversam. Em seguida, eles inserem a fita VHS no videocassete e aparece, de novo, o escritor pernambucano, descrevendo o cativeiro em que ele se encontra: É, eu estou aqui para falar sobre o cativeiro. Um cativeiro muito lindo que os meninos fizeram, pra (sic.) mim, aqui. Estou sendo bem tratado, e... Com vários elementos da cultura popular. Você pode ver bem aí, é a Pomba-gira, elemento da cultura afro-brasileira, o despacho bem característico disso, a maconha, ali do lado, do sertão. Aí, o que vocês estão vendo é o estandarte do bloco de carnaval, A ema gemeu, do amigo Plínio. E a talha de madeira de Olinda. E olha como eu era mais novo. Mas, e aí?! Mamulengo, arte sacra, e a surpresa é essa aí! Pois, é isso!

O aparelho televisivo fica sem sintonia e a câmera volta-se para os detetives que conversam quase o mesmo texto do início: “Esse Ariano é um cara muito legal!/ Sempre tem ideias muito boas!/ É, temos que fazer alguma coisa!”. Mais um salto narrativo e os xamãs estão de volta, berrando. Logo depois, vem um outro corte para revermos o sangue escorrendo pela terra, e uma voz cavernosa diz: “Nós conseguimos um feito histórico e sem precedentes. Nós


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sequestramos um cara muito sujeira, galera! Ih, a repressão vai vir violenta!”. A câmera vai abrindo o enquadramento do plano fechado e vão aparecendo pessoas reunidas ao redor do ritual; são elas: a dupla de detetives, outros membros do Telephone Colorido, para compor a aglomeração, além de pessoas curiosas que estavam por ali, naquele momento, e pararam para ver o que estava acontecendo e foram filmadas, inclusive um dos transeuntes está falando ao telefone celular, na hora, e é dublado, com o seguinte texto: “Alô, alô, é da Folha! Rapaz, o negócio, está esquisito, aqui, viu?! Na praça dos Milagres. Tá aqui. Sei não. Mas tem aquela promoção de 50 reais?”. Outras vozes também são dubladas nesse trecho, para dar a impressão de que todos estão cochichando sobre o ocorrido. É possível escutar frases, como: “Isso é coisa de Glauber./ Os caras botaram pra fuder!”. É preciso estar atento para perceber as aproximações, muitas vezes obscuras, que o Resgate Cultural nos impõe, como a associação com Glauber Rocha e sua capacidade de transgressão cinematográfica e também o discurso inventando do cidadão no celular ligando para o jornal pernambucano, Folha de Pernambuco, famoso pelo excesso em suas páginas policiais. Com as referências ao pajé e ao ritual realizado com o cabrito, podemos inferir que há uma intenção também em abordar as religiões, os ritos ou as seitas marginalizadas, o que é mais uma evidência de que o discurso outsider do filme está presente em vários níveis da narrativa. Sobre isso, Rocha (1981, p. 221) afirma que: Há que tocar, pela comunhão, o ponto vital da pobreza que é seu misticismo. Este misticismo é a única linguagem que transcende ao esquema irracional da opressão. A revolução é uma mágica porque é o imprevisto dentro da razão dominadora. No máximo é vista como uma possibilidade compreensível [...] As raízes índias e negras do povo latino-americano devem ser compreendidas como única força desenvolvida deste continente. Nossas classes médias e burguesias são caricaturas decadentes das sociedades colonizadoras [...] A cultura popular não é que se chama tecnicamente de folclore, mas a linguagem popular de permanente rebelião histórica [...] Sua estética é a do sonho. Para mim é uma iluminação espiritual que contribuiu para dilatar minha sensibilidade afro-índia na direção dos mitos originais da minha raça. Esta raça, pobre e aparentemente sem destino, elabora na mística seu momento de liberdade. Os Deuses Afro-índios negarão a mística colonizadora do catolicismo, que é feitiçaria da repressão e da redenção moral dos ricos.

Então, dando prosseguimento ao curso do filme, somos levados para um cômodo. A câmera vai se mexendo e encontramos um homem, sentado, com uma turba na cabeça. Ao fundo escutamos uma música mântrica ao estilo indiana com cítara dando um clima esotérico à cena; um pano se levanta e aparece um aparelho de televisão e, daí, vemos um vídeo de um homem negro e barbudo, gritando: “Eu não quero saber porra nenhuma desse negócio de Árido Movie, porra!” A cortina cai sobre a TV e escutamos aplausos e gritos de motivação: “Do caralho, porra!/ Fuderoso, porra, do caralho!”. Esse é um trecho interessante que demonstra toda a força anarquista do grupo, pois Árido Movie foi


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um termo usado pelos cineastas pernambucanos da chamada retomada do cinema nacional, nos anos 1990, e os membros do Telephone Colorido não deixaram de criticar esse método de trabalho atrelado a esses realizadores que, cada vez mais, foram se estabelecendo no cenário audiovisual do estado. Estamos, agora, dentro do cativeiro, um dos sequestradores entrega um prato de comida para um homem negro, gordo e sem camisa com uma máscara de papel de Ariano Suassuna, no rosto, ele pega e diz: “Qual é, bonitão!? De novo esta bosta, velho?! Farinha de mijo com merda de engenho, porra! Eu quero é biscoito. Eu quero cigarro com nome de indústria de cinema, porra! Qual é?! Tá surdo?!”. Então, o tema de heavy metal da abertura volta e estamos de novo na janela com o sequestrador. Este e mais outro criminoso, dentro da casa, jogando a arma, um para o outro, e, na frente do cativeiro, as exigências absurdas continuam: “300 zabumbas de corda afinada por Éder, o Rocha, do Mestre Ambrósio./ Mudança do eixo terráqueo para que, aqui, seja sempre meio-dia. O meio dia cultural!/ Empilhamento do Centro de Convenções em cima do Hospital da Restauração, para que ele sirva de base para o terceiro andar. Aaaahh!”. A câmera sai do plano do sequestrador, na janela, e mostra no canto oposto do quadro, no meio da multidão, a dupla de detetives chegando no local do sequestro, arrastando aquele matuto que apanhou enquanto pichava o muro. De novo, o sequestrador, pendurado nas grades, esbraveja mais coisas: “Uma bola de cristal gigante de nove mil megatons./ 50 mil versos do Louro do Pajeú./ A discografia completa do Pajé Limpeza nas lojas, em 24 horas. Senão, Ariano morre!”. As exigências funcionam como o elemento narrativo mais contundente para o filme expor, criticamente, tanto as tradições culturais do estado (zabumba, rabecas, Mestre Salu, bonecos do Mestre Vitalino, etc.) quanto o processo criativo do grupo (a discografia completa do Pajé Limpeza nas lojas, em 24 horas), além de devaneios (uma bola de cristal gigante de nove mil megatons, fornecimento de galeto vitalício). É o espaço ideal para promover toda a anarquia do Telephone Colorido. Dos sequestradores ao cativeiro, do ritual dos xamãs a Ariano, e os detetives chegam também no lugar do crime. As linhas narrativas vão ficando mais tensas e parece que estamos chegando a alguma solução. Outro salto narrativo e a festa dos integrantes do Telephone Colorido retorna e, no meio desse trecho, mais um corte e a dupla de detetives aparece no contra-luz, fumando um baseado de maconha, na porta de um quintal, onde eles começam a conversar: “As exigências são muitas, Dantas! Eu não sei o que podemos fazer./ É, eu acho que a gente vai ter que entrar com projeto na lei de incentivo à cultural”. E mais adiante, mais outro deslocamento e encontramos Ariano jovem com um cabrito no colo, tomando algo em um copo. Ele começa a falar com o animal: Eu sei, Gamarra, que você tem uma crise de identidade medonha. Todo acha que você é um cabrito, filho de cabra com bode ou de bode com cabra, conforme. Mas, você não é não. Você é um burrego, é. Um filho de carneiro com ovelha. E pra quem ano sabe é do queijo do leite da ovelha


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Revista Virtual das Faculdades Integradas Barros Melo que se faz os melhores queijos. Quem não sabe, fique sabendo. Se faz o roquefort, se faz o gorgonzola. Se faz aí uma infinidade de queijos. Os melhores do mundo, feitos por leite de ovelha. Leite da sua mãe, da sua filha. Não é leite de cabra não, nem é leite de vaca, certo?! Mas, nem sei porque eu estou lhe dizendo isso. Acho que pra aliviar um peso que eu sinto, um negócio, assim, atrás de mim. Um movimento. Uma coisa pesada. Uma coisa meio armorial, que, às vezes, se materializa de uma forma negra, forma serial. Eu me lembro da minha infância. Eu era pequeno, lá em Taperoá, há muito anos. Me lembro de Mongus, o gorila-sereia. O camarada pagava dez tons, entrava e era uma alegria medonha, parecia que tava no céu. O danado é que esse negócio que eu sinto, assim, é um negócio que teima em se levantar. Teima em se levantar. De vez em quando, consegue se levantar, se ergue, assim, mesmo que seja indefinido, o bom de tudo é que acaba voltando para o lugar que saiu. Tudo acaba se encaixando, no final, tudo acaba voltando, como era antes.

Em seguida, estamos de novo, no cativeiro, o sequestrador entrega um pacote de biscoito para Ariano, ele abre e acha um boneco miniatura de barro do Mestre Vitalino e começa a gritar, desesperado. Há um corte, e vemos a multidão que se aglomera na frente da casa. Um caboclo de lança observa que a porta está aberta e avisa a todos os outros que estão do lado de fora para entrar no cativeiro. Contudo, na sequência, a tensão final é interrompida, vemos uma claquete marcando a cena e um surfista com bata branca e uma prancha na mão começa a falar, apontando para quatro garotas que submergem da água do mar, ao som de De repente, Califórnia, de Lulu Santos: “O negócio é esse, cara! Essa galera aí faz um filme do caralho, sacou?! Roteiro legal, ideia genial. Mas, meu irmão, a galera não se garante para fazer as coisas e concluir, tá ligado?! O negócio é esse aí, cara, ô!”. Mais uma vez, o recurso da metalinguagem é usada para resolver o filme. O curta acaba com a imagem congelada de uma das mulheres que saíram das águas do mar, com uma camiseta estampando a bandeira de Pernambuco. Desse modo, em vez de uma conclusão comum, que seria a libertação de Ariano Suassuna e a punição dos criminosos, o filme prefere um caminho inusitado, mas que reflete melhor as intenções do grupo de estar nas margens, seja na linguagem, seja no discurso, ou mesmo na formatação fílmica. O que importa não é resolver a trama, mas sim expor os temas interditados/tabus e transgredir os limites do campo em disputa da cultura pernambucana, tendo o humor como tonalidade narrativa em vez de tratar a questão com seriedade.

3. Considerações finais Entrelaçando contexto histórico, processo criativo, apontamentos teóricos e análise fílmica, a pesquisa encontrou seu caminho viável. O Resgate Cultural é cinema engajado e suas soluções audiovisuais são fundamentais para entender o que se pode fazer aliando arte, estética e política, pois, sua crítica ainda ressoa muito forte na contemporaneidade, apontando, dessa maneira, para uma relação instável, porém bastante frutífera e intrigante. O audiovi-


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sual realiza embates relevantes sobre temáticas escamoteadas, interditadas pelas regras impostas pelas condutas “normais” dos grupos e das instituições convencionais. Permanecer na condição outsider não é uma questão de perder público, ou visibilidade crítica por meio dos veículos midiáticos e financiamentos, é antes um posicionamento de atualização transformadora perante o tempo presente, e é com essa postura que o contemporâneo continua em seu movimento pela escuridão na busca de repaginações culturais. A conduta desviante no campo das artes audiovisuais, nessa perspectiva, funciona como importante operador para pensar outras formas de engajamentos politico e estético, e o Telephone Colorido conjuga da cartilha glauberiana em despertar manifestações artísticas que contestem as práticas estabelecidas, na tentativa de realizar produtos divergentes e propulsores da liberdade crítico-criativa audiovisual.

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Referências audiovisuais Resgate cultural. Telephone Colorido. Brasil: 2001. 19 minutos.


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A VOZ DELAS: AS ESTRATÉGIAS DE COMUNICAÇÃO DA MARCHA DAS VADIAS RECIFE Marjourie Stephanie Corrêa

Aluna do Curso de Direito das Faculdades Integradas Barros Melo-AESO marjourie.stephanie@gmail.com

Hélida Costa Pinto

Aluna do Curso de Direito das Faculdades Integradas Barros Melo-AESO helidacostapinto@gmail.com

Nataly de Queiroz Lima

Doutora em Comunicação Professora do Curso de Direito das Faculdades Integradas Barros Melo - AESO queiroz.nataly@gmail.com.

Resumo Este artigo visa analisar as estratégias de comunicação adotadas pelo Coletivo Marcha das Vadias Recife para a mobilização e adesão à pauta do movimento. Mais especificamente, buscou identificar-se com as apropriações das redes sociais virtuais por parte das militantes do coletivo; analisar a relação da ação política destes sujeitos com as discussões acerca das políticas públicas de comunicação. O paper é resultado de um projeto de iniciação científica e utiliza os aportes de Maria da Glória Gohn (2013), Manuel Castells (2009, 2013), Hans Magnus Enzesberguer (2003) e Graciela Natansohn (2013), entre outros. Foi possível comprovar que a porosidade das redes possibilita o protagonismo das militantes do movimento, mas questões identitárias e de conhecimentos técnicos das redes de instrumentalidade influenciam nos processos de mobilização e produção de sentidos. Palavras-chave: Redes sociais; Marcha das Vadias Recife; Participação política.


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1. Introdução A existência de movimentos e mobilizações sociais5 é um importante termômetro da democracia. Isto porque expressam, dentre outros fatores, as possibilidades existentes de debate entre os cidadãos sobre as suas realidades, e entre estes e as instituições do Estado com foco na garantia de direitos humanos e do bem-estar comum, atuando para equilibrar as relações de poder existentes em um determinado contexto histórico. Tais fatores estão, intimamente, relacionados ao agir comunicativo enquanto possibilidade de ação coletiva sobre o real (HABERMAS, 1987). As formas de interação entre estes sujeitos são determinantes para se pensar as estruturas de poder vigentes na sociedade e, em uma instância macropolítica, para levar a cabo estratégias de mudança social, visando a promoção de uma vida digna e justa para mulheres e homens. A história social ensina que não existe política social sem um movimento social capaz de impô-la, e que não é o mercado, como se tenta convencer hoje em dia, mas sim o movimento social que civilizou a economia de mercado, contribuindo ao mesmo tempo, enormemente, para sua eficiência (BOURDIEU, 2001, p. 19).

Neste contexto, os processos comunicativos estão no cerne das possibilidades de os coletivos sociais incidirem sobre a realidade. Pensar as estratégias de comunicação adotadas pelos movimentos na sociedade em rede é parte essencial para entender o sentido político das reconfigurações socioeconômicas e o próprio significado do que é fazer movimento social na atualidade. Está-se diante de um cenário complexo, paradoxal e em constante mudança, o que torna o estudo das relações anteriormente citadas desafiante e necessário. As novas mídias sociais, operadas on-line, com destaque para a mediação da internet, estão mudando a forma de as pessoas se relacionarem, abrindo acesso a fontes de conhecimento e a formas de construir a democracia, mas também fornecem todos os elementos para a construção de novas formas de controle social. Em termos de tempo histórico, é muito cedo para afirmações apocalípticas, celebrando ou negando (ou ignorando) o potencial que essas mídias colocam para a ação humana em geral e ação coletiva em especial (GOHN, 2013, p. 52)

Acrescenta-se que o que está posto – apesar de não ser o foco desta pesquisa – coloca em xeque, inclusive, o lugar (e talvez a legitimidade) do jornalismo nos padrões tradicionais enquanto mediador das discussões na esfera pública. Há uma forte crítica dos movimentos sociais que se articulam em redes de sociabilidade ao monopólio dos grupos comerciais de mídia, os quais, historicamente, mantiveram parte dos temas pautados por aqueles sujeitos à margem de suas produções massivas. Além disto, parece existir um entendimento de que o lugar de produtor de conteúdos e sentidos é algo vital para o empoderamento de diversos grupos e segmentos sociais. Todas estas imbricações tornam ainda mais relevantes para o campo da Comunicação Social se debruçar sobre as estratégias de comunicação adotadas pelos movimentos na sociedade em rede.


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A evolução de um simples meio de distribuição para um meio de comunicação não é um mero problema técnico. Ela é evitada conscientemente, por boas ou más razões políticas. A diferenciação técnica entre emissor e receptor reflete-se na divisão do trabalho entre produtores e consumidores da sociedade; esse mecanismo adquire intenso contorno político na indústria da consciência. Em última análise, essa evolução reside na contradição básica entre classes dominantes e dominadas (de um lado, o capital monopolista ou burocracia monopolista e, de outro, as massas dependentes) (ENZENSBERGER, 2003, p. 17).

É neste contexto que o presente artigo, resultado de um projeto de iniciação científica das Faculdades Integradas Barros Melo, teve como objetivo analisar as estratégias de comunicação adotadas pelo Coletivo Marcha das Vadias Recife para a mobilização e adesão à pauta do movimento. Mais especificamente, buscou-se identificar as apropriações das redes sociais virtuais por parte das militantes do coletivo e analisar a relação da ação política destes sujeitos com as discussões acerca das políticas públicas de comunicação. Esta pesquisa teve caráter qualitativo e analítico. Como produção de conhecimento em Ciências Sociais, e diante da complexidade do assunto referente às redes sociais e às novas formas de mobilização social utilizando plataformas virtuais, o anteprojeto adota a perspectiva de combinação de métodos: (1) análise bibliográfica e documental das produções (incluindo as do movimento); (2) entrevista semiestruturada com os participantes da Marcha das Vadias Recife; (3) acompanhamento sistemático das produções de conteúdos e ações do grupo via redes sociais, entre os meses de maio a setembro de 2016. A adoção de tal perspectiva de pesquisa parte do pressuposto de que existem características comuns nos grupos virtuais de mobilização social, as quais podem ser desnudadas por meio da combinação de métodos e procedimentos de pesquisa e que podem contribuir para desvendar as problemáticas comunicacionais que estão postas com o advento da sociedade em rede.

2. A marcha das vadias Recife A Marcha das Vadias é um movimento internacional iniciado em 2011, no Canadá, após um policial, durante uma palestra, ter orientado as mulheres a não se “vestirem como vadias”. Segundo ele, assim evitariam estupros. A fala desastrosa, vinda de uma autoridade de segurança, levou milhares de pessoas às ruas de Toronto e, pelas redes, o chamamento teve eco em diversas partes do mundo. O movimento Slut walk rapidamente se difundiu, consolidando-se naquele mesmo ano, com a organização de coletivos em Los Angeles, Nova York, Buenos Aires, São Paulo, Distrito Federal e Recife. Inicialmente, a principal bandeira esteve fincada no repúdio à violência de gênero, em especial a sexual, e à culpabilização das vítimas por parte do Estado e da própria opinião pública. O primeiro ponto de reivindicação é a ressignificação do termo ‘vadia’. Somos constantemente chamadas de vadias, putas e vagabundas pelo


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Revista Virtual das Faculdades Integradas Barros Melo simples fato de exercermos nossa sexualidade livremente e por sermos seguras de quem somos. Se, no momento que nos declaramos livres, liberadas, felizes, conscientes e seguras sexualmente, somos vadias, então somos todas (e queremos ser todas) vadias, pois não existe nada mais libertador e bonito do que ser livre, ter amor próprio e consciência do próprio corpo. Ser mulher é uma luta diária em nossa sociedade machista (MARCHA DAS VADIAS, 2014)¹.

