Chamados por Deus

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Durvalina B. Bezerra Joyce E. W. Every-Clayton Jorge I. Noda (Organizadores)


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CHAMADOS POR DEUS Categoria: Vida cristã Copyright @ Betel Brasileiro Publicações, 2014 1ª edição: setembro de 2014 Coordenação editorial e de produção: Cláudia Mércia Eller Miranda Assistente editorial: Vanessa Karla Mota de Souza Revisão de linguagem: Judson Canto Capa e projeto gráfico: Neriel Lopez

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Bibliotecária Josélia Oliveira – CRB15/113

C342 Chamados por Deus: resgatando o sentido da vocação para o cristão hoje / Durvalina B. Bezerra, Joyce Every-Clayton, Jorge I. Noda (Org.). João Pessoa : Betel Brasileiro Publicações, 2014. 272p.

ISBN 978-85-6178523-9

1. Vocação. 2. Teologia pastoral. 3. Vida cristã. 4. Trabalho – Aspectos religiosos. I. Bezerra, Durvalina B. II. Clayton, Joyce. III. Noda, Jorge. IV. Título. CDU 2:331.54 CDU Edição-Padrão Internacional em Língua Portuguesa, 1997.

PUBLICADO NO BRASIL COM AUTORIZAÇÃO E COM TODOS OS DIREITOS RESERVADOS

BETEL BRASILEIRO PUBLICAÇÕES Rua Raul de Souza Costa, 790, Alto do Mateus 58090-070 João Pessoa, PB Telefone: 83 3041-8134 www.betelpublicacoes.com.br editorial@betelpublicacoes.com.br


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SUMÁRIO

7 Apresentação 9 Introdução VOCAÇÃO: PERSPECTIVAS BÍBLICA, TEOLÓGICA, HISTÓRICA E CONTEMPORÂNEA

19 Russell Shedd

Uma doutrina bíblica da vocação

34 John Stott

Direção, vocação e ministério: a vontade de Deus para nossa vida e como descobri-la

52 Durvalina Bezerra

A espiritualidade da vocação

71 Joyce Every-Clayton

Vocação ou vocações? Uma perspectiva histórica

79 Fábio Motta

Uma perspectiva contemporânea da vocação: algumas perguntas importantes

92 Hermisten Maia Pereira da Costa O sentido cristão do trabalho

99 Nancy Pearcey

Continuar vivendo para Deus após sair da igreja aos domingos VOCAÇÃO AOS MINISTÉRIOS PASTORAL E MISSIONÁRIO: PARTICULARIDADES

