R DIR N O EI U T LL O IS SR IS E TE SE M RV A A D D E O EN S SI N O
deObras
Literarias Sonetos – Luís de Camões Análise: Antônio Sérgio Bueno
Poemas negros – Jorge de Lima Análise: Aloisio Andrade Oliveira
Amor – Clarice Lispector
Análise: Antônio Sérgio Bueno
A hora e a vez de Augusto Matraga – Guimarães Rosa
Análise: Aloisio Andrade Oliveira
Negrinha – Monteiro Lobato
Análise: Jair Corgozinho
Lisbela e o prisioneiro – Osman Lins
Análise: Jair Corgozinho
O cortiço – Aloísio Azevedo
Análise: Vera Lopes
Coração, cabeça e estômago – Camilo Castelo Branco Análise: Aloisio Andrade Oliveira
Caminhos cruzados – Erico Verissimo
Análise: Alexandre Castro
Til – José de Alencar Análise: Fernando Santana
Memórias póstumas de Brás Cubas – Machado de Assis
Análise: Flávio de Castro
BE
Terra sonâmbula – Mia Couto
Análise: Aloisio Andrade Oliveira
Sumário 4
BE
R DIR N O EI U T LL O IS SR IS E TE SE M RV A A D D E O EN S SI N O
Sonetos – Luís de Camões
Poemas negros – Jorge de Lima
16
Amor – Clarice Lispector
42
A hora e a vez de Augusto Matraga – Guimarães Rosa
48
Negrinha – Monteiro Lobato
56
Lisbela e o prisioneiro – Osman Lins
62
O cortiço – Aluísio Azevedo
68
Coração, cabeça e estômago – Camilo Castelo Branco
86
Caminhos cruzados – Erico Verissimo
102
Til – José de Alencar
116
Memórias póstumas de Brás Cubas – Machado de Assis
128
Terra sonâmbula – Mia Couto
146
EXERCÍCIOS
162
OS POEMAS NEGROS DE JORGE DE LIMA
R DIR N O EI U T LL O IS SR IS E TE SE M RV A A D D E O EN S SI N O
Estudo da obra Poemas negros, de Jorge de Lima
BE
por Aloisio Andrade Oliveira
RUGENDAS, Johann Moritz. Casal de negros. 1831.
Nos anos 1920-30, os autores modernistas brasileiros
conhecido pelo desejo constante de se aventurar por novas
buscavam recuperar a autenticidade identitária do
formas e temáticas literárias. Não por acaso sua poesia passa
negro, tentando livrá-la dos arroubos românticos de
de uma fase inicial mais formal e parnasiana à inovação e
autores como Castro Alves, para citar o mais conhecido
ao abrasileiramento propagados a partir da Semana de Arte
poeta do chamado Condoreirismo, uma linha poética
Moderna, em 1922. Radicado no Rio de Janeiro, mas de
social e nacionalista do Romantismo responsável por
origem alagoana, Jorge de Lima focaliza em sua poesia os
cantos antiescravagistas permeados de hipérboles e
motivos brasileiros e nordestinos principalmente a partir
metáforas expressivas, que retratavam o sofrimento dos
de 1925, aderindo à linguagem coloquial, ao verso livre e
africanos arrancados de suas longínquas terras e trazidos
à enumeração caótica recursos estéticos que criam pontos
acorrentados até o Brasil.
R DIR N O EI U T LL O IS SR IS E TE SE M RV A A D D E O EN S SI N O
Jorge de Lima (1893-1953) foi um médico e escritor
de contato com o movimento modernista. Sua preferência
Como autor modernista, Jorge de Lima esforça-se
são os temas regionais e folclóricos. Posteriormente Jorge
para fugir do idealismo romântico, apresentando ao
de Lima torna-se conhecido como poeta que aborda
leitor uma perspectiva mais concreta e realista da
assuntos ligados ao cristianismo universalista por meio de
participação do afrodescendente na formação cultural
símbolos bíblicos e religiosos, dedicando-se às reflexões
da nação, sem deixar de apresentar também o convívio
espirituais e sociais. Nessas fases poéticas, o autor flerta
sugestivamente amistoso entre diferentes povos,
com o Surrealismo por meio do uso de imagens oníricas
a propalada democracia racial brasileira da qual negros
e encantadas, além do resgate de temas relacionados a sua
e brancos participariam equilibradamente. A perspectiva
infância totalmente imersa na cultura popular nordestina.
