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4.3 – A Liberdade e a Independência
autores, procedimentos que muito nos rememoram o Ó Abre alas, de Chiquinha Gonzaga, ao tornar glorioso o Cordão Rosa de Ouros.
4.3 – A LIBERDADE E A INDEPENDÊNCIA
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Nesse período, denominado democrático, foram coletados oito sambas-enredos que trataram da Independência do Brasil relacionada à liberdade. Em Amor, sublime amor, da Unidos do Viradouro, 1993, (Anexo 76), encontramos, mais uma vez, a referência a Tiradentes e ao lema da Inconfidência Mineira, nos seguintes versos “No sonho do herói inconfidente/ Mesmo que tarde a liberdade”. Essa música que reverencia o amor no sertão e em Palmares também aponta esse nobre sentimento no Guarani, em Orfeu, na Colombina, no Pierrot, em Chica da Silva – grafada com “x” – “Negra Xica, eu te amo!” e, de forma sugestiva, em Aleijadinho, “Na arte o amor no gênio mulato”. O autor, na estrofe que encerra o samba-enredo sobre o amor, evoca a proteção espiritual “Clareia mãe Oxum, clareia minha fé!”. A acadêmicos do Cubango, com o samba-enredo Dos Brasões do reino de Portugal ao esplendor da bandeira nacional, 1996, de forma implícita, reverencia a nobreza portuguesa como impulsionadora da Independência do Brasil “Foi riscada nesse chão/ A liberdade sonhada/ Anseios do povo/ Oh, Pátria amada”. (Anexo 86) Nessa mesma direção, o samba-enredo Dos filhos deste solo sou mãe gentil, muito prazer, Pátria Brasil, da Acadêmicos do Dendê, uma das canções carnavalescas que celebraram os 500 anos do “descobrimento” de nosso país, naquele ano de 2000, sugere, pela linearidade do texto, que o nosso processo de Independência de Portugal estava predestinado e confirmado na figura do Imperador “Luta pela liberdade/ Já tens maioridade, grita o imperador/ Fico Brasil”. (Anexo 107) Em 2002, a Unidos da Ponte, com o samba-enredo De Minas para o Brasil –Tancredo Neves, o mártir da nova República, mesclou a história daquele político com a da Inconfidência Mineira. Após destacar Tancredo como “A voz das diretas/ Com as indiretas nas mãos” e que ele “O presidente escolhido/ Que nunca foi – poderia ter sido”, o samba é encerrado com o lema dos conjurados “Liberdade, ainda que tardia/ Leva nosso herói/ Para transformá-lo em estrela guia”. (Anexo 127) O grito do Ipiranga também foi reconfigurado no verso “Num grito forte anunciei a liberdade do Brasil”, do samba-enredo Sou Tigre, sou Porto da Pedra, da pedra à
Internet? Mensageiro da história da vida do leva e traz, apresentado em 2004 pela referida escola. Nessa escrita, o autor reafirma-se por várias vezes, “Eu sou o Tigre...”, “Eu fui a voz das antigas civilizações”, “Fui escrita em argila...”, “Sou popular, onde quer que eu vá”, “Sou mensageiro, tô no mundo digital/ Alegria! Estou na rede, vou para o espaço sideral”. (Anexo 146) Aqui, percebe-se que o sujeito que canta ocupa vários lugares, inclusive o do imperador, afinal é ele quem anuncia a “liberdade do Brasil” e tem a voz dos antigos e dos modernos para “ir ao espaço sideral”, evadindo-se, consciente, na festa do povo. Em 2006, a União da Ilha do Governador, com o samba-enredo As Minas Del Rei São João, homenageou a cidade de São João Del Rei e a Inconfidência Mineira: “Pisei no chão da liberdade/ Berço da Inconfidência... do meu país”. O autor também trouxe à tona o contexto do Século XVIII, o Século da Luzes, a exemplo, a revolta sobre os impostos “O quinto é dos infernos”, a beleza do barroco, a religiosidade cristã e o folclore “Seu padre, se a moça é solteira dá azar/ Vai virar mula sem cabeça, eu quero ver”. Afinal, “Dessa gente divinal/ Por São João Del Rei eu me apaixonei/ E dei as cores ao meu carnaval. (Anexo 171) Ao reverenciar os 200 anos do Paço de São Cristóvão do Rio de Janeiro, a Escola de Samba Arrastão de Cascadura, em 2008, também atribuiu à realeza a emancipação de Portugal “Um grito ecoou, Independência à nação/ Liberdade é um direito em forma de oração” e lamenta que “Mas com o fim da Monarquia/ O improvável aconteceu/ E o Paço quem diria se transformou em museu”. No entanto, o acervo do museu35 é elogiado pelas arqueologias africanas, romanas, incas e pelos diversos exemplares da flora e da fauna. Destaque para uma biblioteca de grande extensão, com o livro sagrado dos judeus e uma múmia que “não vai te pegar”. (Anexo 189) O samba-enredo de 2008, da Império da Tijuca também homenageou os 200 anos da família real no Brasil, sem citar, evidentemente, os feitos de Napoleão Bonaparte. 