107 Edison Queiroz

Identificando e despertando vocações na igreja local


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119 Ronaldo Lidório

A certeza da vocação

127 Eli Fernandes

A vocação pastoral: desafios contemporâneos

139 Bertil Ekström

A vocação para o ministério missionário

150 Maria Bernadete

A capacitação de vocacionados ao ministério missionário

162 Elben M. Lenz César

Mantendo acesa a chama da vocação missionária VOCAÇÃO E HISTÓRIAS DE VIDA

173 Bráulio Craveiro Filho

Vocação para o mundo dos negócios

181 Custódio Alves Barreto Neto

Um servo de Deus na Polícia Militar

189 Délnia Momesso César Bastos

Vocação profissional na obra missionária

198 Eleny Vassão de Paula Aitken

Uma chamada para transformar vidas por meio da capelania hospitalar

205 Fábio Ikedo

Saúde para o corpo e para a alma

212 Gilvanete Andrade

Em busca do equilíbrio: família, profissão e ministério na igreja

224 Marcelo Maurício Santos

Missões no mundo dos esportes

233 Márcia Macedo d’Haese O desenho da missão

242 Márcia Eller Miranda Salviano Cuidando de vidas

253 Sérgio Queiroz

Fabricando tendas e edificando sonhos

258 Rubem Amorese

Servidor público e presbítero

266 Wildo Gomes dos Anjos Incluindo os excluídos


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APRESENTAÇÃO

“Dia de vocações!” “Despertando vocações!” “Fulano não tem vocação ministerial”... E por aí vai. A verdade é que, na igreja, muito se fala em vocação, mas quase sempre com relação à tarefa pastoral. O pastor deve ser, sim, um vocacionado que exerça bem a sua santa vocação. Mas, e os outros? Será que os 99% de crentes, que não são pastores ordenados ou missionários formalmente comissionados, também não são chamados por Deus? A Bíblia ensina que todos os salvos foram chamados por Deus para a salvação, para a santidade e para levar as boas-novas do evangelho. Além dessas santas vocações, com as quais Deus agracia cada crente, existe a dimensão de vocação abordada neste livro: o trabalho rotineiro de cada crente é a sua vocação e concessão divina. Esse ensino bíblico tem outro aspecto, bem prático, pois é patente que os ordenados (pastores e missionários) jamais conseguirão evangelizar sozinhos o nosso imenso país, muito menos o mundo todo. De fato, a esmagadora maioria dos crentes evangélicos tem o seu ganha-pão como algo não espiritual, “secular”. Tudo mudará, porém, no momento que cada crente compreender e decidir que as suas atividades diárias, rotineiras, são também espirituais e fazem parte fundamental do discipulado cristão.


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Sonhar com um exército de discípulos vocacionados para o exercício de sua profissão — no escritório, na firma, na escola, no hospital, nas Forças Armadas, na polícia, no lar, nas ONGs, na vizinhança, na igreja — é antever um Brasil salgado pelo evangelho, um Brasil evangelizado de verdade. O livro que você tem em mãos examina a vocação cristã da perspectiva ora esboçada, pois entende que a Bíblia Sagrada fala das vocações dos cristãos, não apenas da vocação de uma elite ministerial. É composto de três partes bem interligadas. Inicia com capítulos de natureza bíblica, teológica, histórica e contemporânea. Em seguida, contempla aspectos específicos da vocação pastoral e missionária. Por fim, traz depoimentos de uma diversidade de evangélicos brasileiros que têm o seu trabalho diário “secular” como algo recebido do Senhor, a ser exercido para a glória dele. Assim, esses autores representam uma verdadeira multidão de crentes brasileiros e uma diversidade de denominações evangélicas. Esta obra singela, mas inovadora, convida as igrejas evangélicas do Brasil a uma reflexão instigante, no sentido de levar cada crente a vivenciar os valores do Reino de Deus no dia a dia. Foi um fazedor de tendas vocacionado por Deus que escreveu a escravos: “Tudo o que fizerem, façam de todo o coração, como para o Senhor, e não para os homens [...]. É a Cristo, o Senhor, que vocês estão servindo” (Cl 3.23,24, NVI). Boa leitura! Joyce E. W. Every-Clayton


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INTRODUÇÃO

Deus está no negócio? Em que você pensa quando acorda para trabalhar? Qual a força motriz que o faz levantar e preparar-se para enfrentar mais um dia de trabalho? Você está preocupado com as contas? Está desgostoso com os caprichos de seu chefe? Pensa que o aumento está demorando muito ou que o seu trabalho não é reconhecido? Na segunda-feira, você já está imaginando o que irá fazer na sexta-feira depois do trabalho? Está ansioso para tirar férias? Você acha que existe um propósito maior naquilo que fazemos, ou estamos apenas tentando sobreviver? Existe um chamado superior, ou somos meros átomos girando no espaço? Estas parecem perguntas propostas a um debate acadêmico sobre filosofia, mas, quando paramos para pensar nas questões mais profundas da vida, não podemos evitar a convicção de que existe algo mais em tudo quanto fazemos ou deixamos de fazer. De forma geral, muitas pessoas veem o trabalho como um mal necessário, um meio não muito agradável de viabilizar a realização de objetivos mais prazerosos, como comer, viajar, divertir-se ou manter a família. Alguns


