A igreja em missão

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Sumário

Prefácio | William D. Taylor.........................................................................................................................................................7 Introdução | Bertil Ekström.....................................................................................................................................................13

Parte Um Fundamentos bíblicos e teológicos –– Evangelho, igreja e missão 1

Por que Deus está chamando um povo? | Tom Hayes................................................................................19

2

O evangelho nos Evangelhos | Andrew B. Spurgeon....................................................................................25

3

As metáforas do Novo Testamento para a igreja | Eileen Poh................................................................33

4

A essência da igreja nos propósitos de Deus | Paul Coulter....................................................................45

5

A igreja como agente de Deus – Um estudo reflexivo sobre a Trindade | Peter Rowan.............................................................................................................................................55

6

A igreja e a missão no Novo Testamento | Paul Joshua Bhakiaraj.......................................................65

7

A igreja peregrina | David D. Ruiz M......................................................................................................................75

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A missiologia eclesial do apóstolo Paulo | Bertil Ekström........................................................................85

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O futuro molda o presente – A escatologia como motivadora da missão | Rose Dowsett.............................................................................................................................................95


Parte Dois Temas missiológicos atuais 10 Missão e eclesiologia – Por quê? | Birger Nygaard....................................................................................105 11 A igreja verdadeiramente missional – De missão centrada na igreja a

missão centrada no Reino | Warren Beattie..................................................................................................115

12 A igreja missional numa perspectiva do hemisfério sul

– Tendências e desafios | Bertil Ekström.........................................................................................................123

13 A igreja como comunidade transformadora | Richard Tiplady..........................................................133 14 O discípulo missional | David D. Ruiz M. e Rita Rimkiene...................................................................139 15 Relação entre a igreja local e a agência missionária | Tom Hayes e Decio de Carvalho.......147 16 Movimentos do Espírito – A plantação de igrejas e a igreja em missão | Jim Memory.......159 17 Igrejas nativas: étnicas e multiculturais | Samuel Cueva.....................................................................169 18 Monismo africano versus dualismo ocidental – Como a igreja responde

às realidades locais | Moss Nthla......................................................................................................................181

19 O evangelho e a igreja na China | Anônimo.................................................................................................189 Parte Três A igreja em missão –– Estudos de caso 20 Os movimentos da juventude cristã globalizada | Adriaan Adams.................................................197 21 Impactando nosso mundo com esperança – Igreja Nova Vida

em Estocolmo | John van Dinther.........................................................................................................................205

22 Missão da diáspora etíope | Wondimu Mathewos Game........................................................................211 23 Igrejas japonesas enfrentando o desastre do terremoto

e do tsunami | Kenichi Shinagawa.......................................................................................................................219

24 Uma igreja urbana em São Paulo | Edeval Campos Jr. .............................................................................225 25 Alguns entraves ao avanço do evangelho no sertão nordestino | Thomaz Litz.......................229 Para finalizar | Bertil Ekström.............................................................................................................................................237 Livros em português da Comissão de Missões da Aliança Evangélica Mundial........................................239


Prefácio William D. Taylor

É um prazer escrever o prefácio deste livro sobre a natureza da igreja em missão. O texto faz-me lembrar de duas realidades metafóricas e sensoriais que exigem explicação. A primeira lembrança é a da praça de alimentação de Newton Circus, que visitei certa noite em Singapura, em 1986 — o ano em que comecei a servir a Comissão de Missões da Aliança Evangélica Mundial (WEA). Era uma festa gastronômica ao ar livre, com todas as comidas oriundas do sudeste asiático (e além) prontas para que os visitantes (alguns de nós pela primeira vez) escolhessem as que julgassem mais saborosas. O sumário deste livro assemelha-se ao menu daquela festa. Será nutritivo ao leitor e quem sabe desafiará seu paladar missiológico. Será também uma especialização transcultural. Os autores são oriundos de várias nacionalidades, uma característica da série de livros Globalização e Missão, produzida pela Comissão de Missões da WEA. Nossos autores são mulheres e homens, jovens e veteranos testados pelo fogo do ministério e da eclesiologia transcultural. Alguns servem na última fronteira da igreja que avança, e outros, no contexto da igreja que decresce, está desgastada e necessita desesperadamente do vento de renovação do Espírito de Deus (isto é, a igreja da Europa).