Em maio de 2012, as brasileiras voltaram às ruas para a segunda edição do movimento, e em 25 de maio de 2013, a terceira edição da Marcha das Vadias ocorreu, simultaneamente, em diversas cidades do país: São Paulo, que reuniu cerca de 1500 manifestantes; Belo Horizonte, onde estiveram 1000 participantes; Recife, que contou com 2000 pessoas; e Florianópolis, que reuniu, aproximadamente, 1000 manifestantes. Outras marchas aconteceram em datas diferentes em várias regiões do país, como Rio de Janeiro, Brasília, Curitiba, São Luís, Bahia, Amapá, Fortaleza, Vitória, Goiânia, Cuiabá, Aracajú, Porto Alegre, entre outras (CARDOSO, 2013). A Marcha das Vadias tem, assim, a particularidade de ter um fio condutor comum, de cunho identitário, relacionado às questões de gênero, mas manifesta-se de formas distintas em iniciativas auto-organizadas em cada um dos territórios onde acontece. Em geral, trata-se de articulações mobilizadas por redes sociais digitais, aglutinadoras de sujeitos autônomos, não vinculados necessariamente a um movimento ou organização da sociedade civil, porém, que repudiam a discriminação e a violência com recorte de gênero. No Recife, a Marcha iniciou-se em 2011, a partir da iniciativa de um homem. O protagonismo feminino veio pouco tempo depois, não sem a resistência deste. Em 2013, é criado o Coletivo Marcha das Vadias Recife (CMVR), um grupo não formalizado, atualmente composto por 18 integrantes, que mantém uma dinâmica de reuniões regulares e responsabilidades partilhadas entre suas integrantes, ainda que não haja líderes assim denominadas. Tal característica estende-se às ações, em geral, pontuais do movimento Slut walk, as quais acontecem uma vez ao ano e, em alguns casos, como o da capital pernambucana, organizam outro evento internacional conhecido como One Billion Raise (Um bilhão que se ergue) cujo mote também é o enfrentamento da violência sexista contra a mulher. Com o Coletivo organizado, é possível marcar presença em outros debates em pauta na agenda pública, incidindo ativamente nestas discussões, como no caso do estupro coletivo de uma jovem no Rio de Janeiro, gravado e compartilhado nas redes sociais, em 2016. […] Por isso, queremos todas as bandeiras na nossa marcha! • A bandeira da luta contra a violência sexual, a submissão, a exploração do corpo da mulher. A luta contra o conservadorismo que nos diz que, se ¹https://www.facebook.com/pg/MarchaDasVadiasRecife/about/?ref=page_internal, Acesso em: 26 dez. 2016, às 22h49min.


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não quisermos ser estupradas, não devemos provocar. • A luta contra o moralismo, que nos diz que não podemos usufruir de nossa sexualidade, sensualidade e beleza. Contra o machismo que impede que a mulher seja livre e impõe que seja apenas um objeto. • O feminismo, renovado, que acolhe as mulheres e orienta na melhor forma de exercer a feminilidade, com força, determinação e respeito. • A cidadania, que busca a criação de políticas públicas efetivas de proteção aos direitos da mulher, que puna agressores e estupradores. • O fim do preconceito contra os grupos LGBT, pelo respeito às diferentes formas de orientação sexual. • A assistência às prostitutas, maiores vítimas de violência e agressão sexual, pelo reconhecimento profissional e por uma condição mais digna, sem exploração. • O apoio às mulheres agredidas, que tenham a segurança de que o Estado irá defendê-las de seus agressores. Se você também não concorda com uma sociedade que aplaude piadas sobre estupro, que segue lideranças que afirmam que, se a mulher foi estuprada, é porque de alguma forma ela consentiu, que banaliza a agressão física, moral e sexual, marche conosco (MARCHA DAS VADIAS, 2016)

Em 2016, cerca de três mil pessoas participaram da 6ª edição da Marcha das Vadias Recife. Em um ano marcado por consideráveis embates e retrocessos políticos e sociais, em especial nos direitos das mulheres e do segmento LGBT, o evento atingiu o maior público desde sua primeira aparição. Um fato de notável apelo, o estupro coletivo de uma estudante no Rio de Janeiro, ocorrido na mesma semana, pode ter potencializado o chamado público e, de fato, foi referendado em diversas passagens da caminhada, com gritos de luta como “quando eu acordei, tinha 33 homens em cima de mim”. É válido considerar que a quantidade de pessoas não intimidou as investidas de transeuntes e ambulantes, que entraram na passeata para assediar mulheres cis e transgêneros. A caminhada foi interrompida por eventos do tipo, pelo menos, quatro vezes. Tais fatos dão a devida dimensão da atualidade das discussões acerca das relações de gênero e da pertinência da ação da sociedade civil em tempos de informação abundante, mas, também, de cegueira política e de manifestações despudoradas de ódio aos grupos historicamente excluídos. O cerne das reivindicações da Marcha das Vadias tem a ver com o direito ao corpo das mulheres e com os filtros simbólicos que justificam os lugares de poder desiguais aos quais estão as mulheres submetidas. Marchamos porque a mesma sociedade que explora a publicização de nossos corpos voltada ao prazer masculino se escandaliza quando mostramos o seio em público para amamentar nossas filhas e filhos; marchamos porque durante séculos as mulheres negras escravizadas foram estupradas pelos senhores, porque hoje empregadas domésticas são estupradas pelos patrões e porque todas as mulheres, de todas as idades e classes sociais, sofreram ou sofrerão algum tipo de violência ao longo da vida, seja simbólica, psicológica, física ou sexual (MARCHA DAS VADIAS, 2014).


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Na sociedade em rede, as redes sociais e as plataformas virtuais de interação possibilitaram um reordenamento das estruturas de poder na sociedade: abriram espaços para a produção e reprodução de conteúdos hegemônicos e contra hegemônicos, para a emergência de novos sujeitos políticos, ampliaram o leque temático da agenda pública, inclusive impulsionando mudanças estruturais no jornalismo (como o jornalismo-cidadão) e apresentam-se como instrumentos importantes para a consolidação da democracia. Isto porque a participação social, elemento-chave da democracia, constrói-se na esfera pública, na capacidade de diálogo de um determinado grupamento humano. Os processos comunicativos reiteram sua importância: “o poder na sociedade em rede é o poder da comunicação” (CASTELLS, 2009, p. 85). No centro desta discussão, na qual Castells insere a emergência dos Mass self communication (2009)² e de novos sujeitos promotores de mudanças sociais, as relações de poder seguem fortemente vinculadas a três entes conhecidos: o mercado, que cria as bases tecnológicas e estruturas hegemônicas da sociedade em rede; os Estados que as devem regular e, em alguns casos, financiam a construção de tecnologias que possibilitem o acesso universal dos cidadãos a elas; e os cidadãos comuns que também podem criar plataformas virtuais com códigos abertos, articularem-se em comunidades, ainda que seus membros não se conheçam off-line, e atuar massivamente na produção de conteúdos interferindo, diretamente, na agenda pública, sem a necessidade dos históricos mediadores e formadores de opinião pública, os jornalistas.

3. As redes sociais da marcha das vadias Recife As redes sociais virtuais são os principais espaços de comunicação/interação com a sociedade para a Marcha das Vadias Recife, apesar de não serem os únicos. São nos perfis em redes que o coletivo desenvolve parte considerável de suas ações comunicativas, no entanto, o tratamento dado às postagens parece apontar para um uso mais estratégico e sistemático dos canais nos períodos que antecedem a caminhada da Marcha das Vadias e os debates preparatórios para ela, ou, ainda, quando acontecem fatos de considerável repercussão pública e que exigem um posicionamento político, a exemplo de casos de estupro, violência contra a mulher ou mesmo, pela votação de reformas como a trabalhista e a previdenciária. Sobre a dinâmica das postagens, uma das entrevistadas explica: “Não há, assim, uma pessoa que fique exclusivamente ²Para Castells (2009), os mass self communication ou a auto comunicación de masas: “es comunicación de masas porque potencialmente puede llegar a una audiencia global, como cuando se cuelga un video en YouTube, un blog con enlaces RSS a una serie de webs o un mensaje a una lista enorme de direcciones de correo electrónico. Al mismo tiempo, es autocomunicación porque uno mismo genera el mensaje, define los posibles receptores y selecciona los mensajes concretos o los contenidos de la web y de las redes de comunicación electrónica que quiere recuperar. Las tres formas de comunicación (interpersonal, comunicación de masas y autocomunicación de masas) coexisten, interactúan y, más que sustituirse, se complementan entre sí. Lo que es históricamente novedoso y tiene enormes consecuencias para la organización social y el cambio cultural es la articulación de todas las formas de comunicación en un hipertexto digital, interactivo y complejo que integra, mezcla y recombina en su diversidad el amplio abanico de expresiones culturales producidas por la interacción humana” (CASTELLS, 2009, p. 88).


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com a atualização das redes sociais. A gente sempre faz um pouco de tudo. Uma das meninas gosta mais desta frente e é ela quem mais posta, mas toda postagem passa pelas outras também” (R.F., entrevista concedida em 2016). A Marcha das Vadias Recife possui uma fanpage no Facebook com mais de 12 mil curtidas; um perfil no Instagram, com 1166 seguidores; uma página no Twitter, com pouco mais de 400 seguidores; e um blog desatualizado desde 2014. Em todos os espaços, é possível observar grandes gaps entre postagens ao longo do ano. Os dois perfis onde os períodos de desatualização são menores estão situados no Facebook e no Instagram. Na primeira rede, isto se deve, aparentemente, ao uso combinado das integrantes do CMVR, o qual funciona como espaço para veiculação de conteúdos e interação com a sociedade, assim como uma estrutura auto-organizativa, em que, por meio de um grupo fechado, tomam decisões rápidas sobre as postagens, debatem ações políticas e posicionamentos públicos. No segundo caso, pela agilidade dos posts no Instagram, os quais não exigem grande produção. Há um outro dado a ser considerado, existem inúmeros vídeos da Marcha das Vadias Recife no Youtube, mas os canais que desaguam este material, em geral, são pessoais, seja das integrantes do próprio Coletivo Marcha das Vadias Recife, ou de militantes pontuais, ou de grupos que atuam com audiovisual e filmam os atos públicos como forma de apoio à causa. Também existem materiais postados por empresas jornalísticas. Todos os anos, pessoas, empresas e organizações procuram o CMVR colocando-se para colaborar, voluntariamente, na construção de uma narrativa audiovisual ou fotográfica do movimento. Assim, grupos de fotógrafos e de audiovisual assumem a cobertura do evento, no entanto, antes, são realizadas reuniões entre organizadores e comunicadores. Os produtos do trabalho devem ser apresentados ao CMVR antes de serem veiculados. Apesar de incipiente, essa parece ser uma tentativa de driblar as adversidades, advindas, neste caso, da ausência de conhecimentos técnicos na área de comunicação e de recursos financeiros, em prol da construção de uma narrativa própria não mediatizada pelas estruturas das empresas jornalísticas comerciais. A relação com as empresas jornalísticas é secundarizada diante das atribuições que as integrantes do Coletivo têm na organização da marcha, além da, já citada, desconfiança com a abordagem advinda das narrativas jornalísticas tradicionais, em especial, dos programas policiais. A gente manda uma pauta quando alguma mana que “tá” colaborando com a marcha diz que vai mandar voluntariamente. A gente não tem muito tempo, todo mundo trabalha, todo mundo tem vida pessoal. Cada uma faz um pouco de tudo e aí também há um problema nesseexercício de horizontalidade: onde todo mundo é responsável por tudo, ninguém diz essa é minha função, essa é minha missão, ninguém é responsável, especificamente, por nada. (R.F., entrevista concedida em 2016).


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Para além da relatada sobrecarga das organizadoras, a superficialidade da cobertura jornalística em relação à Marcha não atende à demanda de promoção do debate público sobre os direitos das mulheres, assim como pode corroborar com a construção/manutenção dos estereótipos de gênero e com o processo de criminalização dos movimentos sociais. Veloso, Vasconcelos e Cardoso (2015), ao analisarem a cobertura da Marcha em 2015, ano em que o movimento, apesar de pacífico, entrou em confronto com ambulantes devido ao assédio sofrido por mulheres que marchavam na Avenida Conde da Boa Vista, área central do Recife, identificaram estas tendências, ademais do deslocamento do foco principal do ato para a narrativa da confusão ocorrida. Tal reorganização das prioridades factuais acontece sem que haja, sequer, uma discussão sobre o assédio sexual – motivadora do ato e dos conflitos evidenciados. possível inferir que as notícias veiculadas sobre as Marchas das Vadias nos portais pernambucanos ficaram restritas a cobertura do evento, sem aprofundar a discussão acerca de uma maior totalidade dos problemas enfrentados pelas mulheres e sem oferecer, prioritariamente, o espaço para que as porta-vozes dos protestos possam assumir seu lugar de sujeito político também na comunicação. O ponto que teve maior destaque foi a violência contra a mulher, com a publicação, em algumas matérias, de dados e informações adicionais sobre o fenômeno. No entanto, não houve espaço para discussão das causas e do impacto dessa violência, bem como apresentação de medidas, por parte das autoridades competentes, para enfrentar o problema (VELOSO; VASCONCELOS; CARDOSO, 2015, p. 13).

Se, por um lado, tal dado sobre a cobertura midiática reitera a importância da produção de conteúdo nas redes sociais, por outro, a análise dos perfis da Marcha revela uma face desmistificadora da participação política nas redes virtuais: não basta estar conectado para utilizar as ferramentas virtuais em toda a sua potencialidade. É preciso conhecimento dos seus códigos, das bolhas comunicacionais e é preciso tempo para investir em produção de conteúdo e em interação, só assim é possível falar para além dos pares que já estão convencidos da relevância da pauta em causa. Neste ponto, a questão da identidade de gênero mostra-se como um elemento a ser considerado na pesquisa sobre a participação política por meio das ou nas redes virtuais. A possibilidade de difundir informação a custos mínimos, o funcionamento colaborativo em rede associado à inteligência coletiva, tudo isso favoreceria – pelo menos, em teoria – um ambiente comunicacional mais favorável ao desenvolvimento da igualdade de direitos e oportunidades entre todos e todas. Porém, o desenvolvimento das tecnologias não escapa às relações de poder que produzem desigualdades e contradições nas dinâmicas de acesso, uso, desenho e produção das TIC’s entre homens, mulheres, brancos, negros, pobres e ricos (NATANSOHN, 2013, p. 16).

Tal dado é válido para evitar fetichizações e para demarcar o papel das identidades nos usos das redes e nas políticas comunicacionais adotadas pelos movimentos na luta por direitos.


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4. Conclusões As redes sociais virtuais foram apropriadas pela Marcha das Vadias Recife como espaço para engajamento e, principalmente, para tornar públicas as suas pautas e posicionamentos acerca dos direitos das mulheres. Esta pesquisa, no entanto, demonstrou que tais usos não se deram de forma instrumentalizada nem estrategicamente planejada, demonstrando que a adoção de perfis em algumas redes vincula-se mais a uma dinâmica peculiar dos novos movimentos sociais, os quais radicalizam a máxima do reconhecimento dos sujeitos políticos por meio do seu protagonismo na construção de sentidos acerca de si e possibilitada pelas novas estruturas e semânticas da sociedade em rede, bem como, associa-se a uma nítida descrença nas instituições políticas tradicionais da esfera pública, o que inclui a mídia. A escolha da internet como veículo de comunicação se deu a partir de suas características: 1. técnicas, por tratar-se de suporte estruturado previamente, o qual não exige conhecimento de programação e possibilita a produção de conteúdos a baixo ou nenhum custo em diversos formatos; 2. funcionalidade e aparente liberdade para a produção e difusão de discursos, os quais não se coadunam, necessariamente, com o ideário hegemônico e comercial dos mass medias tradicionais; assim como, 3. pelo reconhecimento das redes sociais como parte da nova esfera pública: espaço de sociabilidade, de lazer e de importantes decisões políticas, as quais impactam na política institucionalizada do Estado. A comunicação, neste marco, mais do que uma ferramenta de publicidade de causas e instituições, apresenta-se como natural ao processo político de exercício cidadão do protagonismo de sujeitos que pleiteiam engajamento para as suas pautas e atenção às suas demandas. Porém, como processo sociocultural, a comunicação, em qualquer plataforma técnica, estabelece-se por meio de protocolos de produção de sentidos, nos quais, as identidades são elementos de reconhecida importância, tanto para a elaboração dos discursos quanto para a interpretação deles. Assim, as identidades de gênero mostraram-se como elementos que devem ser considerados na análise dos usos das redes sociais. Visivelmente, a Marcha fala para mulheres e são elas, quase exclusivamente, as pessoas que compartilham e expandem as suas mensagens. Estar nas redes requer, igualmente, entender como funcionam cada uma das estruturas (Facebook, Twitter, Youtube etc.) e estabelecer redes, formar vínculos interacionais, iminentemente comunicativos, culturais e identitários, que requerem tempo. Um investimento alto e nem sempre possível para as mulheres com duas múltiplas jornadas diárias. Este dado foi reportado nas entrevistas e explicou os gaps entre postagens. A pesquisa, assim, concluiu que a participação e o ativismo na rede dependem de uma série de estruturas e variantes que vão além da mera tecnologia disponível.


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Referências BOURDIEU, Pierre. Contrafogos 2: por um movimento social europeu. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001. CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2009. ______. Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da internet. Rio de Janeiro: Zahar, 2013. ______. Comunicación y poder. Madrid: Alianza Editorial, 2009. ENZENSBERGER, Hans Magnus. Elementos para uma teoria dos meios de comunicação. São Paulo: Conrad Editora, 2003. GOHN, Maria da Glória. Sociologia dos movimentos sociais: indignados, Occupy Wall Street, Primavera Árabe e mobilizações no Brasil. São Paulo: Cortez, 2013. HABERMAS, Jurgen. Teoria de la acción comunicativa I - Racionalidad de la acción y racionalización social. Madri: Taurus, 1987. NATANSOHN, L. Graciela (Org.). Internet em código feminino. Teorias e práticas. E-book. Ed. em português revista e ampliada. 1. ed. Buenos Aires: La Crujía, 2013.


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QUESTÕES ESTÉTICAS DO CINEMA MAINSTREAM CONTEMPORÂNEO: Uma análise da estética do excesso e do hipercinema no blockbuster no século XXI Eduardo Santos

Aluno do Curso de Cinema e Audiovisual das Faculdades Integradas Barros Melo - AESO esduduassantos0@gmail.com

Filipe Falcão

Mestre em Comunicação Professor do Curso de Cinema e Audiovisual das Faculdades Integradas Barros Melo - AESO filifalcao@gmail.com

Resumo Desde o seu surgimento, o cinema é feito para um público consumidor. Os blockbusters, filmes conhecidos pelos altos custos e divulgação na maior quantidade possível de salas multiplex de cinema, são feitos para atingir as grandes plateias e lucrar cada vez mais. Exemplos deste tipo de produção não faltam, e estes utilizam fórmulas estéticas e narrativas semelhantes para atingirem a este público ávido a consumir filmes blockbusters. Dentro deste tipo de produção, e até de questões de repetições, devemos pensar no que Lipovetsky e Serroy (2009) chamam de filmes do hipercinema, com planos mais rápidos, quantidade excessiva de movimentos de câmera, muitos personagens e edição frenética. Dentro da nossa análise, será possível questionar como alguns destes filmes quase são obrigados a seguir fórmulas, visto que o contrário pode deixar o público decepcionado durante a sessão. Vamos analisar, portanto, esta tênue linha entre a questão estética e a pura repetição para satisfazer o público Palavras-chave: Cinema; estética; hipercinema, edição.


