O Outro Lado - Palavras Livres Como o Pensamento

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O Outro Lado Palavras Livres Como o Pensamento

AnĂ­bal C. Pires



O Outro Lado Palavras Livres Como o Pensamento

AnĂ­bal C. Pires


FICHA TÉCNICA Título - O Outro Lado - palavras livres como o pensamento Edição - © Letras LAVAdas edições, 2017 Poemas - Aníbal C. Pires Fotografia - Beatriz Amaral Depósito legal - 382484/14 ISBN - 978-989-735-070-2 É proibida a reprodução dos textos e imagens que compõem a presente edição. PUBLIÇOR Editores Rua Praia dos Santos, 10 - S. Roque | 9500-706 Ponta Delgada Tel.: 296 630 080 | Fax.: 296 360 089 E-mail: publicor@publicor.pt | www.publicor.pt Empresa com Sistema de Gestão da Qualidade Certificado ISO 9001:2008


À minha Mãe que me tensinou a ser livre num tempo de liberdades probidas Aníbal C. Pires



2008



Palavras Livres Como o Pensamento ∙ 9 ∙

Insularidades

Partir querendo ficar hegar para de novo partir Na ilha há um cais No ilhéu mora a saudade Do mar e do céu Fundidos no horizonte Para além da ilha Outras ilhas De saudade Do tranquilo verde, Do imenso azul, Do futuro no alvorecer renovado em cada madrugada Março de 2008


∙ 10 ∙ O Outro Lado

Araucárias "açorianas"


Palavras Livres Como o Pensamento ∙ 11 ∙

Vindas do Sul Repousam de longa jornada Em jardins, parques e praças No luxuriante remanso ilhéu Aprumadas Araucárias Salpicam a paisagem humanizada Das ínsulas encantadas De brumas, mistérios, vulcões, terramotos O imenso oceano Da viagem dos homens Da viagem das plantas Copas piramidais De um brilhante verde-escuro Assomam sobre o casario Quais góticos pináculos De antigas catedrais Derramam pinhas prenhes de Excelsas, Bidwillii, lmbricatas, Na terra fértil das ilhas Que as acolheu e, Qual nativa Em harmonia, tornou suas Ponta Delgada, 22 de Maio de 2008,


∙ 12 ∙ O Outro Lado

O tempo, a forma e oVerbo Estou, parto, chego, vivo, amo O tempo Estando, partindo, chegando, vivendo, amando O tempo de, Estar, partir, chegar, viver, amar O tempo em que, Estava, partia, passava, chegava, vivia, amava O tempo de, AMAR o Tempo Estive, cheguei, passei, parti, vivi, amei O tempo Da saudade, de ti Estarei, chegarei, passarei, partirei, viverei De novo O tempo, a forma e o verbo Amar, estar, chegar, passar, partir, viver Com o tempo. Ponta Delgada, 02 de Julho de 2008


Palavras Livres Como o Pensamento ∙ 13 ∙

O rio da vida O tempo da vida Acontece como um rio Apressado pela severidade das margens A momentos espraia-se É livre das ásperas cercaduras Logo retoma o seu apertado caminho Prossegue viagens ao encontro da vastidão oceânica Libertando-se, por fim, das castradoras margens Covilhã, 04 de Julho 2008


∙ 14 ∙ O Outro Lado

Grito sussurrado Incontido Rompi com o temor Sussurrei um grito. Liberto-me Deixo que as palavras respirem Agora existem Para além do pensamento E do alvo papel Errando nos trilhos da liberdade Lisboa, 6 de Julho de 2008


Palavras Livres Como o Pensamento ∙ 15 ∙

Fantasia de Verão À distância Acercava-se uma mulher Passeava feminilidade Formas generosas Adivinhavam-se Sob um manto diáfano De alvo linho Passou Espargindo a noite De sensualidade Segui-a com o olhar Outros olhares Sem distinção de género Acompanharam o meu Numa quimera De Verão Ponta Delgada, 05 de Agosto de 2008


