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OLD ENTREVISTA GUI MOHALLEM

Gui Mohallem é um dos grandes nomes da nova fotografia brasileira. Lançou no final do ano passado o livro Welcome Home, que apresenta sua experiência em uma fazenda ritualística nos EUA. Em 2013 Gui está concluindo um trabalho desenvolvido no Líbano e estará presente no 3º Foto em Pauta, em Tiradentes. Conversamos com ele para conhecer um pouco mais do seu trabalho e da suas expectativas para este ano.

Gui, você é formado em cinema pela USP. Como foi a transição do cinema/vídeo para a fotografia?

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Posso ser sincero? A USP, o curso de cinema, na minha época era bem complicado. Era muito mais um show de calouros do que uma escola. E o mais importante: não preparavam a gente para trabalhar em equipe, que é essencial no cinema. Era um monte de gente caindo de pára-quedas, bem diferente de como o curso é hoje, principalmente em termos de programa. Antes de entrar na faculdade eu já fotografava um pouco, tinha uma câmera reflex e eu já brincava no minilab da cidade [Gui é mineiro, de Itajubá], pegava os químicos, testava em diferentes emulsões, para ver como reagiam. Então quando eu cheguei na USP e vi o laboratório PB da universidade fiquei encantado. Fiquei pirando no PB e já comecei a fazer assistência para os veteranos nas férias, no PB. O processo do trabalho em equipe no cinema foi muito estressante para mim, principalmente quando trabalhava com a minha turma, com pessoas com quem eu tinha uma relação mais profunda fora do set. Por conta disso eu me enfurnei no laboratório, foi como um processo de recuperação dos sets em equipe. Depois do incêndio na USP [em 2001 o prédio da Escola de Comunicações e Artes foi vítima de um grande incêndio, alterando a dinâmica de vários cursos e causando a perda de diversos documentos] eu fui acolhido pelo João Musa e isso abriu minha cabeça para muita coisa. Foi nessa época que conheci o trabalho da Cláudia Andujar que mudou completamente minha visão.

A relação que ela tinha com o fotografado, era uma coisa que eu nunca tinha visto antes, de tanta entrega com o personagem. No intervalo da aula fiquei mais um tempo com o livro para entender aquilo. Percebi que eu nunca seria uma alma tão evoluída, capaz de fazer aquilo. Quando eu sai do cinema eu já sabia que queria ter uma produção fotográfica, até porque demora muito pra você errar no cinema: você fica um ano trabalhando no roteiro, depois tem a captação, finalização, depois de três anos de trabalho você para e percebe: “ poxa, deu errado, né?”. Para você aprender você precisa errar e na fotografia eu achava que você errava mais rápido. Você atua como professor no b_arco e tem uma grande experiência pedagógica passando pelo Instituto Criar de Cinema e TV, entre outras escolas. Como é a experiência de ensinar cinema e fotografia? O que você mais absorve do contato com os alunos?

Esse ano deu vontade de voltar a dar mais aulas, por essa troca mesmo. Tem uma coisa que eu descobri recentemente que não basta saber pra dar aula, tem que saber ensinar, que é outro pedaço. Quando eu fui dar aula de elétrica - eu não tive aula disso na USP - eu tive que aprender elétrica, depois aprender a dar aula de elétrica. Uma coisa que minha mãe, que é professora, falou pra mim um dia, depois de uma oficina que eu dei em Itajubá: “filho, do que você fala, só

20% eles vão aprender”. Eu acredito que na aula o professor tem que provocar uma experiência, tem que provocar. Quem vai ter o insight é o aluno, o professor não tem nada a ver com isso, o que você pode fazer, como professor é criar uma situação que leve o aluno à descoberta, mas de qualquer forma ela é da pessoa, não do professor. Nas aulas que eu dei no B_arco e no Criar o tempo era isso: pensar em como criar esse tipo de situação. Dentro deste pensamento em toda aula eu acabo aprendendo mais, sobre como dar aula, sobretudo, e sobre como isso acontece, como cada um vai perceber esse momento.

Como começou o projeto Welcome Home? Como você descobriu esse local, essa celebração?