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1. Introdução O cinema surge, mesmo nos primeiros filmes, com o objetivo de impressionar pessoas, ou de encantar, através de histórias contadas dentro de seus diferentes gêneros, sendo cada um dono de uma série de características capazes de atrair o público. Já em seu início, é possível acreditar que os primeiros cineastas, desde os irmãos Lumière¹ até George Meliés², por exemplo, por mais distintos que fossem em suas produções, já pensavam seus filmes esperando exibi-los para um público, na época muito restrito devido às dificuldades de logística que envolviam desde a própria produção até a questão da distribuição de um filme. Naturalmente, dentro de um processo evolutivo que, em poucos anos, já fez com que os primeiros filmes se tornassem desinteressantes para as plateias de 1910 e 1920, o cinema seguiu se popularizando. Como consequência, o público foi aumentando e se tornando, de certa forma, bastante exigente. Filmes como os de Meliés não atraíam mais todo esse diverso público. A lógica no momento era outra, e cabia à indústria atender a essa demanda, pensando em modos de atrair cada vez mais pessoas às salas de cinema. Com a chegada e a popularização da televisão³, na década de 1950, e seis décadas mais tarde, quando a internet se tornou comum nos países desenvolvidos, parece cada vez mais difícil para os estúdios convencer as pessoas de casa para ver um filme. Afinal, nunca foi tão fácil assistir a filmes sem sair de casa. Tudo que precisamos é de um computador ou de um dispositivo móvel, como um tablet ou celular. Podemos assistir a filmes no conforto da nossa sala de estar ou no nosso quarto. Também é comum assistir a filmes enquanto esperamos o ônibus, no consultório médico, aguardando ser atendido, ou até em sala de aula, ao mesmo tempo em que o professor está falando de qualquer assunto menos interessante. Essa realidade não começou a abalar questões produtivas apenas na segunda década do século XXI. O problema parece já ter algum tempo, embora hoje pareça mais forte. No caso brasileiro, o público, que comprava mais de 200 milhões de ingressos anuais na década de 1970, despencou para a metade desse nível na segunda metade da década seguinte e para algo em torno de 75 mi¹ “Sabe-se que os irmãos Lumière não foram os primeiros a fazer uma exibição de filmes pública e paga. (...) apesar de não terem sido os primeiros na corrida, são os que ficaram mais famosos. Eram negociantes experientes, que souberam tornar seu invento conhecido no mundo todo e fazer do cinema uma atividade lucrativa, vendendo câmeras e filmes” (CESARIANO COSTA, 2006, p.19). Importantes filmes assinados pela dupla são A chegada do trem na estação, Os trabalhadores saindo da fábrica e O jardineiro. Todos de 1895. ² “Georges Méliès nasceu em 1861. Ganhou fama em Paris como ilusionista, fundando o Théâtre Robert-Houdin. Méliès começou a realizar filmagens no estilo dos irmãos Lumière, mas então descobriu o potencial da câmera para o ilusionismo, basicamente inventando os efeitos especiais. Seus primeiros filmes, de apenas um rolo, eram simples demonstrações de truques de mágica como transformações e desaparecimentos” (KEMP, 2011, p. 21). ³ É importante destacar que este trabalho não tem intenção de fazer uma análise completa da evolução do cinema. Vamos apenas, dentro do recorte proposto, destacar alguns períodos que consideramos importantes.


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lhões de ingressos durante toda a década de 1990. No último triênio, está em torno de 90 milhões (SÁ EARP, SROULEVICH, 2009, p. 01).

Dentro deste processo evolutivo, o conforto e a facilidade de assisti-los em casa e o custo cada vez menor diminuem a frequência do público nas salas de cinema. Imagine o trabalho de esperar o filme entrar em cartaz em uma sala perto de você, e com um horário conveniente. Você precisa, então, locomover-se até o endereço mais perto, comprar ingresso, assistir a alguns trailers e propagandas e ainda ter o possível azar de se sentar do lado de um grupo de pessoas sem educação e que vai falar alto durante boa parte da projeção. Isso é apenas um dos cenários que pode desencorajar muita gente de ir ao cinema. Mas e se o filme em questão fosse pensado para ser visto especialmente em uma sala de cinema? Tal título ainda não existe de modo que não seja possível assistir a esse filme em tablets e aparelhos de TV. Algumas obras são, de fato, pensadas para que a sua experiência fílmica seja mais completa em uma sala de cinema. Disso, surge o hipercinema, como uma alternativa de reinventar o cinema, garantindo que as pessoas queiram ir ao cinema justamente para ver aquele título em uma tela grande e com o sistema de som adequado. Vamos aprofundar essa questão nos próximos parágrafos. Se a ideia de um cinema hipermoderno se impõe, é primeiro em razão de uma série de invenções tecnológicas que transformaram radicalmente o processo econômico e os modos de consumo. O cinema sempre foi uma arte que convocou os recursos múltiplos da técnica, mas um novo patamar foi, sem dúvida nenhuma, franqueado com o desenvolvimento das altas tecnologias de vídeo a partir dos anos 1980 e principalmente as imagens digitalizadas desde os anos 1990 (LIPOVETSKY, SERROY, 2007, p. 50).

Os filmes hiper sempre são pensados para um público mais abrangentes, e são cercados de características familiares, que dão uma sensação de conforto a quem assiste a ele, além de entregar exatamente aquilo que o público espera ao fim da sessão. Mais importante, eles trabalham com a justificativa de trazer uma experiência fílmica mais completa para o filme.

2. Narrativa e estética dos filmes mainstream O hipercinema é formado por vários vícios estéticos e fórmulas para tornarse um filme mais fácil para o público que assiste a ele, não entregando nada muito além do que ele está esperando. David Bordwell (2015) chama uma dessas fórmulas de continuidade intensificada. Segundo Bordwell, a partir dos anos 60 até hoje, algumas características são muito encontradas nos filmes mainstream. Algumas são bastante claras, como o movimento de câmera, principalmente em comparação com filmes de décadas passadas. O filme a que se aplica a continuidade intensificada, neste aspecto, parece ter mais movimento. Mas seria simples demais apontar apenas essa questão, visto que ela pode variar inclusive dependendo do filme. De maneira generalista, um título de aventura pode ter mais movimento do que um drama. Não por acaso, essa


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questão é estudada por diversos outros pesquisadores contemporâneos. Cada um deles traz colaborações para o entendimento das problemáticas atuais. Carreiro (2010) tenta listar, seguindo a própria obra de Bordwell, quais seriam as principais questões defendidas pela continuidade intensificada: Na construção narrativa em larga escala, algumas características da continuidade intensificada seriam: a divisão menos clara da narrativa em três atos, com relações causais ambíguas entre os eventos que compõem a trama; introdução de subtramas ou tramas paralelas em maior número; uso de mais de um protagonista; fragmentação cronológica e espacial das tramas, com cenas mais curtas e não lineares. No que se refere à prática estilística (a terceira vertente da poética do cinema), são quatro as características apontadas por Bordwell: montagem visual rápida; variação no uso de lentes dentro da mesma cena; câmera mais próxima dos atores; movimentos de câmera incessantes, com uso proeminente de técnicas como câmera na mão, traveling e grua (p. 03).

Um exemplo contemporâneo com a maioria dessas características é o filme Perdido em Marte, uma das maiores bilheterias do ano de 2015, em que se conta a história de um astronauta o qual, após ser dado como morto por sua equipe em uma missão, tenta sobreviver no planeta vermelho até que sua equipe volte para resgatá-lo. O protagonista fica sozinho na maior parte do filme, que também contém outros núcleos narrativos: um na Terra, organizando o seu resgate, e o outro na nave da equipe que abandonou o astronauta, decidindo se volta ou não para resgatá-lo. O filme apresenta quase todas as características apontadas por Bordwell, como o uso de tramas paralelas, a fragmentação cronológica e espacial e a montagem visual rápida. Além disso, Perdido em Marte é protagonizado por atores famosos4, conta com várias cenas produzidas com computação gráfica e uso de efeitos especiais, a questão sonora é bastante importante e se trata de uma adaptação de um livro best seller. Todos esses são elementos também presentes no hipercinema. Vê-se, então, que Perdido em Marte é uma clara representação do que os maiores estúdios estão procurando ao fazer um filme. A sua bilheteria de US$ 225,2 milhões, lucrando mais que o dobro do custo do filme, US$108 milhões, só confirma a validez da fórmula. Além desses recursos apresentados por Bordwell, os filmes do hipercinema também apresentam evoluções técnicas no que diz respeito a efeitos visuais e sonoros. A computação gráfica se torna cada vez mais presente, numa tentativa de impressionar o público por meio da tecnologia. Cenários e personagens, por exemplo, são criados inteiramente no computador. O CGI (Computer Graphic Imagery, ou imagens geradas em computador) é a mais uma forma que o cinema cria para mexer com o imaginário do público. No caso de Perdido em Marte, todo o espaço e as cenas no planeta vermelho são criados a partir de computação gráfica, deixando a imersão cada vez maior. 4O filme tem nomes como Matt Damon, Jessica Chastain e Kristen Wiig.


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Perdido em Marte também foi distribuído nos mais variados formatos possíveis, incluindo 3D e IMAX, formatos esses que são focados na experiência do público, fazendo a ida ao cinema parte essencial para a total imersão no filme. Uma tela maior, um som de melhor qualidade e a tecnologia 3D dão à sala de cinema uma experiência sensorial quase impossível de se igualar à casa do espectador. Além disso, quanto maior a tecnologia da exibição, mais caros são os ingressos, o que acaba aumentando o lucro do filme. Todos estes elementos levam até a chamada estética do excesso, também muito presente no cinema moderno, principalmente nas produções de maiores orçamentos. De acordo com Lipovetsky e Serroy (2009), esses excessos vão desde a duração, até a quantidade de planos do filme. Filmes mais longos, planos mais curtos, montagem mais acelerada, movimentos de câmera mais rápidos e mais presentes são características importantes nesse novo cinema. A quantidade de informação a ser processada num filme é cada vez maior, e eles deixam de dar valor ao silêncio e à sutileza, estando quase dependentes de uma trilha sonora e da velocidade da edição de uma cena para ditar o clima dela. Uma cena de ação do cinema moderno, por exemplo, tem a rápida alternância de planos, que duram em média 2 segundos. Tudo isso feito nos moldes de bombardeio de imagens tão presentes no século XXI. As pessoas estão cada vez mais consumindo conteúdo imagético nos mais diferentes meios e ao mesmo tempo. Isso acaba influenciando o cinema, que procura acompanhar essa tendência.

3. O excesso do som Conforme o avanço tecnológico se populariza no cinema com efeitos visuais cada vez mais realistas, os efeitos sonoros também acompanham esse processo. Assim, quando a estética do excesso chega às imagens, torna-se necessário dizer que também atinge o áudio nas salas de cinema. As cenas, cada vez mais gráficas, exigem um som que acompanhe sua estética e que faça sentido dentro de seu contexto, ajudando, inclusive, no processo de imersão do espectador, que na realidade vive em um mundo muito barulhento e, assim como na imagem, é bombardeado por sons constantemente. O cinema apenas tenta reproduzir isto. Depois da popularização do surround5 e, inicialmente, do som 5.1 (seguido pelo 7.1 e pelo 12.3), os diretores começam a enxergar no som mais uma forma de impactar e imergir o público. Quando cercado pelo som do filme, o espectador acaba se sentindo muito mais imerso, em meio a caixas distribuídas por toda a sala, causando a sensação de estar cada vez mais dentro do ambiente projetado na tela. Conforme a tecnologia foi avançando e os filmes se tornando cada vez mais excessivos esteticamente, parecia uma consequência natural que os sons fossem ficando cada vez mais barulhentos, com trilhas sonoras mais altas e marcadas e com frequências de som cada vez mais baixas. Uma explosão, por exemplo, ganha um impacto muito maior em uma sala 5.1, que possui uma 5Sistemas sonoros multicanal em salas de cinema.


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caixa de som apenas destinada a reproduzir os sons graves. Isso passa por uma evolução e, quando o sistema já é amplamente popularizado, chega o IMAX. Ao ir a uma sala IMAX, o público paga um ingresso mais caro por uma promessa de imersão maior, entregue através de uma tela 1.5 vezes maior que a convencional e um som muito mais alto e potente que o surround tradicional. Uma grande parte da surpreendente experiência IMAX é o som – graças à enorme potência do sistema de alto-falantes (com 10x mais alcance dinâmico do que os sistemas de som normais), proporcionando a audição dos sons mais agudos - naqueles momentos de suspense arrepiantes - e graves tão baixos que são tanto vibrações quanto sons. Os alto-falantes IMAX são extremamente precisos e distribuem o áudio uniformemente por toda a sala. Por este motivo cada lugar na sala terá uma ótima audição. Você pode poderá ouvir um alfinete cair na sala e saberá exatamente onde ele caiu. (IMAX, 2016).6

No ano de 2015, aproximadamente 20 filmes blockbusters foram lançados com a tecnologia IMAX, e Mad Max: Fury Road foi um deles. Vencedor de seis prêmios Oscar, incluindo Melhor Edição de Som e Mixagem de Som, a obra de George Miller carrega todas as características do excesso sonoro. A trilha sonora do filme é alta, marcada pelos graves, as cenas de perseguição (grande parte dele) são cheias de explosões, tiros e barulhos, acompanhadas constantemente pelo som, sempre muito alto. Quanto mais longe estamos dos carros, mais baixo o volume está, e quanto mais perto, mais alto. A mixagem de som é cheia de barulhos, baixos ou altos, que vêm de todas as fontes de som mostradas no filme. Isso tudo aumenta a imersão no universo do filme e torna aquele universo mais real.

4. Mercado Internacional E Divulgação Grande parte dos filmes mainstream acaba gerando muito lucro aos estúdios não só domesticamente, mas também internacionalmente, podendo este até superar o doméstico. Quando os produtores começam a observar isso, esses filmes passaram a ser vistos de uma forma totalmente diferente de como eram antes, agora sendo pensados em uma lógica mais internacional. Com base nisso, Martel (2012, p. 76) pontua sobre um dos filmes da franquia Homem-Aranha: (...) o filme Homem-Aranha 3, da Sony, que custou 380 milhões, rendeu 890 milhões de dólares no mundo inteiro, dos quais 336 milhões no mercado interno americano (incluído o Canadá) e 554 milhões internacionalmente, em 105 países, em 2007. “Estamos hoje em dia num negócio internacional”, prossegue France Seghers. “Cada vez mais nos conscientizamos de que, ao fazer um filme, nós o fazemos para o mundo inteiro. O que tem muitas consequências. Por exemplo, o filme todo é construído, desde a concepção, em função dos mercados internacionais que temos em 6Disponível em: <<http://www.imaxpalladium.com.br/site/sobre/som.html>> Acesso em: 27 set. 2016.


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vista. Nossos produtos precisam ser desejados no mundo inteiro, e esse desejo é preparado, é uma profissão”.

Algumas produções, além de serem desenvolvidas visando um público internacional, podem chegar a ter versões exclusivas para determinados países. A China, por exemplo, é um dos maiores mercados de cinema do mundo, por isso, a inserção da cultura oriental vem sendo cada vez maior nos filmes mainstream. Depois do grande sucesso de seu antecessor, o filme Transformers 4 teve um corte exclusivo para a China. Além das várias cenas passadas no país na versão americana do filme, o corte chinês conta com ainda mais cenas gravadas no país e papéis interpretados por vencedores de um reality show feito para decidir quatro atores que interpretariam papéis no filme. Isso trouxe a ele uma bilheteria de quase US$300 milhões só na China, superior aos US$240 milhões arrecadados nos EUA, fazendo de Transformers 4 a maior bilheteria da China, na época. Antes de o filme chegar a uma versão definitiva, ele ganha outras versões que o estúdio usa para testar com um público, definido ainda na pré-produção. Faixa etária, etnia, nacionalidade, gênero, tudo isso faz parte das características do público de cada produto fílmico. Já na pós-produção, o filme é exibido para essas pessoas e seguido de uma avaliação com as pessoas que assistiram a ele, para aferir o que se deve ajustar, a fim de que o filme tenha maior sucesso. As alterações, após essa exibição, podem ser simples e até variar muito. Essas vão desde o tom do filme até a mudanças na história. Esquadrão Suicida é um exemplo de que esse tipo de teste pode acabar dando errado, dependendo da interpretação do estúdio sobre ele. Após as exibições de avaliação, o público que assistiu ao filme disse preferir um tom mais leve, com mais piadas entre os personagens principais. O filme então passou por refilmagens para ajustar o tom, que inicialmente era mais sombrio, e acabou não sabendo lidar tão bem com esses ajustes, sendo a inconsistência no tom um dos principais defeitos do resultado apontados pela crítica. Talvez nunca se venha a saber qual a concepção original de David Ayer para Esquadrão Suicida, mas arrisco dizer o seguinte: é possível que, preservada, ela tivesse muito mais força e não desse margem às reações ambivalentes que o filme vem colhendo. Está claro que não assentou bem com Ayer isso de trocar a linha que se anunciava no primeiro trailer, de uma queda para o perverso, pela tentativa de reproduzir o espírito brincalhão de Guardiões da Galáxia ou a anarquia de Deadpool (BOSCOV, 2016).7

No processo da pós-produção de um filme blockbuster, sua campanha de divulgação é peça fundamental e é o que transforma um filme em um evento. Os filmes-eventos são os blockbusters, normalmente os de maiores orçamento e dos quais se espera as maiores bilheterias. Normalmente, possuem a grande maioria das características do hipercinema, e são também marcadas pelo 7Disponível em: <<http://isabelaboscov.virgula.uol.com.br/index.php/2016/08/04/esquadrao-suicida/>>. Acesso em: 20 set. 2016.


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excesso. A Profecia, por exemplo, era somente um remake de filme antigo, até toda a campanha de marketing agir e transformar a sua data de estreia (06/06/06) numa referência ao “número da besta” na Bíblia (666) durante um evento e em parte da campanha de marketing do filme. Um dos exemplos principais de 2016, Batman vs Superman – A Origem da Justiça, lucrou US$424 milhões apenas em seu primeiro fim de semana. A maioria dos ingressos para as primeiras sessões do filme já estava esgotada antes mesmo do dia da estreia. Várias lojas de roupa já tinham os personagens estampados em suas peças, lojas de brinquedos cheias de bonecos deles e até livros baseados na história do filme eram vendidos antes mesmo do lançamento. Nesse tipo de cinema, a arrecadação da bilheteria não é parte total do lucro, que vem também da venda de merchandising do filme. Assim, A campanha comercial de um longa-metragem hollywoodiano é um verdadeiro plano de batalha coordenado em vários continentes. É a etapa essencial de todo filme mainstream. Nos últimos trinta anos, essas campanhas se profissionalizaram e seu custo decuplicou (aproximadamente 2 milhões de dólares no caso de um filme de estúdio, em média, em 1975; 39 milhões em média em 2003, mas frequentemente mais de 100 milhões no caso dos principais blockbusters, como Matrix ou Piratas do Caribe) (MARTEL, 2012, p. 86).

A imersão de um filme-evento sai das telas e proporciona ao espectador viver aquilo que viu. Ou, pelo menos, esta é a ideia por trás do marketing. Vestir-se de forma igual aos personagens, ter alguns dos objetos que aparecem no filme e ler a história contada na tela em outras mídias, como livros e quadrinhos, são só algumas das possibilidades. O filme se torna tão presente para o espectador que até os menos entusiastas acabam o vendo, isso tudo graças ao marketing.

