Passa(n)do a limpo

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PASSA(N)DO A LIMPO: ´ Memorias de um SOBREVIVENTE do holocausto

FERNANDA SEMO



PASSA(N)DO A LIMPO: ´ Memorias de um SOBREVIVENTE do holocausto


Título Passa(n)do a limpo: memórias de um sobrevivente do Holocausto Autora

Fernanda Semo Ano

2015 Projeto gráfico e diagramação

Beatriz Trindade




Para meu avô Eu não consigo imaginar quantas vezes você pensou em largar o papel e a caneta. Em quantos momentos você simplesmente não teve vontade de reviver tudo o que passou, só para de fato acreditar que foi de verdade. Tenho certeza que doeu escrever tantas linhas e não ser ouvido. Por muito tempo, eu também não soube ouvir, não soube perguntar ou tentar entender. Mas, eu acredito que nada acontece por acaso e ter encontrado a sua voz bem quando eu não conseguia decidir onde usar a minha foi um presente. Talvez, suas palavras já esperassem ser encontradas. Na magia que existe dentro de cada parágrafo, você tentou transmitir sensações e sentimentos que eu espero ser capaz de reproduzir da forma que você sempre quis. Em cada folha eu aprendi uma coisa nova. Aprendi, acima de tudo, que a superação existe e que não há história que não mereça ser contada. A sua é especial, afinal, agora ela é minha também. Esse livro é pra você. E para gente. E para todo mundo que tem uma história aguardando por alguém para contá-la. Obrigada por deixar esse presente e por me permitir te fazer presente, em meio a tudo isso.



Agradecimentos Primeiramente, agradeço a D’us por guiar minha trajetória sempre. À minha família, pelo incansável apoio e por acreditarem no meu potencial em todos os momentos. À minha avó, por ter aberto suas memórias e sua casa para a realização deste livro. À professora e coordenadora do curso, pelo convívio e compreensão, além de todos os outros professores que, com seus ensinamentos constantes, tornaram possível a conclusão deste ciclo. Agradeço também a todos os amigos que acompanharam e estiveram presentes no período em que este livro era meu único assunto.


Fernanda Semo


Sumário

Introdução 19

Guia de leitura 19

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Sozinhos com a própria sorte 23 “Sorvegliare, ma non punire!” 45

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Diferente do resto 37

Quem salva uma vida, salva uma nação 55

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Vidas de papel 61

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Recomeço 73

O amor é o que fica 87

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Conclusão 109 Referências bibliográficas 113 Sobre a autora 116

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Resistiu “Resistiu quem se dedicou ao contrabando de pão. Resistiu quem educou em segredo. Resistiu quem escreveu e distribuiu uma revista clandestina que alertou. Resistiu quem escondeu um Sefer Torá. Resistiu quem falsificou documentos “arianos” e com isso outorgou a vida. Resistiu quem ajudou os perseguidos a fugir de país em país. Resistiu quem escreveu o acontecimento e o enterrou na terra. Resistiu quem ajudou a quem precisava mais que a si mesmo. Resistiu quem disse uma palavra quando o outro aproximava-se da morte. Resistiu quem se levantou frente a seus assassinos com mãos vazias. Resistiu quem passou ordens, mensagens e armas. Resistiu quem sobreviveu. Resistiu quem lutou nas ruas, nas montanhas e nos bosques. Resistiu quem se levantou nos campos de extermínio. Resistiu quem se sublevou nos guetos, entre muros destruídos, na sublevação mais desesperada que conheceu o homem em sua vida.”

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Introdução !"#$%&#'()"$ Setenta anos se passaram desde o fim da Segunda Guerra Mundial. As consequências de tanta destruição foram inúmeras, as vítimas incontáveis e as tragédias afetam milhares de vidas até hoje. Muito foi dito, estudado e pesquisado sobre o assunto. Diversos filmes, livros e outras obras foram produzidos a partir da temática da guerra e da violência. As vozes de vítimas puderam ser ouvidas por meio dessa contínua reprodução dos fatos, situações e dramas. Foram elas as responsáveis por transmitir o conhecimento de um período tão obscuro da história mundial, permitindo que nada fosse esquecido. Afinal, nada disso deve ser esquecido. Seis milhões de judeus perderam suas vidas em um dos maiores crimes contra a humanidade que já existiu; seis milhões de planos foram interrompidos; seis milhões de histórias não tiveram a chance de terem um final digno. Além de tantas mortes, o holocausto também influenciou a vida daqueles que sobreviveram as perseguições. Com o fim da guerra, o que significaria enfim, regressar para casa? Depois de perder tudo, grande parte dos sobreviventes deixaram seus países de origem, reconstruindo sua vida com o pouco que lhes restava. Muitos, depois de restabelecidos optaram pelo silêncio, deixando guardado todo o horror nazista que passaram. Outros fizeram questão de compartilhar suas memórias com pessoas próximas, mantendo de certa forma, sua história viva.

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De qualquer modo, todo judeu conhece alguém que tenha passado pelo holocausto. Todas as famílias perderam membros, ouviram pelo menos uma ou outra recordação sobre o tema. Muitas, inclusive, entraram em contato com as suas origens através do contexto da guerra e seus desdobramentos. Essas e tantas outras histórias de sobreviventes são capazes de nos atingir de maneiras distintas, tocam cada um de uma forma única e afetam o cotidiano de quem as escuta de um jeito singular. Comigo, foi uma mistura de experiências, que até o presente momento em que escrevo, não deixa de transformar minhas palavras. Cada letra escrita ainda sofre com as sensações que passam pela minha mente ao tentar absorver tudo isso. É necessário ter cuidado. Tratar cada uma delas com carinho, tentar ser justamente o oposto daquilo vivido na história que preenche essas páginas.

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“O passado não reconhece o seu lugar: está sempre presente.” - Mário Quintana Ele sobreviveu às perseguições irracionais, às mudanças de campos de concentração, aos trabalhos forçados, às viagens de navio, ao medo do desconhecido. Juntou os pedaços restantes e os trouxe em uma mala para o Brasil, onde felizmente, conseguiu continuar sua vida. Meu avô sobreviveu ao holocausto. E eu, escolhi contar sua história. Grande parte das memórias do meu avô foram eternizadas por ele em folhas de papel sulfite. Encontradas em sua casa,

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no Rio de Janeiro, permaneceram guardadas sem muito uso com meu pai, minha principal fonte de respostas para esse livro e para a vida. Durante a infância, morando em São Paulo e passando todas as férias no Rio, eu soube sem muitos detalhes que meu avô Jefrem tinha vindo ao Brasil fugindo da guerra. Falava-se pouco sobre o assunto, e tudo que eu sei hoje, é graças às suas anotações e às pesquisas realizadas depois. Cada família judia tem uma maneira de lidar com essa situação e na minha, o foco sempre foi o presente e o futuro. As folhas apareceram para mim em um momento crucial. A conclusão de um ciclo de quatro anos chegaria depois que eu usasse a minha voz para produzir algo exclusivamente meu. O tema, portanto, deveria traduzir a grandeza dessa fase tão esperada. Escolhi contar a história do meu avô, pois ela reflete muito mais do que apenas suas memórias como sobrevivente do Holocausto, ela representa mais uma voz que tem a chance de ser ouvida. Por meio dela, busco eternizar um passado que não deve nunca ser repetido. É como diz uma das frases mais marcantes repetidas no dia mundial de lembrança aos sobreviventes do Holocausto: “Never Forget. Never Again”. Suas memórias diversas vezes não faziam sentido. Muitas datas estavam trocadas, algumas passagens se repetiam e se misturavam, mas os detalhes foram o que tornaram a descoberta tão incrível. Foram necessárias inúmeras pesquisas, contato com historiadores estrangeiros, análise de documentos falsos, registros médicos, listas de campos de concentração e conversas com a minha família para organizar de modo cronológico todos os acontecimentos. Durante o processo de produção deste livro, não só muitas descobertas sobre os acontecimentos acerca do Holocausto fo-

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ram feitas, mas as reflexões que ele causou em mim também foram significativas. Aprendi, mesmo que tarde, a valorizar a minha realidade, tão diferente da que meu avô teve que enfrentar. Talvez, eu pudesse ter feito mais perguntas, sido mais invasiva, questionado mais porquês. Alguns buracos permanecem, levantando dúvidas que eu não sei se um dia terei as respostas. A busca muitas vezes não leva a lugar nenhum e existem momentos em que apenas o conformismo é a solução. As viagens periódicas ao Rio de Janeiro também estreitaram algumas relações que foram comprometidas pela distância da ponte aérea, aumentaram a minha vontade de produzir algo realmente significativo e valioso. Ao descobrir tanto sobre a sua história, eu acabei revelando também um pouco de mim mesma.

