2. MULHER, FEMINISMO e o ESPAÇO PÚBLICO De maneira geral, estar na cidade pode significar enfrentar muitos medos: medo do espaço público, de infringir regras, de apropriar-se do espaço, medo de ultrapassar barreiras muitas vezes inexistentes e medo dos outros cidadãos, quase sempre percebidos como inimigos potenciais. Como mulher, podemos acrescer também outros temores: medo de ser oprimida, medo de ser assediada, medo de ser perturbada e medo de ser violentada. E caminhar, sem resguardo ou companhia, é estar nesse local de sensibilidade, e talvez vulnerabilidade, que nos obriga a perceber tudo o que nos cerca. É caminhar sempre à espreita de um acontecimento (SANTOS et al, 2019). A sensação de exposição e de ser observada de forma pejorativa é certeira, gerando incômodo. Ser mulher na cidade é criar uma película protetora diante da situação ao caminhar em espaços públicos para que se possa ter uma experiência, de certa forma, menos exaustiva. Na visão de Kern (2021), “a capacidade de estar sozinha é um marcador igualmente importante de uma cidade bem sucedida.” De acordo com a escritora Simone de Beauvoir (1967, p. 12) Para compreender as vivências do feminino na cidade, é necessário debater sobre os papéis que as mulheres exercem na sociedade, as relações de gênero e a construção do papel da mulher ao longo da história. A construção social e cultural do que é feminino e masculino é imposta como um padrão natural. Esses padrões são construídos, reforçados ou desconstruídos pela forma como se organizam as sociedades ao longo da história e estabelecidos desde o nascimento das meninas.
Tal afirmação nos leva a compreensão de que a cidade nunca foi vivenciada pelas mulheres da mesma forma que os homens. Ainda apoiada no pensamento de Simone de Beauvoir (1970, p. 10): “a mulher determina-se e diferencia-se em relação ao homem, e não este em relação a ela; a que diz que a fêmea é o inessencial perante o essencial; também o homem é o sujeito, o Absoluto, ela é o Outro”. Visto no corpo social, a mulher sempre foi o outro. É ela quem se responsabiliza por todas as atividades de cuidar, principalmente no espaço doméstico, reforçando a divisão arcaica de gênero. E para usufruir da cidade, há condutas que são estabelecidas desde muito cedo e que se devem ser seguidas. “Encurralando-as no espaço privado e reproduzindo o tratamento dado neste espaço nos espaços públicos, proprietários de seus corpos” (GONZAGA, 2011, p. 25).