5. Recontando histórias Os remakes e as adaptação sempre foram uma tendência no cinema. Remakes são os filmes feitos a partir de uma adaptação de um roteiro pré-existente, já adaptações são os feitos a partir de obras não cinematográficas, como livros, peças de teatro, entre outros. Desde os primeiros filmes feitos até os maiores sucessos do cinema mais recente, as adaptações sempre são destaques. Elas são garantias de sucesso para os estúdios, já que possuem um público antes mesmo do lançamento. Das 10 maiores bilheterias de 2015, 9 filmes são adaptações, remakes ou continuações de franquias de sucesso. O filme A Profecia é um remake do homônimo de 1976, de Richard Donner, que, por sua vez, é uma adaptação do livro de David Seltzer. A versão de 2006 é outro exemplo dessas características do hipercinema. Nas duas versões do filme, a história é basicamente a mesma, Robert Thorn é um diplomata que, ao ver seu filho ser morto ao nascer, adota uma outra criança e esconde o fato de sua esposa. Quando a criança cresce, estranhezas começam a acontecer na vida desse casal, e Robert descobre que seu filho, na verdade, é o anticristo.


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Em comparação com o original, de 1976, o filme possui mudanças em relação à estética e à narrativa derivadas da necessidade do hipercinema, mesmo contando a mesma história. Enquanto o original preza pela sutileza e pela construção do terror, com pequenos elementos estranhos durante a história, o de 2006 é sempre excessivo em suas representações. O número de mortes é maior, as cenas são mais gráficas, mais rápidas, com uma trilha sonora muito presente e muito alta, a computação gráfica é constantemente utilizada e os elementos constituintes da mise-en-scènes normalmente são usados para facilitar a compreensão do tom da cena. A cena do aniversário da criança que termina com o suicídio da babá, por exemplo, presente de forma bastante semelhante nos dois filmes narrativamente falando, possui algumas diferenças causadas pela influência do hipercinema e da época da nova versão. Na versão original da cena, uma festa de aniversário de Damien, filho do casal, é celebrada. Bolo, carrossel e pessoas felizes é o que vemos até um suicídio da babá diante de todos interromper toda a festa. O bebê em 1976 é normal, feliz e a festa é colorida, o que não ocorre na versão atualizada, que traz uma festa mais triste e melancólica, com uma paleta de cores escura e um bebê triste, que não sorri durante a cena. Em 2006, a criança só se veste de preto, nunca sorri, a festa é triste e a paleta de cores é sempre a mais escura possível. A trilha sonora alta é o que constrói todo um clima de suspense na cena. Na versão de 1976, essa cena possui 1 minuto e 25 segundo, e aproximadamente 30 cortes, e na de 2006, 2 minutos e 25 segundo e aproximadamente 53 cortes. Apesar de a média de cortes ser quase a mesma nas duas cenas, o aumento na duração delas se dá por vários motivos. Um deles é o cachorro, que, na versão mais nova, aparece duas vezes, tendo a câmera nele por mais tempo do que na primeira versão, na qual ele só aparece uma vez, ao fim da cena. A babá também aparece mais no remake, enquanto na de 76 sua morte é mostrada em 3 cortes, na de 2006 são usados 11, em uma sequência muito mais gráfica e dramática, seguida de muito grito e barulho, o que não aparece tanto no filme original. Além disso, os planos de 2006 são mais fechados e o número de planos-detalhe é muito maior, como podemos ver nas imagens abaixo. A câmera também tem muito mais movimento, quando o cachorro aparece, por exemplo, nas duas vezes a câmera está dando zoom nele, e depois no rosto de quem está olhando para ele. Na versão de 76, a câmera é parada.


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Imagem 01: Filme de 1976 traz ângulos mais abertos

Fonte: Reprodução de internet. Imagem 02: Filme de 2006 traz ângulos mais fechados

Fonte: Reprodução de internet.


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Uma das cenas finais do filme também pode ser usada como exemplo no que diz respeito a excessos. Nela, o pai de Damien descobre a verdadeira origem do filho e vai até um cemitério investigar. Em um determinado momento da cena, Robert abre um túmulo e vê ossos de cachorro dentro dele, onde deveria haver o corpo da mãe do seu filho. Esse momento é o clímax da cena, e até ele os planos são lentos e a trilha é inexistente. Logo após a surpresa de Robert, a trilha sonora surge muito alta, dando um susto no espectador e, logo em seguida, os planos ficam mais curtos, a montagem acelera e a trilha fica rápida. Além de excessos e mudanças causadas pelas diferentes épocas e expectativas de lucro quando o filme foi lançado, o remake também foi obrigado a seguir algumas tendências do mercado na época de seu lançamento. Em 2006, ano em que o filme foi lançado, os livros de Dan Brown faziam muito sucesso, e as adaptações de suas obras estavam entre as maiores bilheterias. O livro O Código da Vinci, publicado em 2003, vendeu mais de 80 milhões de exemplares em todo o mundo, gerando uma adaptação cinematográfica em 2006, sendo o segundo filme mais visto do ano, lucrando mais de US$750 milhões mundialmente. Um dos impactos das obras do autor e dos filmes de conspiração da época é o prólogo de A Profecia, que se passa no Vaticano, com o Papa falando de várias tragédias ao redor do mundo as quais poderiam ter sido causadas por algum elemento sobrenatural, mas que, no decorrer do filme, descobrimos que são causadas por Damien, um dos principais personagens. A cena não está na versão de 1976, e ela é só um dos elementos do filme que o fazem passar de apenas um problema na família de Damien a um problema de segurança internacional. Outra forma de trazer mais pessoas às salas de cinema é a partir do elenco, e nesse filme não foi diferente. Julia Stiles, que faz o papel da mãe de Damien, é conhecida por fazer parte da trilogia Bourne, uma das maiores franquias de cinema de ação (que lucrou mais de US$994 milhões no total) e Mia Farrow, que interpreta a babá, é conhecida, entre outros, por atuar em O Bebê de Rosemary, clássico do gênero de terror. Apesar de fazer grande sucesso com o público, A Profecia não fez o mesmo com a crítica, ao contrário da versão original, que é considerado um dos maiores clássicos do cinema de horror. Se você for ao cinema esperando todo aquele clima sombrio e apavorante de um verdadeiro clássico do suspense como O Exorcista (1973), vai se decepcionar. Este remake não consegue causar grandes sensações... hmmm, talvez o ódio - de estar ali no cinema perdendo tempo enquanto podia estar fazendo algo melhor em outro lugar (FORLANI, 2016).8

Muitos atribuem esse sucesso ao marketing certeiro do filme, que estreou no dia 06/06/06, uma referência ao número da besta na Bíblia, 666, tornando-o 8Disponível em: <<https://omelete.uol.com.br/filmes/criticas/a-profecia-1976/#!key=24195>>. Acesso em: 20 set. 2016.


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a maior estreia numa terça-feira na época, lucrando U$12 milhões em um dia conhecido por não levar muitas pessoas aos cinemas. Além de uma forte campanha em torno desse número, o marketing também focou muito em “trazer o clássico de volta às salas de cinema”, apesar de toda a controvérsia em cima da nova versão.

6. Considerações finais No hipercinema, a história contada no filme é o que menor o representa para os públicos. As tentativas de aumentar a experiência e imergir cada vez mais as pessoas ao filme, na difícil tentativa de tirar o público de casa, são os pontos chaves aqui. Na incansável tentativa de chocar a quem assiste e os manter atentos aos filmes, o cinema, mais do que nunca, acaba virando uma indústria. Fórmulas são criadas e filmes cada vez mais comuns são feitos visando o lucro. Os blockbusters são caracterizados sempre pelo excesso, seja em que for. A indústria cinematográfica tem que mostrar resultado a seus acionistas e gerar cada vez mais dinheiro a eles, por isso, às vezes, acabam limitando a liberdade artística dos profissionais envolvidos naquele projeto. As tendências são cada vez mais usadas, até quando chegam à exaustão e são substituídas por outras, sempre causando uma falsa sensação de inovação, seja ela tecnológica quanto narrativa. Mas os filmes aqui produzidos não passam de produtos.

Referências CARREIRO, R. Continuidade Intensificada: Questões sobre gênero e autoria na obra de Sérgio Leone. Rio de Janeiro: Campus, 2010. Disponível em: <<http:// www.academia.edu/5311262/Quest%C3%B5es_sobre_g%C3%AAnero_e_autoria_na_obra_de_Sergio_Leone_Compos_2010_>>. Acesso em: 08 nov. 2016. CESARIANO COSTA, F. In: MASCARELLO, F. (Org.). História do Cinema Mundial. Campinas: Papirus, 2006. BOSCOV, I. Crítica – Esquadrão Suicida. Vírgula, 2016. Disponível em: <<http:// isabelaboscov.virgula.uol.com.br/index.php/2016/08/04/esquadrao-suicida/>>. Acesso em: 08 nov. 2016. FORLANI, M. Crítica – A Profecia. Omelete, 2006. Disponível em: <https:// omelete.uol.com.br/filmes/criticas/a-profecia-1976/#!key=24195>. Acesso em: 08 nov. 2016. KEMP, P. Tudo Sobre Cinema. London, Quintessence, 2011. LIPOVETSKY, G. e SERROY, J. A Tela Global: Mídias culturais e cinema na era hipermoderna. Porto Alegre: Meridional, 2009.


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MARTEL, F. Mainstream: A guerra global das mídias e das culturas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012. SÁ EARP, F. e SROULEVICH, H. O Mercado do Cinema no Brasil. Rio de Janeiro, 2009. Disponível em: <<www.ie.ufrj.br/datacenterie/pdfs/seminarios/ pesquisa/texto04112.pdf>> Acesso em: 08 nov. 2016. SMITH, J. The Sound Of Intensified Continuity.


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ONDE A ZOEIRA ENCONTRA SEU LIMITE: uma análise do uso de memes no jornalismo do Estadão Ivson Souza

Aluno do Curso de Jornalismo das Faculdades Integradas Barros Melo - AESO ivsonss22@gmail.com

Rodrigo Martins Aragão

Mestre em Comunicação Professor do Curso de Jornalismo das Faculdades Integradas Barros Melo - AESO rodrigomaragao@yahoo.com.br

Resumo O artigo foi desenvolvido com o objetivo de mostrar como acontece a relação entre os memes da internet e o jornalismo, por meio de uma análise das publicações do site do Estadão. Para chegarmos a este produto, realizamos uma contextualização da origem do termo e de sua incorporação à internet. Além disso, buscamos apresentar, de maneira breve, os conceitos de webacontecimento e gatewatching, para mostrar como o jornalismo lida com o ambiente virtual. Palavras-chave: Memes; Jornalismo; Estadão.

1. Introdução O uso dos memes em portais de notícias tem se mostrado constante e cada vez mais comum. Sendo assim, o presente trabalho tem por objetivo mostrar como acontece esta relação entre elementos que têm origem e transmissão no ambiente on-line com o jornalismo. Também será apresentado o conceito de webacontecimento e de gatewatching, e como algo que repercute no ambiente digital acaba sendo apropriado pelo jornalismo. Faremos uma breve análise das publicações que têm os memes como foco no portal do Estadão. O site publica matérias sobre memes de maneira massiva, o que tornou possível estabelecer uma comparação em relação à união existen-


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te entre memes e o jornalismo. Esta análise do conteúdo publicado no Estadão servirá para dar mais embasamento à conclusão deste trabalho e, também, mostrar como é estabelecido um limite à zoeira. O uso de memes pelo jornalismo é algo novo e não há muitos elementos que relacionem os dois conteúdos, o que não obrigou a utilização de materiais com foco e temática totalmente distintos para chegar a este produto, que consideramos único e homogêneo, pois contempla elementos do jornalismo que são praticados atualmente no ambiente virtual e discussões referentes aos memes.

2. Memes A ciência e a biologia buscam desvendar os memes há muito tempo. O termo surgiu quando o etólogo Richard Dawkins lançou, em 1976, O Gene Egoísta, livro que foi motivado por interpretações equivocadas do darwinismo¹, no qual o autor defende que os genes não são os únicos replicadores. Penso que um novo tipo de replicador surgiu recentemente neste planeta. Está bem diante de nós. Está ainda na sua infância, fluindo ao sabor da corrente no seu caldo primordial, porém, já está alcançando uma mudança evolutiva a uma velocidade de deixar o velho gene, ofegante, muito para trás (DAWKINS, 2005, p. 329-330).

Seguindo sua comparação, ao nomear esta nova unidade de transmissão cultural, ou “unidade de imitação”, Dawkins abreviou o termo mimeme², para que ficasse o mais parecido com gene e criou a palavra meme, que, segundo o autor, são replicadores que se propagam de cérebro para cérebro, utilizando o ser humano como veículo de propagação. Esta teoria encontra defensores, dentre os quais está o filósofo Daniel Dennett, que considera a mente um grande complexo de memes, e estes são corresponsáveis pelo que conhecemos como cultura e sociedade (TOLEDO, 2009). Exemplos de memes ou “unidades memoráveis distintas” são: arco, roda, vestir roupas, vingança, triângulo, retângulo, alfabeto, a Odisseia, cálculo, xadrez, desenho em perspectiva, evolução pela seleção natural, impressionismo, Greensleeves, desconstrutivismo (DENNETT, 1998, p. 358 apud WAIZBORT, 2003).

A definição mais utilizada é de Susan Blackmore, que os classifica como: “instruções para realizar comportamentos, armazenadas no cérebro (ou em outros objetos) e passadas adiante por imitação” (BLACKMORE, 1999 apud TOLEDO, 2009). 1 Teoria baseada na seleção natural que explica a evolução humana em que os mais bem adaptados têm mais chances de sobreviver. Para Dawkins, o Darwinismo é uma teoria muito ampla para ser limitada a ideia do gene (2005). ² Termo de raiz grega que significa imitação (DAWKINS, 2005).


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Contudo, a teoria dos memes também encontra muita resistência. Nosso papel na relação com as unidades de imitação é um dos pontos mais controversos da teoria que gira em torno dos replicadores. Para Toledo, são “os memes que se replicam e não nós que os replicamos porque queremos. São as palavras que querem ser ditas e não nós que as queremos dizer” (2009, p. 154). O autor ainda ressalta que, mesmo que as pessoas sejam capazes de escolher que replicadores seguir, elas terão uma tendência a escolher certos memes. Ao contrário do que muitas vezes fica subentendido na analogia do meme com um vírus que invade nossa mente, um meme não nos domina ignorando as nossas capacidades cognitivas: ele “nos domina” por causa de tais capacidades! Se não tivéssemos predileção por determinados memes, todos os memes teriam a mesma chance de se multiplicar. Não haveria seleção e, consequentemente, não haveria evolução (TOLEDO, 2009, p. 179).

Em resumo, como bem lembra Fontanella (2009), não existe uma definição precisa do conceito de meme. Todavia, enquanto filósofos, cientistas e pesquisadores não chegam a um acordo, nem às bases consolidadas para a teoria dos memes, estas unidades continuam em plena evolução e este será o ponto de partida da nossa próxima discussão.

3. Memes da internet A ideia de meme está ligada à imitação, à mutação e à evolução. E os memes têm evoluído. Uma prova disso é seu uso no ambiente virtual. A própria ideia de meme sofreu mutações e evoluiu em uma nova direção. E o meme da internet é um sequestro da ideia original. Em vez de modificar-se ao acaso, em vez de se propagar na forma de uma seleção darwiniana, os memes da internet são deliberadamente alterados pela criatividade humana. Na versão sequestrada, mutações são esboçadas, não aleatoriamente, com o total conhecimento da pessoa que está realizando a mutação (DAWKINS, 2013 apud HORTA, 2015).

Segundo Natália Botelho Horta, é de 1998 o primeiro registro da palavra “meme” na internet. Contudo, apenas dois anos depois, o termo começou a ser utilizado para definir “tudo aquilo que se espalhava na internet” (2015, p.14). Assim como na biologia, o conceito de meme da internet é bastante abrangente. Fontanella define o termo como sendo “ideias, brincadeiras, jogos, piadas ou comportamentos que se espalham por meio de sua replicação de forma viral e, à medida que se espalham pelo ambiente virtual, surgem outras versões do meme original” (2009, p. 8). Para entender como eles se espalham, Recuero (2009) classifica estes replicadores utilizando como base os mesmos critérios utilizados por Dawkins – fidelidade, longevidade e fecundidade, e acrescenta o alcance do meme na rede. Essa nova categoria é dividida em “globais”, quando os memes chegam


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a nós³ que estão distantes entre si dentro de uma determinada rede social, e “locais”, que têm relação com o conteúdo que fica restrito a um determinado grupo (RECUERO, 2009). Além destas características, este tipo de conteúdo precisa de outro fator para ser compreendido: o conhecimento prévio do internauta. Pois, “os memes são capazes de resgatar assuntos que estão, há muito tempo, fora da pauta social, renovando o debate entre as pessoas e mostrando que a cultura pode estar presente em situações inusitadas” (CAPARROZ, 2013, p. 08). Na internet, os memes podem ser encontrados em diferentes formas. Atualmente, fazem parte do nosso dia a dia nas mídias sociais. Os mais comuns são as chamadas image macros, em que uma legenda vem sobreposta a uma imagem4. Outros tipos de meme bastante conhecidos são os rage comics. Imagens com contornos simples que, muitas vezes, são utilizadas para expressar sentimentos.

Figura 1 – Image macro. Fonte: reprodução

Figura 2 – Rage comics. Fonte: Museu dos Memes 3

O conceito de nós em rede social pode ser definido como sendo pessoas, instituições ou grupos. (RECUEIRO, 2009, p. 24) 4 Disponível em: <www.museudememes.com.br/sermons/image-macro/> Acesso em: 30 set. 2015.


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Diferentemente do que acontece na biologia e na própria internet, o jornalismo não tem dificuldades para delimitar o que é um meme. As características das publicações mostram que há um direcionamento que leva à união entre o conceito cunhado por Dawkins e o que acabou sendo absorvido pelo ambiente virtual. Para o jornalismo, o meme é um tipo de publicação bem-humorada, que gera grande repercussão e sofre mutações conforme é compartilhada nas redes sociais. Outro motivo que pode fazer um meme virar notícia é o inesperado, a ruptura daquilo que as pessoas consideram normal, isso acaba gerando brincadeiras na internet e sua disseminação torna a discussão atrativa para o jornalismo. Com a massificação do acesso à rede, novos critérios de noticiabilidade podem ser percebidos. A repercussão dos acontecimentos, na internet, tornou-se um valor-notícia. Fala da presidente Dilma Rousseff vira meme nas Redes Sociais (JC ONLINE, 2015), Foto de ex-policial apontando arma para assaltante vira ‘meme’ na web (RIBEIRO, 2013) e Nas redes: desenho animado e best-seller inspiram memes sobre Boechat e Malafaia (IG, 2015). Estes são apenas alguns exemplos de fatos que repercutem virtualmente e ganham destaque em portais de notícia. A ideia dos memes como produto jornalístico está diretamente relacionada ao entretenimento como um critério de noticiabilidade. [...] o jornalismo impregna-se de estratégias narrativas e critérios de noticiabilidade que consideram o entretenimento, em sua temática e forma, como fator significativo na seleção, produção, elaboração e publicação das notícias (FALCÃO, 2011, p. 5).

Segundo Canavilhas, o acontecimento tem mais probabilidade de virar notícia se as suas características temporais servirem às necessidades do meio (2001, p. 3). No ambiente virtual, os portais têm a necessidade de atualizar, constantemente, seu conteúdo para manter o tráfego e atrair cada vez mais público, o que torna assuntos ligados ao entretenimento e à repercussão dos fatos mais suscetíveis a tornarem-se publicação.

Figura 3 – Publicação apresentando os memes Fonte: G1, 2011.