de Jorge de Lima, no entanto, não ignora as tensões e
A coletânea com os 39 “poemas negros” de Jorge de Lima
os conflitos raciais existentes na História do país, que
foi originalmente publicada pela editora Revista Acadêmica
tornam evidente como a convivência foi mais benéfica
em 1947, reunindo textos escritos no intervalo aproximado
para os brancos, ao passo que os negros assumiram um
entre 1927 e 1940. A obra agrega a poemas mais antigos uma
posto inferior na escala social. No entanto, ainda assim,
série de novos outros que dialogam com a temática do negro
se trata de um olhar lírico sobre a participação do negro
no Brasil e, em especial, no Nordeste brasileiro, o que confere
na formação da nação, em pleno acordo com as ideias
a ela um caráter de antologia. Poemas negros aparece durante
divulgadas pelo companheiro e mentor intelectual do
um rico período de debates e estudos afro-brasileiros, os
autor, o antropólogo Gilberto Freyre.
quais pretendiam mostrar principalmente o indivíduo negro
No prefácio que escreve para Poemas negros, Freyre
como o humano que não perde suas características étnicas,
condena aqueles que criticam os literatos nordestinos por
conservando suas tradições e cultura: o sujeito que se vale
apenas aproveitarem os aspectos pitorescos do trabalhador
das raízes africanas como forma de resistência à escravidão e
sertanejo, da figura do negro e da paisagem dos antigos
à opressão pelo homem branco.
engenhos. Não sendo de origem explicitamente popular,
Nos Estados Unidos, em Cuba e nos demais países da
ameríndia ou africana, os escritores não seriam, segundo
América Latina, também há publicações de antologias de
os críticos, autênticos em seus textos. Para o antropólogo,
poemas com temática afrodescendente e de estudos antro-
ao contrário, esses mesmos escritores nordestinos é que
pológicos que analisam a miscigenação racial, textos que
se dedicam verdadeiramente, por exemplo, ao estudo e à
promovem um rico intercâmbio de informações entre os
interpretação da cultura negra, por isso exalta a tarefa de
autores. A imagem pitoresca e folclórica do negro vai sendo
Jorge de Lima, autor abertamente simpático à miscige-
deixada de lado e, no lugar do exotismo ligado aos seus
nação e ao poder da cultura afro-brasileira.
costumes e práticas religiosas, surge um olhar de respeito
Cabe ressaltar que, para Gilberto Freyre, os preconceitos
e reverência à sua cultura. A etnia negra, antes oprimida
no Brasil são oriundos mais de questões de classe social
e humilhada, passa a ser encarada como autêntica e auto-
do que de cor, ou seja, a mestiçagem teria supostamente
consciente dos processos históricos e sociais cujo emblema
rasurado a problemática do preconceito racial, o que teria
mais trágico foi a escravidão no Novo Mundo. O resgate da
tornado as diferenças socioeconômicas mais preponde-
sua autoestima, a tomada de consciência da sua dimensão
rantes do que a cor da pele no tocante à discriminação.
humana e a sua luta pela libertação e pelo reconhecimento
Atualmente, essa ideia é bastante discutida e muitas
tornam-se os grandes temas dessa literatura.