∙ 16 ∙ O Outro Lado

Viagem pela utopia


Palavras Livres Como o Pensamento ∙ 17 ∙

Estou De passagem Logo abraço Nova viagens Por ti, por mim, pelas gentes Embarco no sonho Da utopia estimulante De um porvir Que quero e ouso diferente Para ti, para mim, para as gentes Um futuro sem promessas vãs Um porvir de dignidade Onde a fome e a pobreza, seja passado As crianças sorriam E a paz se perpetue Na tolerância à diferença Por ti, por mim, pelas gentes Quero, empreendo, um Mundo Melhor Sim, é possível S endo apenas, gente Mulheres, homens, crianças Por ti, por mim, pelas gentes Pelo futuro que cresce no ventre de mulher Sustentando a vida e o sonho Ponta Delgada, 18 de Agosto de 2008


∙ 18 ∙ O Outro Lado

Exultação Chegaste com Outubro A alegria jorrou nos olhos Que esperavam por ti, Margarida Estendi os braços Sobre o Atlântico Enleei-te Tomei-te no colo Margarida, minha neta Ponta Delgada, 01 de Outubro de 200


Palavras Livres Como o Pensamento ∙ 19 ∙

Nem sempre Nem sempre a distância é ausência Nem sempre a apatia é indiferença Nem sempre o desejo é gula Nem sempre a saudade é dor Nem sempre o anseio é tesão Nem sempre é, Sempre Lisboa, 30 de Novembro de 2008



2009


∙ 22 ∙ O Outro Lado

Elocuçoes da língua Bífida Da Sogra Do goto, de serpente e de vaca Boa e má, A língua Afiada Lambe Lambuza A papila prova Sem papas Em prova oral Enredada Aflora entre os dentes A ponta da língua Ah, Quero-a Assim Atrevida, deleitosa Dá, à língua sem parar Em perpétuo linguajar Ou, num linguado acabado de pescar Ponta Delgada. 17 de Março de 2009


Palavras Livres Como o Pensamento ∙ 23 ∙

TV, encantada Som, cor, imagem, movimento, Elementos, Combinados na dose certa E, ei-los Quietos Concentrados lnertes Consumindo Os sons coloridos A ação das representações Os corpos danone e sem pelo Em doses elevadas Os sucedâneos de informação E outras artes mágicas São prejudiciais Por uma questão de higiene Do corpo e da alma Consumir em pequenas e espaçadas porções Ponta Delgada, 03 de Maio de 2009


∙ 24 ∙ O Outro Lado

Turquia, a síntese possível Ásia Menor Um imenso território Subjugado por impérios Aqui ruíram Aqui germinaram Civilizações Rota de caravanas Vindas do oriente De onde vem o Sol Os gregos assim a batizaram Anatólia História e fronteira De culturas miscigenadas Planícies férteis Montanhas míticas Chaminés de fadas E o mar Aqui Mediterrâneo Mas de Marmara, também Egeu e Negro Negro como um véu de mulher De um povo nativo de muitos povos Uma cultura Moldada em seculares culturas. Ponta Delgada, 03 de Maio de 2009


Palavras Livres Como o Pensamento ∙ 25 ∙

Do passado e do presente O ramo que colhemos No rito pagão Do ciclo da vida Frutificou O amor Não pereceu É como a papoila A cada ano Vermelha de paixão Ponta Delgada, 21 de Maio de 2009


∙ 26 ∙ O Outro Lado


Palavras Livres Como o Pensamento ∙ 27 ∙

Ilha Maior Ilha de hectares Pedras negras e Vinhedos a sazonar nos currais Ilha de navegadores Genuínos De Cardeais da literatura e da fé De homens: agricultores, baleeiros e Construtores de letras imperecíveis Como a lava que os pariu Ilha de gestas historiadas No recato da Calheta de Nesquim Remanso inspirador Na toada do mar e da terra Melopeia que só os ilhéus alcançam Num foro ímpar da telúrica natureza Ilha do Cais da saudade, De partida e de chegada De um povo moldado No sonho de partir Querendo ficar No resguardo da Montanha Sensual e maternal Majestosa Presente em cada rincão da ilha Ao alcance de um olhar Ilha majestosa e presente Para os que ficaram Ilha majestosa e presente Nos que procuraram o sonho Para lá do horizonte Ilha de mistérios Ilha Maior Delgada 30 de Novembro de 2009


