D R IR N E O IT U LL OS IS R IS ES TE E M RV A A D DO E EN S SI N O
Literarias Iracema – José de Alencar Análise: Fernando Santana
Memórias póstumas de Brás Cubas – Machado de Assis Análise: Flávio de Castro
O cortiço – Aloísio Azevedo Análise: Vera Lopes
A cidade e as serras – Eça de Queirós Análise: Antônio Sérgio Bueno
Capitães da areia – Jorge Amado Análise: Aloisio Andrade Oliveira
Vidas secas – Graciliano Ramos Análise: Antônio Sérgio Bueno
Claro enigma – Carlos Drummond de Andrade Análise: Aloisio Andrade Oliveira
Sagarana – Guimarães Rosa Análise: Alexandre Amaro e Castro Aloisio Andrade Oliveira César Mota Teixeira Eduardo Salabert Flávio de Castro
Mayombe – Pepetela
BE
Análise: César Mota Teixeira
BE
D R IR N E O IT U LL OS IS R IS ES TE E M RV A A D DO E EN S SI N O
Sumário
Iracema – José de Alencar
4
Memórias póstumas de Brás Cubas – Machado de Assis
18
O cortiço – Aloísio Azevedo
36
A cidade e as serras – Eça de Queirós
54
Capitães da areia – Jorge Amado
64
Vidas secas – Graciliano Ramos
86
Claro enigma – Carlos Drummond de Andrade
96
Sagarana – Guimarães Rosa
118
Mayombe – Pepetela
182
EXERCÍCIOS
200
D R IR N E O IT U LL OS IS R IS ES TE E M RV A A D DO E EN S SI N O
POESIA MADURA Uma leitura da obra Claro enigma, de Carlos Drummond de Andrade Por Aloisio Andrade Oliveira Ilustrações: Rubens Lima
AS PEDRAS DE DRUMMOND
Carlos Drummond de Andrade é frequentemente considerado
o grande poeta brasileiro do século XX, tendo produzido obras
poéticas, crônicas e contos. Drummond manteve relações com grandes nomes da cultura nacional e insistiu na produção de uma
poesia inquietante e indagativa desde a década de 1920 até à morte,
em 1987, deixando inclusive obras prontas para a publicação após seu falecimento. O autor iniciou sua trajetória literária
com uma poesia notadamente individualista, irônica, repleta de
um humor sarcástico ao gosto dos poemas-piada da primeira
fase do Modernismo (1922-1930), como comprova o poema
BE
“No meio do caminho”, um de seus textos mais comentados.
98 Drummond enxergava-se como um sujeito destinado à inadequação com a vida comum, imprestável e desconexo com a realidade de um mundo torto, conforme enuncia no “Poema de sete faces”, primeiro texto de sua primeira obra, Alguma poesia: “Vai, Carlos! ser gauche na vida”, vaticina a própria voz poética sobre si valendo-se da voz de um anjo negro que vive nas sombras. Na década de 40, livros como Sentimento do mundo (1940) e A rosa do povo (1945) revelam um trânsito na construção de sua obra, que de individualista passa a um coletivismo com viés socialista. Especialmente nesses dois livros, o que se vê é uma poesia participante, engajada e de caráter social, que chama a atenção para os horrores da Segunda Guerra Mundial,
D R IR N E O IT U LL OS IS R IS ES TE E M RV A A D DO E EN S SI N O
os abusos e as atrocidades trazidos pelos regimes fascistas.
A dolorosa consciência da insuficiência do “eu” diante da Grande Guerra leva o poeta a substituir
os problemas pessoais pelas dificuldades de ordem coletiva. Trata-se de um testemunho poético que
pretende acionar e conscientizar os demais, mas no fundo o poeta se sabe atônito e incapaz de transformar
completamente essa realidade horrorosa da guerra, da fome e das injustiças sociais. Em versos conhecidos, o poeta diz ter apenas duas mãos e o sentimento do mundo, recusando-se a cantar um mundo caduco,
revelando a insuficiência da poesia para revolucionar a sociedade. Ainda assim, o poeta se irmana aos demais, na esperança de que suas expectativas de solidariedade e comunhão em prol de um mundo melhor e mais justo se concretizem.
Em Claro enigma (1951), um Carlos Drummond de Andrade mais reflexivo e maduro surge para o
público leitor, desencantado com as lutas ideológicas e com a tímida possibilidade que antes havia para a renovação dos ideais sociais. Os críticos literários apontam uma mudança nos rumos poéticos do autor,
que experimenta hesitações quanto aos caminhos da luta política, bem como ao valor e à veracidade das ideologias que antes defendia.