5%&"+%6"13+1$/ A maior parte da produção desta peça foi baseada nas pesquisas teóricas realizadas ao longo do último ano. Primeiramente, busquei um conteúdo mais generalizado sobre Holocausto, procurando me aprofundar nas regiões por onde meu avô passou. Apesar de já ter estudado sobre o assunto em outros períodos e ter visto uma série de filmes relacionados ao tema, ainda consegui me surpreender com o que lia. O drama do nazismo descrito nas pesquisas feitas sobre os campos de concentração só agravava-se conforme eu desvendava os escritos do meu avô. Algumas das descrições por ele narradas sobre as condições de moradia e trabalho

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tornaram-se ainda mais reais quando eu tive acesso a vídeos feitos no período pós-guerra, em campos que hoje viraram museus e memoriais. De certa forma, eu ainda tinha a esperança de não ser tão degradante. Mesmo me focando nos detalhes de sua narração, certas datas não faziam sentido com as informações que eu encontrei em pesquisas sobre a liberação de sobreviventes em campos de concentração. A partir daí, foi necessário o contato com pesquisadores estrangeiros que dedicaram uma quantidade considerável de tempo buscando uma maior veracidade de fatos, datas e nomes de sobreviventes. Vale lembrar que com o fim da guerra e a liberação dos campos, muitos sobreviventes, assim como meu avô, utilizaram nomes e documentos falsos para saírem dos países, o que dificultou um mapeamento posterior de suas identidades e uma consequente base de dados apurada. A análise dos documentos, falsos e reais, além de apólices de seguro e fotografias, foi crucial para conectar as descrições narradas com os fatos, trazendo a história para o plano do concreto. Conforme fui descobrindo novos desdobramentos, percebi que nada disso poderia ter sido obra de uma imaginação fértil. Tudo realmente aconteceu, por mais que eu não quisesse. Mesmo depois de meses coletando informações que ampliassem sua história, alguns fatos ainda são um mistério e parte de sua jornada ao Brasil permanece desconhecida, inclusive para ele. Hoje, por conta do Alzheimer, muitas vezes ele é traído por suas próprias memórias. Assim, eu espero ter feito o meu melhor para desvendá-las por ele. Espero que o livro amplifique sua voz, inspire outras histórias, mas principalmente, seja um reflexo do herói que ele sempre irá representar.

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Guia de leitura Este livro tem a minha autoria, mas foi escrito por muitas vozes. Nele, busco organizar os fatos e as histórias pelas quais meu avô passou durante o Holocausto. Para isso, fiz contato com pesquisadores, busquei referências em livros, filmes e documentos, recolhi depoimentos e estruturei os manuscritos que permeiam essa narrativa. Para que todas as vozes fossem lidas de formas diferenciadas, cada uma delas apresenta uma característica própria:

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:+4/1, Para lidar com mais “alma” durante a guerra e as condições críticas apresentadas aos prisioneiros, foram criadas escolas, instituições e organizações culturais dentro do campo. Órgãos externos também chegaram a prestar assistência, como a União das Comunidades Judaicas, a Cruz Vermelha e a organização Israel Kalk, que prestavam auxílio financeiro e alimentar aos presos. Dentro do campo foram realizadas cerimônias religiosas, casamentos e eventos, além de peças de teatro, concertos e concursos literários, tudo com o consentimento da direção, que, para conseguir manter a situação do campo, ofereceu aos prisioneiros um mínimo de liberdade. A localização do campo era estratégica, estando equidistante da França, Iugoslávia, África e Grécia. Ocupava um território com cerca de 160.000 metros quadrados, compostos por 92 galpões brancos, divididos entre as áreas administrativas e os dormitórios para os prisioneiros. Tudo era cercado por arame farpado e torres de observação para monitorar os movimentos que ocorriam dentro do perímetro do acampamento. Os primeiros presos chegaram ao campo em 20 de junho de 1940 e eram predominantemente judeus que foram trabalhar ou estudar no territó-

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Arquivo Agência de Notícias Tanjug


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“Jugoslawien militärisch als und zu Staatsgebilde zerschlagen” ;+9/$'G-#,%H%CDEC A invasão alemã à Iugoslávia só ocorreu após um golpe de Estado na região. Planejado por um grupo de oficiais sérvios nacionalistas e executado em 27 de março de 1941, o golpe derrubou a regência de três membros, além do governo do primeiro ministro Dragiša Cvetkovic. Dois dias antes do golpe, o governo Cvetkovic, sob pressão, havia assinado o Protocolo de Viena sobre a adesão da Iugoslávia ao Pacto Tripartite, pertencente ao Eixo e, consequentemente, à Hitler. O golpe já tinha sido planejado há vários meses, mas a assinatura do Royal Air Force oficial photographer, Imperial War Museum

Pacto Tripartite estimulou os organizadores a realizá-lo, tendo a causa apoiada pelos britânicos. A partir dele, o rei Pedro II Karadordevic, de apenas 17 anos, assumiu o trono. Com a notícia do golpe na Iugoslávia, Hitler reuniu seus conselheiros I"#%7"?1/%;;

militares em Berlim no

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mesmo dia, declarando que a Iugoslávia deveria ser tratada como um estado hostil. O ditador tomou o golpe como um insulto pessoal, afirmando que iria bombardear o país, “destruindo militarmente a Iugoslávia, além de seu Estado, não esperando lealdade do novo governo”. A invasão da Iugoslávia ficou conhecida como Guerra de Abril ou Operação 25, sendo liderada pelas potências do Eixo, tendo início no dia 6 de abril de 1941. A invasão começou com um ataque aéreo esmagador em Belgrado e nas instalações da Real Força Aérea Iugoslava (VVKJ) pela Luftwaffe (Força Aérea Alemã), além de ataques das forças terrestres alemãs do sul da Bulgária. A invasão terminou quando um armistício foi assinado em 17 de abril de 1941, com base na rendição incondicional do Exército Real Iugoslavo, que entrou em vigor ao meio-dia em 18 de abril. A Iugoslávia foi então ocupada e dividida pelas potências do Eixo.

Operação Punição/ Unternehmen Strafgericht >"'91,?/@%CDEC Operação Punição foi o codinome utilizado para caracterizar os bombardeios das tropas

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alemãs à capital da Iugoslávia, Belgrado. Tendo início em 6 de abril de 1941, ela resultou na paralisia do comando civil e militar iugoslavo, além da destruição de grande parte da cidade, e um

Arquivo Museu US army center of military history, 1953

número de vítimas civis significativo.