∙ 28 ∙ O Outro Lado

Quimera Da janela da minha meninice Ouço um ribeiro. O pequeno riacho. Corre por entre lajs e juncos Num manso canto De Iavadciras Meninas, mulheres A água dilui Os sonhos. Lava as mágoas Por entre lajes e juncos Perduram sombras, Lembranças De um tempo de fantasias Da minha janela Viajo no tempo da quimera Quero seguir O trilho do riacho Partir ao encontro De outros rios Outros mares E fui Lisboa. 29 de Dezembro de 2009


Palavras Livres Como o Pensamento ∙ 29 ∙



2010


∙ 32 ∙ O Outro Lado

Espero por ti Parece ilusão Este silêncio Esta mansidão Depois do caos telúrico A harmonia idílica dos elementos Que o Homem Em cuidada fusão Com o tempo Transformou Em paraísos Estou só Tardas em chegar Amor Espero por ti Neste Olimpo Vem Aqui há tempo E lugar para nós Lisboa. 3 de Janeiro de 2010


Palavras Livres Como o Pensamento ∙ 33 ∙

Medo Como tu Era jovem Quando olhei O teu corpo virginal A medo tateei-o O pavor do insondado Cedeu à voracidade Numa desmedida carícia Beijei-o com deleite Afaguei-o com gula O desejo dos verdes anos Exigia-o Entrei sem receio Acoitaste-me e, o auge acudiu intenso Estonteado Pelo prazer da descoberta Pelo aconchego do teu corpo Implorei um amor perene Ponta Delgada, 18 de Fevereiro de 2010


∙ 34 ∙ O Outro Lado

Cores do tempo Espreito o dia Chega a melancolia Em gradientes de cinzento O vento incessante O mar tempestuoso A chuva persistente A neblina espessa Resigno-me Sei Que o Sol Voltará a cobrir de azul O mar, o céu, a vida De verde a Primavera E de ardor o Verão Em rubras paixões Ponta Delgada,30 de Dezembro de 2009


Palavras Livres Como o Pensamento ∙ 35 ∙

Silêncios Que vento é esse Sopra do mar ou da terra Brisa suave afagando o rosto Tempestuosa borrasca fustigando o corpo Rogas pelo abrigo do meu abraço Pelo conforto do meu peito Que vento é esse que te sufoca Que vento é esse que te emudece Vem aos meus braços, Acoita-te no calor do meu corpo Guardo o silêncio que de ti transborda Bebo as tuas lágrimas Descansa em mim Ponta Delgada, 17 de Agosto de 2010


∙ 36 ∙ O Outro Lado

Pedaços de mim Disse o poeta: ‘Tudo vale a pena quando a alma não é pequena”. Gosto, deste e doutros pensamentos, Como poderia não gostar da ideia que Pessoa tão bem condensou e me assenta como uma luva, na alma. Gosto, não porque tudo valha a pena mas porque a minha alma é grande O ego dos idealistas é desmedido, Eu sou um idealista Ou era, Já não sonho como sonhava Já não gosto como gostava Enfim: A minha alma não é assim tão sublime como julgara e talvez. nem tudo valha a pena. O meu ser definhou Faltam pedaços que o tempo de mim apartou Pedaços que os lugares e a existência transmutaram Estranhos pedaços de mim Ponta Delgada, 31 de Agosto de 2010


Palavras Livres Como o Pensamento ∙ 37 ∙



2011


∙ 40 ∙ O Outro Lado

Olhares Mergulho no teu olhar Na demanda d’um atalho Um sinal verde-esmeralda No teu olhar azul de mel e terra prometida Mundo-me nos teus olhos negros Naufrago no teu seio Perdido Sem Norte, rumo a Sul Ao paraíso Terra prometida num olhar azul de mel Dos teus olhos negros a cintilar esmeraldas De esperança Ponta Delgada, 01 de Fevereiro de 2011


