A partida para Angola Os meus avós tiveram de ir para Angola devido às dificuldades e pobreza existentes em Portugal. O meu avô e seis dos seus oito irmãos foram para Angola, em Março de 1959, e a minha avó foi em Julho do mesmo ano. Viajaram em barcos distintos. O meu avô viajou no barco Vera Cruz e a minha avó foi no Uíge. A viagem no Vera Cruz demorou cerca de oito dias, apenas com uma paragem: Las Palmas. A viagem no Uíge demorou onze dias. Quando o meu avô e respetivos irmãos chegaram a Luanda ficaram muito impressionados com a paisagem, o clima agradável, o movimento da cidade e os costumes dos seus habitantes (os naturais do país. O meu avô contou-me que ficou admiradíssimo ao ver passar as “quitandeiras” embrulhadas em panos africanos, com os filhos presos nas costas e a fumar cigarros com a ponta incandescente dentro da boca e, por vezes, falando sozinhas. Quando a minha avó, os seus três irmãos e a mãe desembarcaram em Luanda o meu bisavô aguardava-os para seguirem viagem até ao seu destino: a vila de Santa Comba Dão, no distrito da Cela, a cerca de 430 quilómetros (destes apenas 90 eram asfaltados sendo o resto em terra batida) a sul de Luanda. A viagem foi uma Odisseia.
A Odisseia da minha avó Na viagem para a Cela, passaram em rios com pontes improvisadas feitas de troncos atados, atravessaram um dos maiores rios de Angola, o rio Quanza, de jangada pois não havia pontes. Tiveram que pernoitar numa terra que se chamava Maria Teresa e antes de chegarem tiveram que parar pois havia três leões na estrada. A pernoita foi calma e de manhã retomaram a viagem. Uma hora depois de retomarem a viagem encontraram uma camioneta carregada de sacos de açúcar que tinha tombado e
estava a obstruir o caminho. Os homens juntaram-se e com muito esforço conseguiram endireitar a camioneta e ficaram a manhã toda a ajudar a carregar os sacos de açúcar na mesma. Prosseguiram a viagem. Almoçaram num restaurante numa pequena terra chamada Zena. O dia tinha sido exaustivo mas muito emocionante e acabaram por jantar numa terra chamada Quibala onde também dormiram. Na manhã seguinte, retomaram a viagem sabendo que ia ser o último dia. Felizmente, a viagem não teve mais imprevistos. Chegaram à vila de Santa Comba Dão na Cela às três da tarde. Tinham acabado de chegar a uma terra fantástica onde viveram cerca de seis anos. No segundo ano começou o terrorismo e as pessoas tiveram que se unir para se defenderem. A minha avó aprendeu a disparar uma “Mauzer”, que era uma espingarda muito grande. Passou a pertencer à Milícia Feminina onde fez o curso de Primeiros Socorros. Os homens da Vila faziam vigias durante a noite.
A vida em Luanda Os meus avós conheceram-se na vila de Santa Comba Dão, por algumas viagens que o meu avô ali fez, pois também lá moravam os seus pais. A minha avó foi para Luanda ao fim de seis anos e ali continuaram o seu relacionamento, acabando por casar (o meu avô tinha vinte anos e a minha avó dezoito). A vida em Luanda era muito agradável pois faziam praia todos os fins de semana e as pessoas conviviam muito. O meu avô fez o serviço militar em Angola durante cerca de quatro anos tendo feito o Curso de Sargentos, e foi colocado em Luanda. Depois de terminado o serviço militar exerceu funções de contabilidade num gabinete. Posteriormente, passou a gerente de uma companhia de táxis aéreos denominada TASA- Transportes Aéreos do Sul de Angola. Neste serviço teve oportunidade de visitar quase todos os locais de Angola desde Cabinda (no norte) ao Cunene (no Sul).
Construíram casa em Luanda, onde a minha mãe e o meu tio nasceram. Tinham uma vida muito estável e tudo parecia correr bem, quando ocorreu o 25 de Abril em Portugal. Esse acontecimento acabou por alterar a situação militar em Angola, que, por essa altura, estava perfeitamente controlada, passando a existir uma grande violência na capital Angolana, com a invasão dos bairros e dos “musseques” por guerrilheiros pertencentes aos diversos partidos políticos ( MPLA, FLNA E UNITA ). O meu avô conta que neste período os aviões da sua companhia eram utilizados constantemente em evacuações de mulheres e crianças das diversas localidades do interior de Angola, já que de outra forma as pessoas não poderiam sair por falta de segurança nas estradas. Houve situações de grande perigo para os pilotos que eram obrigados a aterrar em pequenas pistas sem proteção e por vezes debaixo de fogo, para conseguir retirar as pessoas em perigo. Chegavam a aterrar com o apoio de luzes de carros na pista, pois, por vezes, as evacuações eram feitas de noite. Contou-me ainda que numa das viagens, ao aterrar na cidade de Salazar um piloto foi atingido por fogo de guerrilheiros acabando por falecer dentro do avião. O meu avô soube por um outro avião (que sobrevoava a zona) que o nosso avião estava no fundo da pista com o motor a trabalhar e que estava a ser atingido por fogo dos guerrilheiros. Procurou em Luanda junto da Força Aérea Portuguesa apoio e proteção para conseguir o resgate do piloto. A Força Aérea não forneceu esse apoio pois entendia que não tinha condições para o fazer. Então, o meu avô com o apoio de um outro piloto e um avião da TASA, resolveu ir ao local tentar resgatar o piloto sinistrado. Sobrevoando o local onde o avião se encontrava e após algumas tentativas de aterragem, não o conseguiram pois a pista estava constantemente debaixo de fogo. Conseguiu ver o avião cujo motor continuava a trabalhar mas teve que regressar sem nada conseguir. Um destacamento militar que regressava de Malange para Luanda, ao passar em Salazar, verificou que o piloto estava morto dentro do avião e recolheram-no deixando-o na vila do Dondo. A partir daí foi possível resgatar o corpo para Luanda e enviá-lo para a sua terra natal, os Açores.
O regresso Os meus avós contaram-me que foram forçados a regressar a Portugal com a minha mãe e o meu tio, sempre na esperança, de que seria uma situação passageira e poderiam voltar para Angola. O que mais os impressionou nos últimos dias em Luanda foram os constantes tiroteios e o som do martelar nos caixotes onde eram embalados os mais importantes haveres. Como já muita gente tinha fugido, a cidade estava vazia tendo os sons mais impacto. A minha mãe era muito pequenina, mas recorda-se muito bem da chegada a Portugal. Era um país sombrio, muito frio, com pessoas muito fechadas e pouco acolhedoras. Ela diz-me que leu há uns anos uma frase de um jornalista que dizia: ”Saí de um país a cores e aterrei num país a preto e branco”, e que foi exatamente essa a sensação que ela teve quando chegou a Braga. Podia contar imensas histórias de acontecimentos em Angola por essa altura, mas assim, em vez de um texto tinha de escrever um livro (quem sabe um dia ainda o faça), e como sei que a minha professora é muito ocupada resolvi ficar-me pelo texto.
Algumas palavras ainda usadas na família: Gindungo- piripiri Cacimbo- chuva miudinha Ginguba- amendoim Machimbombo- autocarro Chuinga- chiclete Muamba- prato tradicional Musseque- bairro de lata Quitandeiras- vendedoras ambulantes
Luís Miguel de Lima Guedes
6ºB
nº17