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Diferente do Resto P- /809*J=/- *34,=- 6/,*@*- 8/;6*- 7*8+7*74- 74- Q43A1*7/B- V1*D*3<?@*,/5- ;/5458/,D1/5-7*5-10*5E-54,914-5/D-/-7/,O;+/74- 5/37*7/5- *1,*7/5B- ST5- 05?@*,/5- *5G*,/5*5-G*+N*5-*,*143*5-8/,-*-+;581+J=/¬ - «? )- +! &!K "- - % $ %i'> P:0+3/- 41*- /- :04- ;/5- G*F+*- 7+G414;64- 7/1456/B-[/,-43*5-;/5-D1*J/5E-94+6/-4-;*58/56*5E- 9/7O*,/5- 541- ,/16/5- *- :0*3:041,/,4;6/-54,-:04-</0@4554->056+J*B-P-34+;=/-456*@*-7/-;/55/-3*7/BST5- 41?,/5- /D1+A*7/5- *- 61*D*3<*1- ;*3+,94F*- 7/5- 458/,D1/5- 4- ;*- 146+1*7*- 748/19/5-:04-8/,4J*1*,-*-54-748/,9/1-b-43459/741+*,-81+*1-91/D34,*5-;*-5*^74-7/-9/@/BP91454;6?@*,/K;/5-6/7*5-*5-,*;<=5-M55464-</1*5-*/5-A109/5-74-61*D*3</B-S=/-6OK ;<*,/5-7+14+6/-M-8/,+7*-4-/-61*D*3</-41*945*7/B-Z0*;7/-+;@/8*@*,-8/,-*3A0H,E37


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anexada a ele. A região de Herceg Nov, localizada em tal baía, foi ocupada e anexada pelos italianos em 1941, durante a Segunda Guerra Mundial, tornando-se parte da província de Cattaro. Em 1943 foi retomada pelas forças partidárias iugoslavas e mais tarde foi oficialmente anexada como parte da República Popular de Montenegro. De toda a Iugoslávia, só restaram Sérvia e Montenegro, que em 2003 fundaram o Estado da Sérvia e Montenegro. Entretanto, em 2006, um plebiscito expressou o desejo da população de separação, e no mesmo ano, Montenegro declarou-se independente, tornando a Iugoslávia formalmente extinta. Atualmente, o país está realizando negociações para integrar a União Europeia. Quando os prisioneiros chegavam aos campos de concentração, os soldados alemães os obrigavam a colocar uniformes listrados, que ficaram conhecidos como pijamas. Os homens usavam coletes, calças, chapéus e casacos. As mulheres usavam uma bata. Nos pés ambos usavam tamancos de couro ou madeira sem meias, o que além de causar desconforto, também era perigoso, já que as condições dos campos de concentração e dos barracões eram extremamente precárias.

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Os uniformes eram lavados somente a cada seis semanas e todos eram identificados com um número, além de um triângulo invertido que representava a razão de seu aprisionamento. Na maioria dos campos, os judeus eram identificados com uma estrela de David amarela, um dos principais símbolos da religião judaica.

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“Sorvegliare, ma non punire!” J,&6/%?"%J,-,K,@%:'0L8#,F Com a Segunda Guerra Mundial, o país tornou-se uma espécie de ponto de trânsito, ao mesmo tempo em que abrigo para judeus que fugiam da perseguição nazista. Judeus de diversos países como Polônia, Bulgária e Iugoslávia foram presos em campos em Berat, Kruje e Cavaja. Estimativas apontam que havia 1300 pessoas em Cavaja. Dentro do campo de concentração, o tratamento italiano tinha um toque de humanidade. O campo era rodeado de arames farpados e os prisioneiros dormiam em barracos de madeira, além de serem mal alimentados. Eram pagos apenas o mínimo suficiente para não morrerem de fome. Mesmo assim, eram permitidas saídas do campo para serviços religiosos, além de cinema ou jogos de futebol. A atitude italiana fascista pode ser resumida com a fórmula: “Sorvegliare, ma non punire!”, que significa manter o olho, mas não punir. As atitudes benignas italianas provêm parcialmente de sua cultura não ser totalmente antissemita. O antissemitismo simplesmente não era ressonante com os

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Arquivo das pesquisas: Kavaja, a story do be unfold, ECOSMeG, 2014


albaneses, assim, um ativismo antissemita seria de responsabilidade política dos italianos. No campo, os mais jovens jogavam futebol com os guardas italianos. Na hora de dormir, as mulheres eram separadas, mas durante o dia todos permaneciam juntos. A comida preparada na cozinha era como em qualquer outro campo, mas para as crianças conseguia-se leite açucarado e para os adultos um pouco de pão preto. De acordo com depoimentos, um cidadão da Albânia tinha uma pequena loja dentro do campo, onde era permitido aos prisioneiros fazerem compras de frutas, comidas e pequenas outras coisas. Porém, os preços eram dobrados se comparados aos da cidade e o pouco dinheiro que os prisioneiros recebiam era gasto lá.

Sobre/Estrutura: Nome oficial: Concentration Camp of Montenegrin Rebels and Hostages Posição: O campo de Cavaja foi formado na segunda metade de 1941 e recebeu um certo número de judeus refugiados da Servia e da Bósnia. Condições: Rodeado de arame farpado e guardado por uma tropa de soldados italianos,

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o campo era dirigido por um major do exército real, sendo assistido por quatro oficiais militares. Em média, de 1200 a 1500 prisioneiros eram instalados em cabanas de madeira de 20 metros, abrigando cinco pessoas, com poucas janelas e pisos em ruínas. Em cada barracão, cerca de 300 pessoas eram espremidas e dormiam em beliches de três andares. “Os mais valentes entre nós faziam o possível para melhorar o resto de nossa moral. Tudo começou com piadas e músicas alegres, mas pouco depois eles organizavam noites com músicas, quadros, histórias e danças. Os mais jovens eram os responsáveis pela organização, porém muitos mais velhos também participavam. Tínhamos sorte que nenhum dos soldados italianos conhecia a língua servo-croata. Durante nossa passagem por Cavaja nós fizemos cerca de uma dúzia dessas festas. Normalmente eram feitas na frente dos barracos, iluminadas pela lâmpada do campo. Em setembro, comemoramos Rosh Hashana e Yom Kippur. Na mesa de jantar, coberta de lona e arrumada com flores e carpetes, nós conseguimos fazer nossas rezas festivas. As músicas foram cantadas por dois de nós, e suas vozes bonitas tornaram a noite solene frente às dificuldades e momentos difíceis de nossas vidas. Mesmo acreditando em ideias ateístas,

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Arquivo Istituto Luce, Roma


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essa celebração foi um momento muito emotivo e impressionante porque ocorreu em uma situação muito complicada. Desejamos boas festas e tudo de bom uns aos outros”. Mirko Haller, refugiado de Saravejo e prisioneiro no campo de Cavaja, 1941

Apesar da maioria dos prisioneiros terem sido transferidos para a Itália, muitos judeus foram salvos na Albânia. Parte disso deve-se ao tradicional código de honra e hospitalidade do país, conhecido como “Besa”. O código requer que visitantes e refugiados sejam protegidos, mesmo no contexto da guerra.

