A página violada: da ternura à injúria na construção do livro de artista

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Qual o significado de cada página? Que realidade encerra-se na passagem do tempo de contato como signo exposto no corpo da matéria? Direi que cada livro tem seus mistérios de longas peregrinações, “...após incalculáveis éons de peregrinações, retornaria...” (Ulysses/lthaca-Joyce). Memórias depositadas sob densas neblinas, página após página, acenam ao retomo de cada um de nós, até fluírem com nossas vidas mais cotidianas, mescladas em vivências sobrepostas (técnicas acopladas), linguagem joyceana. Em cada livro de artista, signo após signo nos fazem estes passageiros, nas justaposições de elementos aparentemente desconexos, desenhos de conotações míticas, emblemático, com objetos banais tais como um coador de cozinha. E assim vai este relato subconsciente em forma de livro de artista. Realmente um desafio ao imaginário acomodado em universos do microchip. O livro de artista é este espantoso encontro entre duas sensibilidades que se cruzam, imediatamente vinculadas, descobrindo-se mutuamente: a do artista e do destinatário, caminhante apressado. Todavia, aqui não pode-se deixar de falar do paradoxo que se apresenta: ao lado da linguagem cibernética vamos no sentido inverso, no descobrimento desta memória primitiva, um signo precário colocado ao alcance do antigo manuseio. Interferir manual e mentalmente no silencioso objeto ancestral e à espreita, como um objeto soterrado e inacabado, domínio inconsciente à espera do viajante explorador. Como disse Joyce: todo livro tem seus mistérios. Não sabemos qual o desfecho deste paradoxo: do universo virtual ao universo tátil do livro de artista sua histórica, seus códigos ancestrais. [A correspondência prossegue em caráter pessoal, sem interesse para a pesquisa.] Um grande abraço Lenir de Miranda Dez 97

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