Foi bem por acaso. Acho que muita coisa na minha vida tem a ver com cliques. Eu tinha um perfil no couch surfing [site que junta viajantes dispostos a ceder seu sofá como hospedagem em casa em troca da possibilidade de usar um sofá em outro país ou cidade] e um cara pediu pra ficar na minha casa. Eu já tinha ouvido falar dessa comunidade nos EUA. Eu tinha me envolvido profissionalmente com pessoas ligadas a essa comunidade, mas de repente alguém que morava lá estava na minha sala. Foi isso. E a gente ficou super próximo e ele me convenceu que eu tinha que ir para a comunidade. E eu consegui dar um jeito e fui. Eu não fui pra fotografar nada, eu levei a câmera porque eu sempre levo pra todo lugar, eu fui lá pra viver a história de uma pessoa que naquele momento era muito próxima de mim. Foi realmente muito mágico. Quando eu voltei eu fiz o que eu sempre faço: peguei os filmes, revelei, fiz uma cópia barata e fiz um bolinho, para mexer depois. Um amigo trouxe seu alunos para o ateliê, para eu dar uma aula pra eles e enquanto eu falava com os alunos dele ele ficou vendo as imagens que eu tinha feito na viagem. Ele me provocou, falando que tinha coisa ali. Meses depois a gente fez um projeto junto chamado Incubadora, que eram três fotógrafos trabalhando suas séries com a interferência dos outros e do Ronaldo Entler, professor da FAAP, na hora de decidir qual série eu iria trabalhar eu decidi por essa, que era a série mais inacabada. Voltei lá mais três vezes para esse projeto, já sabendo que seria uma série, com todos os desdobramentos relativos a isso: já sabendo que seria uma seqüência de imagens, como manter a questão da experiência e ainda assim estar trabalhando, com a intenção de fazer uma série. Fui ao todo umas cinco vezes ao santuário. Das três primeiras fui fotografando, na penúltima eu levei a edição do livro para eles darem autorização, ganhar a benção mesmo e a última, em setembro do ano passado, eu levei o livro mesmo. Fiz um lançamento lá, antes de fazer aqui. Foi bem importante, foi como um encerramento desse processo. Como foi se aproximar de seus personagens e conquistar sua confiança para começar a fotografá-los? Não é a história deles que eu conto. É a minha. Não teve essa questão do documentarista. Eu fui lá viver. Eu tinha relações reais com aquelas pessoas, tem histórias. É muito forte a troca e a fotografia acontece naturalmente, no meio da história. A grande questão, na segunda vez que eu fui, foi começar a mostrar pras pessoas que eu estava realmente fazendo um trabalho ali, que tipo de trabalho era e ter a autorização delas. Quando eu tinha a autorização eu combinava com a pessoa que ela seria fotografada, mas quando ela não estive olhando, em um momento qualquer. Eu sentia que tinha vontade de fotografar aquela pessoa. A fotografia pra mim tem uma relação muito próxima com o desejo. Pra mim quando você muda o jeito que você fotografa você muda o jeito que você deseja e isso foi uma das coisas mais legais dessa experiência, porque as coisas caminharam muito juntas e isso é uma grande mudança na vida da pessoa, quando você muda a maneira que você deseja ela, que você muda a maneira de expressar esse desejo, como você propõe pro outro isso. Tem para mim um apropriar gradual daquela casa, que ocorreu ano a ano, que eu vejo pela participação que eu tive no próprio ritual e na comunidade. Eu cheguei com um pouco de medo, como um satélite, vendo as coisas. Na segunda vez eu me coloquei mais, me deixei mais vulnerável, comecei a participar da cozinha, fiz tabule para 400 pessoas, me envolvi mais nos preparativos do ritual. Na terceira vez eu já fazia parte da equipe que pensa o ritual, foi um movimento natural, de crescimento dentro de um processo. O engraçado é que as pessoas que acompanham o processo desde o começo percebem essas mudanças nas imagens. A pessoa que me levou até lá vê claramente a diferença dentro dessas três fases de relacionamento. Gabriel Bogossian coloca em seu texto sobre Welcome Home que você está ao mesmo tempo dentro e fora da celebração e só dessa forma conseguiria construir essas imagens. Como foi lidar e construir essa relação, de ser ao mesmo tempo parte de um grupo de pessoas e um visitante em seu ritual?