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Queremos convidar você a engajar-se com os fundamentos teológicos do evangelho, da igreja e da missão, a seguir depois com alguns temas missiológicos atuais e a se alegrar e crescer ao avaliar os muitos estudos de caso — da Europa à Etiópia, do Japão ao Brasil e outros. O banquete da contextualização o aguarda. A segunda lembrança causada por este recurso é a da fábula dos cinco (ou seis ou sete) indianos que tentavam descrever um elefante. Por exemplo, definições de “igreja”, “evangelho” e “missão”. O elefante é um cavalo grande, uma espada, um ventilador, uma parede, uma árvore, uma cobra, uma escova ou algo diferente? Por que as pessoas não podem concordar com a minha definição de igreja? Ou de missão? Ou mesmo de evangelho? Que coisa! Precisamos ser tão confusos ao tentar entender as coisas globalmente? O que aprecio neste livro é o seu enraizamento nas Escrituras, num evangelho robusto, na missão global e no avanço transcultural da igreja de Cristo — universal e invisível. Ao mesmo tempo, essas realidades são trabalhadas no tempo e no espaço, em nossas culturas e idiomas, em geografias e em vidas humanas.

A gênese de uma publicação da Comissão de Missões A publicação emerge de um processo da Comissão de Missões relacionado com os temas de igreja em missão. Iniciou como um grupo de interesse que se transformou numa discussão mais formal sob a liderança de seu editor, Bertil Ekström. Isso levou a uma consulta presencial em Glasgow com alguns dos principais membros do grupo e por sua vez gerou uma pesquisa global sobre o conteúdo em potencial e os possíveis autores estratégicos. Iniciou-se aí o longo processo de compromisso de autores e a produção de capítulos com prazos, sempre estendidos. Nossos elogios a Bertil e sua equipe (especialmente a Rose Dowsett) e a Koe Pahlka, nossa especialista em edição, com seu manuscrito fluente. O processo passou depois para a William Carey Library com Jeff Minard e sua equipe de liderança. O longo processo de concepção e gestação levou finalmente ao nascimento de mais um livro da série Globalização e Missão, que está agora em suas mãos.

Desafios pessoais No entanto, este livro forçou-me a refletir outra vez sobre a natureza do termo bíblico “igreja”. Em minha infância na América Latina, as igrejas das quais fazíamos parte eram lugares físicos, congregações específicas de reunião do povo


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de Deus. Nos primeiros anos de minha existência (estamos falando dos anos de 1940 e 1950), a igreja era a única diversão na cidade para a minoria evangélica. E uma coisa estava muito clara para nós: não éramos católicos romanos. Por isso, nossas igrejas eram caracterizadas de forma negativa, em razão dos muitos aspectos que asseguravam nossa distância do mundo católico romano. A organização era simples, não hierárquica, muitas vezes dirigida por pastores sem formação teológica, com diáconos e anciãos. A arquitetura assemelhava-se a uma caixa grande e funcional, sem vestígios de beleza. Tínhamos uma definição para o espectro da igreja: de ponto de pregação a congregação informal e daí para igreja organizada, num país em que se definia como “igreja” um grupo composto por pelo menos dez homens (presumia-se que as mulheres faziam parte, mas só os homens contavam), diáconos, anciãos e algum tipo de pastor. Essa era a realidade com a qual cresci. Contextualização, importação de modelos, estruturas e organização não eram temas a serem considerados. Nosso hinário era uma tradução do hinário da Aliança Cristã e Missionária dos Estados Unidos. A capa interna tinha inclusive sugestão da ordem do culto. Naturalmente, sabemos hoje que o fracasso dos ministérios descontextualizados não é privilégio apenas dos servos que vieram do hemisfério norte. Brasileiros, nigerianos, coreanos e tantos outros estão cometendo os mesmos erros, e nossa esperança é que estejam aprendendo com esses erros. Graças a Deus pelo seu Santo Espírito paciente, porque havia esperança também para muitos de nós, presos na história, mas ainda assim buscando novos padrões e maneiras de ser e fazer igreja! No curso de meus 75 anos de idade e meio século de ministério, a peregrinação pelas igrejas tem levado a mim e minha esposa a conhecer várias vertentes eclesiásticas. De presbiterianos a independentes, à denominação guatemalteca, à Igreja Evangélica Livre, a outro modelo dos Irmãos Plymouth, à Igreja Bíblica, à igreja carismática e por fim a uma corrente anglicana. Às vezes sorrio quando penso nessa jornada pelas igrejas, agora que fui confirmado anglicano — uma mudança radical, em comparação com minhas raízes. Quem sabe ajudará saber que nossa denominação é sustentada por três pilares: Escrituras (evangélica), Espírito (carismática) e Sacramento (liturgia histórica e formal). Alguns de meus velhos amigos me perguntam qual será meu próximo passo. Eu poderia me envolver nas questões do “evangelho” e da “missão”, mas prefiro me concentrar em outro tema: “igreja”. Como definimos “igreja” neste livro? Bem, prepare-se para uma variedade de definições e possivelmente para