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“Quem salva uma vida, salva uma nação inteira” Foi graças ao código Besa que muitas famílias conseguiram se salvar das perseguições nazistas na Albânia. Para pesquisadores, Besa é um código moral, uma norma de conduta social, além de ser parte de uma antiga tradição. Em essência, trata-se de não ser indiferente ante alguém que sofre ou é perseguido. “Besa e shqiptarit nuk shitet pazarit”, traduzindo:

“a honra de um albanês não pode ser vendida ou comprada num bazar”. A Albânia foi o único país da Europa que teve a população judaica maior no período pós-guerra do que antes dela. “Adeus, Albânia, pensei. Você me deu tanta hospitalidade, refúgio, amigos e aventura. Adeus, Albânia. Um dia eu direi ao mundo como são valentes, corajosos, fortes e leais seus filhos; como a morte e o diabo não são capazes de assustá-los. Se necessário, contaria como eles protegeram uma

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refugiada e não permitiram que ela fosse machucada mesmo se isso significasse perder sua própria vida. Os portões de seu pequeno país continuam abertos, Albânia. Suas autoridades fecharam os olhos, quando foi necessário dar aos pobres e perseguidos outra chance de sobreviver a mais terrível das guerras. Albânia, nós sobrevivemos o cerco por causa da sua humanidade. Nós lhe agradecemos.” Irene Grunbaum, sobrevivente do Holocausto e autora do livro “Escape Through the Balkans”, publicado em 1995.

Yad Vashem é o memorial oficial de Israel para as vítimas judias do holocausto. O Estado de Israel concede o título de “Justos dentre as Nações” para não judeus que arriscaram suas vidas para proteger judeus durante a segunda guerra mundial. 34 famílias da Albânia foram honradas com este título e três delas são de Cavaja. Uma delas é a família Mihal Lekatari que resgatou 5 membros da família Konforti. Quando Mihal Lekatari, que era um membro ativo junto aos partisans albaneses, ouviu a respeito dos refugiados judeus que haviam chegado em Cavaja, ele imediatamente foi encontrá-los para recepcioná-los na área e para oferecer lhes ajuda.

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Lekatari falava italiano e tornou-se amigo da família Konforti, que incluía os país Jakov e Rachel e seus três filhos, Naftali, 18, Nisim, 13 e Michael, 11. Ele mantinha contato diariamente com a família, além de ter ensinado a eles albanês, o que facilitou de maneira geral suas vidas por lá. Também conseguiu descontos para refugiados no mercado, além de manter distante qualquer um que abusava deles. Quando os italianos se renderam aos Aliados em setembro de 1943, ele insistiu que os judeus refugiados de Cavaja mudassem para Tirana, onde seria mais fácil esconder-se. Quando houve problemas com documentação, Lekatari foi ao município de Harizaj e roubou documentos de identidade em branco, além de selos para distribuir papéis fraudados para os refugiados. Todos os judeus receberam um papel de identidade com um nome em muçulmano. Ele instruiu Yussuf Konforti e os outros sobre como chegar a Tirana, que era cerca de 50 quilômetros de distância. Ele ainda ofereceu endereços de amigos na cidade, que ajudaram as famílias a se abrigar até o fim da guerra. Em Julho de 1992, o memorial Yad Vashem reconheceu Mihal Lekatari como um “justo entre as nações”. Depoimento retirado, traduzido e adaptado dos arquivos do Museu Yad Vashem

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Vidas de papel Campo Ferramonti di Tarsi

Em Outubro de 1941, nos transferiram para o Campo Ferramonti, na Itália. Fizemos o trajeto de navio, saindo da Albânia dia 17 de outubro de 1941 e chegando na Itália dez dias depois. T* %'+ ' *-(' )- % !+ , * K '- conhecido como “Grupo de Cavaja” e estávamos em 200 pessoas. A localização do campo era estratégica, estando equidistante da França, Iugoslávia, África e Grécia. Ocupava um território com cerca de 160.000 metros quadrados, compostos por 92 galpões brancos, divididos entre as áreas administrativas e os dormitórios para os prisioneiros. Tudo era cercado por arame farpado e torres de observação para monitorar os movimentos que ocorriam dentro do perímetro do acampamento.

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Os primeiros presos chegaram ao campo em 20 de junho de 1940 e eram predominantemente judeus que foram trabalhar ou estudar no território italiano. Para lidar com mais “alma” durante a guerra e as condições críticas apresentadas aos prisioneiros, foram criadas escolas, instituições e organizações culturais dentro do campo. Órgãos externos também chegaram a prestar assistência, como a União das Comunidades Judaicas, a Cruz Vermelha e a organização Israel Kalk, que prestavam auxílio financeiro e alimentar aos presos. Dentro do campo foram realizadas cerimônias religiosas, casamentos e eventos, além de peças de teatro, concertos e concursos literários, tudo com o consentimento da direção, que, para conseguir manter a situação do campo, ofereceu aos prisioneiros um mínimo de liberdade. Com o passar do tempo, a situação do campo tornou-se cada vez mais crítica, com o racionamento de bens, além da falta de alimentos necessários para suprir as demandas. Foi a desnutrição que gerou inúmeros casos de anemia, cansaço, depressão. O uso de camisa de forças, na época, foi a maneira encontrada para conter a exaltação da mente de alguns dos presos.

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Em 27 de agosto de 1943, um duelo entre a força aérea alemã e a americana terminou tragicamente com a queima de um galpão e com a morte de alguns prisioneiros. Para evitar mais danos em relação às operações inimigas, o ministro do interior ordenou, no mesmo dia, a evacuação total do campo. Mas, foi somente em 4 de setembro que foi ordenada a libertação dos judeus, italianos e judeus estrangeiros não perigosos.

Permanência e Transferência na Itália Meu avô e sua família permaneceram no Campo de Ferramonti até 10 de Agosto de 1942, sendo depois transferidos para a região de Aquila. Não existem dados que mostrem as atividades que sua família realizou até o ano de 1943 naquela região. Entretanto, sabe-se que eles foram liberados em Santa Maria del Banho, no Sul da Itália, em 1945. Existem algumas possibilidades que cercam sua trajetória no período em que esteve na Itália, ainda durante a guerra. Em uma troca de e-mails com a pesquisadora Anna Pizzuti, autora do livro “Vite di Carta: storie di ebrei stranieri internati dal fascismo” (Vidas de papel: histórias de hebreus estrangeiros presos pelo fascismo), foi possível tentar supor o que pode ter acontecido com meu avô e sua família.

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Segundo ela, a internação dos judeus na Itália não acontecia somente nos campos como o de Ferramonti, mas também em vilarejos isolados, no que ficou conhecido como “internação livre”, ou seja, os prisioneiros eram designados a um distrito e lá tinham regras a respeitar, como não ler jornais e ouvir o rádio, não ter contato com outros moradores e sempre estarem disponíveis e visíveis pela Carabinieri, a polícia italiana. Além da subvenção diária, recebiam 50 lire, a moeda italiana na época, ao mês, como contribuição para o aluguel da casa. Fora isso, os prisioneiros deveriam entregar sua documentação às autoridades locais. Portanto, existe a chance, de durante quase um ano e meio, esse ter sido o destino de meu avô e sua família. Porém, na região da província de Aquila também havia dois campos de concentração e trânsito: o campo de concentração 78, mais conhecido como Sulmona e o campo 102, de trânsito. Esses dois campos podem ser outras possibilidades para esse período em que não há informações concretas sobre o paradeiro de meu avô. A partir daí e com o fim da guerra, moraram em Roma, onde providenciaram documentos falsos para conseguir sobreviver na sociedade italiana pós-guerra. Lá, conseguiram alugar um apartamento em cima de uma padaria, onde meu avô conseguiu um emprego. Por estarem com documentação falsa com medo de novas perseguições, não podiam revelar suas verdadeiras identidades à família dona do estabelecimento. Inclusive, a família era católica e, aos domingos, a irmã de meu avô ia para a igreja com eles, pois eles pediam que ela fizesse companhia à sua filha pequena.