Em obras como A rosa do povo, Drummond mostrava-se intensamente preocupado com as mortes trazidas
pela devastação da Europa, com as notícias da barbárie que chegavam por fotos e relatos dos combates, além dos problemas humanitários e políticos naquela realidade bipartida entre capitalismo e socialismo.
Se não chega a se aventurar em um ativismo nas ruas ou em protestos combativos, vive ao menos o conflito
burguês da falsa sensação de segurança de um funcionário público oriundo de uma família tradicional do interior de Minas Gerais, de linhagem aristocrática e outrora rica.
Já em Claro enigma, o autor apresenta sinceras dúvidas quanto ao sentido da história, além de
questionamentos sobre a possibilidade de engajamento social que beneficie toda a humanidade. A obra
se divide nas seguintes partes: I. Entre lobo e cão; II. Notícias amorosas; III. O menino e os homens; IV.
Selo de Minas; V. Os lábios cerrados; e VI. A máquina do mundo. Apesar da divisão aparentemente temática, as partes contêm poemas que se voltam para assuntos contínuos ao longo da obra. Expressões como “lirismo
meditativo”, “poesia movida por inquietudes voltadas para o ser”, “poemas voltados para reflexões existenciais”, “tom crepuscular” e “obra de caráter filosófico” são usadas para categorizar panoramicamente a reunião de textos em Claro enigma, comprovando o deslocamento de rumo na construção literária de Drummond. No lugar do engajamento político, surge uma atitude de desengano e de fria indiferença; em vez da coletividade
se ajuntando para tentar resolver os problemas do mundo, conforme sugeria nos poemas de sua fase mais social, são apresentadas as imagens da dissolução, da precariedade, do vazio. Note-se a epígrafe utilizada na obra,
extraída de um poema de Paul Valéry: “Les événements m’ennuient”(Os acontecimentos me entediam). Ora, há pouco eles o excitavam, mas naquele momento não passam de acontecimentos aparentemente sem muita razão.
A penumbra, a ausência e o desencontro amoroso trazidos pela maturidade do poeta vão permear essa fase
BE
de sua produção poética. Trata-se de um amadurecimento existencial, mas também maturação de sentidos
e sensações, já que Drummond chegava à beira dos cinquenta anos de idade na época da publicação de Claro enigma. É como se a experiência acumulada pelos anos melancolicamente não fizesse tanto sentido quanto se esperasse, como se a audácia de entender os mistérios da vida não passasse de uma pretensão fantasiosa. À segurança da maturidade interpõe-se a inquietude ainda mais forte que a da juventude e o ímpeto de escrever poesia. Mesmo que secretamente o poeta anteveja a possibilidade futura de esquecimento de seu legado poético, é capaz de brincar com a futura e questionável recepção de seus textos:
Coleção Estudo
No poema, Orfeu, o filho de Apolo cuja lira e canto
hipnotizavam a natureza e os monstros, caminha
Que lembrança darei ao país que me deu
entre o “talvez” e o “se”, a dúvida e a possibilidade,
tudo que lembro e sei, tudo quanto senti?
a incerteza dos novos tempos, e assim a voz poética
Na noite do sem-fim, breve o tempo esqueceu
afirma que nem um canto radioso, reminiscência de
minha incerta medalha, e a meu nome se ri.
sua poética, permanecerá para que alguém se lembre
dele. “Uma pedra que havia em meio do caminho”,
E mereço esperar mais do que os outros, eu?
o símbolo do impedimento e do obstáculo sempre
Tu não me enganas, mundo, e não te engano a ti.
encontrado, seja qual for o percurso escolhido,
Esses monstros atuais, não os cativa Orfeu,
metáfora existencial que ressoa em toda a produção
a vagar, taciturno, entre o talvez e o se.
do autor, seria afinal seu cáustico legado.
D R IR N E O IT U LL OS IS R IS ES TE E M RV A A D DO E EN S SI N O
Legado
Não deixarei de mim nenhum canto radioso, uma voz matinal palpitando na bruma
e que arranque de alguém seu mais secreto espinho.
De tudo quanto foi meu passo caprichoso na vida, restará, pois o resto se esfuma,
uma pedra que havia em meio do caminho.1
BE
1 ANDRADE, 2012, p. 19.