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mergulham no trabalho como se ele fosse a essência da vida e deixam de lado a família, a saúde e a vida espiritual. O cristão pode acrescentar ainda uma pergunta àquelas já mencionadas: Como a minha fé em Deus se relaciona com o meu trabalho? Para quem se dedica ao ministério cristão, como pastores e missionários, parece óbvio que “Deus está no negócio”. Mas teria Deus alguma relação com atividades consideradas “seculares”, como vendas, construções, trabalho braçal, tarefas burocráticas ou serviço público? Poderia Deus estar em nossa mente e em nossa motivação quando fechamos um contrato ou aceitamos uma oferta de emprego? Conseguimos ver algo espiritualmente significativo naquelas longas horas de expediente? Greear está correto ao observar o seguinte: “Muitos cristãos pensam que simplesmente não dá para servir o reino de Deus no trabalho, e que o trabalho desse reino acontece ‘após o expediente’ — voluntariando-se no berçário da igreja, frequentando pequenos grupos, indo a uma viagem missionária, servindo na cantina”.1 Isto precisa ser assim? Será que a nossa vida profissional não importa para Deus?2

Criados para servir Basta uma rápida leitura da Bíblia para se descobrir que, da perspectiva da vontade soberana de Deus para a nossa vida, não existe algo chamado “trabalho secular”. Tudo o que fazemos, mesmo as atividades mais corriqueiras, está dentro do plano de Deus. O trabalho não só importa para Deus, como faz parte da essência do propósito para o qual ele nos criou. Deus nos criou e nos redimiu para que o sirvamos em adoração, gratidão e amor. Enquanto essa convicção não criar raízes e lançar fundamentos sólidos na base de nossa vida, não experimentaremos a plena realização de saber que respondemos a um chamado para cumprir uma missão. A primeira revelação que temos de Deus é que ele trabalha: “No princípio, criou Deus os céus e a terra” (Gn 1.1). Desde as galáxias com os seus bilhões de estrelas até as subpartículas atômicas, o Universo é resultado do trabalho de Deus. Não surgimos por acaso. Não fomos gerados espontaneamente pela combinação caótica de elementos químicos. Deus não criou nada de forma precipitada nem abandonou o seu trabalho pela metade. Tudo quanto ele fez é muito bom. Deus continua trabalhando. “Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também” (Jo 5.17). A sustentação de todas as coisas, a direção da


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história, a execução do plano da redenção e a manifestação de seus juízos são obras contínuas de Deus. Por essa razão, não é surpresa que um dos elementos essenciais de nossa semelhança com Deus é o trabalho. Em seu plano sábio e perfeito, Deus dotou o ser humano com habilidades maravilhosas que o distingue dos animais. A capacidade de sermos compassivos, criativos e produtivos procede de um desígnio: fomos chamados para servir ao Criador. Em nenhum momento, Deus pensou em nos liberar para uma vida de egoísmo. Quando vemos o trabalho fora da igreja como terreno fora da missão, há desperdício de dons e talentos. Na verdade, estamos desperdiçando a única vida que recebemos da parte de Deus. Como Guinness corretamente observa, “Deus normalmente nos chama pelas linhas de nossos dons, mas o propósito de nossa genialidade é mordomia e serviço, não egoísmo”.3 Deus, por seu amor, deixou claro que encontramos o sentido mais profundo da existência em adorá-lo e servi-lo. “Nem trabalho nem carreira podem ser plenamente realizadores sem um senso mais profundo de chamado — mas o próprio ‘chamado’ é vazio de significado e indistinto do trabalho se não houver Alguém que tenha feito o chamado”.4 O trabalho não surgiu como punição por causa do pecado. Ele já fazia parte da criação do ser humano no jardim do Éden. Apesar de muitos pensarem que o trabalho é punição, ele surgiu no cenário humano num contexto da perfeita felicidade. “O trabalho é intrinsecamente bom para nós, bom para o mundo e bom para Deus”.5 Deus nunca viu a felicidade humana como um estado eterno de inatividade e improdutividade. Diferentemente dos gregos, que percebiam o ócio como o objetivo mais elevado, Deus implantou em nós o desejo de ser produtivos e úteis.6 Mesmo depois da queda, Deus preservou em nós a sua imagem e semelhança. Isso torna qualquer trabalho algo digno e agradável aos seus olhos. Sem dúvida, o pecado trouxe um elemento de sofrimento ao trabalho. O suor no rosto, as dores no corpo, a terra dura a ser arada seriam constantes memoriais de que o pecado tem as suas consequências. Mesmo assim, não ficamos sem esperança, pois, desde o início, Deus prometeu que um descendente de Eva traria a redenção (Gn 3.15). A maioria das profissões é digna da vocação a que Deus chama o homem [...]. Ademais, é preciso notar-se que há diferentes mo-