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Inicialmente, o jornalismo tratou este tipo de conteúdo como sendo uma novidade, e, como tal, precisava ser apresentada. Em comum, as matérias tinham uma explicação sobre o que é um meme, origem do termo e porque ganhou espaço no ambiente virtual. Outro fator que marca o início do uso deste conteúdo por portais de notícias está no fato de que o meme era visto como algo relacionado à cultura digital, por este motivo, ficava restrito a uma sessão específica: tecnologia. Um momento bastante particular do uso da internet pelos brasileiros parece ter motivado as empresas jornalísticas a apostar neste filão. Em 2014, mesmo em um período no qual o engajamento e a participação político-eleitoral estavam diminuindo de maneira gradativa, a repercussão e a “audiência” em forma de humor dada pelos internautas a questões ligadas à política chamou atenção dos portais e servem de marco para este tipo de apropriação do conteúdo produzido na web. As Eleições 2014 ficaram marcadas no imaginário jornalístico brasileiro como as “eleições dos memes”. Veículos on-line e off-line, como a Folha de São Paulo, o Portal R7 e O Estado de S. Paulo, para citar alguns exemplos, repercutiram intensamente as “piadas” eleitorais e o humor dos internautas (CHAGAS, FREIRE, MAGALHÃES, et al., 2015, p. 1-2).

4. Distorções Partindo da premissa de que nem todos os memes são engraçados, podemos verificar um dos filtros utilizados pelo jornalismo para determinar o que vai ou não se tornar uma publicação. Repercussão e humor devem andar em conformidade para serem classificados como memes pelo jornalismo. Caso contrário, a publicação não vai mencionar o termo. Um exemplo disto é a imagem do menino sírio encontrado morto em uma praia enquanto sua família tentava fugir da guerra em seu país de origem. A foto foi reapropriada e o jornalismo classificou as várias versões dela como sendo “homenagens”5, muito pelo fato de que todos relacionam os memes a algo ligado ao humor, à zoeira e às brincadeiras, e se a imagem fosse publicada como um meme poderia causar uma repercussão negativa. O que demonstra uma falta de critério ou desconhecimento da ideia geral de meme. Mas nem todo humor relacionado aos memes vira reportagem. Os memes do tipo rage comics, baseados em rabiscos e expressões faciais (trollface, forever alone, fuck yea, like a boss e me gusta) fazem parte do cotidiano da internet, contudo, estão longe de virar notícia, pois, sua função não está ligada à repercussão e sim à expressão de sentimentos e sensações dos usuários da internet. 5

Disponível em: <http://fotos.estadao.com.br/galerias/internacional,ilustracoes-homenageiam-menino-siriomorto-em-praia,20068?startSlide=0&f=0> Acesso em: 26 out. 2015.


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Figura 4 – Imagem do menino sírio encontrado morto em uma praia Fonte: Estadão, 2015.

5. Webacontecimento Não são apenas os replicadores idealizados por Dawkins que sofrem mutações, o processo de produção jornalística também vem moldando-se com o passar do tempo. O jornalismo on-line passou por, pelo menos, três fases que mudaram a forma como o conteúdo é repassado para o internauta. Henn (2010 apud BARBOSA, 2004; SCHWINGEL, 2005), afirma que uma nova geração do jornalismo na web está consolidando-se: [...] vive-se um estágio consolidado para boa parte dos usuários, que contribui para se experimentar novos formatos de produtos e de narrativas, além de novos enfoques para os conteúdos, sua apresentação e disponibilização. Com a utilização da tecnologia de banco de dados que permite a outros atores a apuração, edição e vinculação de informação, viveríamos uma quarta fase do jornalismo (HENN, 2010, p. 5).

Esta nova forma de fazer jornalismo chega em conformidade com o webjornalismo, que seria a repercussão em portais de fatos propagados na web (HENN, 2010, p. 3). Um exemplo disso é o meme “menos Luiza que está no Canadá”. De maneira inexplicável, a partir de um comercial de TV de um empreendimento imobiliário, em que Luiza não participou porque estava em outro país, o conteúdo ganhou fama na web e a história da jovem repercutiu em diversos portais.


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Figura 5 – Meme Luiza que está no Canadá. Fonte: O Globo, 2012. Contudo, os profissionais devem tomar cuidado ao transformar acontecimentos na rede em notícia. Para Gabriela Zago, o papel do jornalista tem mudado com o advento da tecnologia. Em seu artigo sobre Trolls e Jornalismo no Twitter, a autora afirma que para identificar o que é ou não notícia, uma das tarefas do jornalista é saber lidar com a conversação em rede (ZAGO, 2012).

6. Gatewatching A mutação pela qual passa o jornalismo no ambiente on-line não ficou restrita ao modo de apresentar as notícias. Segundo Canavilhas (2010, p. 3), as redes sociais e os blogs alteraram as rotinas de produção jornalística. Por conta do acesso facilitado e da grande profusão de informações com os quais estamos em contato, o processo de seleção do que será publicado mudou com o passar do tempo e a figura do gatekeeper pode ter dado lugar ao gatewatching. Para chegar até o leitor, ouvinte ou telespectador, a notícia tinha que passar por diversos gates ou portões. O gatekeeper era o porteiro responsável por filtrar as notícias. Isto ocorria por conta do espaço delimitado existente no meio impresso, na televisão e no rádio. A evolução da web permite que todos tenham um acesso mais facilitado às fontes, além disso, os próprios usuários, que antes eram apenas receptores, agora, têm a possibilidade de publicar informações. Ou seja, o gatekeeper é o próprio internauta. Transformando a facilidade de acesso à internet dos brasileiros em números, em 10 anos, a quantidade de usuários passou de 39 milhões para 117 milhões (International Telecommunication Union (ITU), World Bank, and United Nations


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Population Division, 2015). Ou seja, atualmente, mais da metade da população está conectada. Com isso, não é apenas a quantidade de usuários que aumenta, o número de informações verdadeiras ou não também evolui de maneira considerável. Conforme lembra Raquel Recueiro (2011), qualquer ator conectado à rede é um emissor em potencial. Portanto, acreditamos que uma das funções do gatewatcher seria a de dar legitimidade ao que está sendo disseminado em larga escala. Canavilhas ressalta que o jornalismo on-line “já não se trata de selecionar/resumir informação, mas sim de indicar pistas de leitura” (2010, p.5). Devido à quantidade de informação circulando nas redes telemáticas, cria-se a necessidade de avaliá-la mais do que descartá-la. Não é mais preciso rejeitar notícias devido à falta de espaço, porque podem-se publicá-las todas. [...] O gatewatcher combinaria funções de bibliotecário e repórter. Do porteiro, passa-se ao vigia (PRIMO; TRÄSEL, 2006, p. 8).

Motta e Batista ressaltam que, mesmo com a figura do gatewatcher, as notícias não deixam de seguir um determinado interesse das empresas de comunicação. Além disso, afirmam que “excluindo-se o processo de gatekeeping, significa que toda e qualquer notícia deve ter espaço para publicação, o que não ocorre hoje e, dificilmente, ocorrerá algum dia, especialmente nas mídias tradicionais” (2013, p. 6).

7. Análise de conteúdo Após delimitar o que é o meme para o jornalismo e mostrar como é a relação deste tipo de publicação com os critérios utilizados para transformar a repercussão divertida de um fato em reportagem, analisaremos a estrutura deste tipo de publicação. Recorrências e distinções serão observadas para que, ao final, possamos ter uma visão mais abrangente do uso destes replicadores pelo jornalismo. Tendo como base as ideias de Laurence Bardin (1977), em seu livro Análise de Conteúdo, constatamos que este tipo de investigação é um método muito empírico, no sentido que não existe uma regra geral, pois o pesquisador vai traçar o seu caminho a partir do tema, objetivo e meios que tem para fazer a análise. Apesar disso, existem modelos que podem ser usados como base, modelos que são adaptáveis conforme o interesse do autor. Para poder estabelecer uma análise que possa contemplar uma dada generalidade em relação ao uso dos memes pelo jornalismo, selecionamos como parâmetro o site do Estadão. Além da relevância do portal, o Estadão tem um grande número de notícias sobre memes e é um dos mais acessados do país. Além disso, foi utilizada a ferramenta SimilarWeb6 que analisa o tráfego digital. 6 Disponível em: <http://www.similarweb.com/country_category/brazil/news_and_media/newspapers> Acesso

em: 31 out. 2015.


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Revista Virtual das Faculdades Integradas Barros Melo A análise pode efetuar-se numa amostra desde que o material a isso se preste. A amostragem diz-se rigorosa se a amostra for parte representativa do universo inicial. Neste caso, os resultados obtidos para a amostra serão generalizados ao todo (BARDIN, 1977, p. 97).

Em seguida, utilizamos a ferramenta de busca presente no site do Estadão para encontrar as matérias sobre memes já publicadas. Nesta etapa, utilizamos como filtro o termo “meme” para selecionar as notícias cujos títulos contenham as palavras “meme” e “memes”. Selecionamos todas as notícias publicadas até o dia 31 de agosto de 2015. Com isso, conseguimos um corpus de 43 matérias, o que consideramos suficiente para estabelecer uma comparação em relação à recorrência de fatores e distinção das publicações. Por fim, a partir das constatações de Bardin (1977) e Feniche (2013) e para estabelecer um parâmetro, também acompanhamos as publicações de outros portais para que pudéssemos deixar esta análise mais próxima da realidade vista nos veículos de comunicação.

8. Estadão A plataforma on-line do jornal O Estado de S. Paulo vem aumentando o uso das redes sociais como fonte e o índice de publicações que têm os memes como inspiração segue o mesmo caminho.

20

Número de publicações por ano do Estadão 18

15 10 5 0

7 4

7

4 3

2010

2011

2012

2013

2014

2015

Gráfico 1 – Evolução da quantidade de publicações do site do Estadão com a palavra meme(s) no título Nossa análise identificou um fator que é recorrente nas publicações. A grande maioria do conteúdo é veiculada por blogs pertencentes ao portal. Ou seja, o Estadão está levando os memes para seu lugar de “origem”. Fontanella (2009), Caracciolo e Penner (2011) e Horta (2015) ressaltam que os memes da internet surgiram e disseminaram-se em fóruns, geralmente, ligados a blogs, e chans8. 7 Os dados de 2015 foram coletados até o dia 31 de agosto.


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Das 43 publicações catalogadas, 33 foram publicadas por blogs ligados ao Estadão. Tendo como base as ideias de Palacios (2011 apud MARTINS, 2012, p. 111-112) sobre a relação dos blogs com o jornalismo, encontramos o limite da zoeira na relação entre os memes e o site do Estadão. Entendemos que ao dedicar aos blogs quase que a totalidade das publicações sobre memes, o portal busca, de certa forma, não se comprometer com o que é publicado e, ao não estabelecer uma ligação direta com as publicações, insere estes replicadores em espaços que Palacios (2011 apud MARTINS, 2012, p. 112) define como ghettos: [...] destinados apenas a atrair e manter a presença dos usuários, oferecendo para isso um espaço aberto a qualquer contribuição que lhes dê a impressão de proximidade e pertencimento, com a intenção de fidelização do público; e, por consequência, torna este espaço em um mosaico, indefinido, onde tudo cabe (PALACIOS, 2011 apud MARTINS, 2012, p. 112).

Por conta desta ligação, as publicações são, geralmente, mais leves e usam uma linguagem diferente da vista no próprio portal, mais próxima da que é vista nas mídias sociais. O uso de termos como “zoeira”, “zueródromo”, “pipocar” e “galera” deixam os textos com uma característica mais informal. Imagens, vídeos, GIFs9 animados , tweets e até vines10 são usados nas publicações, o que mostra uma interação maior com diferentes conteúdos multimídia, e que também podem explicar esse aumento vertiginoso no uso dos memes pelo Estadão. A maioria das publicações tem como local de origem a repercussão de um acontecimento no Facebook, Twitter ou Tumblr. A análise observou uma evolução das publicações. No início, por estar acostumando-se e vendo as potencialidades dos memes, as notícias pareciam posts11 de redes sociais, com pouca ou nenhuma característica de produto jornalístico. Elas continham apenas título, uma breve explicação e um vídeo ou imagem. A versão on-line do Estadão manteve restrita a editoria de tecnologia, mais precisamente, é no blog Link que estão as primeiras publicações referentes aos memes. Com o passar dos anos, Economia, Cultura, Política e Internacional também ganharam publicações em que os memes eram os personagens principais. O ano de 2015 serve de marco para o portal, porque, em apenas oito meses, registrou quase metade do total de publicações que o site fez em quatro anos e 10 meses. Contudo, percebemos uma preocupação do portal de sempre voltar a discutir como surgiram os memes e sua utilização no mundo virtual, a exemplo das matérias: Você é feito de memes (ROCHA, 2015), curiosamente, a mais recente 08

Fóruns usados para o compartilhamento de imagens que são apagadas após um tempo (FONTANELLA, 2009, p. 13). 09 Formato que contempla várias imagens sequenciadas em um único arquivo. 10 Aplicativo de celular usado para produzir e compartilhar vídeos curtos. <https://vine.co/> Acesso em: 21 nov. 2015. 11 Disponível em: <http://blogs.estadao.com.br/link/memes-brasileiros-compilados-e-autotunados/> Acesso em: 10 nov. 2015.


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da análise, e Seu meme é ilícito? (VALENTE, 2015). Contudo, publicações relacionadas a algum fato que repercutiu nas redes sociais e o humor contido nelas são o foco do site, o que comprova outro limite para a zoeira na relação entre memes e jornalismo, em que as notícias têm como objetivo provocar o riso, restringindo o conceito e a potencialidade dos memes.

9. Considerações finais Se seguirmos ao pé da letra toda a ideia de memes defendida por Dawkins e seus apoiadores, deixaremos claro que vivemos em uma bolha repleta de memes que foram impregnados e replicados com o passar dos anos e, atualmente, evoluem e sofrem algumas mutações. Este trabalho, por exemplo, está cheio destas características – disposição dos capítulos, estilo e tamanho da fonte, modo como a pesquisa foi feita – tudo seguiu um padrão. Padrão que sofreu mutações e precisou adaptar-se ao tema, mas que acreditamos ter tido êxito ao tratar da ligação entre memes e jornalismo. A partir da leitura deste artigo, poderemos iniciar outras discussões: Como categorizar o uso dos memes pelo jornalismo? Estes replicadores podem ser aproveitados para passar informação fora do ambiente virtual? Como os jornalistas viram memes? Além de abrir espaço para questionamentos sobre o lugar em que os blogs estão inseridos nos portais de notícia. Sendo assim, chegamos à conclusão de que o uso dos memes pelo jornalismo tende a continuar crescendo. Estamos intimamente conectados ao entretenimento por meio de computadores e dispositivos móveis, o que nos dá a certeza que os memes continuarão a ser produzidos, disseminados em larga escala e, consequentemente, tornar-se-ão fonte para o jornalismo oferecer parte daquilo que as pessoas procuram na internet: entretenimento.

REFERÊNCIAS AMARAL; Márcia Franz. Os (des)caminhos da notícia rumo ao entretenimento. Revista Estudos em Jornalismo e Mídia, ano V – nº 1, 2008, p. 63-73. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/jornalismo/article/view/19846924.2008v5n1p63> Acesso em: 22 nov. 2015. BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Portugal: Edições 70, 2009. CANAVILHAS, João Messias. Do gatekeeping ao gatewatcher: o papel das redes sociais no ecossistema mediático. In. II Congresso Internacional de Comunicación 3.0, Universidade da Beira Interior Covilhã, Portugal, 2010. Disponível em: <http://campus.usal.es/~comunicacion3punto0/comunicaciones/061. pdf> Acesso em: 22 nov. 2015. CAPARROZ, Bárbara de Brito e. O meme e o mestre: o conhecimento coletivo

R


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nas redes sociais. In: Intercom, XVIII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2013. Disponível em: <http://portalintercom.org.br/anais/sudeste2013/resumos/R38-0060-1. pdf> Acesso em: 22 nov. 2015. CHAGAS, Viktor. (Org.) A política dos memes e os memes da política: proposta metodológica de análise de conteúdo sobre memes dos debates nas Eleições 2014. In: VI COMPOLÍTICA, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015. DAWKINS, Richard. O gene egoísta. Tradução Rejane Rubino. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. FONTANELLA, Fernando. O que é um meme na Internet? Proposta para uma problemática da memesfera. In: III Simpósio Nacional da ABCiber, São Paulo, 2009. HENN, Ronaldo. Algumas considerações sobre o “webacontecimento”. In: SBP Jor, VIII Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo, Universidade Federal do Maranhão, São Luís, 2010. HORTA, Natália Botelho. O meme como linguagem da internet: uma perspectiva semiótica. Tese (Mestrado). Brasília: Universidade de Brasília, 2015. Disponível em: <http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/18420/1/2015_NataliaBotelhoHorta.pdf> Acesso em: 22 nov. 2015. MOTA, B. S; BATISTA, L. L. Gatekeeping e gatewatching como teorias jornalísticas diferenciadas e adaptadas à publicidade. In: IV – Encontro de Pesquisadores em Publicidade e Propaganda, CRP/ECA/USP, 2013. Disponível em: <http://www.researchgate.net/publication/274898571_GATEKEEPING_E_ GATEWATCHING_COMO_TEORIAS_JORNALSTICAS_DIFERENCIADAS_E_ADAPTADAS__PUBLICIDADE> Acesso em: 22 nov. 2015. TOLEDO, Gustavo Leal. Controvérsias Meméticas: a ciência dos memes e o darwinismo universal em Dawkins, Dennett e Blackmore. Tese (Doutorado em Filosofia) - Departamento de Filosofia do Centro de Teologia e Ciências Humanas. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2009.


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MAPEANDO AS ESTRATÉGIAS DO TELEJORNALISMO EM CENÁRIO DE TRANSMIDIAÇÃO Maria Eduarda Andrade Barbosa

Aluna do Curso de Jornalismo das Faculdades Integradas Barros Melo - AESO ma_eduarda_andrade@hotmail.com

Rodrigo Martins Aragão

Mestre em Comunicação Professor do Curso de Jornalismo das Faculdades Integradas Barros Melo - AESO rodrigomaragao@yahoo.com.br

Resumo A partir do cenário de convergência midiática, o presente artigo busca identificar articulações de transmidiação no telejornalismo nacional a partir da análise de noticiários de TV aberta e dos conteúdos compartilhados em suas páginas em plataformas de redes sociais digitais. O trabalho toma como base os conceitos de estratégia transmídia definidos por Fechine (2013) em contraponto às características da narrativa transmídia de Jenkins (2008), concluindo um uso estratégico da transmidiação com objetivo de ampliação da audiência dos noticiários por antecipação ou recuperação de seus conteúdos televisivos. Palavras-chave: Telejornalismo; Convergência digital; Transmidiação; estratégias transmídia

1. Introdução Cada vez mais consolidada, a convergência midiática tem trazido mudanças significativas nos processos de produção e consumo de conteúdo. No Brasil, por exemplo, vemos o crescimento do acesso à internet como meio de informação e, ainda que a Televisão permaneça como principal meio de comunicação, a internet se tornou o segundo meio mais presente na vida dos brasileiros. Segundo a Pesquisa Brasileira de Mídia 2016, já cerca de 50% da população do país acessa a rede para se informar.