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nenhuma versão compartilhada por todos, porém há valores comuns, que resultam numa complexa teologia e prática eclesiástica. Nosso colega Kent Parks, veterano servo com base na Ásia, colíder da rede global Ethné e presidente de Act Beyond, tem compartilhado algumas definições de “igreja” e descrições com as quais se trabalham na Ásia. Trata-se de um processo de desenvolvimento: de não crentes a crentes batizados, depois a um grupo e por fim a uma igreja. De certo modo, é uma versão que gira em torno do ponto zero da eclesiologia. Mais ou menos nas palavras de Parks: Grupos de descobrimento. O ponto de partida para o não crente a caminho (oramos e cremos) de ser igreja. Como vemos em Lucas 10 e Atos 10 etc., uma pessoa de paz busca um relacionamento espiritual e se reúne ou inicia um grupo para juntos aprenderem mais a respeito de Deus. O grupo reúne-se regularmente para ser discipulado na fé disposto a seguir o que descobriu nas Escrituras. Crentes batizados. Pessoas que confessam publicamente o compromisso de seguir a Jesus por meio do batismo. Assim como no livro de Atos, onde todos, menos três, aceitaram a Cristo em grupo, a maioria das pessoas é batizada com seu oikos (“casa”; unidade social). Batismos coletivos de grupos sociais ocorrem globalmente. Grupo. Encontro regular de pessoas que estão sendo discipuladas para a fé ou seguidores de Cristo aprendendo a obedecer às ordens do Mestre. São formatos típicos de processos baseados em reuniões em grupo (DBS; T4T), movimentos de discipulado e de plantação de igrejas. Ekklesia (“chamados para fora”) ou igreja. Grupo de pessoas batizadas que “amam e obedecem a Jesus” e estão alimentando os pobres, ajudando as viúvas, curando os doentes e até expulsando demônios. Essas características se destacam porque o foco incide sobre o discipulado com base muito mais na obediência que no conhecimento. O grupo desenvolve as funções descritas em Atos 2.2-47 (possui líderes reconhecidos, reúne-se regularmente e se identifica como igreja). Em algumas áreas, esses movimentos não se denominam “igreja” até que o grupo tenha iniciado outra ekklesia. Outra peculiaridade da igreja — devido ao enfoque num discipulado baseado na obediência e herdado de Atos 2 e de outras passagens sobre a igreja — é que, se não estão alimentando os pobres, nem curando os doentes, nem ajudando as viúvas, não estão cumprindo as designações de Atos 2.