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dalidades de trabalho. Quem quer que ajuda e produz benefício à sociedade humana através do seu labor, seja governando a própria família, seja administrando negócios públicos ou particulares, seja aconselhando, seja ensinando a outros, ou de qualquer outro modo que seja, não deve esse ser contado entre os ociosos. Intelectuais ou trabalhadores manuais, os dons todos do homem devem ser postos em ação para o serviço de Deus e da sociedade.7 Deus criou cada um de nós com um propósito específico e nos concedeu dons para cumprirmos essa missão. Não somos chamados para ser tudo para todos. Há uma vocação específica, uma missão a ser cumprida, uma maratona a ser completada. Não podemos fugir de nosso chamado. “A maneira pela qual você foi feito faz parte do desígnio de Deus quanto ao seu envolvimento com o mundo”.8 Deus “vocaciona autoridades políticas e militares, juízes, professores, farmacêuticos, engenheiros, arquitetos, assistentes sociais, músicos, advogados, pedreiros, sapateiros, costureiros e muitos outros. Esses profissionais também servem ao Senhor no exercício dessas ocupações. Deus usa-os como usa pastores, missionários e evangelistas”.9

Redimidos para servir O trabalho ganha uma dimensão ainda mais profunda à luz do sacrifício de Cristo na cruz e de sua ressurreição dos mortos. Deus nos amou a ponto de entregar o seu Filho para morrer na cruz em nosso lugar, a fim de pagar uma dívida moral impagável, se dependesse de nosso mérito ou desempenho. Por meio do sacrifício da cruz, fomos resgatados por Cristo e para Cristo. O senhorio de Cristo não pode se restringir a um dia da semana ou apenas às áreas de nossa vida que chamamos “espirituais”. Fomos resgatados por um preço, não pertencemos mais a nós mesmos. Somos do Senhor. Na verdade, podemos experimentar alegria, satisfação e realização não só no domingo, mas também nos outros seis dias da semana, se agimos conforme a vontade de Deus. Jesus não é um Big Brother celestial. Ele é o nosso Senhor amado, a quem dedicamos o melhor de nós por amor, gratidão e admiração. Quem foi redimido por Cristo não pensa simplesmente em agradar a homens ou a si mesmo, mas ao Senhor. Ele nos vê o tempo todo, não só o que fazemos exteriormente,