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Além do crescimento do consumo individual de cada meio, tem destaque na pesquisa o uso concomitante das mídias. Segundo o levantamento, ao mesmo tempo em que assistem à televisão, pelo menos 17% das pessoas indicam também navegar na internet, enquanto 28% delas dizem usar o celular. De maneira semelhante, 19% dos respondentes indicam que consome conteúdo televisivo enquanto utiliza a rede. Estes dados corroboram com informações anteriores do IBOPE. Dados de 2013 do instituto de pesquisa apontavam que um em cada seis brasileiros utilizavam televisão e internet de maneira simultânea. Ainda, o levantamento dava conta de uma influência mútua entre os usos desses meios entre este grupo de consumo simultâneo. A pesquisa identificou que 70% destas pessoas afirmaram buscar na rede informações relativas aos conteúdos televisivos a que assistiam. O efeito da internet sobre a televisão também foi confirmado pelos 80% de respondentes que informaram programar ou modificar a programação televisiva a partir de informações obtidas on-line. Esta conjuntura ajuda a consolidar um modelo de jornalismo no qual as “redações multimídia [...] são a norma vigente para assegurar a distribuição multiplataforma/cross-media” (BARBOSA, 2013, p. 37). Além disso, o consumo concomitante de mídias, assim como suas influências mútuas nas formas de consumo dos usuários, como identificados nos levantamentos acima, apontam para uma transição de “um sistema ‘centrado nos meios’ para um ‘centrado no eu’, em que os usuários estão implicados em todo o processo”¹ (CANAVILHAS, 2011, p. 22, tradução nossa). A resposta a esta transição, tem-se apostado, é uma construção de presença não apenas multiplataforma, ou cross-media, mas transmidiática. Este processo de convergência, como indica Suzana Barbosa, “diz respeito, sobretudo, à não transposição dos mesmos conteúdos para os diversos Meios”, haja vista que “cada um possui sua linguagem e características específicas” (2009, p. 37). É nesse cenário que se coloca esta pesquisa, que tem por objetivo investigar de que maneira se estrutura essa disseminação do conteúdo produzido pelas organizações jornalísticas em múltiplas plataformas. Considerando, em especial, as dinâmicas já constatadas entre televisão e internet, analisamos as relações entre noticiários televisivos e seus perfis e páginas em plataformas de redes sociais digitais, em busca de um jornalismo transmídia. Para tal, observamos, em três períodos do ano de 2016, os telejornais das emissoras abertas comerciais de rede nacional e suas presenças no ambiente digital, com intuito de perceber de que maneiras as associações entre estas plataformas, de modo que se respeitem as características de não reprodução ¹ “un sistema ‘media-céntrico’ a un ‘yo-céntrico’ algo que implica a los usuarios en todo el proceso”


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dos conteúdos, e de identificação das naturezas das relações entre os conteúdos. Antes disso, no entanto, faz-se necessário se debruçar sobre os conceitos regentes do fenômeno da transmidiação, tomando como base os estudos da cultura da convergência e da textualidade.

2. CONVERGÊNCIA E TRANSMIDIAÇÃO Entre as principais referências nos estudos de convergência, encontra-se Henry Jenkins, que, desde seu Cultura da Convergência (2008), tem marcado presença em grande parte das reflexões da academia para o processo de transformação do ecossistema midiático. Em especial, após a consolidação do conceito de narrativa transmídia, construído a partir da análise do filme Matrix e de outros produtos da indústria do entretenimento estadunidense, seja nos livros supracitados, seja nas discussões posteriores (2009a; 2009b). Nestes trabalhos, o autor busca identificar os princípios que regem esse tipo narrativa e define o fenômeno como processo pelo qual os elementos integrantes de uma narrativa se encontram dispersos de forma sistemática por diversos meios, de forma a criar uma experiência única e coordenada. Idealmente, cada meio contribui de maneira única e específica para a fruição da narrativa (JENKINS, 2009a, tradução nossa)².

Este referencial tem sido utilizado por pesquisadores brasileiros e estrangeiros (ALZAMORA; TÁRCIA, 2012; MOLONEY, 2011; SOUZA, 2011) como forma de aproximar os estudos de jornalismo do fenômeno da transmidiação. No entanto, como o próprio autor esclarece, o termo transmídia, em si, descreve uma forma de interrelação entre textos, que antecede a sua discussão (JENKINS, 2011). Ele destaca que seu conceito de narrativa transmídia “descreve uma lógica para pensar o fluxo de conteúdo por entre meios. Nós também podemos pensar em propaganda transmídia, performance transmídia, rituais transmídia, jogos transmídia, ativismo transmídia, espetáculos transmídia e em outras lógicas”³ (2011, tradução nossa). Desta forma, percebe-se que, talvez, a matriz para compreender o jornalismo transmídia possa, ou não, estar atrelada às propostas apresentadas e discutidas pelo pesquisador norte-americano na constituição de seu modelo de transmidiação narrativa. ² “a process where integral elements of a fiction get dispersed systematically across multiple delivery channels for the purpose of creating a unified and coordinated entertainment experience. Ideally, each medium makes its own unique contribution to the unfolding of the story”. Disponível em: <<http://henryjenkins.org/2009/12/ the_revenge_of_the_origami_uni.html#sthash.k66075Um.dpuf>> ³ “describes one logic for thinking about the flow of content across media. We might also think about transmedia branding, transmedia performance, transmedia ritual, transmedia play, transmedia activism, and transmedia spectacle, as other logics”.


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Ainda que algumas pesquisas consigam identificar os elementos da narrativa transmídia em alguns projetos e coberturas jornalísticas especiais, como das olimpíadas de 2012 pela BBC, analisadas por Alzamorra e Tárcia (2013), outros apontam para caminhos que, no mínimo, tensionam esta compreensão. Kevin Moloney (2011), por exemplo, identifica que nem todas as pautas jornalísticas se adaptam bem com os elementos narrativos descritos por Jenkins. muito do jornalismo diário padrão é a narrativa diária de uma ocorrência do dia anterior - um crime, um acidente, um desastre, uma reunião governamental. Essas histórias têm resoluções, por si sós, muito rapidamente e são reportadas em um prazo muito curto para se tornarem narrativas transmídia em larga escala (MOLONEY, 2011, p. 98, tradução nossa).4

Também trabalhando com os preceitos de Henry Jenkins da narrativa transmídia para a análise do jornalismo, Araújo e Veloso identificam que “a ausência de várias características da narrativa no texto da notícia serve para que também possamos verificar a incompatibilidade desse formato com parte dos princípios da narrativa transmídia” (2012, p. 10). Já Cajazeira (2015), ao investigar as possibilidades de novas formas de interação e participação do público dos telejornais convergido nas redes sociais, identifica que “a intenção da produção dos telejornais é de não deixar com que a audiência ‘se distancie’ da notícia televisionada. A ação do utilizador em interagir na fanpage acaba por aproximá-lo do telejornal” (p. 88). Desta forma, o trabalho de Scolari (2014), baseado em Genette (1989), permite observar de maneira mais ampla este fluxo, ao articular sua discussão da transmidiação a partir do conceito da transtextualidade, como “uma classe geral que incluiria toda forma de relação manifesta ou secreta entre textos” (p. 2389, tradução nossa) e se subdivide em outras cinco categorias: intertextualidade, paratextualidade, hipertextualidade, metatextualidade e arquitextualidade. Se a intertextualidade é baseada na presença de um texto dentro de outro, o paratexto é o “pórtico” ou “entrada” que oferece ao leitor “a possibilidade de entrar ou voltar” (1997b, p. 2). Paratextos podem ser introduzidos antes, durante ou depois do texto principal; eles podem ser oficiais (aceitos pelo autor e/ou editor) ou extraoficiais (ou semioficiais, como entrevistas, conversações etc.). O metatexto, por sua vez, é o comentário ou a resenha de um texto; esta é a relação da crítica por excelência. Hipertextualidade é a superimposição de um texto posterior sobre um anterior (para Genette, qualquer escrita é uma reescrita). Finalmente, arquitextualidade é a mais abstrata das categorias: a relação de inclusão que liga cada textos aos vários tipos de discurso dos quais ele é representante (por exemplo, o gênero) (SCOLARI, 2014, P. 2389, tradução nossa)5 4

“much of the boilerplate of daily journalism is the daily story of an occurrence the day before — a crime, an accident or disaster, a government meeting. These stories by themselves unfold too quickly and are reported on too tight a deadline to become transmedia stories on a large scale”.

5“If intertextuality is based on the literal presence of one text within another, the paratext is the “vestibule” or


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Deter-nos-emos aqui ao elemento da paratextualidade, exemplificada no texto literário em elementos como título, intertítulos, prefácios etc. Os paratextos, como nos coloca Scolari (2014), são elementos internos ou externos que atuam como portas de entrada ao texto, permitindo ao leitor acessá-lo ou não. Considerando que, mesmo quando se adotam formas mais flexíveis de medição, “a ênfase permanece sendo a de gerar altos índices de audiência para gerar maiores retornos financeiros que financiam a televisão e suas expedições transmídia”6 (MITTELL, 2015, tradução nossa), Jason Mittell nos apresenta um forma de observar os conteúdos transmídia como paratextos, que assumem a função de orientar o público quanto à nova forma de fazer sentido do conteúdo televisivo. Esta perspectiva se alia àquela adotada por Yvana Fechine (2013), a qual, partindo do pressuposto de que cada campo de produção midiática apresenta e demanda uma forma específica de interrelação entre seus diversos conteúdos, no caso da televisão, privilegiado a concentração da audiência no veículo principal. A autora nos propõe uma perspectiva de análise que, em lugar de se guiar por princípios orientadores que compõem idealmente o fenômeno, enfatiza uma observação atenta das relações entre os conteúdos de modo a identificar, a partir destas, uma estratégia estabelecida pelos enunciadores, assim como um conjunto de práticas presumidas de leitura destes mesmos textos nas múltiplas plataformas de distribuição. Em suas pesquisas, Fechine (2013) identifica nas teledramaturgias duas principais funções para os conteúdos transmídia, a saber: a de propagação, pois atuam no sentido de retroalimentação do conteúdo, mantendo o interesse do público na narrativa, mas sem acrescentar significativamente ou modificar a compreensão dela; e a de expansão, na qual são identificados desdobramentos ou complementações narrativas e da experiência de recepção do conteúdo televisivo. É a partir desta percepção que se baseia este trabalho, que toma como corpus inicial os telejornais de rede das emissoras abertas nacionais para, em seguida, debruçar-se sobre as relações entre as plataformas televisiva e digitais. “threshold” that offers the reader “the possibility of either stepping inside or turning back” (1997b, p. 2). Paratexts may be introduced before, during, or after the main text; they can be official (accepted by the author and/or the publisher) or unofficial (or semiofficial, like interviews, conversations, etc.). The metatext, for its part, is a comment or review of a text; this is the critical relationship par excellence. Hypertextuality is a superimposition of a later text onto an earlier one (for Genette, any writing is rewriting). Finally, architextuality is the most abstract of the categories: This relationship of inclusion links each text to the various kinds of discourse of which it is representative (e.g., genres)”. 6“the

emphasis still remains on generating high ratings to generate the majority of revenues used to fund both television and its associated forays into transmedia storytelling”.


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3. Mapeando as presenças transmídia dos telejornais A primeira etapa realizada foi o reconhecimento da presença dos telejornais de âmbito nacional nas mídias sociais, em perfis no Facebook, Twitter, Instagram e Youtube7, a que se seguiu a identificação de referências entre estas plataformas digitais e os conteúdos televisivos que permitissem caracterizar esta relação como uma articulação de transmidiação. Na tabela 1, foi possível reunir estas presenças de forma sintética, a partir do acompanhamento realizado ao longo do mês de julho de 2016. Tabela 1: Plataformas de redes sociais utilizadas por telejornais Emissora

Rede Globo

SBT

Band

Telejornal

Facebook

Twitter

Hora 1

X

X

Bom Dia Brasil

X

X

Jornal Hoje

X

X

Youtube

Jornal Nacional

X

X

Jornal da Globo

X

X

Primeiro Impacto

X

X

X

Instagram

X

SBT Brasil

X

X

X

Jornal do SBT

X

X

X

Café com Jornal Brasil

X

X

Jornal da Band

X

Jornal da Noite Rede TV

Rede TV News

X

X

Rede Record

Fala Brasil

X

X

X

Jornal da Record

X

X

X

Percebe-se, a partir dos dados do mapeamento, a utilização principal de plataformas como Facebook e Twitter, em detrimento de outras como Youtube e Instagram. Apesar de não caber a este estudo a avaliação para tais razões, acredita-se que essa predominância esteja associada não apenas ao fato de estas plataformas estarem entre as mais utilizadas pelos brasileiros, mas pelo fato de permitirem mais facilmente o compartilhamento de links e conteúdos gerados e armazenados em outras plataformas. Desta forma, elas possibilitam mais facilmente a geração de tráfego para os sites e portais dos telejornais e de suas emissoras. Ainda que de maneira exploratória, foi possível identificar que nesta relação é padrão o comportamento de utilização das mídias sociais como forma de chamar os telespectadores, publicar links para matérias que foram ao ar em edições passadas dos telejornais e reunir comentários dos telespectadores em relação ao telejornal. 7 Plataformas de redes sociais mais utilizadas pelos brasileiros.


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No sentido oposto desta relação, foi possível identificar também um padrão. Infelizmente, no entanto, percebe-se que em poucos momentos os apresentadores e outras vozes do telejornal fazem referência às mídias sociais e, quando o fazem, ele se dá de forma breve e difusa, indicando os serviços como formas para que o telespectador acompanhe matérias com mais detalhes. Raros são aqueles que pedem a participação dos telespectadores por meio da internet, trazendo como referência quase que sempre os portais das emissoras, em detrimento das plataformas de redes sociais.

4. Mapeando os conteúdos transmídia do telejornalismo Tomando como base o primeiro levantamento, a segunda etapa da pesquisa restringiu seu corpus apenas aos telejornais vespertinos, únicos presentes em todas as emissoras abertas, e às plataformas utilizadas pela maior parte dos veículos, a saber, Facebook e Twitter. Foi delimitado um período de coleta dos dados nas duas primeiras semanas de setembro (entre 4 e 9 de setembro e entre 12 e 16 de setembro). Em cada semana, foi atribuído, de forma aleatória, um dia da semana para coleta de dados de cada telejornal, resultando em duas amostras individuais por produto, capturadas em link e imagem nas plataformas de redes sociais utilizadas pelos veículos. Desta maneira, permite-se confirmar, de forma mais rigorosa, as definições de padrões de publicação dos veículos, identificadas nas observações iniciais e exploratórias, assim como torna-se possível a comparação efetiva das formas de utilização das redes sociais digitais pelos telejornais entre si. Os dados coletados foram sistematizados nas tabelas abaixo, que nos indicam a quantidade de postagens diárias realizadas pelas equipes dos telejornais nas diversas plataformas de redes sociais (Tabela 2) e uma classificação formal do conteúdo publicado nas duas plataformas mais utilizadas pelos veículos, a saber: Facebook e Twitter (Tabelas 3 e 4, respectivamente). Tabela 2: Quantitativo de postagens diária em plataformas de redes sociais Telejornal

Postagens no Facebook

Postagens no Twitter

Postagens no Youtube

Postagens no Instagram

Jornal Nacional

24

21

0

0

SBT Brasil

16

22

0

8

Jornal da Band

17

0

0

0

Rede TV News

7

0

0

0

Jornal da Record

21

21

0

43

Total

85

64

0

51


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Tabela 3: Classificação do conteúdo publicado no Facebook Telejornal

Fotos

Links

Vídeos

Outros (quais)

Jornal Nacional

4

20

0

0

SBT Brasil

1

14

2

0

Jornal da Band

0

12

16

0

Rede TV News

0

6

0

0

Jornal da Record

0

20

1

0

Total

5

72

19

0

Tabela 4: Classificação do conteúdo publicado no Twitter Telejornal

Fotos

Links

Vídeos

Outros (quais)

Jornal Nacional

2

17

2

0

SBT Brasil

0

2

0

20 (retweets)

Jornal da Band

0

0

0

0

Rede TV News

0

0

0

0

Jornal da Record

1

18

2

1 (retweets)

Total

3

37

4

21 (retweets)

Se, à primeira vista, os dados apresentados na tabela 2 apenas evidenciam uma obviedade, que é a prevalência de duas plataformas de redes sociais entre os noticiários das emissoras — Facebook e Twitter (com destaque ainda para a primeira) —, este dado também nos é significativo, inclusive no que carrega de aparentemente óbvio. A utilização predominante destas plataformas (as mais utilizadas pelos brasileiros), apesar de razoável, permite-nos inferir uma busca dos telejornais pelo público, fora da televisão, e uma percepção da concretização da convergência (JENKINS, 2006) e do fenômeno da recepção transmidiática (LOPES, 2013). Desta forma, tal obviedade fortalece a compreensão de que a utilização das redes sociais se dá de forma estratégica, uma das premissas apontadas por Yvana Fechine (2013) para a consolidação de um projeto de Transmidiação. As tabelas 3 e 4, nas quais se observam de forma mais atenta quais formatos são os mais comuns no momento de compartilhamento de conteúdo pelas equipes dos noticiários, também nos auxiliaram na percepção de algumas recorrências. A primeira delas é a predominância, quase que absoluta, dos links como conteúdo compartilhado. Isso nos permite inferir uma relação de complementaridade da rede social em relação ao conteúdo externo a ela, algo também fortemente ligado à estrutura e à proposta mesma da transmidiação, segundo conceitos de Jenkins (2006) e Fechine (2013). A forte presença dos vídeos, em segundo lugar, em especial no Facebook, faz perceber também uma adequação dos telejornais aos regimes de visibilidade de conteúdo, resultante das determinações dos algoritmos das plataformas,


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os quais elegem os tipos de conteúdo que terão mais destaque e serão mais distribuídos aos usuários (CRISCUOLO; PACETE, 2016).

5. Identificando as estratégias transmídia dos telejornais Além dos levantamentos quantitativos, as análises das publicações em si permitiram identificação dos conteúdos a partir das já citadas estratégias transmídia delineadas por Fechine (2013). O principal uso, como já destacado desde os levantamentos exploratórios e confirmados nas análises de material coletado, foram os links para reportagens veiculadas nos telejornais e disponibilizadas nos sites dos telejornais ou portais das emissoras (como visto na figura 1), ou, em alguns casos, publicados na íntegra nas páginas dos veículos nas plataformas de redes sociais (como na figura 2). Figura 1: Compartilhamento de reportagem do portal da Rede TV no Facebook

Apenas do perfil do SBT no Twitter foi possível identificar o uso da função de compartilhamento para replicação de informações originalmente publicadas por outros perfis associados à emissora, como de repórteres ou do setor de jornalismo (figura 3). Estas utilizações podem ser associadas à estratégia de propagação, descrita por Fechine (2013) e que têm por objetivo espalhar o conteúdo já produzido pela mídia regente, no caso, o telejornal, junto ao seu público. Mais especificamente, por se tratar de um conteúdo anteriormente exibido em outra


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Figura 2: Publicação de reportagem diretamente no Facebook pelo Jornal da Band

Apenas do perfil do SBT no Twitter foi possível identificar o uso da função de compartilhamento para replicação de informações originalmente publicadas por outros perfis associados à emissora, como de repórteres ou do setor de jornalismo (figura 3). Figura 3: Compartilhamento de reportagem da SBT no Twitter


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plataforma, essas publicações se encaixam no eixo descrito pela autora como de recuperação. Desta forma, o espaço da rede cumpre a função de permitir ao público poder consumir, fora do horário da grade, o conteúdo televisivo, sendo ou não a primeira vez. Uma segunda utilização encontrada foi a publicação de chamadas para a exibição do telejornal, como formas de convite à audiência para acompanhá-lo ao vivo pela televisão. Essas publicações foram realizadas prioritariamente em vídeo publicado na própria plataforma e narrado pelos âncoras do noticiário (figura 4). Novamente, no caso do SBT, foi possível identificar essa chamada sendo realizada a partir do compartilhamento de publicações realizadas por outros perfis (figura 5). Figura 4: Chamada para a exibição ao vivo do Jornal da Record no Facebook

Figura 5: chamada para o Noticiário compartilhada pelo jornal SBT Brasil


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Destacou-se, desta vez, a publicação do Jornal Nacional que, diferentemente dos demais, realizou a chamada para a edição do dia 6 de setembro com uma imagem mais descontraída do âncora William Bonner no estúdio do noticiário enquanto a colega de bancada Renata Vasconcellos utilizava o telefone (figura 6). O texto utilizado, inclusive, reforça a descontração construída ao propor uma interação mais direta com o público e apresentar a pergunta “Hora de sair do telefone, né, Renata?!” escrita de forma coloquial e seguida de um emoji de risada. Figura 6: Imagem de chamada do Jornal Nacional no Facebook

Estas utilizações, apesar de distintas das iniciais, permanecem associadas às estratégias de propagação, visando a uma ampliação do alcance de público do noticiário, agora com foco na audiência televisiva. Esses conteúdos encaixamse na categoria de antecipação, definida por Fechine (2013), ao trazer de maneira antecipada conteúdo da atração e gerar expectativa para a veiculação dela na mídia televisiva.

