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4.7 – A Liberdade e o Povo

indígena, forte, filho da sorte, natural e guerreiro. (Anexo 79) Brajiru, meu Japão brasileiro, da Unidos do Cabuçu, 1994, também ilustra esse dialogismo intercultural: “Hoje põe cartas na mesa, sayonará, sayonará”, no contexto da linguagem, agregando elementos daquele país – monges, samurais, Buda, cerejeira, Tanaba, banzai – enquanto o Brasil, que é o país do futebol, homenageia o Império do Sol. (Anexo 81) A Mocidade Independente de Padre Miguel, em 2005, utilizou-se da linguagem italiana no próprio título do samba, Buon Mangiare, Mocidade! A arte está na mesa, exaltando nacionalismo nos versos: “Artista, descendente desse traço/ Brasitália/ Aquele abraço/ um banquete de união”. (Anexo 157) A Acadêmicos de Santa Cruz, com Liberdade, igualdade e fraternidade: um sonho chamado França, 2006, escreveu estas expressões francesas “Oh! Quanto glamour/ Vien mom amour para conhecer/ A Torre Eiffel, perfume, alta cultura/ Culinária, que loucura!”. (Anexo 161) Nessa perspectiva, a Acadêmicos do Grande Rio, 2009, segue o mesmo projeto estético da Mocidade, em 2005, apresentando, desde o seu título, a interlocução linguística entre nações, Voialá, Caxias! Para sempre liberté, egalité, fraternité, merci beaucoup, Brésil! Não tem de quê!, apontando o tema da revolução já bem conhecido e lembrado, junto ao tema inevitável, o amor: “A Grande Rio balança/ Le mon amour é a França/ Vem brindar!”. (Anexo 195)

4.7 – A LIBERDADE E O POVO

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A palavra liberdade tem como referência o substantivo povo em dez sambasenredos desse ciclo. Em Viva o povo brasileiro, da Império da Tijuca, do Carnaval de 1987, encontramos os versos: “No verde esperança nos olhos de Maria Luiza Afé/ De um povo que sofria/ Com ele lutou pelo ideal/ De liberdade e justiça social”. (Anexo 46) Os versos “O sol da liberdade/ No horizonte enfim raiou/ Com rara felicidade/ O povo livre votou” (Anexo 63), da Unidos do Cabuçu, questionam, desde o seu título, a situação política da época, naquele ano de 1990: “Será que votei certo para presidente?”. No mesmo ano, “Corsários, aventureiros/ Abrindo caminhos para a liberdade/ De um povo guerreiro” foram versos de Anita Garibaldi, heroína das 7 magias, da Unidos do Viradouro. (Anexo 102) Em 2000, várias escolas tematizaram os 500 anos da “descoberta”. A Unidos do Cabuçu,com o samba-enredo Brasil 500... ano 2000, Cabral faz a festa do Brasil, idealiza

a nação, a convivência harmoniosa do nosso povo, em democracia racial, “Hoje é paz, é liberdade/ Há amor no coração/ Igualdade das três raças/ Deu-se a miscigenação”.(Anexo 111) A Porto da Pedra, com Ordem, progresso, amor e folia no milênio da fantasia, escreveu que “Brilhou no céu/ O ideal da liberdade/ O país querendo ser feliz/ Sonhou com a igualdade”. Ressaltamos que, na discussão acerca do lema de nossa bandeira republicana, o narrador textual reivindica a união e o amor, “Mas sem união e amor? Não dá pra melhorar”, “Mas sem amor não vai construir/ A integração que quer”, “O povo faz-se independente/ Caminhou/ Com amor fez a folia/ Saudando o milênio, tudo é fantasia”. (Anexo 112) Em 2003, a Inocentes da Baixada apresentou o samba-enredo O gênio da Inocentes e a lâmpada maravilhosa, com os versos expressivos:

Sou negro, sou índio Sou filho da terra A luz do saber Que diz não à guerra Meu grito ecoa de verdade... Liberdade! (Anexo 139)