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Na época, a padaria era frequentada por soldados alemães que permaneceram no país mesmo com o fim da guerra. Em certa ocasião, um desses soldados chegou a interrogar meu avô, lhe questionando sobre sua origem, fazendo com que ele tivesse que inventar toda uma história de vida para sair dessa situação. Quando o dono da padaria percebeu a confusão interveio, pedindo que meu avô fosse buscar farinha dentro das instalações, mesmo não sabendo sobre sua verdadeira identidade. Algum tempo depois, finalmente saíram da Europa em 6 de Dezembro do ano de 1946, embarcando em um navio no porto de Livorno, na Itália, chegando ao Brasil em 20 de Fevereiro de 1947, de acordo com documentos.

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São Paulo

/ 16 de março de 2015

Hello Dear Anna, m and I live in Brazil. I study journalis My name is Fernanda Semo, I’m 22 be a book about my grandpa’s life and my final project to graduate will during the second world war. ily d his name as well as his other fam By reading your reasearches I foun oners. However, I have some ques members on the list of the war prisi help me. tions that I’d like to know if you can rding to your data, he went through His name is Jefrem Semo and acco then to L’Aquila in 10/08/1942. Ferramonti Camp in 27/10/1941 and t Ferramonti Concentration Camp, I’ve found a lot of information abou tion regarding L’Aquila. I’ve found but I’m having trouble finding informa and Camp 102. I’d like to know if you two camps in the area: Camp PG 78 his family went through. can tell me which one of them he and list you’ve made, it looks like its in 102, By looking into the archives and the “Sulmona”, which relates to camp 78. because there’s nothing mentioning can tell me the month he got released Furthermore, I’d like to know if you . in S. Maria al Bagno in the year of 1945 ul, so any further data would help Your information has been very usef me a lot. Thank you for your attention, Fernanda Semo S. Paulo, Brazil.

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Cara Fernanda, io non conosclo l’inglese e uso Google traduttore, ma ti scrivo anche in italia no, sperando che tu troverai qualcuno che possa tradurre la mail. Dunque, devi sapere che l’internamento degli ebrei stranieri in Italia avveniva non solo nei campi, come Ferramonti, ma anche in piccoli paesi isolati, non importanti e veniva chiamato “Internam ento libero”. Gli internati venivano assegnati ad un provincia, poi il capo della provincia (Prefetto) li inviava in un paese. Gli internati avevano delle regole da rispettare (non allontanarsi dal paese, non avere contatti con gli abita nti, non leggere giornali o ascoltare la radio, farsi sempre trovare dai cara binieri o dalla polizia ecc ecc) Oltre al sussidio giornaliero, ricevevano 50 lire al mese come contributo per l’affitto della casa. Dovevano anche consegna re i documenti. Molti internati nei campi preferivano questo secondo tipo di internamento e lo chiedevano alle autorità che, spesso, li accontentavano, come nel caso di tuo nonno. Io ho riguardato il database e ho nota to che ho notizie di lui e della sua famiglia fino al 1942, quando vengono trasferiti a L’Aquila, ma non so in qual e paese furono mandati. Tu lo sai? Io non so nemmeno in quale data pass a a Santa Maria sl Bagno (gli elenchi in cui è il loro nome non hanno la data ) , se dopo la liberazione dell’Abruzzo e, quindi, senza rischi, o se quando c’erano ancora i tedeschi e era molto pericoloso dirigersi verso il sud Italia. E’ certo, però, che sono stati fortunati,

perchè nella provincia dell’Aquila e in Abruzzo ci furono molti arresti e depo rtazioni. Veramente è interessante anche la stori a dell’arrivo della famiglia di tuo nonno in Italia. Avvenne insieme al grup po chiamato “Gruppo di kavaja”, perc hè dalla Jugoslavia furono portati prima in Albania, nel campo di Kavaja e poi da qui in Italia. Ora passo questa mail a Google trad uttore sperando che traduca in mod o che tu capisca. A proposito delle rego le dell’internamento, sul mio sito puoi trovare tutte le regole, disposizioni ecc, purtroppo, però, in italiano. Auguri per la tesi. Anna

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Recomeço Rio de Janeiro / Brasil / Fevereiro de 1947

“Apenas para demonstrar por algumas linhas da minha vitória neste país que foi maravilhoso, nos acolheu e nos deu liberdade e trabalho para do nada chegarmos a ser alguém bem com a vida.” Fomos trazidos pela Joint, uma organização internacional de ajuda pós-guerra, para o Brasil, onde fomos recebidos pela comunidade do Rio. Instalaram-nos num hotel, nos deram dinheiro para alimentação durante 10 ou 15 dias e depois disso praticamente nos deixaram a nossa própria sorte. Viemos eu, com 17 anos, meu pai, minha mãe e minha irmã de apenas oito. Felizmente encontramos judeus e iugoslavos que nos ajudaram na procura de uma pensão e empregos, além de nos orientarem e &'+ K& & ! * % -* &, $ -% , %('> Meus pais passaram então a trabalhar 73


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em um box que só cabia uma pessoa, localizado dentro de um restaurante no centro, vendendo charutos e cigarros. O restaurante era frequentado por muitos patrícios, que sabendo que éramos chegados dos campos de concentração, passaram a nos ajudar comprando cigarros durante a semana, fazendo encomendas para &,* * % +- + * +! n& ! + '+ K&+ semana. Ao longo do tempo, meus pais conseguiram formar uma boa clientela e conseguimos nos mudar para uma casa no bairro de Santa Tereza. 75


Minha irmã acompanhava minha mãe na charutaria durante o dia e meu pai entregava as mercadorias nos escritórios dos clientes. Mesmo sem saber falar português, comecei a trabalhar como aprendiz de encadernador, me esforçando para me comunicar e conseguindo estudar a noite em uma escola pública. Com a ajuda de outros judeus, tornei- me vendedor de uma loja que fabricava luvas escolares, onde permaneci por cinco anos. Lá aprendi muito sobre indústria e administração. Consegui concluir meu curso de ciências econômicas a noite, me formando como contador. Foi nesse período que aprendi a lutar pela sobrevivência, principalmente depois que meu pai faleceu aos 57 anos, apenas cinco dias após meu aniversário de 26 anos. G(v+ !++'? %'&, ! -% K*% F % “R.Semo e Cia Ltda”. Comprei três máquinas de costura industrial, contratei uma mestre modelista, três costureiras e preparei um mostruário de biquínis e shorts e saí na praça para vender. Obtive boa aceitação 76


e clientela e, a partir dai, fui crescendo. Mudei de lugares várias vezes e comprei mais máquinas e matéria prima. Primeiro aluguei uma sala num edifício na Avenida Presidente Vargas, no centro, no Edifício Delamare, em seguida fui para o Centro Comercial de Copacabana e depois para a Rua Frei Caneca. Viajei pelo Brasil colocando representantes e, graças a D’us, a sorte vinha me acompanhando. A esta altura precisava de mais máquinas, mais espaço e mais costureiras. Acabei então comprando um prédio de 2000m², na Avenida Postal, (* ,! % &, & G. &! H* +!$? '& K2 minhas instalações elétricas e abaixo das luminárias tomada para as máquinas. 3!.! ! ' $' $ '*% , * -% L-0' necessário para melhorar a produção. No primeiro andar coloquei o escritório, depósito de matéria prima, centro de modelagem e setor de corte. Fiz também uma cozinha com refeitório para as funcionárias e em outra parte uma sala de separação e embalagem dos pedidos e expedições. 77