Achei lindo quando ele falou, mas não era consciente quando acontecia. Mas para mim eu estava ali e só. É óbvio que eu estou fora, porque eu não pertencia ainda àquele lugar, porque eu ainda estava conhecendo aquelas pessoas e fotografar é um jeito de conhecer, de entender a própria experiência. Eu acho uma besteira esse papo de digital vs. analógico, mas especificamente neste projeto, foi muito importante fazê-lo em filme, pela simples razão que eu não tinha uma relação “eu com a pessoa/eu com a imagem/ eu com a pessoa” era uma relação direta com a pessoa. A imagem acontecia e eu não via, ela ficava guardada, depois que eu ia ver. Esse tempo que a imagem fica latente, que no meu processo é bastante estendido - demoro para revelar, ampliar e afins -, meu tempo para processar melhor o que eu vivi, tive tempo e coragem para encarar esse processo. As imagens falam mais da minha experiência para mim, me ajudam a entender o que aconteceu. Voltando a questão de estar dentro e estar fora: enquanto eu estou lá... Nossa é tão difícil isso. Eu não consigo separar as coisas não, é como se fosse um duplo mesmo. Não consigo me ver só dentro, me vejo fora também, mas me vejo dentro o tempo todo. Tem muito amor sabe, tem uma curiosidade do amante. Por isso que eu acho que é dentro e fora ao mesmo tempo, porque é a curiosidade do amante, você olha o detalhe do corpo do outro e se envolve, se apaixona, às vezes é uma ruga, é uma pinta, é uma dobra, é uma curva no ombro, esse curioso não é o do antropólogo, é um curioso que quer também apertar a bochecha. Enfim, acho que por ai vai, encaixa mais.

Há um clima muito próprio em suas fotografias, que mistura cotidiano, fantasia e uma certa aura densa, de tristeza ou tensão. Como foi o processo para alcançar essa construção, este estilo?

Eu criei uma técnica de fotografia em película, que eu inventei um nome, um monte de coisa, é toda absurda. No final das contas ela me desobriga de pensar na hora de fotografar. Eu não fotometro, que é a grande questão deste processo. Então eu não penso na câmera na hora de fotografar. Eu revelo o negativo e ele vem todo verde para mim, eu perco a relação com o real e eu construo essas cores depois, no sistema. Então a cor e a densidade das imagens é construída no sistema. A fotografia é um começo e ela é um fim, mas não tem muita fotografia no meio do processo. Tem muito mais da pintura do que da fotografia neste processo. Não quero ser pintor, não tenho nenhuma formação nisso, mas é uma coisa de 80 layers de cor no photoshop, com um tablet pintando cada areazinha, é muito próximo da pintura. Então essa paleta de cores eu vi depois. Tem um “roxinho magenta” em detalhes específicos que eu fui perceber depois que estava em várias imagens. Tem uma relação muito maior com o meu pensamento, com o acaso, do que com o cinema, que faz um estudo de paleta de cores. Tem um pouco a ver com o que aconteceu, com o sentimento, com tentar traduzir isso tudo em uma imagem. Isso não é inconsciente, mas também não é planejado e o encontro dos tons é uma surpresa. O fato de não existirem algumas cores também é um coincidência, vai acontecendo. Eu tenho muito medo da consciência nos meus próximos trabalhos.

O que você está planejando para 2013? Você já tem novos projetos em mente?

No meio de 2011, em Junho, eu fiz uma residência artística no Líbano. Meu pai e minha mãe vieram de lá e a residência serviu como uma chance de ir para lá, só isso. Ver de onde veio minha cultura, me ver e me deparar, me encontrar ali espelhado, coisas de mim que eu nem conhecia. Foi bem intenso. Eu gosto muito de ter um tempo entre fazer o processo e ter a experiência. Em Fevereiro deste ano eu tenho uma exposição de processo em Belo Horizonte, para testar um pouco esse processo. Nesta exposição já vai ter muito vídeo, que era o meio no qual eu estava mais desconfortável e por isso foi o que eu escolhi para investir. Em Junho tem a exposição individual deste trabalho aqui em São Paulo, na galeria Emma Thomas. Eu estou muito ansioso sobre como começar a fazer vídeos, a editar o material. É uma viagem que não aconteceu só nesse mês que eu fiquei no Líbano. Tem todo o processo de mostrar o material para o meu pai, que é uma outra viagem, na qual eu descubro mais histórias. Enfim, as coisas estão acontecendo É o trabalho no qual eu estou mais presente, mais dentro do trabalho, o que dá muita insegurança. Dá insegurança porque é vídeo, porque eu estou presente, fisicamente presente.

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