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2.4.5 – Chico Rei

permite a aproximação do receptor (o leitor / folião) com a entidade, o ser narrado e reconfigurado. Se o samba é encerrado com “o seu ideal de liberdade”, o compositor escreve que “o lamento de outrora”, cantado por ele naquele momento, “jamais se esqueceu”, reconhecendo, assim, o valor dasolidariedade e da memória.Dessa forma, ao se recuperar as lembranças do passado, no discurso do samba-enredo, Monique Augras observa que:

Na maioria dos casos, trata-se de opor o hoje ao antigamente, valorizando a situação atual. Mas isso só pode ocorrer na medida em que se tem uma visão crítica do passado, quando os aspectos negativos não estão sendo desapercebidos (...) quando a visão do compositor opõe-se à idealização costumeira. (AUGRAS, 1998, p. 119)

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2.4.5 – CHICO REI

Naquele mesmo ano de 1964, a escola de Samba Salgueiro apresentou um dos maiores textos do gênero, não somente pela dimensão estética, formal, mas pelo intenso conteúdo histórico e poético, era o samba-enredo dedicado a Chico Rei. A história daquele líder negro, Galanga em terras de África, é recontada com base em estudos da tradição oral e da nova história, considerando, evidentemente, a cultura popular de Ouro Preto. Assim, o introito da canção parte do litoral africano, lugar em que Chico Rei vivia com a sua “tribo ordeira”. Ele, rei, não simbolizava o sol do absolutismo, mas a terra, uma terra “laboriosa e hospitaleira”. Os portugueses colonizadores – muitas vezes romantizados nos enredos – aqui são representados em um contexto de críticas contundentes, tratados como invasores e capturadores de homens africanos “Para fazê-los escravos no Brasil”. A viagem é narrada, ainda que brevemente, à moda do famoso poema O Navio Negreiro, de Castro Alves, e toda a memória, inscrita nele, fica centrada na árvore símbolo da vida, o Baobá. Na segunda estrofe do poema, Minas Gerais é descrita como o lugar da recepção ao líder africano, antecipando os feitos daquele homem. A palavra liberdade é verbalizada nos seguintes versos: “Sob o sol da liberdade trabalhou”. Em Chico Rei, “Jurou à sua gente que um dia os libertaria”, naturalmente, a palavra gente, no singular, foi desdobrada para o masculino e plural, contrariando, evidentemente, a linguagem culta, para enfatizar, de forma distinta, a coletividade. Nessa elaboração, é oportuno ressaltar que Muniz Sodré aponta para uma transitividade discursiva na letra de samba, na canção popular de uma

maneira geral, “que pode deixar transparecer aspectos verdadeiros do português falado do Brasil, geralmente reprimidos pelo texto escrito oficializado nas instituições dominantes”. (SODRÉ, 1998, p. 46)

Foto: ARQUIVO/AGÊNCIA ESTADO Desfile da escola de samba Acadêmicos do Salgueiro, na Avenida Presidente Vargas. Rio de Janeiro, 15 de fevereiro de 1964. Fonte: http://especiais.ig.com.br/zoom/carnavais-de-antigamente/

O samba-enredo em análise também se apropriou das histórias orais ao descrever que a liberdade, conquistada por Chico Rei, ocorreu pela dissimulação, quando este escondeu o ouro entre os cabelos, comprou a própria liberdade e se empenhou na aquisição de outras alforrias para os seus companheiros, além de se converter ao catolicismo e construir a igreja de Santa Efigênia do Alto da Cruz, em Ouro Preto.

Sob o sol da liberdade trabalhou E um pouco de terra ele comprou Descobrindo ouro enriqueceu Escolheu o nome de Francisco E ao catolicismo se converteu No ponto mais alto da cidade, Chico Rei com seu espírito de luz Mandou construir uma igreja E a denominou Santa Efigênia do Alto da Cruz (Anexo 10)

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