6. Considerações finais As análises realizadas permitem considerar que, em lugar de propor uma ampliação ou complementação da narrativa ou da experiência do telejornal, as


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relações estabelecidas entre os conteúdos televisivos e aqueles compartilhados em redes sociais digitais cumprem um papel, mais estratégico, de buscar ampliar a audiência da exibição dos noticiário, a partir de conteúdos de antecipação, assim como espalhar a informação da mídia principal, utilizando as redes sociais como formas de recuperação dos conteúdos. Essa relação, mais do que complementar, aponta para uma posição coadjuvante das redes sociais na relação com a televisão, de modo que não se crie conflito na construção de sentido sobre os fatos entre aqueles que consomem os conteúdos informativos pela televisão ou pela internet. Chama atenção, no entanto, o uso do Jornal Nacional, apontado na figura 6, em que, apesar da função de antecipação, ao anunciar a exibição do telejornal, apela-se para uma comunicação menos formal, e não encontrada em outras publicações de outros noticiários, e que pode sugerir uma estratégia que se distingue da simples antecipação do conteúdo televisivo e para a qual cabe mais ampla investigação.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALZAMORA, G.; TÁRCIA, L. Olimpíadas 2012, convergência e transmídia: telas múltiplas na cobertura jornalística da BBC. In: Encontro Anual da Compôs, XXII, 2013, Salvador. Anais Eletrônicos. Salvador: UFBA, 2013. Disponível em: <<http://compos.org.br/data/biblioteca_2075.pdf>>. Acesso em:12 ago. 2013. BARBOSA, Suzana. Jornalismo convergente e continuum multimídia na quinta geração do jornalismo nas redes digitais. In: CANAVILHAS, João. Notícias e Mobilidade: o jornalismo na era dos dispositivos móveis. Covilhã, UBI, LabCom, Livros Labcom. 2013. BRASIL. Presidência da República. Secretaria de Comunicação Social. Pesquisa brasileira de mídia 2015: hábitos de consumo de mídia pela população brasileira. Brasília: Secom, 2014. CAJAZEIRA, Paulo Eduardo. A Audiência convergida do telejornal nas redes sociais. Covilhã: Livros Labcom, 2015. CANAVILHAS, João. El Nuevo Ecosistema mediático. Index Comunicación, nº 1, 2011. CRISCUOLO, Isaque; PACETE, Luiz Gustavo. O impacto da mudança de algoritmo do Facebook. In Meio&Mensagem. 2016. Disponível em: <<http://www. meioemensagem.com.br/home/midia/2016/06/30/o-impacto-da-mudanca-de-algoritmo-do-facebook.html>>. Acesso em: 20 ago. 2016. FECHINE, Yvana. Como pensar os conteúdos transmídias na teledramaturgia brasileira? Uma proposta de abordagem a partir das telenovelas da Globo. In.:


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LOPES, Maria Immacolata. Estratégias de transmidiação na ficção televisiva brasileira. Porto Alegre: Sulina, 2013. GENETTE, Gérard. Palimpsestos: La literatura en segundo grado. Madrid: Taurus, 1989. JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2008 __________. The revenge of the origami unicorn: Seven Principles of Transmedia Storytelling (Well, Two Actually. Five More on Friday). [s.l.]: Confessions of an Aca-Fan, 2009a. Disponível em: <<http://henryjenkins.org/2009/12/ the_revenge_of_the_origami_uni.html>>. Acesso em: 13 set. 2014. __________. Revenge of the origami unicorn: the remaining four principles. [s.l.]: Confessions of an Aca-Fan, 2009b. Disponível em: <<http://henryjenkins.org/2009/12/revenge_of_the_origami_unicorn.html>>. Acesso em: 13 set. 2014. __________. Transmedia 202: Further Reflections. [s.l.]: Confessions of an Aca-Fan, 2011. Disponível em: <<http://henryjenkins.org/2011/08/defining_ transmedia_further_re.html>>. Acesso em: 13 set. 2014. MOLONEY, Kevin. Porting Transmedia Storytelling to Journalism. 2011. Disponível em: <<http://www.colorado.edu/journalism/photojournalism/Transmedia_ Journalism.pdf>>. Acesso em 12 de ago. 2013. MITTELL, Jason. COMPLEX TV: The poetics of contemporary television storytelling. New York: New York University Press, 2015. SCOLARI, Carlos. Don Quixote of La Mancha: Transmedia Storytelling in the Grey Zone. International Journal of Communication 8 (2014), 2382–2405 SOUZA, Maurício. Jornalismo e cultura da convergência: a narrativa transmídia na cobertura do cablegate nos sites El País e Guardian. Dissertação (Mestrado em Comunicação Midiática) - Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2011.


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TRABALHO DE PARTO: A EXPERIÊNCIA DE PRODUÇÃO DE UMA SÉRIE DE REPORTAGENS PARA TV Bruna Andrade Pessôa

Aluna do Curso de Jornalismo das Faculdades Integradas Barros Melo - AESO apessoa.bruna@gmail.com

Daniele Oliveira De Souza Alves

Aluna do Curso de Jornalismo das Faculdades Integradas Barros Melo - AESO danielea.lves@hotmail.com

Igor Santos Vélez

Aluno do Curso de Jornalismo das Faculdades Integradas Barros Melo - AESO igorvelez@live.com

Marcele Dias De Moura

Aluna do Curso de Jornalismo das Faculdades Integradas Barros Melo - AESO diasmarcele2@gmail.com

Ana Carolina Vanderlei Cavalcanti

Mestra em Comunicação Professora do Curso de Jornalismo das Faculdades Integradas Barros Melo - AESO ana_carolinavc@yahoo.com.br

Resumo Este artigo tem como objetivo relatar a experiência de produção da série de reportagens Trabalho de Parto, produzida por alunos do curso de Jornalismo das Faculdades Integradas Barros Melo, que fazem parte do Laboratório de Jornalismo Audiovisual (Labjortv). O trabalho foi motivado pelos dados divulgados, em 2015, pela Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre a diferença entre o número de partos normais e de cesarianas no Brasil. Segundo a OMS, o país é o único do mundo a ter mais da metade de todos os nascimentos feitos


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por meio de cesáreas. As pautas foram construídas de modo a expor o contexto dessa realidade nacional, com foco em Pernambuco e, ao mesmo tempo, apresentar os diferentes tipos de parto, com suas características científicas e culturais, dando voz aos profissionais da área da saúde, a militantes pelo parto normal, às mulheres e às mães, ao Ministério Público de Pernambuco, ao Sindicato dos Médicos (SIMEPE), entre outras fontes e personagens. A realização da série proporcionou à equipe a vivência da reportagem no telejornalismo em todas as suas etapas e processos: da pesquisa inicial à pós-produção das matérias. Permitiu, ainda, a experimentação de linguagem na gravação de conteúdos televisuais, a partir de celulares, para as redes sociais do Laboratório. Palavras-chave: Telejornalismo; Série de reportagens; Parto; Produção; Relevância social.


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1. Introdução O Laboratório de Jornalismo Audiovisual (Labjortv) tem como integrantes alunos de Jornalismo das Faculdades Integradas Barros Melo, do primeiro ao último período. A proposta é inseri-los na rotina de trabalhos em equipe e fazê-los viver a prática do telejornalismo fora da sala de aula, incentivando-os no espírito da coletividade, da integração, da proatividade e do comprometimento. O grupo reúne-se emanalmente para discutir pautas, dificuldades, avaliar os trabalhos realizados e comentar referências do mercado. Divididos em equipes, definidas a partir dos produtos a que se dedicam, eles assumem responsabilidades em atividades de produção, gravação, edição e atualização das redes sociais do Laboratório no Instagram, no Facebook e no Youtube. Um dos produtos realizados pelo Laboratório de Jornalismo Audiovisual é o Repórter Labjortv, que se dedica à produção de reportagens, a principal forma de apresentação da notícia na televisão (SIQUEIRA; VIZEU, 2014). De acordo com Guilherme Jorge de Rezende (apud SIQUEIRA; VIZEU, 2014, p.61), a reportagem é “a matéria jornalística que fornece um relato ampliado de um acontecimento, mostrando suas causas, correlações e repercussões”. No ano de 2015, a equipe que integra o quadro produziu uma série de reportagens sobre parto no Brasil, intitulada Trabalho de Parto. O tema foi escolhido a partir de dados divulgados em 2015 pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pelo Ministério da Saúde (MS) sobre a diferença entre o número de partos normais e de cesarianas no Brasil. Segundo a OMS, o Brasil é o único país do globo a ter mais da metade de todos os nascimentos feitos por meio de cesáreas: 53,7%. Dentro das redes particulares, de acordo com o MS, 84% das mulheres brasileiras são submetidas às cesáreas, enquanto nas redes públicas este percentual cai para 40%. O título explicita a relação com o processo para o nascimento de uma criança, tendo a mãe como protagonista e sugere, ainda, uma ligação com todo o trabalho envolvido para que o parto aconteça: preparação da família, além de orientação e cuidados profissionais. Por conta da possibilidade de um tratamento muito mais primoroso que a reportagem especial – tanto do ponto de vista do conteúdo quanto do plástico – proporciona, uma vez que permite o aprofundamento em assuntos de interesse público (CARVALHO et al., 2010), a equipe optou pelo formato série. A série com quatro reportagens especiais tratou dos diferentes tipos de parto, buscando uma abordagem que englobasse as perspectivas científicas, sociais, e culturais, bem como apresentando informações relevantes para a sociedade no que diz respeito, por exemplo, à questão dos direitos das gestantes.

2. O processo de produção


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Ao longo desta experiência, a equipe – formada por alunos que estavam, então, no 4º período do curso – vivenciou todas as etapas de produção de uma reportagem para TV: desde a primeira reunião de pauta para pensar na proposta do tema até a edição final do material e divulgação deste nas redes sociais do Laboratório. A série foi pensada com quatro reportagens (e quatro repórteres diferentes) sobre os seguintes recortes: nascer no Brasil, parto natural e humanizado no serviço público, parto humanizado domiciliar e direitos das gestantes. A primeira reportagem teve como objetivo contextualizar os dados e as informações gerais sobre os partos no Brasil, com foco em Pernambuco, por meio de pesquisas, documentos e entrevistas com profissionais capacitados para tais questões, nas quais eles apresentariam as suas posições em relação aos partos normais e à cesárea – domiciliar e hospitalar. Na segunda reportagem, a ideia era apresentar a possibilidade de se ter um parto humanizado em um hospital público, neste caso, o IMIP. A terceira reportagem buscou desmistificar os partos realizados em casa, que costumam ser considerados perigosos, por meio de entrevistas com profissionais especialistas, ativistas do parto humanizado e personagens. Com a última reportagem, o objetivo foi apresentar os direitos das gestantes e discutir o tema da violência obstétrica. Na busca pelas fontes, foi verificado, sempre, o que elas teriam para contribuir e somar com o trabalho da reportagem e se eram, de fato, as vozes mais abalizadas para cada uma das questões levantadas pela série. No caso dos personagens, a produção buscou histórias genuínas que pudessem ilustrar os pontos tratados nos episódios. O contato com os entrevistados se deu por telefone, e-mail, Facebook e Whatsapp. Depois da pesquisa inicial e da definição dos objetivos de cada episódio, a equipe produziu as pautas, tendo em mente que a reportagem para a televisão tem como diferencial a mensagem sonora aliada à mensagem visual (PATERNOSTRO, 2006) (Figura 1). Figura 1 – Registro da equipe da série de reportagens, em reunião de pauta, divulgado na fan page do Labjortv


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Por isso, durante todo o processo, houve preocupação com as imagens que poderiam ser captadas ou conseguidas com os entrevistados (arquivos pessoais), bem como com a forma como essas duas informações (as sonoras, representadas pelos textos dos repórteres e as visuais) dialogariam. Na TV, assim como no rádio, o texto deve ser coloquial e o jornalista precisa ter em mente que está contando uma história para alguém, mas existe uma diferença fundamental: o casamento da palavra com a imagem. É a sensibilidade do jornalista que vai fazer essa ‘união’ atingir o objetivo de levar ao ar uma informação que seja fácil de ser compreendida pelo telespectador (BARBEIRO; LIMA, 2002, p.95).

A principal dificuldade durante a produção do material foi organizar as datas das gravações, pois era preciso conciliar agendas diferentes: a dos entrevistados, a do repórter, a da coordenadora do Labjortv (que acompanhava as saídas da equipe), a do Laboratório de TV e a do transporte da Instituição. As externas foram realizadas nos locais de trabalho dos profissionais ou nas casas das mães, devido ao contexto das reportagens (Figura 2). Figura 2 – Registro da entrevista de Marcele Dias com Tâmara Aragão, mãe de Vicente, para a segunda reportagem da série

Após as gravações, eram feitas as decupagens (ou seja, a identificação e marcação/transcrição) das imagens e das sonoras, para que os repórteres conhecessem melhor o material de que dispunham a fim de construírem os roteiros de suas reportagens. Eles precisaram aprender a unir da melhor forma as imagens captadas com as informações apuradas. Além de lidar com a linguagem audiovisual do telejornalismo, por meio da reportagem, a equipe também dialogou com estratégias empregadas pelo mercado dentro do cenário atual de convergência de linguagens e mídias. Para Lívia Cirne e Luísa Abreu e Lima (2015, p. 146): A partir dos exemplos das novas estratégias e formas de consumo das notícias nos telejornais hoje e, portanto, dos seus novos e possíveis modos de


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Revista Virtual das Faculdades Integradas Barros Melo produção, leitura e materialidades, vê-se claramente que – ao falarmos do telejornal na era digital– não estamos mais diante de uma unidade de sentido “acabada” e demarcada pelo programa da TV propriamente, no espaço temporal e material limitado pela grade de programação.

Um exemplo de conteúdo telejornalístico, que não é apresentado dentro dos programas exibidos na TV nem é “limitado” pela grade de programação, mas que existe para dialogar e chamar atenção para o que é exibido no suporte televisão, é a produção de teasers (pequenas chamadas) com celulares para as redes sociais dos telejornais. Os repórteres destacam detalhes das histórias que estão cobrindo e convocam o telespectador para acompanhar aquela edição do telejornal. Essa experiência foi vivida pela equipe do Labjortv, que se ocupou, também, com a gravação de teasers para a fan page do grupo no Facebook, criando nos seguidores da página uma expectativa sobre o conteúdo da série e convocando-os para assistir às reportagens (Figura 3). Figura 3 – Na fan page do Labjortv, o teaser que a repórter Bruna Pessôa gravou no Ministério Público de Pernambuco para a quarta reportagem da série Trabalho de Parto

A arte da vinheta que identifica a série, produzida já na fase de pós-produção do material, foi desenvolvida numa parceria com o Laboratório de Impressos das Faculdades Integradas Barros Melo. Os estagiários do Laboratório, sob a orientação da coordenadora Lia Madureira, criaram a ilustração (Figura 4) a partir de uma imagem do professor e fotógrafo Mateus Sá, um dos entrevistados da série por causa de sua experiência com documentação de partos. A animação da vinheta foi feita por Saulo Santos, técnico do Laboratório de TV da Instituição. Fechando esse ciclo, o trabalho final foi a composição de uma trilha sonora autoral por Amaro Freitas, aluno do curso de Produção Fonográfica.


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Figura.4 – Imagem da vinheta desenvolvida pelo Laboratório de Impressos da Instituição a partir de foto do fotógrafo Mateus Sá

3. Produto, público-alvo e divulgação Os quatro episódios da série de reportagens Trabalho de Parto têm, em média, 5 minutos de duração. Cada um aborda aspectos diferentes sobre partos no Brasil, mas, ao mesmo tempo, eles se complementam. A série é voltada para mães, gestantes e mulheres que ainda não estão grávidas, mas desejam a maternidade e têm interesse pelo assunto e homens que estão à espera do primeiro filho, que já são pais ou que só queiram entender um pouco mais do processo do parto. Mas também é um material importante para professores e profissionais da área de saúde, ativistas, autoridades e a sociedade como um todo, pela sua relevância social. As reportagens vão ser divulgadas no canal do Labjortv no Youtube, bem como na página do grupo no Facebook. A ideia é também inscrever a série em concursos universitários para estudantes de Jornalismo e em encontros acadêmicos de Comunicação Social, regionais e nacionais.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS A série proporcionou à equipe a experiência prática de todos os processos de realização de uma reportagem. Para ter o produto pronto, foi preciso apurar, estudar, debater e ouvir sobre os partos e a realidade brasileira. A escolha do tema e do formato série de reportagens levou os alunos à compreensão da importância do assunto tratado e isso foi benéfico para eles tanto do ponto de vista pessoal, pelo processo de amadurecimento, quanto também do ponto de vista que os toca como cidadãos, pela relevância da temática abordada. Durante a produção da série, ficou evidente a necessidade e a importância do trabalho em equipe. Os alunos perceberam no dia a dia que, no telejorna-


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lismo, todos têm uma função essencial e que é missão coletiva contribuir de forma direta para o resultado final. Além disso, cada um trouxe consigo uma visão diferente e essa diversidade de pensamento contribuiu para a construção de um material plural e abrangente sobre a temática do parto. Além de aprender sobre os processos do telejornalismo, a equipe também dialogou com elementos da convergência da TV com a internet. Por meio de materiais sobre as reportagens para as redes sociais do Laboratório, foi possível experimentar produtos telejornalísticos pensados para a web, percebendo as conexões e diferenças das duas plataformas. A partir da série Trabalho de Parto, o quadro Repórter Labjortv apresenta um tema relevante para a sociedade, com uma abordagem que engloba as perspectivas científicas, sociais e culturais. A ideia é que o material leve informação ao público, ao mesmo tempo em que ajude a promover debates e questionamentos.

REFERÊNCIAS BARBEIRO, Heródoto; LIMA, Paulo Rodolfo de. Manual de Telejornalismo: os segredos da notícia na TV. 2. ed. Rio de Janeiro: Campus, 2002. CARVALHO, Fábio Diamante Alexandre et al. Reportagem na TV: como fazer, como produzir, como editar. São Paulo: Editora Contexto, 2014. CIRNE, Lívia. ABREU E LIMA, Luísa. A TV no cenário de transição e o telejornal como hipertexto: um debate preliminar sobre as transformações na era digital. In: Revista Culturas Midiáticas, Ano VIII, n. 15 - jul-dez/2015. Disponível em: http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/cm. Acesso em: 02 mar. 2016. PATERNOSTRO, Vera Íris. O texto na TV: manual de telejornalismo. Rio de Janeiro: Campus, 1999. SIQUEIRA, Fabiana Cardoso de. VIZEU, Alfredo. Jornalismo em transformação: as escolhas dos formatos das notícias na TV. In: Telejornalismo em questão. Alfredo Vizeu, Edna Mello, Flávio Porcello e Iluska Coutinho (orgs.) Florianópolis: Editora Insular, 2014.