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mas as nossas atitudes e motivações. “Todas as coisas estão descobertas e patentes aos olhos daquele a quem temos de prestar contas” (Hb 4.13). Não basta fazermos a coisa certa: precisamos fazer a coisa certa para a Pessoa certa. Tudo o que o verdadeiro discípulo faz está vinculado essencialmente ao Senhor Jesus: “Se vivemos, para o Senhor vivemos; se morremos, para o Senhor morremos. Quer, pois, vivamos ou morramos, somos do Senhor” (Rm 14.8). Nosso trabalho, se for Nossas ações são motivadas pelo infinito amor motivado apenas pela que nos alcançou. “O amor de Cristo nos constrancarreira e pelo sucesso ge, julgando nós isto: um morreu por todos; logo, pessoal, então é secular, todos morreram. E ele morreu por todos, para que não importa se é feito para os que vivem não vivam mais para si mesmos, mas a igreja ou para o mundo para aquele que por eles morreu e ressuscitou” (2Co corporativo. 5.14,15). Como Paulo, afirmamos que, se Cristo é o Alfa e o Ômega da vida e da história, “o viver é Cristo, e o morrer é lucro” (Fp 1.21). Na verdade, todas as escolhas, prioridades, planos e projetos de nossa vida estão submissos ao chamado de Jesus. “Em nada considero a vida preciosa para mim mesmo, contanto que complete a minha carreira e o ministério que recebi do Senhor Jesus” (At 20.24). “Tudo quanto fizerdes, fazei-o de todo o coração, como para o Senhor e não para homens, cientes de que recebereis do Senhor a recompensa da herança. A Cristo, o Senhor, é que estais servindo” (Cl 3.23,24). A carta de Paulo aos colossenses exalta a pessoa de Cristo não só como o nosso Redentor, mas como o Criador, Sustentador e Senhor de todas as coisas. Nada nos fará mais realizados que a supremacia e primazia de Cristo sobre tudo o que fazemos. Nesse sentido, nada do que fazemos pode ser classificado como “secular”. Mas o nosso trabalho, se for motivado apenas pela carreira e pelo sucesso pessoal, então é secular, não importa se é feito para a igreja ou para o mundo corporativo.10 Nas palavras de John Stott, “se nós nos dizemos seguidores de Jesus, é inconcebível que gastemos nossa vida de outra forma que não seja servindo”.11 Vivemos sob a promessa de que o Senhor estará conosco não só aos domingos, mas todos os dias de nossa vida, até a consumação da história como a conhecemos (Mt 28.20). Se não servimos a Cristo, então servimos a outro, o qual se tornará o nosso ídolo particular, a quem devotaremos toda a nossa contemplação e serviço.


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Esse outro pode ser simplesmente o nosso ego. Dizer não ao chamado do Senhor é dar as costas ao seu plano perfeito e às vidas preciosas que ele pôs em nosso caminho para que pudessem experimentar o seu amor por meio de nós e de nosso serviço. Dessa perspectiva, Jesus é o Senhor de todas as áreas de nossa vida. Estudo, trabalho, lazer, cultura, serviço, cidadania: nada foge da força gravitacional de sua soberania. Não importa, portanto, em que área atuemos. TraJesus é o Senhor de balhar para Cristo é algo extremamente espiritual. Sotodas as áreas de nossa mos mediadores das bênçãos de Cristo e sacerdotes. vida: estudo, trabalho, Observa Stevens: “este ministério sacerdotal tem lugar lazer, cultura, serviço, nos lares, nas salas de aula, escritórios e fábricas, cidadania... aviões e ônibus, gabinetes governamentais e estúdios de arte, assim como nas igrejas”.12 Se é a Cristo que servimos, aquele que por amor nos redimiu, então a excelência em tudo será o nosso alvo. Ouvimos uma voz mais alta e mais sublime que as vozes da compensação financeira e do reconhecimento humano. “A busca da excelência que para os gregos podia ser alcançada por esforços humanos só é possível para o seguidor de Cristo em resposta ao altíssimo chamado de Deus”.13 Se Cristo é o Senhor de nosso trabalho, o lucro não é o fator predominante, mas a glória de Deus refletida em integridade, justiça e compaixão. “Um cristão com uma ética trabalhista medíocre ou com um desenvolvimento acadêmico desleixado dá ao mundo um terrível testemunho de Cristo”.14 Onde fica a pregação do evangelho? Em tudo isso! O evangelho de Cristo, quando ganha rosto e nome, quando é visto em carne e osso no dia a dia das fábricas, escritórios, lojas e ruas, ganha uma audição não encontrada nos púlpitos, no domingo. De acordo com o exemplo de Jesus, a proclamação do evangelho ocorre ao lado de um poço, numa rua pedregosa, numa festa de casamento, à margem do lago após uma pescaria. A cruz de Cristo, em seu amor redentor, fica mais atraente no rosto empoeirado do mineiro e nas mãos sujas de graxa do mecânico. O que vimos nada mais é que o ensino claro e direto das Escrituras sobre o nosso chamado para o serviço de Deus. Ao mesmo tempo, isso tudo soa estranho e distante, quando os problemas mais prementes insistem em nos arrastar para o vácuo do ativismo sem propósito eterno. Somente a graça de Deus pode nos ajudar a vencer essa força poderosa da secularização e nos mover para a indescritível alegria de cumprir o propósito de nossa existência.


