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O El - em busca de explicações
O EI – em busca de explicações
A. Marcos Tavares . Professor de Filosofia
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“Há que lutar contra o medo castrador e contra a tendência de se querer manietar a liberdade em nome da segurança”
1. Juridicamente, um Estado apresenta como elementos fundamentais constitutivos o território, o povo e o poder político. O Estado Islâmico (EI) não é um verdadeiro Estado: não tem território reconhecido (estende-se por grande parte da Síria e do Iraque); não tem população (os povos que habitam o território que usurpa não são governados mas controlados). Tem força para impor a sua lei (calcula-se que conte com cerca de 30.000 membros armados, metade dos quais provenientes de outras regiões) mas é uma lei brutal, não reconhecida internacionalmente.
2. Os territórios que ocupa pertencem a estados enfraquecidos e divididos pelas intervenções militares de países ocidentais, designadamente USA, Inglaterra e França. Não é sem razão que se diz que o primeiro responsável pelo terror do EI é o Ocidente: para enfraquecer os governos daqueles países do Médio Oriente, armou grupos que no terreno os combatiam. É também bastante óbvio que o EI tem o apoio disfarçado de países sunitas como a Arábia Saudita e o Qatar, talvez mesmo da Turquia que, às claras, compra o petróleo que o EI extrai dos territórios que ocupa e que é uma das suas principais fontes de sustentação.
3. O que me motivou a escrever este texto não foi, todavia, o entendimento jurídico do denominado EI. Quero, aqui, sobretudo, procurar as razões, os motivos que estarão na base da adesão ao EI de tantos jovens já nascidos e criados em países ocidentais, com destaque para a Bélgica e a França. E neste país sobretudo jovens mulheres. O ser humano age sempre em função de determinadas necessidades. Na sua pirâmide hierárquica, Maslow estabelece no terceiro nível as necessidades sociais de afiliação e de pertença. Este sen-
tido de pertença vem ao encontro de uma outra necessidade fundamental do ser humano que é sentir-se seguro. A segurança, procuram-na muitos jovens na pertença e na afiliação a grupos (desde juventudes partidárias e claques de futebol até grupos mais ou menos marginais). O que diferencia estes grupos não é a génese psicológica, que é muito semelhante, mas os fins. O que diferencia estes grupos são os ideais que perseguem. Se os ideais forem nobres, dignos, também os atos individuais o serão. Se os grupos optarem pela violência, todos os membros serão violentos. Sabe-se, pela dinâmica dos grupos, que em grupos massificados como estes, o indivíduo adquire uma nova identidade – a identidade do grupo, e age em função dos ditames e dos interesses do grupo ou de quem o comanda. No seio do grupo, deste tipo de grupos, como que se perde a capacidade pessoal de reflexão e de crítica. Faz-se em grupo o que individualmente se não faria. O fanatismo e o radicalismo são resultantes dessa pertença forte ao grupo e da ausência de motivações pessoais.
4. Assim sendo, não se pode lutar contra o EI como se de um exército convencional se tratasse. Os seus membros não são soldados convencionais. Eles atuam normalmente em pequenos grupos (em células por vezes adormecidas mas que a qualquer momento podem ser ativadas) no meio da multidão, confundindo-se com ela. Não têm receio da morte e estão prontos a, com a sua, provocar a de centenas ou milhares de pessoas inocentes. Determinados salpicos de promessas religiosas quanto ao destino dos «mártires» fazem o resto.
5. Um dos grandes aliados do EI é o medo. O medo que infunde com o terror manieta a ação e corrói a liberdade. São exemplos a proibição, por parte do governo francês, das manifestações em Paris, no âmbito da 21.ª Cimeira do Clima da ONU (COP21), no final do mês de novembro de 2015, e o estado de sítio que durante bastante tempo foi decretado em Bruxelas, após os atentados de 22 de março de 2016. Há que lutar com todas as forças contra este medo castrador e contra esta tendência de se querer manietar a liberdade em nome da segurança. A este propósito, numa entrevista a um jornal espanhol, o filósofo granadino José António Pérez Tapias insistiu que não podemos deixar que o medo nos tolha e que os valores fundamentais devem continuar a ser defendidos sem receio de atentados. Na equação segurança – defesa da liberdade, o mesmo pensador insistiu que esta não pode ser anulada em favor daquela. A necessidade de segurança não deve anular a liberdade mas potenciá-la; a segurança e a defesa da liberdade não são alheias uma à outra: devem-se uma à outra (Cf. argumentosptapias.blogspot.pt). Claro que a situação é complexa e requer políticas que contemplem simultaneamente medidas de segurança e medidas de salvaguarda das liberdades. Não podemos ver essas duas questões como antagónicas, que nos colocam um dilema excludente. Devemos, sim, manter a segurança, aprofundando as liberdades. Uma coisa é terrivelmente certa: deixarmos de lutar pelos valores fundamentais, paralisados pelo medo, seria o maior triunfo do EI e representaria o colapso da justiça, da liberdade, da solidariedade e da dignidade humana.