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Quando um grupo se torna igreja? Essa é uma questão mística, e só no coração de Deus pode ser respondida plenamente. Em 1971, minha esposa e eu ajudamos a iniciar um estudo de descobrimento da Bíblia, que resultou num grupo e, mais ou menos dois anos depois, tornou-se uma igreja. O que aconteceu? O consenso do grupo. Eles queriam se tornar uma igreja, não apenas ser um grupo a se reunir regularmente para adorar, formar uma comunidade, aprender das Escrituras e alcançar as pessoas sem Cristo. Foi depois dessa mudança de identidade que começamos a batizar os novos crentes. É possível que já tivéssemos distribuído a ceia do Senhor, mas não estou certo disso. Mas que dizer da Aliança Bíblica Universitária, dos tempos de faculdade? Era uma igreja local? Como estudantes cristãos, reuníamo-nos regularmente no campus para formar uma comunidade. Éramos engajados nas Escrituras, praticávamos a adoração e evangelizávamos. Mas não éramos uma igreja local nem tínhamos essa percepção de identidade. Também não celebrávamos os sacramentos — ceia do Senhor e batismo. E os insider groups (grupos de novos crentes que não se desligam de seu contexto cultural e religioso), podem ser igrejas? Talvez sim, talvez não. Só o Espírito Santo sabe de fato. Mas, para que sejam algo similar às comunidades de cristãos de Atos e se tornem “igrejas”, é necessário um processo de autorrealização. Esses e muitos outros assuntos estão entrelaçados nos 25 capítulos deste livro. Envolva-se nessa comunidade diversa de autores evangélicos, missionais e globais, que juntos refletem sobre os limites desafiadores da igreja global em missão! É um livro importante, pois trata de assuntos fundamentais a respeito da igreja, do evangelho e da missão integral. Temos de pensar de maneira prática e também teológica, bíblica e missiológica. Somos convidados a essa fraternidade que combina prática e reflexão, composta de mulheres e homens que em meio à sua práxis ministerial dedica tempo a fazer perguntas cruciais e difíceis, tudo porque são ungidos pelo Espírito para usar seus dons na comunidade multifacial e global da igreja e nas igrejas. Seja alimentado! Seja desafiado! Seja encorajado! E envolva outros.



Introdução Bertil Ekström

O que significa hoje ser uma igreja totalmente comprometida com o evangelho e integralmente envolvida na missão de Deus? Quais as principais tendências religiosas e sociológicas no mundo que afetam diretamente o papel da igreja local e global? Como entender e estar preparados para enfrentar essas tendências? Como definimos “igreja” no século XXI sendo fiel às Escrituras e ao mesmo tempo relevante à geração que não confia mais na igreja institucional? Que igrejas missionais podemos citar como bons modelos para os que anseiam ver a igreja de Cristo fazendo diferença na sociedade e no mundo? Essas são algumas das questões abordadas neste livro. Certamente não há respostas definitivas ou fórmulas mágicas. Pelo contrário: apresentamos uma discussão ampla e profunda de como o evangelho pode ser vivido pelos seguidores de Jesus em nossos dias e em nossas comunidades. Perguntas são feitas e analisadas tanto da perspectiva da igreja local quanto a partir da compreensão global da igreja cristã. Alguns exemplos concentram-se mais na realidade local, e outros, nos desafios globais. Muitos livros têm sido escritos sobre eclesiologia e missiologia. Não é incomum que essas duas áreas da teologia sejam tratadas como matérias distintas e até como realidades competitivas. Quase sempre, o termo “igreja” tem sido definido com relação à comunidade local ou a uma estrutura denominacional.