vezes atacada, principalmente no âmbito acadêmico. Bernoulli Sistema de Ensino
pOEMAS nEGROS
A COR MULATA
BE
S
17
18 Para Freyre, haveria no Brasil uma convivência fraternal entre as matrizes étnicas portuguesa, ameríndia e africana, e essa mistura teria formado a peculiar e grandiosa nação em que vivemos. Ao exaltar tal miscigenação e explicitar enorme empatia quanto ao sofrimento dos negros, Jorge de Lima foge de uma perspectiva segregacionista, ressentida e hostil que os debates raciais poderiam tomar, convergindo, de fato, para as teorias defendidas por Gilberto Freyre. No entanto, Lima resvala também em uma abordagem tida frequentemente como paternalista em relação ao afrodescendente, e esse é um ponto delicado nos Poemas negros. Se de um lado expõem uma terna solidariedade pelo sofrimento do negro, por outro reforçam padrões e paradigmas sociais referentes à identidade negra hoje considerados
R DIR N O EI U T LL O IS SR IS E TE SE M RV A A D D E O EN S SI N O
ultrapassados e negativos. Para citar um exemplo, tomemos um trecho da carta que escreve ao pintor Lasar Segall, que viria a compor as ilustrações para a obra. Jorge de Lima destaca:
[…] o assunto deve ser apenas a representação do negro em todos os ambientes em que demorou desde a sua vinda para o Brasil, isto é: o negro (quando digo o negro, digo negra também, não fazendo distinção de sexo) nos navios negreiros,
milhares de cabindas, de guinés, de todas as tribos africanas apinhados nos porões dos veleiros; o negro nas senzalas; a negrinha bonitinha nas casas-grandes, um perigo de tentação para o branco português; o velho negro Pai-João; o negro rebelado refugiado nas serras guerreando o branco; a sereia negra que habita o mar; o negro feiticeiro; cenas de macumba; a negrinha penteando a sinhá branca nas redes; a negra vendedora de doces; a negra amamentando o menino branco; a negra contando histórias nos terreiros das casas brancas, etc., etc. 1
Isso quer dizer que Jorge de Lima comporta-se poeticamente mais como um observador da cultura negra do que como um indivíduo que se vê como um homem negro. Seu olhar é de compaixão, sua análise é daquele que olha de fora, e externamente sente o perigo do “embranquecimento”, da elitização da cultura brasileira.
Os modernistas possuem esse traço comum: são avessos ao atraso intelectual, às heranças coloniais negativas que desprezam a pluralidade cultural e etnográfica brasileira, ao simplismo de reconhecer negros e indígenas como meros coadjuvantes na formação do Brasil. Lima compactua com esse olhar e, ainda que não consiga, em certos momentos, livrar o negro de imagens
estereotipadas construídas por uma historiografia discriminatória, apresenta nos poemas lembranças afetivas e nuances
comportamentais e culturais que têm o indivíduo negro como fator marcante. Assim, o poeta dá bastante atenção ao contexto
folclórico e religioso, sendo um grande defensor da cultura africana e reconhecedor do negro como ser social com História trágica fundamental para a concepção que temos sobre a nação brasileira no século XX.
Uma literatura afro-nordestina
Ao prefaciar a edição dos Poemas negros, Gilberto Freyre discorre sobre a obra de Jorge de Lima, escrevendo:
Em Jorge de Lima o verbo fez-se carne neste sentido: no de sua poesia afro-nordestina ser realmente a expressão carnal
do Brasil mais adoçado pela influência do africano. Jorge de Lima não nos fala dos seus irmãos, descendentes de escravos, com resguardos profiláticos de poeta arrogantemente branco, erudito, acadêmico, a explorar o pitoresco do assunto com olhos distantes de turista ou de curioso. De modo nenhum. Seu verbo se faz carne: carne mestiça. Seu verbo de poeta se
torna carnalmente mestiço quando fala de “democracia”, de “comidas”, de “Nosso Senhor do Bonfim”, embora a metade
BE
aristocrática desse nordestino total, de corpo colorido por jenipapo e marcado por catapora, não esqueça que a “bisavó dançou uma valsa com D. Pedro II”, nem que “o avô teve banguê”.2
O poema de Jorge de Lima a seguir, que abre os Poemas negros, corrobora a observação do antropólogo:
1 Carta de Jorge de Lima para Lasar Segall, Rio de Janeiro, 10 fev. 1944. Arquivo Lasar Segall / Museu Lasar Segall / Ibram-MinC (In: LIMA, 2014, p. 119-120). 2 FREYRE, 1947. (In: LIMA, 2014, p. 14-15).
Coleção Estudo