Cheguei a instalar sessenta máquinas industriais importadas e também passei a , * ,m &'. &, '( *g*!'+ '% K*% > G K*% ('++-q - + % * + * !+,* +? “Rita”, feminina, fabricando maios e biquínis de lycra e a marca “Monza”, masculina fabricando shorts e sungas. O número de máquinas e empregados continuou crescendo e gradativamente as vendas aumentaram e eu continuei as viagens pelo Brasil, nomeando mais representantes. G %!&F K*% + %(* -%(*!- +- + obrigações com a maior lisura, mas infelizmente, há mais de dez anos, tem sido arrombada e assaltada pelo menos seis vezes, mesmo com vigia. Em cada arrombamento, carregavam caminhões com as minhas máquinas, matérias (*!% + % * '*! (*'&, ? ,m K& $% &, !0 * ' (*m !' . 2!'> ' K%? o invadiram e se instalaram com 38 famílias lá dentro. Eu entrei na justiça 80


pedindo  a  retirada  de  posse,  mas  dizem  que  lå  estå  instalado  o  Comando  Vermelho. Paguei  todas  as  minhas  dividas  e  nunca  K)- ! . & ' & &F-% -& !'&g*!'> % cada  arrombamento  fui  obrigado  a  despedir  parte  dos  empregados  sempre  pagando  as  indenizaçþes  que  tinham  direito. I'% + !K -$ + ' K% g *! ? tornei-me  corretor  de  seguros  de  automóveis  e  atÊ  de  cavalos  do  Haras  PÊgassus  onde  meu  K$F' '+,-% . %'&, *> ++' '! -% '*% de  gerar  receita  e  me  manter  ocupado.  Eu  nunca  desisti  de  continuar  trabalhando  e  ter  minhas  conquistas. Judeus cariocas Nunca ocorreram tantos deslocamentos de pessoas de lugares tão distantes de suas terras natais para países como o Brasil. Milhþes de europeus deixaram para trås suas famílias e posses recomeçando suas vidas em um país tão culturalmente amplo, com uma língua distinta e um clima certamente diferente da Europa.

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O Brasil recebeu quatro milhões de migrantes e muitos deles passaram a ser vistos como agentes civilizadores e empreendedores. Muitos vieram para o Rio de Janeiro e alguns milhares eram judeus. Os judeus que fizeram do Rio a sua morada, eram provenientes da Europa e do Norte da África. Compartilhando da mesma crença religiosa, eles eram divididos, no entanto, por diferenças culturais, étnicas e litúrgicas importantes. Embora seja frequentemente atribuída aos judeus uma unidade essencial, uma solidariedade de grupo e uma comunidade de destino singular, a diversidade das formas de ser judeu é uma das mais importantes marcas do judaísmo. A heterogeneidade já era, aliás, marca dos judeus que chegaram ao Rio de Janeiro. A grande alavanca para a ascensão social dos judeus no Rio de Janeiro foi o estudo. A valorização do saber, do conhecimento, da leitura, habilidades também valorizadas pelo processo de modernização brasileiro, é algo profundamente arraigado na tradição judaica. A primeira obrigação do judeu é estudar a Lei de Moisés, tornando a alfabetização essencial à prática do judaísmo.

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Mesmo com as oportunidades surgindo para que judeus ingressassem em universidades, o comércio não foi completamente abandonado por essa geração, ainda que tenha mudado seu perfil. A parcela da segunda geração que continuou no comércio voltou-se, principalmente, para negócios de mais alta renda, para a confecção e vendas de roupa de grupo, joalherias, etc. Informações adaptadas do Livro: Judeus Cariocas – Série Imigrantes no Rio de Janeiro – KeilaGrinberg, 2010, Ed. Cidade Viva

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O amor é o que fica Fany, 81 anos, esposa. “Eu conheci seu avô num casamento realizado na principal sinagoga do Rio de Janeiro na época, conhecida como Grande Templo, na rua Tenente Possolo. Foi tudo “por acaso”. Eu estava com meus pais e uma amiga minha numa mesa, quando de repente, um rapaz pediu licença a todos, puxou minha mão e me convidou para dançar. Foi assim que começamos, mas eu perdi o contato dele depois dessa primeira dança. Depois que já estávamos juntos ele contou que ficou me procurando, buscando informações sobre a garota que tinha dançado. Ele também disse que foi ao casamento de penetra com mais alguns amigos porque não tinha nenhuma outra coisa para fazer no dia. Até que um dia, pouco tempo depois, ele me redescobriu no CIB, Clube Israelita Brasileiro, numa festa. Naquela época existiam bailes aos sábados e eu estava com uns amigos em uma mesa quando ele novamente me chamou para dançar e ficamos conversando por um tempo. Nesse dia, ele me disse que no casamento em

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que nos conhecemos, parecia que eu tinha saído de um editorial da Revista Vogue. Ele logo quis conhecer e se apresentar para minha família e assim fez um dia na minha casa. Em seguida, duas semanas depois, a irmã dele ficaria noiva e ele disse que gostaria que eu fosse ao noivado. Na hora eu disse que era loucura ir ao noivado de alguém que eu mal conhecia. Ele insistiu, dizendo que todos já estavam sabendo sobre nós e que fazia questão de me apresentar. A mesma amiga que estava no dia em que nos conhecemos chegou a comentar que eu era maluca de ir ao noivado! Mas, eu respondi que queria conhecer mais sobre ele, de onde ele vinha e sobre sua família. E, realmente, foi muito bom ter ido, porque ele vinha de uma família muito boa, de nível intelectual alto. E foi assim que começamos a namorar. Nesse meio tempo, o pai dele ficou doente e faleceu aos 57 anos. Ele então fez o tradicional luto judaico de um ano, então não podíamos ir ao cinema, ouvir música, ligar a televisão e nem frequentar festas, mas continuamos a namorar. Depois então ficamos noivos e casamos.

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O começo da vida de casado é sempre mais complicado, mas nos virávamos. Ele tinha a fábrica no edifício Delamare no centro da cidade e eu trabalhava ali perto também, na Candelária. Mas, antes de namorarmos, nunca tínhamos nos visto, apesar de trabalharmos a poucas quadras de distância. Outro fato curioso sobre nós, é que antes mesmo de nos conhecermos, um senhor que alugava um quarto na minha casa, Sr. Luigi, já havia previsto nosso encontro. Ele era turco e tinha o costume de ler borras de café. Um dia, ele resolveu ler o meu futuro e me afirmou que eu iria conhecer um rapaz que vinha do outro lado do mundo e que seria com ele que seguiria meu caminho. Lembro como ele falava que com certeza seria esse rapaz. Por muito tempo, seu avô pediu que eu guardasse o vestido que usei no casamento em que nos conhecemos, porque ele disse que foi quando me viu nele que se apaixonou. Ele sempre teve bom gosto para as coisas. A história desse vestido também é um pouco “por acaso”. Em Copacabana, havia uma senhora que vendia vestidos importados e eu acabei indo lá para conhecer as peças com uma amiga minha. Quando chegamos eu vi o vestido chumbo, que era muito diferente para a época, lindo, fino, feito a mão. A dona comentou que havia um do mesmo modelo

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só que preto e outro branco e só tinha sobrado esse. O vestido era caríssimo, mas mesmo assim me fizeram experimentar. E não deu outra, caiu que nem uma luva. Acabei comprando parcelado em muitas vezes porque realmente ficou incrível. Então, surgiu o convite para o casamento e eu fui vestindo ele. Na ocasião, várias pessoas perguntaram para minha mãe de onde era minha roupa porque realmente chamava a atenção. Depois de casados sempre moramos em Copacabana, foi uma vida de trabalho, sacrifício e de luta. Mas, sempre trabalhamos juntos, fazendo a nossa a parte e graças a D’us demos uma boa educação aos nossos filhos. Tudo que fosse relacionado a estudo eu sempre estive disposta a dar. A instrução é a maior riqueza que um ser humano carrega, está dentro de você. Se você tem instrução você tem capacidade de vencer, e foi isso que seu avô fez. Depois da tragédia da fábrica, ele podia ter se deixado abater, mas não, pegou a pasta e foi trabalhar como corretor de seguros.