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PADRÕES TIPOGRÁFICOS COMO FACILITADORES DA ASSIMILAÇÃO DAS POSSIBILIDADES SEMÂNTICAS DAS FONTES DE TEXTO Luiza Falcão Soares Cunha Mestra em Design luizafsc@gmail.com

Luis Felipe Barros Cavalcanti

Aluno do Curso de Design das Faculdades Integradas Barros Melo - AESO felippecavalcantiart@gmail.com

Resumo Esse trabalho visa a explorar a assimilação das diferenças formais entre as fontes de texto quando essas são utilizadas na criação de padronagens. Apoiado na premissa da designer de tipos Zuzana Licko (1997) de que as letras, quando aplicadas no contexto de texturas, mostram de maneira mais explícita suas características estilísticas e conceituais, o presente estudo objetiva a comparar a compreensão de tais características com a utilização em manchas textuais em um contexto específico – a criação de embalagens para garrafas de diferentes bebidas. Inspirado nas pesquisas do laboratório Type Tasting (2016), o estudo foi realizado com 30 sujeitos, entre estudantes e profissionais de design. Palavras-chave: Tipografia; Escolha; Fontes de texto; Aspectos objetivos; Aspectos subjetivos.

1. Introdução A escolha de fontes de texto é um processo ainda pouco explorado nas pesquisas e na bibliografia do Design Gráfico e do Design da Informação. Nem sempre os alunos, e até mesmo profissionais, de Design possuem facilidade na etapa de seleção de tipos, recaindo muitas vezes em escolhas já consideradas seguras ou familiares. No entanto, ao iniciar o projeto de um artefato gráfico cujo conteúdo é composto majoritariamente por textos verbais, o designer gráfico


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precisa escolher a fonte que atuará como a interface entre o leitor e a informação escrita e que será a voz do artefato produzido. Diante dessa vasta gama de opções disponíveis para escolha, faz-se necessário o entendimento de critérios que possam facilitar o processo de escolha tipográfica. As características do desenho de uma fonte revelam muito sobre os aspectos de sua utilização, uma vez que as minuciosidades de suas formas se adequam melhor a algumas situações em detrimento de outras. Do ponto de vista técnico, pode-se citar como exemplo o contraste dos traços (Figura 1) ou a altura-x (Figura 2), detalhes do desenho tipográfico cuja variação pode influenciar na legibilidade do tipo em questão. Além dos aspectos técnicos, as diferenças formais entre as fontes também podem ser interpretadas quanto ao seu aspecto semântico. Segundo Haag (2010), as fontes são portadoras de significados, e a interpretação das características de seus desenhos é essencial para entender como determinadas tipografias transmitem determinados conceitos.

Figura 1 – Exemplos de contrastes entre as hastes de diferentes fontes. Fonte: Elaborada pelos autores.

Figura 2 – Exemplos de fontes com o mesmo tamanho em pontos, mas com variações das altura-x. Fonte: Elaborada pelos autores. No processo de escolha tipográfica de tipos para a composição de textos longos, devem ser considerados não apenas os aspectos relativos à sua usabilidade, mas também aqueles capazes de ajudar a transmitir as características conceituais pretendidas ao artefato gráfico. A presente pesquisa busca explorar o processo de escolha tipográfica dos usuários especialistas, representados por um grupo de 30 alunos e profissionais de design. Para montar o experimento, foram utilizadas como referências os experimentos do laboratório Type Tasting (2016), para testar a seguinte hipótese, formulada pela designer de tipos Zuzana Licko (1997): os usuários conseguem assimilar mais facilmente


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as diferenças e as características do desenho tipográfico quando expostos a padrões1 do que quando expostos a manchas textuais. 2. HYPNOPAEDIA: EXPERIMENTOS DE PADRONAGENS TIPOGRÁFICAS Há algumas décadas, estamos vivenciando um ambiente produtivo favorável para o desenho de fontes tipográficas. A utilização dos computadores pessoais, característica do século XXI, oferece fácil acesso a informações que facilitam o estudo e a prática do desenho de tipos, além de uma flexibilidade técnica que permite inovações e sutilezas formais não alcançadas até então. O fato reflete no aumento da biblioteca de tipografias disponível para escolha: o site MyFonts, um dos maiores portais de distribuição de fontes do mundo, contabiliza atualmente mais de 14.000 famílias tipográficas (MYFONTS, 2016). A crescente produção de novos desenhos de fontes e falta de proteção legal delas levou a designer de tipos Zuzana Licko (1997) a desenvolver uma série de padrões tipográficos (Figura 3) com o intuito de facilitar o entendimento do valor de um desenho tipográfico. A designer expõe que as letras, quando aplicadas no contexto de texturas ou ilustrações tipográficas, mostram de maneira mais explícita suas características estilísticas e conceituais. Quando os usuários enxergam dois desenhos de uma letra A, por exemplo, eles tendem a encarar ambos os desenhos de maneiras similares, uma vez que, para eles, as duas são representações gráficas de uma letra. No contexto de padrões ou ilustrações, no entanto, as diferenças formais entre as fontes e suas possibilidades semânticas ficariam mais claras para o usuário. O projeto, batizado de Hypnopaedia, brinca com as formas e as contraformas das letras, abdicando do fator de reconhecimento dos caracteres e priorizando a composição visual em detrimento das letras individuais. Para projetar a composição, são utilizadas sobreposições e rotações das letras, além de combinações de cores, originando 140 ilustrações diferentes.

Figura 3 – Exemplos de módulos e padrões do projeto Hypnopaedia. Fonte: Zuzana Licko (1997). Partindo desse pressuposto, a presente pesquisa se apoia na premissa de Licko (ibid) para testar a seguinte hipótese: os usuários conseguem assimilar mais facilmente algumas características do desenho tipográfico quando expostos a padrões do que quando expostos a manchas textuais. Para estudar o processo de escolha tipográfica e o entendimento dos designers das caracterís-


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ticas formais das fontes de texto, a pesquisa compara dois contextos de uso: as padronagens tipográficas e o uso em um texto corrido. É utilizado como objeto de estudo fontes de texto, tipografias cujos desenhos são próximos aos arquétipos formais das letras que os usuários possuem como referência para cada um dos caracteres do alfabeto. As fontes de texto tendem a possuir diferenças formais mais sutis entre si, devido ao extenso período de imersão do leitor no texto no momento da leitura, fato que exige que a fonte possua desenhos mais simples para que as palavras sejam decifradas com o mínimo de esforço e máximo de eficácia. Em textos curtos ou em peças gráficas em que o acesso à informação textual não é imprescindível, as fontes podem abdicar de sua clareza. Assim, surge o conceito das fontes display, aquelas cujos desenhos podem se distanciar do conceito mental das letras e que não serão abordadas neste estudo.

3. Type tasting: um laboratório de experiências tipográficas Ainda que a legibilidade seja uma qualidade fundamental para fontes de texto, não podemos ignorar que as características formais do desenho tipográfico também carregam consigo outras qualidades que podem ser observadas no tipo, aquelas mais relacionadas às questões conceituais e que aqui são agrupadas sob o rótulo de aspectos subjetivos. Tais possibilidades semânticas também podem funcionar como guias que facilitem o processo de seleção de fontes para o projeto de um determinado artefato gráfico. É importante observar que as qualidades subjetivas carregadas pelas fontes de texto não se encerram em suas formas e podem ser alteradas de acordo com seu tratamento na composição de um artefato gráfico, com a bagagem cultural do usuário, ou até mesmo com o conteúdo da mensagem textual. No entanto, o entendimento preliminar das possibilidades semânticas do desenho das letras pode ser encarado como o primeiro passo para um entendimento mais aprofundado sobre o assunto. Ao longo da pesquisa bibliográfica, foram encontrados alguns estudos que abordam, sob diferentes óticas, a relação entre tipografia e significado. Uma das mais conhecidas pesquisas sobre tipografia e significado foi realizada por Brumberger (2003). Segundo a autora, o estudo revelou que o leitor é capaz de perceber a apropriação de determinadas tipografias a determinados textos, e que a escolha tipográfica pode afetar a percepção do leitor das personalidades dos textos. Também se destacam as pesquisas de Mackiewicz & Moeller (2004), Li & Suen (2010) e Dyson & Stott (2012), que abordam de maneira similar o assunto. Tais pesquisas fornecem várias informações acerca da relação entre a análise formal do tipo e suas possíveis características conceituais.


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Na pesquisa realizada por Falcão (2014), foram realizados testes com usuários a fim de testar a atribuição de 6 grupos conceituais (Sofisticação, Peso, Expressividade, Movimento, Época e Espírito) a 12 fontes de texto (Baskerville, Bodoni, Garamond, Palatino, Rockwell, Times New Roman, Calibri, Futura Std, Gill Sans, Helvetica, Tahoma e Trebuchet MS). Os grupos conceituais foram elaborados a partir da proposta de análise formal de Falcão & Aragão (2012), e as fontes foram escolhidas por sua disponibilidade dos sistemas operacionais da Apple e da Microsoft. Os resultados do estudo revelam que os usuários, apesar de não conseguirem necessariamente diferenciar fontes de texto apresentadas comparativamente em manchas textuais, conseguem atribuir conceitos subjetivos quando apresentados às manchas textuais individualmente. Hyndman (2016), pesquisadora responsável pelo laboratório Type Tasting, expõe uma série de pesquisas realizadas com o intuito de relacionar desenhos tipográficos a tons de voz, emoções, personalidades, entre outros (Figura 4). As pesquisas utilizam em sua maioria fontes de texto e sua idealizadora ressalta que os resultados são um ponto de partida para uma discussão mais aprofundada sobre o assunto. O ponto mais interessante dos estudos de Hyndman (ibid) é a difusão da tipografia como um artefato multissensorial e da sua importância na formação do repertório visual não apenas dos designers, mas também dos usuários não-especialistas.

Figura 04 – Pesquisas do Laboratório Type Tasting Fonte: Sarah Hyndman (2016). Algumas das experiências do Type Tasting abordam a tipografia e sua relação com os sabores amargo, salgado, doce e azedo. São realizados experimentos com os gostos, marcas gráficas abstratas e formas tipográficas, bem como a relação entre a tipografia e a embalagem de comidas. O presente estudo se inspira em tais pesquisas para estruturar o seu experimento, conforme será


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explanado no tópico a seguir.

4. Estruturação do experimento Para testar a hipótese que deu início a este estudo, foi idealizado um experimento, no qual os usuários especialistas pudessem fazer uma relação entre fontes de texto em duas situações de uso (padrões e mancha textual) e sabores. Para tanto, foi elaborado um sistema de montagem de embalagem para os seguintes produtos: • Leite com chocolate, representando o sabor doce; • Suco de limão, representando o sabor azedo; • Sopa de queijo, representando o sabor salgado; • Café, representando o sabor amargo; • Água, representando um sabor neutro. O sistema foi constituído por cinco garrafas brancas, cada uma contendo um dos líquidos descritos acima. Na frente de cada garrafa, constavam cinco rótulos com o nome e a descrição do líquido, cada um utilizando uma das fontes selecionadas para o estudo. Logo à frente, estavam dispostos os cinco padrões projetados com cada uma das fontes (Figura 5).

Figura 05: Montagem do Experimento Fonte: Elaborada pelos autores.


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4.1 A escolha das fontes A estruturação do experimento teve início com a escolha das fontes de texto que fariam parte da pesquisa. Foi determinado que as tipografias selecionadas deveriam estar disponíveis nos sistemas operacionais Mac OS e Windows e que, além de fazerem parte do uso cotidiano, também fossem fontes próprias para a composição de textos longos. Após observar os desenhos tipográficos disponíveis, foram selecionadas as fontes Helvética, Gill Sans, Rockwell, Garamond e Didot (Figura 6). Os materiais bibliográficos pesquisados apontam que tais desenhos tipográficos (ou desenhos tipográficos pertencentes às mesmas categorias de classificação tipográfica de tais fontes) costumam ser utilizados para pesquisa sobre semântica, pois apresentam em seus arquétipos mudanças de desenho significativas.

Figura 6 – Fontes selecionadas para a pesquisa Fonte: Elaborada pelos autores.

4.2 O projeto dos padrões A partir da escolha das fontes que fariam parte da pesquisa, foi iniciada a produção dos padrões. Foram feitos alguns estudos (Figura 7) de como poderíamos produzir os padrões de maneira a mascarar a percepção do usuário do valor textual dos caracteres tipográfico, para que ele, à primeira vista, não enxergue letras dispostas numa superfície, mas sim uma textura. Para compor os padrões, foi escolhido o caractere “a”, por ser um dos caracteres mais passíveis de mudanças estruturais e, portanto, capaz de transmitir uma maior carga de informações conceituais.


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Figura 7 – Estudos de padronagens tipográficas Fonte: Elaborada pelos autores. Para dar início ao projeto das padronagens que seriam utilizadas na pesquisa, foi necessário igualar o tamanho ótico das fontes, através da equalização da altura-x dos caracteres. Uma das premissas básicas para a criação de padrões é o entendimento de módulos e de sistemas de repetição (RÜTHSCHILLING, 2008). Na presente pesquisa, foi escolhido como módulo um triângulo, rotacionado pelo vértice originando uma forma hexagonal (Figura 8). Por fim, foram projetados cinco padrões, um com cada uma das fontes escolhidas para a pesquisa (Figura 9).

Figura 8 – Módulo utilizado para o projeto dos padrões Fonte: Elaborada pelos autores.


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Figura 9 – Padrões confeccionados com as fontes Didot, Gill Sans, Helvetica, Garamond e Rockwell. Fonte: Elaborada pelos autores.

4.3 O projeto dos rótulos Os rótulos que funcionariam como a composição textual a ser comparada com as padronagens foram projetados de maneira a ressaltar as fontes utilizadas. Dessa maneira, vale salientar que a única variação entre os rótulos foi a fonte utilizada. Não existiram variações de cor, diagramação, dimensão ou ilustração (Figura 10). Para cada bebida, foram apresentadas cinco opções de rótulos.

Figura 10 – Rótulos confeccionados com as fontes Didot, Gill Sans, Helvetica, Garamond e Rockwell. Fonte: Elaborada pelos autores.


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4.4 Protocolo do experimento O experimento foi realizado com trinta usuários especialistas, individualmente, entre estudantes e profissionais de Design Gráfico. No primeiro momento, foi pedido para os usuários observarem as bebidas (e tomarem, se quisessem), e lerem as descrições dos rótulos. Posteriormente, os usuários foram orientados a escolher um papel para embrulhar cada uma das garrafas, aquele que eles achavam que combinaria mais com a descrição do líquido em questão. Após embrulhar as garrafas, os usuários escolheram um rótulo para cada um deles: o rótulo que eles achassem mais adequado (Figura 11). Após montarem as embalagens para as bebidas, os usuários foram questionados qual das duas peças gráficas foi a mais fácil de escolher, se o rótulo ou o padrão.

Figura 11 – Usuários realizando o experimento Fonte: Elaborada pelos autores.

5. Resultados da pesquisa Após contabilizar as respostas dos usuários que participaram do experimento, identificamos quais as fontes que foram mais escolhidas para cada um dos sabores, em cada uma das situações de uso (Tabela 1). É importante destacar que quase 100% dos usuários afirmaram que tiveram mais dificuldade para escolher os padrões do que os rótulos. Tal informação refuta a hipótese do presente estudo de que os usuários conseguem assimilar mais facilmente as diferenças e as características do desenho tipográfico quando expostos a padrões do que quando expostos a manchas textuais.


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SABOR

FONTE MAIS ESCOLHIDA PARA O PADRÃO

FONTE MAIS ESCOLHIDA PARA O RÓTULO

Leite com chocolate

Doce

Rockwell

Rockwell

Suco de limão

Azedo

Didot

Didot

Sopa de queijo

Salgado

Gill Sans

Garamond

Café

Amargo

Rockwell

Didot

Água

Sem Gosto

Didot

Helvetica

BEBIDA

Tabela 1 – Tabela descritiva dos resultados do experimento Fonte: Elaborada pelos autores. Muitas vezes, os padrões confundiram os participantes, e eles acabaram por diferenciá-las através da cor da textura, o que nos leva a crer que o peso das fontes (a relação entre a forma e a contraforma da letra) foi um fator determinante para a diferenciação. Sobre as fontes selecionadas para cada sabor, podemos identificar que um dos atributos formais, o peso, pode ter sido determinante para a escolha das tipografias dos padrões. Em bebidas claras, tais como a água ou o suco de limão, a fonte escolhida foi a Didot, que em conjunto com a Gill Sans deu origem aos dois padrões mais leves do conjunto. Na escolha da fonte dos rótulos de tais bebidas, houve uma dissonância: a Didot foi escolhida mais uma vez para o rótulo do Suco de Limão, e para o rótulo da Água foi selecionada a Helvética. No rótulo, as características formais das fontes ficaram mais evidentes, fato que pode ter influenciado a escolha dessas tipografias específicas. Fontes como a Helvética são frequentemente associadas, em estudos sobre semântica da tipografia (FALCÃO, 2014), como comuns quanto ao seu espírito, ou seja, uma fonte sem personalidade. Já a Didot ou outras fontes pertencentes à categoria didônicas1 são associadas com elegância, delicadeza e leveza. Dentre as bebidas que se destacaram na pesquisa, o Leite com Chocolate, que representava o sabor doce, foi uma situação de recorrência de fonte no padrão e no rótulo (em ambos, a fonte Rockwell foi a mais escolhida). As formas arredondadas e o peso acentuado da tipografia podem ser encarados como fatores determinantes para a escolha, fato comentado por diversos participantes ao longo do experimento. Muitos também destacaram a relação com o seu repertório visual de rótulos e de anúncios publicitários de leites achocolatados e produtos afins. O café, a outra bebida escura do conjunto que, na ocasião, representou o sabor amargo, também foi relacionado ao padrão da fonte Rockwell, corroborando o fator da cor da padronagem. No entanto, seu rótulo foi relacionado a fonte Didot, uma possível referência à elegância que se evoca em algumas situações relacionadas ao hábito de ingerir o café.


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A bebida que representou o sabor salgado, a sopa de queijo, foi relacionada ao padrão da fonte Gill Sans e ao rótulo da fonte Garamond. Sua padronagem não apresentou fatores claros de escolha, porém seu rótulo pode ter sido relacionado à tradicionalidade frequentemente associada a fontes Garaldes.

6 Considerações finais A escolha de fontes de texto faz parte do processo de trabalho de todo designer gráfico. Ao se tratar de mensagens majoritariamente textuais, faz-se necessário o entendimento das formas tipográficas, de modo a efetuar de maneira coerente a escolha da fonte que será utilizada para a configuração da informação. Assim, a tipografia atuará como aliada do Design da Informação, não apenas como mera representação gráfica, mas também como um participante ativo capaz de auxiliar a relação entre a mensagem e o usuário. O presente estudo buscou explorar a assimilação das diferenças formais entre as fontes de texto quando essas são utilizadas na criação de padronagens. Utilizou-se como base para a estruturação da pesquisa a premissa da designer de tipos Zuzana Licko (1997) de que as letras, quando aplicadas no contexto de texturas mostram de maneira mais explícita suas características estilísticas e conceituais. Também foram utilizadas como referência as pesquisas referentes à capacidade multissensorial da tipografia do laboratório Type Tasting (2016), para estruturar um experimento conduzido com trinta usuários especialistas em tipografia. O experimento foi montado na forma de montagem de embalagens para bebidas, compostas por um padrão e um rótulo descritivo. A principal conclusão do presente estudo foi a refutação da seguinte hipótese: os usuários conseguem assimilar mais facilmente as diferenças e as características do desenho tipográfico quando expostos a padrões do que quando expostos a manchas textuais. Foi percebido que os padrões tipográficos, da maneira que foram projetados para essa pesquisa, muitas vezes confundem os usuários e mascaram as características formais das fontes de texto. No tocante às possibilidades semânticas das fontes escolhidas para o estudo (Garamond, Didot, Rockwell, Helvetica e Gill Sans), foi observada coerência entre as informações recolhidas aqui e estudos prévios. O fato aponta que pesquisas sobre semântica tipográfica são imprescindíveis para um total entendimento das possibilidades de uso das fontes de texto.

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