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A missão, por sua vez, é vista como algo móvel, uma atividade ocasional realizada à parte da igreja e muitas vezes distante da igreja que envia missionários. Nos seminários teológicos, pastores e missionários são treinados como duas categorias excludentes de obreiros cristãos. Não há dúvida de que Deus chama pessoas para diferentes ministérios, e o foco varia de pessoa para pessoa. Entretanto, a dicotomia entre igreja e missão não raro resulta em igrejas não missionais (que não se envolvem na totalidade da missão de Deus) e iniciativas missionárias não eclesiais (que não se relacionam diretamente com a igreja). Isso cria também a falsa ideia de que o trabalho missionário e as organizações missionárias não são “igreja”, mas atividades paralelas, geralmente chamadas “paraeclesiásticas”. Felizmente, há muitas exceções, e algumas delas você encontrará neste livro. A primeira parte do livro é dedicada a uma reflexão bíblica e teológica acerca do evangelho, da igreja e da missão. Inclui estudos no Antigo Testamento e no Novo Testamento referentes às implicações de ser igreja com base na narrativa bíblica. A segunda parte trata de uma diversidade de questões missiológicas relacionadas com o tema mais amplo de igreja e missão. Diferentes perspectivas da discussão atual e dos diálogos ao redor do mundo foram incluídas, de modo a cobrir tanto reflexões ideológicas quanto aspectos práticos de ser uma igreja missional. A terceira parte apresenta estudos de caso regionais e nacionais para mostrar a enorme criatividade verificada na plantação de igrejas e no engajamento de comunidades à sua sociedade. Os modelos utilizados — por exemplo, na Europa — são contrastados com a forma em que igrejas de forte crescimento no hemisfério sul funcionam. Como na maioria dos livros produzidos pela Comissão de Missões da Aliança Evangélica Mundial (WEA-MC), este recurso é caracterizado pela diversidade de perspectivas oriunda de diferentes realidades geográficas e denominacionais. Mesmo girando em torno de um tema comum, não houve a pretensão de forçar os autores a seguir uma tradição teológica ou eclesiástica preestabelecida e uniforme. Cada autor é responsável pelo seu texto. No entanto, todos são líderes evangélicos comprometidos com o evangelho, apaixonados pela igreja do Senhor Jesus Cristo e envolvidos na missão de Deus. O livro tem mais uma característica em comum com outros livros produzidos pela WEA-MC. O trabalho com os textos foi iniciado pelo Grupo de Reflexão de Missiologia Global, que durante anos dialogou sobre os temas e se encontrou


Introdução

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várias vezes para definir o conteúdo do livro. Não é, portanto, um trabalho feito às pressas para competir com outras obras existentes sobre o assunto, e sim um material produzido com esmero e profunda reflexão, que por certo será de proveito e bênção para muitos. Estamos gratos a todos os que contribuíram para a produção deste livro, em particular ao grupo de trabalho composto por Rose Dowsett (Escócia), David Ruiz (Guatemala), Tom Hayes (Estados Unidos), Rita Rimkiene (Lituânia/ Inglaterra), Paulo Coulter (Irlanda do Norte), Paul Joshua (Índia), Richard Tiplady (Escócia) e Bertil Ekström (Suécia/ Brasil). Todos contribuíram com capítulos-chave. Uma palavra especial de agradecimento a Rose Dowsett, que fez grande parte do trabalho de correção gramatical da versão inglesa e a Koe Pahlka, que deu aos capítulos uma excelente formatação. Minha gratidão também ao meu amigo e colega William Taylor, coordenador da área de publicações da WEA-MC, cujo apoio e conselhos foram decisivos para a produção deste livro. Somos também gratos à William Carey Library, que mais uma vez aceitou lançar um dos livros da WEA-MC. A edição em português que agora lançamos inclui a maioria dos capítulos do original em inglês. Para tornar o livro mais acessível e adaptado ao contexto do público de língua portuguesa, alguns capítulos foram suprimidos, sem prejuízo de seu conteúdo principal. Incluímos, no entanto, um capítulo novo sobre a plantação de igrejas no sertão nordestino. Agradecemos ao Betel Brasileiro Publicações por providenciar a tradução e o lançamento desta obra em português. Para mim, tem sido uma jornada significativa e gratificante trabalhar com estes textos. Por ter servido como pastor e como executivo de missões, envolvido no treinamento de líderes tanto para a igreja estabelecida quanto para o trabalho missionário transcultural, fui obrigado a refletir mais profundamente sobre o que significa ser uma igreja missionária e missional em nossos dias. E ficou muito claro que um modelo único não irá funcionar em todo lugar, mas é urgente o desafio de oferecer à geração de nossos dias um lugar de comunhão que incentive a adoração, o crescimento espiritual, o serviço diaconal e comunitário e o envolvimento na missão de Deus. Nossa oração é que este livro nos ajude a dar novos passos nesta direção. Campinas (SP), setembro de 2017



