A página violada: da ternura à injúria na construção do livro de artista

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na tendência ao uso de elementos que transmitem conteúdos como destrutibilidade e fragmentação. Iniciou seus livros com as perfurações em páginas coloridas, em obras de 1956 e 1957, preocupado com as qualidades espaço-temporais. A partir daí, ele se divide na fundação e participação do livro de artista gráfico e no incremento do livro-objeto plástico (como nas capas que faz para suas obras). Ele junta à linguagem pictórica narrativa o uso provocativo da materialidade concreta (Dieter..., 1998, p.20 e seguintes). O seu construtivismo tem um opositor dialético no seu interesse destrutivo, ampliado a partir de opiniões como a de Mondrian que, apesar de ter trabalhado pela relação harmônica, numa de suas últimas cartas (em 1942) declarou que o elemento destrutivo é muito negligenciado na arte (ver também em Chipp, 1988, p.368). Roth também se declarou muito impressionado, em 1960 com as máquinas autodestrutivas e agressivas de Jean Tinguely. Ficaram famosas as citadas salsichas literárias de Roth, Literaturwurst, aproximadamente cinquenta, numeradas e assinadas, feitas de páginas picadas do Daily Mirror, do Spiegel e de vários livros, com destaque para os vinte volumes das obras de Hegel. A tripa era enchida com uma massa temperada do papel com gelatina e banha, com o rótulo recortado do original. A deterioração também fazia parte de sua obra, com a presença de chocolate, carne, ovos, sucos de frutas ou pão em esculturas ou mesmo gravuras. Eram projetos que consideravam a fermentação como integrante da mutação até a destruição pela multiplicação de microorganismos.

Edward Ruscha, Royal road test, 1967, com a colaboração de Mason Williams e Patrick Blackwell (Drucker, 1995, p.266).

Dieter Roth, Georg Wilhelm Friedrich Hegel: Werke in 20 Bänden, 1974 (Archiv Sohm, Staatsgalerie Stuttgart; Dieter Roth, 1998, p.33).

Em entrevista para Felicitas Thun, alguns meses antes de seu falecimento, ele faz um grande relato desses aspectos do seu trabalho (Dieter..., 1998, p.143-144). Acho que a resposta a uma das perguntas deve ser transcrita por inteiro, pelas informações que traz e pela escassez de material sobre Roth. FT: Destruição como um método da arte para a expansão das técnicas artísticas? DR: Eu passei por algo em 1950, algo que eu tinha experimentado como uma criança, tenho certeza que você sabe. Desenha-se alguma coisa e inicia-se a borrá-lo até se estar num frenesi. Não se pode parar e pinta-se até estar tudo totalmente destruído. Se você experienciou isso você 225


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