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Os nossos filhos tiveram uma infância muito boa, sempre viajávamos para Teresópolis nas férias e eu os levava em programações culturais, porque sempre gostei de cultura e queria transmitir isso para eles. Ele foi um pai maravilhoso, carinhoso e atencioso. Um homem de respeito, muito trabalhador, vivia para família. Além disso, é um eterno apaixonado, como costumam dizer. Temos 56 anos de casamento e nesse período viajamos bastante, passeávamos e jantávamos com amigos sempre. Não posso reclamar que não tivemos uma vida boa. Ele também sempre foi um genro maravilhoso, foi para minha mãe um filho. Enquanto eu saia para jogar com as minhas amigas, ele ficava conversando com a minha mãe por horas. Até um tempo atrás, quando ele falava dela, os olhos ficavam marejados de lágrimas. E como filho foi maravilhoso, cuidando de tudo. Foi um homem especial, com “H” maiúsculo. Tem seus defeitos como todos nós, mas são tão pequenos em relação ao quanto ele deu de sua vida...”

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Eliezer, 54 anos, filho e médico. “O que eu lembro sobre o período que meu pai passou pela guerra, são as histórias que a minha avó contava quando éramos crianças. Do campo de concentração, de tudo que eles passaram, do que ela fazia para conseguir comida para eles... Toda a história horrorosa do Holocausto. Tem uma, em específico, que ela contava sobre meu pai ter contraído malária no campo de concentração. Na época dos campos ela ainda tinha conseguido guardar umas joias e pedras que valiam certo dinheiro, e ela então trocava esses artigos pelo quinino, que era o remédio para curar a doença. Era meio assustador ouvir essas coisas sendo apenas crianças, ficávamos meio impressionados com tudo que eles passaram e pela forma que ela nos contava. Ela contava um pouco dos anos que eles moraram na Itália depois de conseguirem fugir. E, também, de como eles entraram num navio sem saber muito bem para onde iriam e acabaram descobrindo que viriam para o Brasil. Em 1970, minha avó chegou a retornar à Belgrado, na Iugoslávia, e viu coisas que pertenciam a eles, mas o país vivia sobre regime comunista, então também não podia fazer nada para tentar recuperar as posses. Depois o país ainda entrou em guerra civil e se partiu em muitos fragmentos, então deve ter sido bem frustrante.

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Sobre a chegada ao Brasil, eles não sabiam falar a língua e encontraram alguns amigos que tentaram ajudar nessa primeira reestruturação no país. Eu me lembro de uma das fábricas, no Centro Comercial de Copacabana, íamos bastante ali. E também da Rua Frei Caneca, com muitas escadas que eu costumava subir. E por último, da maior, onde ele construiu o patrimônio dele e que infelizmente passou por tantas coisas ruins, os assaltos e invasões. Mas, sempre foi uma pessoa com astral bom. Nunca falou muito da guerra. Começamos a descobrir os documentos e os papéis que ele escreveu quando resolvemos fazer algumas limpezas na casa. Até por causa da doença dele, procurávamos entender porque ele mexia tanto nesses papéis. Acho que grande parte da escrita foi uma forma de tentar conseguir algum tipo de indenização pósguerra, afinal ele tem muitos amigos alemães e checos que conseguiram, mas ele de fato nunca conseguiu. Meus pais se conheceram em um casamento e começaram a namorar um tempo depois. Até alguns anos atrás, a pedido do meu pai, minha mãe guardava o vestido que usou nesse casamento. O que eu sempre presenciei é que ele foi e ainda é muito apaixonado por ela, morria de ciúmes, sempre foi muito carinhoso. Até hoje ele tem muito cuidado, é bem perceptível, e isso é muito legal de se ver.”

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Maria, 60 anos, funcionária da casa “Eu conheci sua avó por meio da sua tia, porque eu trabalhava com ela. Sua avó precisava de alguém e acabei vindo para cá. Hoje já são mais de dez anos nessa casa. O teu avô sempre contou da vida dele, da guerra, do que ele passou e como chegou aqui no Brasil. Passou por muita dificuldade, mas venceu. O que eu sei que sua avó me conta é como eles se conheceram. Ela me disse que uma pessoa falou para ela que tinha visto na borra de café que ela iria conhecer um rapaz de outro país, e isso realmente aconteceu. Eles casaram e estão há mais de 50 anos juntos. Pelo tempo que eu conheço, são um casal muito feliz. Sempre tiveram a vida agitada, mas ambos se preocupam muito um com o outro. É um casal que se ama de verdade, apesar de tudo.”

Marcelo Semo, 52 anos, filho e comerciante. “O que eu me lembro da minha infância é da minha avó, que era muito moderna apesar de tudo que ela passou. Ia muito à sua casa porque morávamos em ruas paralelas no Rio, inclusive, conseguíamos nos falar pelas janelas dos prédios. Ela era uma pessoa que renasceu muitas vezes. Depois de tudo que ela passou na guerra, chegar num país estranho sem falar a língua, sem conhecer nada e ninguém, não é fácil.

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Ela não era muito de falar sobre tudo isso, mas em uma das poucas vezes que eu insisti, aos 13 anos, ela compartilhou algumas coisas. Com essa idade eu não tinha compreensão suficiente sobre a guerra e sobre todos os acontecimentos que eles passaram, mas apesar de ser bem novo, lembro-me dela contando que na Iugoslávia eles tinham uma vida muito boa. Meu avô, que não cheguei a conhecer, tinha uma representação de uma empresa de pneus e ela trabalhava num banco alemão no país. Esse foi um dos fatores que fez com que eles demorassem mais a serem pegos pelos nazistas. Ela falava alemão fluente e tinha algum tipo de documentação em alemão. Com isso, todos eles conseguiram ultrapassar algumas barreiras e fronteiras, se passando por alemães para fugir. Quando começaram os bombardeios em Belgrado, ela contou que eles ainda conseguiram voltar algumas vezes para o apartamento que eles tinham para tentar recuperar mantimentos, dinheiro e ouro. Começaram então a empreender fugas com um grupo de judeus iugoslavos até serem pegos. Foi a partir daí que todas as histórias de fugas e perseguições se iniciaram, e é isso que estamos tentando destrinchar com as pesquisas. Do meu pai eu também tenho essa lembrança de que esse assunto não era muito falado. Na realidade acho que mais pela vontade dele de preservar a gente, por sermos muito novos. Mas, eu nessa época com

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14 anos, ficava imaginando tudo que ele passou com a minha idade, sendo que eu vivia na beira da praia, tendo do bom e do melhor, em outra realidade. Enquanto isso, ele teve que fazer trabalhos forçados, morar em campos de concentração e ainda cuidar da minha tia de apenas quatro anos. Meu pai me contou que quando chegou ao Brasil o primeiro trabalho dele, ainda aprendendo a língua, era vender canetas em um camelô. E dali para frente começou a trabalhar com meu avô numa charutaria, e assim que ele faleceu, meu pai começou a confecção e a fábrica. A fábrica permaneceu funcionando por muitos anos, que foi o sonho dele. E foi ela que proporcionou para a família as viagens e todas as lembranças incríveis de infância, as melhores escolas, a nunca

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faltar nada na minha casa. Ele tinha mais de 100 funcionários, e até recentemente ligam na casa dele para saber como ele está mesmo depois de tanto tempo. Ele é uma pessoa muito querida por todos. Depois que os assaltos e as invasões aconteceram, foi um grande baque em nossas vidas. Ele acabou desistindo de recomeçar com a confecção, mas nunca ficou parado em casa. Então, ele foi fazer corretagem de seguros. Tudo correu bem até os primeiros sinais da doença aparecerem e ele começar a cometer alguns erros no trabalho. Foi quando ele percebeu a própria falha da memória que ele decidiu ir parando de trabalhar. Mas, foi nessa mesma época que ele começou a botar no papel tudo que ele se lembrava da guerra. Em uma das arrumações na casa dos meus pais, meu irmão encontrou pranchetas com essas anotações, que eram versos de papéis de seguros. Ele escreveu tudo que a memória dele permitiu lembrar. De alguma forma, ele quis colocar isso num papel para que não fosse esquecido. Eu acredito que a vontade dele era de que isso fosse achado, seja pelos filhos ou pelas netas. A finalidade era preservar mesmo. Da relação dele com a minha mãe, é visível que ele sempre foi muito apaixonado por ela, fazia tudo para agradar. Esteve sempre presente. Mesmo atualmente, com a doença, apesar da memória não estar mais aqui, ele tem um olhar, um carinho imenso por ela.