PARTE UM

Fundamentos bíblicos e teológicos Evangelho, igreja e missão



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Por que Deus está chamando um povo? Tom Hayes

O Deus de toda a criação, aquele que trouxe o mundo à existência por sua palavra, revela a si mesmo e seus propósitos na criação. Ele deseja ser conhecido e adorado. Por essa razão, criou um mundo no qual pudesse expressar plenamente sua criatividade e permitisse que a criação o adorasse. E, nesse seu mundo criado, concedeu um desígnio especial a uma porção única de sua criação — os seres humanos. Devido ao seu dom exclusivo, eles seriam os principais portadores de Deus e de sua glória. Poderiam ver a si mesmos da forma em que ele os vê — como testemunhas dele às pessoas que ainda não ouviram falar dele nem de seu plano, nem o receberam. Com isso em mente, iremos tratar de apenas duas perguntas. 1) Como Deus criou os seres humanos de forma exclusiva para serem seus representantes? 2) Deus escolheu pessoas específicas para serem seus representantes?

Criados de forma exclusiva Em Gênesis 1.27, a Bíblia declara que os seres humanos foram criados à imagem de Deus. Não há outra porção da criação de Deus que tenha recebido essa honra. Deus escolheu os seres humanos para serem o reflexo e a representação de sua imagem na terra. Há uma gama de livros escritos a respeito de todos


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os significados possíveis para o fato de os seres humanos terem sido feitos à imagem de Deus. Christopher J. H. Wright resume num único parágrafo e de forma útil a ideia principal: Muita tinta teológica já foi gasta para tentar definir, com respeito aos seres humanos, o que exatamente pode ser identificado como a essência da imagem de Deus em nós. Seria nossa racionalidade, nosso senso de responsabilidade para com Deus? Até nossa postura ereta e a expressividade do rosto humano têm sido motivo de escrutínio como o lócus da imagem de Deus na humanidade. Já que a Bíblia não define esse termo em lugar algum, provavelmente é inútil tentar fazê-lo de modo muito preciso. Em todo caso, não devemos pensar muito na imagem de Deus como “algo” independente que de alguma forma possuímos. Deus não deu sua imagem aos seres humanos. Antes, trata-se de um aspecto de nossa criação. A expressão “à nossa imagem” é adverbial (ou seja, descreve como Deus nos criou), não adjetival (ou seja, como se isso descrevesse simplesmente uma qualidade que possuímos). A imagem de Deus não é tanto algo que possuímos, e sim algo que somos. Ser humano é ser a imagem de Deus. Não é uma característica extra, acrescentada ao gênero humano: é definitivamente o que significa ser humano.1 O que implica o fato de os seres humanos terem sido feitos à imagem de Deus? Implica que eles devem se unir a Deus na revelação de si mesmo à sua criação. Arthur F. Glasser diz a mesma coisa desta maneira: O valor da criação é de uma importância tão universal que somos pressionados a concluir que se trata de um direito inalienável de todas as pessoas conhecer o Deus cuja imagem carregam. Com certeza, Deus deseja que todos quantos o conhecem compartilhem a realidade de sua existência e de sua natureza com aqueles que não o conhecem. A Grande Comissão diz explicitamente em que o valor da criação implica.2

1  Old Testament Ethics for the People of God [A Ética do Antigo Testamento para o povo de Deus] (Leicester; Downers Grove, IL: IVP, 2004), p. 11. 2  Announcing the Kingdom [Anunciando o Reino] (Grand Rapids, MI: Baker Academic, 2005), p. 36.


Por que Deus está chamando um povo?

