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2.5 – Considerações Sobre Este Capítulo CAPÍTULO 3 – A PALAVRA LIBERDADE AO LONGO DA DITADURA

A liberdade, aqui inscrita, tratava de todo um processo que resgatou a história de Chico Rei principalmente na superação de sua condição de escravizado, ao se apropriar do metal, objeto da exploração. Em Reis negros no Brasil escravista, Marina de Mello e Souza adverte que “a lenda de Chico Rei pode ter sido inspirada em um episódio verdadeiro, no qual algum líder africano libertou sua comunidade da escravidão e instaurou um reinado”. (SOUZA, 2006, p. 314) Nessa perspectiva, podemos pensar que Muniz Sodré discorre sobre “a capacidade da canção negra de celebrar os sentimentos vividos, as convicções, as emoções, os sofrimentos reais de amplos setores do povo sem qualquer distanciamento intelectualista”. (SODRÉ, 1998, p. 45-46) Não há como negar que os escritores dos sambas-enredos estavam engajados nessa perspectiva, conscientes do alcance e do poder da linguagem em tempos de festa. Finalizando este capítulo, apresentamos a tabela sobre o ano, a escola, o título do samba-enredo e as referências acerca do emprego da palavra liberdade.

Tabela 2: 1943 a 1964

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Ano Escola de Samba Samba-Enredo Referências Sobre a Liberdade

1943 Portela 1946 Portela Brasil Terra da Liberdade Segunda Guerra Alvorada do Novo Mundo Segunda Guerra 1948 Portela Exaltação à Redentora Escravidão (Princesa Isabel) 1949 Império Serrano Exaltação a Tiradentes Independência (Tiradentes) 1957 Salgueiro Navio Negreiro Escravidão (Castro Alves) 1958 Portela Vultos e Efemérides do Brasil Independência (José Bonifácio) Tupy de Brás de Pina Inconfidência Mineira Independência (Inconfidência) 1960 Salgueiro Quilombo de Palmares Escravidão (Palmares) 1964 Mangueira História de um Preto Velho Escravidão (Preto Velho) Salgueiro Chico Rei Escravidão (Chico Rei)

2.5 – CONSIDERAÇÕES SOBRE ESTE CAPÍTULO

Neste capítulo, em que propusemos analisar a inscrição da palavra liberdade no período de 1943 a 1964, observamos que os sambas-enredos coletados expuseram o tema da Segunda Guerra Mundial, da Independência do Brasil e da Escravidão. É necessário, mais uma vez, afirmar que esses temas são relacionados ao emprego da palavra objeto de

nosso estudo. Percebemos, assim, o pioneirismo destacado da Escola de Samba Portela com os sambas Brasil, terra da liberdade, 1943, e Alvorada do Novo Mundo, 1946. Ao se tratar do conflito mundial, os autores não se declinaram em apontar um sentimento patriótico, de defesa do nosso país e, simultaneamente, aspirarem à Democracia, internamente, no primeiro texto e à liberdade, progresso e justiça, no segundo. No agrupamento a que denominamos “Independência”, analisamos os sambasenredos Exaltação a Tiradentes, da Império Serrano, 1949; Vultos e efemérides do Brasil, da Portela e Inconfidência Mineira, da Tupy de Brás de Pina, ambos no ano de 1958. O traço comum nesses três sambas-enredos é o martírio de Tiradentes pela causa da Independência do Brasil de Portugal. No samba da Império Serrano, o herói inconfidente “Foi sacrificado pela nossa liberdade” uma liberdade que supostamente não existia naquela época da escrita. Uma liberdade desejada, porque ainda não conquistada, em virtude do próprio contexto histórico do país, possivelmente, da própria condição do sujeito que escrevia, que cantava, que desfilava. O samba da Portela de 1958 voltou-se para a data da descoberta do Brasil, segundo a história oficial, em que “Portugal revelou o Brasil para o mundo”; a Inconfidência Mineira e a participação de José Bonifácio no processo da Independência, a Princesa Isabel metaforizada em “o anjo da abolição”, o que pode soar irônico, pelo excesso, e as personalidades de Deodoro, Rui Barbosa e Quintino Bocaiúva, “os baluartes” da Proclamação da República. Assim, ao escrever sobre datas memoráveis e oficiais do nosso passado histórico, os compositores, ainda que de maneira muito discreta, em virtude do contexto desfavorável para outras investidas, não deixam de sugerir os episódios do presente, da condição política do país e deles próprios. A “Escravidão”, o maior agrupamento aqui apresentado, foi tema da Portela em 1948; da Mangueira, em 1964; e da Salgueiro; em 1957, 1960 e 1964. Inegável, o destaque da Salgueiro com os sambas-enredos Navio Negreiro, Quilombo de Palmares e Chico Rei.

A Portela exaltando a Princesa Isabel evidenciou, hiperbolicamente, a realidade do negro brasileiro. A inserção da coletividade no discurso “Foi a Princesa Isabel/ Que nos deu a liberdade” nos autoriza reconhecer o ato da regente e, simultaneamente, a proximidade de quem narra, de quem escreve, com os seus interlocutores, expressando sua identidade étnica, seu pertencimento. A Mangueira, contando a História de um Preto Velho, a partir de uma entidade espiritual, inseriu um relato coletivo que emergiu da África, chegou à velha Bahia e se

estabeleceu no Rio de Janeiro. Trajetória traçada por muitos escravizados. O lamento de outrora foi a alegria de agora, na avenida, porque aquele tempo de celebração utópica era permitido, oficialmente, no Carnaval. Da escola de Samba Salgueiro pudemos verificar o tom épico dos seus três escritos. O Navio Negreiro, de 1957, dialogou com o texto de Castro Alves e criticou, metaforicamente, a nossa realidade ao afirmar que “acabou-se o navio negreiro/ não há mais cativeiro”. O Quilombo de Palmares foi uma narrativa extraordinária e surpreendente ao propor um dialogismo textual com a Ilíada e a Odisseia, no que se refere à Troia. Em vez de narrar o assassinato do herói palmarino, o autor preferiu a versão do suicídio precipitando-o de “lá do alto da Serra do Gigante”. Chico Rei, de 1964, no último carnaval que antecedeu a Ditadura Militar, foi um dos sambas-enredos que criticaram a colonização portuguesa na indústria da escravidão. Chico Rei é um herói bem sucedido, que conseguiu contornar as agruras do cativeiro, de diversas formas, inclusive ao se converter ao catolicismo. A Salgueiro, sem imaginar que o Brasil seria submetido a um período de exceção, que vigoraria por mais vinte anos, naquele fevereiro de 1964, levava à avenida o tema de um líder africano que usou de vários recursos para superar a sua condição de escravizado. A partir daquele momento, os sambistas, carnavalescos, compositores, artistas, de forma geral, teriam de se empenhar, mais do que nunca, na subversão da escrita, da linguagem. Não podemos encerrar esta seção sem considerar um dos aspectos que sublinhamos nesse ciclo (1943 a 1964) e que se repetirá nos próximos – é a liberdade se referindo ao sol. Um sol que teve as suas origens nos versos do Hino da Independência do Brasil “Já raiou a liberdade/ Já raiou a liberdade no horizonte do Brasil”, escrito por Evaristo Ferreira da Veiga, em 1822, ou naqueles versos do nosso Hino Nacional Brasileiro “E o sol da liberdade em raios fúlgidos/ Brilhou no céu da pátria nesse instante”, de Joaquim Osório Duque Estrada, elaborado em 1831, esses últimos tão claros no samba Chico Rei que “sob o sol da liberdade trabalhou”, da Salgueiro, em 1964.

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