200 anos da corte real nos jardins da família imperial iniciou-se com uma paráfrase ao poeta
35 Essa passagem desse samba enredo faz-nos refletir sobre o significado do museu apresentado por Diana Taylor, em O Arquivo e o Repertório: “Desde seu início no século XIX, os museus têm tornado literal a teatralidade do colonialismo. Um pouco como um roteiro, um museu parece ser tanto um lugar quanto uma prática. Embora etimologicamente seja um lugar ou templo dedicado às musas e funcione como um arquivo, devido ao fato de que também significa uma sala de leitura ou biblioteca, o museu também sinaliza uma prática cultural que converte um lugar em um espaço. Os museus têm, há muito tempo, tomado o Outro cultural fora de contexto, isolando-o e reduzindo o que é vivo a um objeto morto, por trás de um vidro. (...) Os museus preservam uma história (particular), (certas) tradições e os valores (dominantes). Eles encenam o encontro com a alteridade. A monumentalidade da maioria dos museus enfatiza a discrepância, em relação ao poder, entre a sociedade que pode conter todas as outras e aquelas representadas apenas pelos restos, os cacos e fragmentos salvos em exibições em miniatura”. (TAYLOR, 2013, p. 106-107)
Fernando Pessoa36 “Veio de longe a família real/ As águas do mar da saudade/ São lágrimas de Portugal” e relatou o encantamento do povo ao receber Dom João, com um sol que [...]
Revela todas as cores No despertar da natureza Cresce a raiz da liberdade Com esplendor da primavera. (Anexo 190)
E assim encerrou a canção celebrando um legado deixado pela corte que seria “coroado no meu carnaval”. Eram os sambistas, novamente, posicionando-se na condição de nobres. Em Brasil, uma biografia, encontramos registro sobre aquele tempo carnavalizado pela Império da Tijuca. Segundo as autoras, Sidney Smith, famoso comandante da frota britânica, conduziu o príncipe D. João e toda a família real para o Brasil. Vários foram os parentes de ministros, nobres, conselheiros de Estado, oficiais, servidores e os amigos mais próximos que tentaram embarcar. “A imagem era dantesca, com famílias divididas, naves superlotadas e muita desorganização. Na manhã do domingo 29 de novembro levantaram âncoras. No mesmo dia, os soldados de Napoleão entravam em Lisboa.” (SCHWARCZ e STARLING, 2015, p. 162) Uma característica que merece destaque nesse agrupamento sobre o tema da Independência é a retomada da tradição frente aos anseios do futuro, a exemplo, o sambaenredo Amor, sublime amor, da Viradouro, 1993, aponta para uma expectativa vindoura “Meu sonho eu vou realizar/ Esse futuro o que será?” e volta-se para o passado do nosso país, resgatando os encantos do amor de variadas formas: no índio, no negro – Chica da Silva e Palmares – em Tiradentes, em Aleijadinho, na obra literária O Guarani e no Orfeu do Carnaval, além de agregar esse sentimento ao Pierrot e à Colombina, elementos do carnaval, evocando a proteção religiosa “Clareia mãe Oxum”. (Anexo 76) A Acadêmicos do Cubango, com Dos Brasões do Reino de Portugal, ao esplendor da bandeira nacional, 1996, também retomou a tradição cultural, especialmente o nosso folclore com o bumba meu boi e maracatu. Defendeu, em aquarela, a nossa nacionalidade: “pátria amada”, “Ordem e progresso, Brasil”. Semelhante à Viradouro, escreveu também a religiosidade “Ordem de Cristo”, ‘A fé que me leva”. (Anexo 86)
36 De Pessoa, os versos do “Mar portuguez”, em Mensagem “Ó MAR SALGADO, quanto do teu sal/ São lágrimas de Portugal!” (PESSOA, 1976, p. 57)