Nos versos supracitados, chama-nos a atenção a recusa em mencionar os portugueses, como parte integrante de nosso povo, certamente, pelo fato de eles representarem o elemento colonizador, ao passo que os negros e indígenas, os colonizados, os oprimidos. E há a questão do sujeito comunicante – o que assume o discurso, a fala, o texto – e que, provavelmente, estaria em um lugar mais próximo daqueles reservados aos negros e indígenas. Trata-se também de uma canção de desejos. Desejos de paz e de harmonia, de ser criança, de ser um pop star, de acertar na loteria, de ver a escola campeã e “E muito mais... a baixada pede paz”. Em uma postura crítica, as celebrações do meio milênio do nosso país fazem-nos refletir acerca do pensamento de Paul Ricœur no Capítulo intitulado “Da memória e da Reminiscência” de sua História, Memória e esquecimento, ao argumentar sobre as celebrações de acontecimentos fundadores. Para ele, atos que na essência são violentos e legitimados por um estado de direito precário, “A glória de uns foi humilhação para outros. À celebração, de um lado, corresponde à execração do outro. Assim se armazenam, nos arquivos da memória coletiva, feridas simbólicas que pedem uma cura”. (RICŒUR, 2012, p. 92) Então, nesses sambas-enredos, elaborados para a festa do povo, é permitido reescrever a história e inserir novos personagens, novas perspectivas do outro, com o propósito mesmo de tentar curar as feridas, ainda abertas, de nossa “descoberta”.

“No ‘compasso’ o traço e um povo/ Que construiu a liberdade em seu lugar” foram os versos da Vila Isabel em A Vila é para ti (Anexo 145), canção que homenageou Paraty. “Um Brasil feito à mão/ Um só coração – liberdade!” foram versos da Mocidade Independente de Padre Miguel, no samba-enredo O futuro no pretérito – uma história feita à mão, reconhecendo a importância dos trabalhos manuais, especialmente, do artesanato. (Anexo 182) Em 2010, a mesma Mocidade de Padre Miguel, com Do paraíso de Deus ao paraíso da loucura, cada um sabe o que procura (Anexo 205), escreveu estes versos: “Hoje o povo quer felicidade/ No paraíso da igualdade e liberdade”,após o escritor relatar o seu retorno ao Éden, querendo sambar com a sua escola, suportando o mal a ele causado pela serpente. O enredo é linear, passando pela Idade Média, os bandeirantes, os índios, até chegar à Sapucaí – o paraíso da loucura. Naquele mesmo ano, a Unidos do Viradouro apostou em México, o paraíso das cores, sob o signo do sol. O narrador assumiu uma voz coletiva que se comprometeu em lutar contra piratas que buscavam o ouro. “Meu sangue eu entrego à terra, à liberdade/ ‘O grito’ vai raiar o sonho de felicidade/ A fé que desata os nós une a gente de novo”. (Anexo 209)

O povo inscrito nos sambas-enredos que versificaram a palavra liberdade é a nossa gente, costumeiramente descrita como valorosa, harmônica, civilizada: “Por trás desta alegria, à sombra de uma dor, de uma dor/ De um povo hospitaleiro/ Viva nós, viva nós, viva o povo brasileiro”, conforme encontrado em Viva o povo brasileiro, da Império da Tijuca, 1997. (Anexo 46) A repetição da palavra dor serve para enfatizar que esse sentimento será superado com a vitória do povo em viva nós, identicamente reiterado. O povo é guerreiro no samba da Viradouro: Anita Garibaldi, heroína das sete magias (Anexo 102), e evidentemente destaca-se especialmente naquelas comemorações acerca do meio milênio de existência do país. A Unidos do Cabuçu (Anexo 111) apresentou um samba que celebrava uma união apenas na letra, pois estamos distante da “igualdade das três raças”, apesar da miscigenação. A Porto da Pedra (Anexo 112) vai em direção oposta, uma vez que a escrita é crítica. O país retratado é aquele que deseja ser feliz, que sonha com a igualdade. Os autores mencionam que a situação pode melhorar com amor e união. Os ideais republicanos, a partir do contato com os franceses, são criticados, pelo fato de eles terem desconsiderado as opiniões do povo. A “Ordem e Progresso” , escritos no samba, é o que pode proporcionar a “União e fé (com muito axé)”, e o amor é indispensável. Chama a atenção o emprego do modo subjuntivo para enunciar

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