Palavras Livres Como o Pensamento ∙ 41 ∙


∙ 42 ∙ O Outro Lado


Palavras Livres Como o Pensamento ∙ 43 ∙

Partir querendo ficar Olhar o fado, nos caminhos do mar Caminhos de esperança Destino de partida anucniada Para lá do mar A ilha, outras ilhas Para lá do oceano Alén, na terra longe O sonho da fortuna Em pátrias de abastança e desperdício Cumprindo o fado É tempo de partir Pelos caminhos do mar Na terra mãe É, “hora di bai” É “hora di dor” Dor da partida Consolo da mágoa Na docura já sonhada Do regresso ao seio “di nha cretcheu, di nos terra”

Ponta Delgada, 13 de Fevereiro de 2011



2012


∙ 46 ∙ O Outro Lado

Herança Legado Dos genes, do ninho, da partilha, da viagem comum, A existência é jornada e desassossego, É escolha, É amor e frutos do bem-querer A imortalizar memórias A renovar a vida A perpetuar o legado Forjado nas raízes Cultivado com as letras do saber e da liberdade Com o suor do trabalho Também, com lágrimas Ora de exultação, ora de mágoa Esta é a tua herança Miscigenada por lugares e culturas, Pelas ruas, praças e avenidas do Mundo Vai à descoberta Nos trilhos da liberdade vais encontrar O teu caminho. Ponde Delgada. 18 de Junho de 2012


Palavras Livres Como o Pensamento ∙ 47 ∙


∙ 48 ∙ O Outro Lado

Exorcismo Desiludido Comigo, nunca contigo Errei Sim Errei, confiando Num sorriso Num olhar Numa palavra Na partilha do momento Que queria nosso Mas era teu, só teu, o dia Como é tua, a vida, só tua Como são teus, só teus, os momentos Num breve instante cuidei de mim. Do meu deleite Egoísmo, talvez A tua gratidão, jamais O teu Amor. Sim Ponta Delgada, 15 de Novembro de 2012


Palavras Livres Como o Pensamento ∙ 49 ∙

Poente Cores amenas do crepúsculo Aprontam a noite O quieto marulhar Atlântico Auspicia um outro dia de Verão Nas ínsulas encantadas Ponta Delgada, 05 de Dezembro de 2012



2013


∙ 52 ∙ O Outro Lado


Palavras Livres Como o Pensamento ∙ 53 ∙

E a menina será mulher Ao longe vejo Uma mulher a caminho do mar Está só Reparo na silhueta do seu corpo E uma jovem mulher Chega-se ao oceano Aquieta-se Ali, onde o mar desposa a areia negra da praia Descalça-se Sente a carícia das águas Veste um vestido branco, Que a luz do crepúsculo não transpõe Corpete negro, cabelo cuidado O mar chama-a, ela vai Vai de novo ao encontro do mar, penetra-o O Atlântico rende-se Ao bailado singelo. virginal Daquela mulher ainda menina E acolhe-a com ternura Ela entrega-se às amenas ondas Sem pressas caminha Chapinhando Na margem da ilha Na margem do mar o tempo espera por ela E a menina será mulher Ponta Delgada, 18 de Maio de 2013


∙ 54 ∙ O Outro Lado

Cidade com portas e mar


Palavras Livres Como o Pensamento ∙ 55 ∙

Neste sábado, talvez por ser sábado e com a cidade envolta num manto de nevoeiro, sentia-se, respirava-se, tranquilidade. Até as gentes caminhavam mais devagar, sem pressas, até os jovens conversavam em surdina, com gestos de ternura. Talvez por ser sábado, talvez para não despertarem o mito prometido para uma manhã de nevoeiro. Mas já não era alvorecer e mitos são mitos, não se deixam perturbar e muito menos influenciar. Porquê esta quietude húmida, quente... porquê esta dolência. Não sei. mas quero-a. Quero esta serenidade envolta nas místicas brumas que chegam do Sul. E fico ali, vivendo o tempo, fico ali a contemplar o dia na cidade que tem portas e mal. E a noite abate-se sobre a cidade que hoje se vestiu de cinzento e tudo ficou ainda mais tranquilo. A quietude da cidade é, por vezes, suspensa pela luz dos candeeiros que ladeiam as praças e avenidas numa vã tentativa de abrir brechas na densa bruma e, pelos faróis dos raros carros que teimam em embaraçar a tranquilidade deste sábado. Aqui. nesta cidade vestida de cinzento para receber a escura e longa noite. Ponta Delgada, 26 de Outubro de 2013





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