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Os seres humanos devem se unir a Deus para concluir o que ele já começou. Ele está se revelando à sua criação, a qual responde adorando-o. Os seres humanos têm a tarefa especial de se unir a Deus nessa obra. A pergunta seguinte seria: “Há determinados seres humanos por meio dos quais Deus agirá primariamente, ou todos os humanos são encarregados dessa tarefa?”. Todos os seres humanos foram feitos à imagem de Deus e são portadores dessa responsabilidade. No entanto, nem todos foram feitos fiéis participantes com Deus nesse empreendimento. Mas não se pode argumentar que Deus se revelou exclusivamente a indivíduos crentes e a comunidades de cristãos ao longo das eras para capacitá-los a servir como povo de Deus. Esse povo de Deus tem tomado várias formas ao longo das gerações, mas todos são testemunhas do que Deus está fazendo na história. Do ponto de vista bíblico, esse povo pode ser chamado “Israel” no Antigo Testamento e “igreja” no Novo Testamento. Sua tarefa, porém, continua a mesma: revelar a natureza de Deus aos que ainda não o conhecem. Há duas passagens nas Escrituras que fomentam uma investigação para ver se o mesmo mandamento se aplica às pessoas de ambos os Testamentos.

O Antigo Testamento Êxodo 19 chega a um momento único na história. O povo que um dia seria conhecido como os israelitas foi liberto da escravidão no Egito após experimentar vários milagres realizados por Deus a favor deles. Entre os milagres vistos num período de dois meses, estavam as pragas, a Páscoa, a passagem pelo mar Vermelho e a provisão miraculosa de alimento e água. Embora fossem propensos a reclamar, não podiam negar que Deus havia demonstrado um poder extraordinário para o bem-estar deles. Na história registrada nessa passagem, Deus se encontra com Moisés no monte Sinai e diz: Assim falarás à casa de Jacó e anunciarás aos filhos de Israel: Tendes visto o que fiz aos egípcios, como vos levei sobre asas de águia e vos cheguei a mim. Agora, pois, se diligentemente ouvirdes a minha voz e guardardes a minha aliança, então, sereis a minha propriedade peculiar dentre todos os povos; porque toda a terra é minha; vós me sereis reino de sacerdotes e nação santa. São estas as palavras que falarás aos filhos de Israel (Êxodo 19.3-6).


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Não é possível esclarecer totalmente a aliança mosaica nesse ponto. Entretanto, observe a intenção divina de que Israel compreendesse sua existência como povo de Deus. Ele não escolheu o povo de Israel por serem especiais, como alguns argumentam. Pelo contrário, esse povo é apresentado como murmurador por natureza, geralmente mais infiel que fiel à aliança. A Bíblia registra várias vezes o pecado dessa nação. Se Deus não escolheu a nação de Israel por causa de sua natureza especial, então qual foi a base de sua escolha? Deus os escolheu porque Ele é especial. Por ser o Deus santo, único e especial, ele desejava que um povo o representasse na terra. Como seus representantes escolhidos por ele, tomariam parte em seus propósitos para esta terra — revelar a si mesmo e receber a adoração que lhe é devida exclusivamente. Êxodo 19.5-6 revela que isso é verdade. Deus escolheu a nação de Israel para ser sua testemunha às demais nações e para fazê-lo sua propriedade peculiar, cujo papel era servir como sacerdotes para as outras nações. O papel dos sacerdotes era servir o povo diante de Deus. As obrigações do sacerdote consistiam em apresentar ofertas a favor do povo de Israel. E, assim como os sacerdotes serviam entre a nação e Deus, a ideia era que Israel servisse coletivamente entre Deus e as nações. Charles Pfeiffer afirma: “Assim como o sacerdote era o mediador entre Deus e o homem, Israel foi chamado para ser o instrumento de conhecimento e salvação entre Deus e as nações da terra”.3 Deus não escolheu o povo de Israel para amá-lo mais ou abençoá-lo mais: escolheu-o para usá-lo como sua testemunha.

O Novo Testamento O texto de 1Pedro 2.4-10 é fascinante, pois reitera muito do que foi dito ao povo de Israel em Êxodo 19, mas agora a audiência é diferente. Chegando-vos para ele, a pedra que vive, rejeitada, sim, pelos homens, mas para com Deus eleita e preciosa, também vós mesmos, como pedras que vivem, sois edificados casa espiritual para serdes sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por intermédio de Jesus Cristo. Pois isso está na Escritura:

3  Charles F. Pfeiffer & Everett F. Harrison (Org.), The Wycliffe Bible Commentary [Comentário Bíblico Wycliffe] (Chicago, IL: Moody Press, 1962), p. 68.


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