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2.2 – A Liberdade e a Segunda Guerra Mundial
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Escravidão Independência Segunda Guerra
Figura 1: Referências sobre a palavra liberdade no ciclo 1.
2.2 – A LIBERDADE E A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL
Nesse período de 1943 a 1964, encontramos dois sambas-enredos que inscreveram a liberdade relacionada, especificamente, ao contexto da Segunda Guerra Mundial. Essas duas composições foram elaboradas pela Escola de Samba Portela, em 1943 e 194610 .
No Anexo 1 deste trabalho, expusemos integralmente dois sambas-enredos da Portela para 1943, considerando que houve dois desfiles naquele ano – um no dia 24 de janeiro e o outro em 17 de março. A Portela, a campeã nos dois desfiles, expôs nas duas escritas a mesma linha temática, respectivamente intituladas “Brasil, Terra da Liberdade” e “Carnaval de Guerra”. Assim, computamos, estatisticamente, uma composição apenas. Sérgio Cabral, discutindo acerca do contexto de 43, afirmou que Darci Vargas, a primeira dama do Brasil, convocou as Escolas de Samba para se apresentarem no campo do Clube Recreativo Vasco da Gama, em benefício da Cantina do Soldado Combatente.
10 Alberto Mussa e Luiz Antônio Simas em Samba de enredo: história e arte, afirmam que “Os carnavais de 1943, 1944 e 1945 foram temáticos, versaram sobre a participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial e foram organizados pela Liga da Defesa Nacional e pela União Nacional dos Estudantes. A ideia das escolas de samba como instrumentos de educação das camadas populares se reforçava cada vez mais. Em 1964 tivemos o Carnaval da Vitória, em comemoração ao triunfo aliado contra os nazistas”. (MUSSA e SIMAS, 2010, p. 52)
Treze agremiações decidiram participar daquele evento. (CABRAL, 2011, p.150) A Portela com o samba-enredo Brasil, Terra da Liberdade, exposto em janeiro, evidenciou a conjuntura da época posicionando-se duplamente – o protesto contra a Ditadura do Estado Novo, ao empregar a palavra democracia e a defesa da participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial. Um samba patriótico, em favor da liberdade e a convicção de que os Aliados, aos quais o Brasil se integrara, abateriam o Eixo. Verifiquemos, no excerto da referida canção, a sua primeira estrofe:
Democracia Palavra que nos traz felicidade Pois lutaremos Para honrar nossa liberdade. (Anexo 1)
Reflitamos que esses versos iniciais propõem uma proposta direta e objetiva, em torno das palavras democracia, felicidade e liberdade. A primeira é a que possibilita a segunda e a terceira é a consequência de uma ação coletiva, a luta e a honra. Então, a democracia está para a felicidade e a liberdade é um objetivo nobre pelo qual se deve empenhar. Na segunda estrofe da composição, o país é evocado formando parte de várias nações, que estão unidas, e o eu lírico se prontifica a ir ao front, de coração. Será? O samba-enredo é finalizado com um sentimento de vitória, posto que o Eixo, o inimigo a ser vencido, iria “se amolecer” diante da união dos Aliados. No samba-enredo Carnaval de Guerra, exibido em março, a postura do autor permanece a mesma, em defesa da participação do país na Segunda Guerra Mundial. Ali expressa suasolidariedade ao irmão, representado pelos soldados combatentes,que lutava em favor de nossa pátria.
Brasil, terra da liberdade Brasil, não usou de falsidade Meu irmão foi para a guerra Defender essa grande terra (Anexo 1)
Nesse samba-enredo, o escritor também se manifesta à disposição do Estado inclusive disposto a ir “pra linha de frente travar um duelo/ Em defesa do pendão verde e amarelo”. Verdade? A palavra liberdade emerge como pertencente à nossa terra. O que nos sugere a inscrição de outras liberdades além da desejada frente ao conflito mundial. Por outro lado, analisando o contexto do Estado Novo e da Segunda Guerra, Monique Augras afirma que, naquele 1943, a censura atuou claramente com a portaria do chefe de polícia, publicada em 2 de março:
XI – São proibidas as canções cujas letras ofendam à moral e ao decoro e as que se refiram ao Governo e à sua orientação político-administrativa; XII – Não serão permitidas, nem toleradas em passeatas ou quaisquer agrupamentos carnavalescos, críticas ou alegorias ofensivas à orientação seguida pelo Governo em face da situação internacional. (Jornal do Brasil, 2-3-1943. In AUGRAS, 1998, p. 56)
Cabem muitos questionamentos sobre o que seria ofender a moral e o decoro na Cláusula XI se considerarmos o papel de inversão, de crítica e de entretenimento que os sambas poderiam proporcionar. Impressionante a preocupação governamental em garantir o controle sobre a opinião a respeito dos atos do Governo e da condução da sua política-administrativa. O que eles temiam? A ideia fixa em controlar o povo foi reafirmada na cláusula seguinte, a XII, a qual nos permite compreender a força das passeatas e dos agrupamentos carnavalescos, bem como dos efeitos que as alegorias teriam diante das posições políticas. Então, há de se ressaltar que a vontade manifesta pelo chefe de polícia era controlar as massas populares, a partir das letras, especialmente as que ofenderiam a moral, o decoro, o governo e as suas ações. Ora, se há um decreto específico para tratar desse assunto – como devem ser escritas as canções carnavalescas e a advertência a críticas ou alegorias atribuídas ao governo – é evidente que o poder exercido pela linguagem dos sambas-enredos, das alegorias e das críticas em passeatas e agrupamentos, teria efeito sobre o outro poder, o institucionalizado,que se confessava incomodado,precisando proteger-se em umdecreto. A preocupação das autoridades era mais com a escrita e provavelmente menos com o corpo exposto na avenida, na performance da dança. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, em maio de 1945, a União Geral das Escolas de Samba decidiu, junto com os seus representados, que em 1946 homenagearia a vitória dos aliados. Portanto, destacamos aqui o samba-enredo da Portela, no qual se inscreveu a palavra liberdade, mais uma vez.
O carnaval da vitória É o que a Portela revela Liberdade, progresso, justiça Que realiza o valor de um povo herói (Anexo 2)
Esteticamente, observemos, no Anexo 2, que a escrita do samba-enredo permanece objetiva e de curta duração. Ideologicamente, no presente texto, é fácil comprovar a ausência de modéstia do narrador – o carnaval da vitória é aquele que a escola de samba Portela representa, e não outro. A palavra liberdade é a primeira a ser
evidenciadapela escola, personagem no enredo, sendo seguida das outras duas, progresso e justiça, certamente, manifestando, por parte do compositor, a preocupação com o desenvolvimento do país e com a igualdade necessária e urgente. O povo é apresentado como heroico, à moda das epopeias, e o narrador sabe da importância da memória da Guerra, nos versos “Jamais poderei esquecer/essa data sagrada”,da qual o mundo também não esquecerá – a data da liberdade naquele contexto. Observemos que, mais uma vez, ao se referir ao Carnaval, o autor textual assume um discurso metalinguístico, pois aquele evento é “cheio de encantos mil”, convocando a todos os brasileiros a cantarem, em celebração.
Carnaval de rua do Rio de Janeiro nos anos 60 (FOTO: Evandro Teixeira). FONTE: http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/feira-livre/uma-viagem-por-antigos-carnavais/