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O carinho permanece. É o que restou dessa união toda de mais de 50 anos. Pode ter ido embora quase tudo, mas esse amor fica.”

Isabela Semo, 17 anos, neta e estudante. “Não tenho nenhuma lembrança do vovô falando sobre a guerra, mas uma das coisas que eu me lembro é de que ele sempre come muito rápido. Ele sempre era o primeiro a acabar todas as refeições que a gente fazia. Acho que isso é algo que marcou muito ele, uma das consequências da guerra, porque provavelmente durante essa época ele sofreu com a falta de comida. Uma vez também, quando eu estava na casa dele no Rio, entrei no seu escritório e cheguei a vê-lo escrevendo algumas coisas sobre o que ele se lembrava do Holocausto. Ele já estava doente, então não sei exatamente porque ele estava escrevendo, acho que era para lembrar mesmo.

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O momento mais emocionante com o meu avô foi logo depois que ele passou por uma cirurgia, e, assim que eu entrei no quarto do hospital ele começou a chorar e a me abraçar. Em 2014 eu fui para a Polônia e essa viagem fez com que eu voltasse totalmente diferente. Conheci os campos de concentração e vi tudo que as pessoas passaram, senti toda aquela energia negativa. Fomos para Auschwitz, Birkenau, entramos no gueto de Varsóvia e outros lugares que foram cenários da guerra, como câmeras de gás. Lá vimos as unhas das pessoas nas paredes e manchas no chão, realmente sentimos tudo que as vítimas sofreram. Em um dos dias, entramos em um dos vagões que transportava os prisioneiros judeus de suas cidades para os campos. Lá, colocavam mais de 100 pessoas em cada vagão. Nós entramos em apenas 33 e eu passei mal, então imagina durante a guerra. Se fosse para caracterizar meu avô, eu diria forte, guerreiro, fofo. Quando ele chegou ao Brasil ele não tinha nada e conseguiu construir tudo. Não é qualquer um que fugindo da guerra teve capacidade de recomeçar e se adaptar ao país. Depois de tudo isso que eu li, vi e ouvi, você dá mais valor a vida”

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Conclusão Escrever este livro não foi uma tarefa fácil. Eu gostaria de poder dizer que o meu maior obstáculo foi obter informações concretas, dados que comprovassem a permanência de meu avô em campos de concentração ou até mesmo entender os e-mails em italiano. Entretanto, o maior obstáculo foi aquele que ultrapassou as dificuldades com outros idiomas ou com a ordem cronológica dos acontecimentos. Ao me aprofundar nas memórias do meu avô e me imaginar no cenário que ele viveu, o grande desafio foi aceitar. Foi tornar o irracional, racional. Transformar os piores pesadelos humanos em realidade. Medir vidas através de ideologias. Fazer a contagem infindável de vítimas do horror nazista. Ler o que nunca deveria ter sido fonte de inspiração para poemas. Ouvir gritos de quem merecia sorrisos. Sobreviver depois do recomeço. Aceitar que tudo isso realmente aconteceu com o meu povo ainda não é uma missão simples e nunca vai ser. Este livro me proporcionou conhecer o inevitável. Fez-me enxergar uma realidade que, apesar de sempre presente, mantinha-se distante. Abriu meus olhos para continuar desvendando não só esta, mas muitas outras histórias que jamais devem ser esquecidas.

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Seis milhões de almas judias não tiveram a chance de continuar suas vidas, mas hoje, aqui e agora, somos treze milhões, representados nas mais diversas formas e com inúmeras tradições em Israel e no mundo. Setenta anos depois do fim do Holocausto, nós sobrevivemos.

Nós, sobrevivemos.

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Referências bibliográficas Livros GILBERT, Martin. O Holocausto. São Paulo: Hucitec, 2010. GRINBERG, Keila. Judeus Cariocas. Rio de Janeiro: Editora Cidade Viva, 2010. GRUNBAUM, Irene. Escape through the balkans. Nebraska: University of Nebraska Press, 1996. LENHARO, Alcir. Nazismo: O triunfo da vontade. São Paulo: Ática, 2006. PIZZUTI, Anna. Vite di Carta: storie di ebrei strainieri internati dal fascismo. Roma: Donzelli Editore, 2010.

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Sites ARQUIVO VIRTUAL SHOAH. Disponível em: <http:// www.arqshoah.com.br/noticias/page/1/>. Acesso em: 3 de Abril. 2015. CASA DELLA RESISTÊNCIA.

Disponível em:

<http://www.casadellaresistenza.it/memoria.cfm?sezione=547>. Acesso em: 1 de Maio. 2015. EXAME. Disponível em: <http://exame.abril.com. br/mundo/noticias/ha-menos-judeus-do-que-em1938-70-anos-apos-o-holocausto>. Acesso em: 30 de Março. 2015. MUSEU FERRAMONTI. Disponível em:<http:// www.museoferramonti.it/storia.php>. Acesso em: 1 de Maio. 2015. ECOSMEG – KAVAJA, Disponível em: <http://issuu. com/aipa-ishpc/docs/ecosmeg_print_version>. Acesso em: 2 de Março. 2015.

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Créditos Fotos ARCHIVIO LUCE. Disponível em: <http://www.archivioluce.com/archivio/>. Acesso em: 1 de Maio. 2015. CAMP FASCISTI. Disponível em: <http://campifascisti.it/>. Acesso em: 3 de Abril. 2015. IMPERIAL WAR MUSEU. Disponível em: <http:// www.iwm.org.uk/>. Acesso em: 10 de Maio. 2015. JEWISH VIRTUAL LIBRARY. Disponível em: <https://www.jewishvirtuallibrary.org/jsource/Holocaust/>. Acesso em: 30 de Março. 2015. TANJUG. Disponível em: <http://www.tanjug.rs/>. Acesso em: 7 de Maio. 2015. UNITED STATES HOLOCAUST MEMORIAL MUSEUM. Disponível em: <http://www.ushmm.org/wlc/ ptbr/article.php?ModuleId=10005653>. Acesso em: 8 de Maio. 2015. YAD VASHEM. Disponível em: <http://db.yadvashem.org/righteous/family.html?language=en&itemId=4016073>. Acesso em: 4 de Março. 2015

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Sobre a autora Escolheu o jornalismo porque queria que sua voz fosse ouvida. Descobriu ao longo deste livro que, gratificante mesmo, ĂŠ amplificar outras vozes atravĂŠs de seus textos. Paulista de 22 anos tem vontade de aumentar os carimbos de seu passaporte, construir uma famĂ­lia e permanecer escrevendo, sempre.

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Seis milhões de judeus foram mortos num dos maiores crimes contra a humanidade que já existiu, o Holocausto. Milhares de vidas foram afetadas, mas as memórias dos sobreviventes permanecem vivas. Neste livro, eu busco reconstruir as lembranças e a história de meu avô a partir de seus próprios textos, criando uma ligação com o presente e com a minha realidade, fazendo com que sua voz não seja esquecida.


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