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Equipados para servir Na construção de uma cosmovisão cristã da vocação e do serviço, o papel dos líderes é crucial. De fato, Deus chama pessoas para o ministério pastoral, pregação e plantação de igrejas, muitas vezes em tempo integral. Nada pode substituir a importância desses líderes. Entretanto, concordamos com Stevens, quando ele diz: “[...] é responsabilidade primeira dos líderes da igreja, bem como a preocupação de cada membro, que todos os santos sejam equipados para o ministério”.15 Infelizmente, a voz de Kathy Alsdorf é a de muitas ovelhas em busca de direção: “A maioria dos pastores se preocupava mais em nos ajudar a servir dentro da igreja do que em nos discipular e equipar para servir no mundo”.16 Os líderes são chamados por Deus para cultivar uma visão mais ampla do Reino de Deus e assim ser capazes de ajudar os outros. “Se os líderes evangélicos ainda não enxergam o mundo corporativo como um modo de criar cultura e cultivar a criação, deixarão de apoiar, apreciar e liderar de maneira adequada muitos membros de suas igrejas”.17 Cabe à igreja equipar os cristãos para desempenhar seu serviço não só na esfera da igreja mas no serviço ao mundo como sal e luz. Se você é líder em sua igreja, lembre-se de que a sua tarefa é equipar os santos para o desempenho de seu serviço. “Uma igreja será mais relevante na proporção em que mobiliza seus membros para o evangelismo no mercado de trabalho”.18 Como desenvolver um programa que apoie profissionais cristãos no exercício de sua fé e no cumprimento de sua missão no contexto de seu ambiente de trabalho? • Aprofunde seu conhecimento de teologia bíblica. • Ensine e pregue sobre a perspectiva da vocação e do trabalho. • Converse e ajude os discípulos de Cristo em situações específicas de serviço. • Ajude os membros das igrejas a identificar as oportunidades de servir a Cristo por meio de sua profissão. • Incorpore nos programas de discipulado e educação cristã a temática da vocação. • Crie um espaço em que os discípulos de Cristo possam interagir, compartilhar e apoiar uns aos outros no desafio de fazer a diferen-


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ça no mundo ao seu redor. “Habite, ricamente, em vós a palavra de Cristo; instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente em toda a sabedoria” (Cl 3.16). • Treine e multiplique líderes com a visão da vocação. Neste livro, somos convidados a rever e aprofundar o nosso entendimento sobre o que significa ser chamado por Deus. O conceito secular de vocação está muito aquém do verdadeiro sentido revelado por Deus. Vocação é muito mais que a inclinação para uma área profissional e muito mais que um conjunto de habilidades e competências. Vocação é uma convocação divina, um recrutamento celestial, um comissionamento espiritual. Ela é um instrumento poderoso, que nos permite ouvir além do efêmero e detectar um eco na eternidade. Jorge I. Noda

J. D. Greear, Como a Graça de Deus deveria impactar a execução do nosso trabalho. Disponível em: <http://www. ministeriofiel.com.br/artigos/detalhes/671/Como_a_Graca_Deveria_Impactar_a_Execucao_do_seu_Trabalho>. Acesso em: 26 ago. 2014. 2 Seria bom você ler o capítulo “Pessoas que vivem e trabalham na esfera pública” (p. 265-292), de Christopher J. H. Wright, A missão do povo de Deus (São Paulo: Vida Nova & Betel Brasileiro Publicações, 2012). 3 Os Guinness, O chamado (São Paulo: Cultura Cristã, 1998), p. 55. 4 Os Guinness, op. cit., p. 46 5 R. Paul Stevens, Os outros seis dias (Viçosa, MG: Ultimato, 2005), p. 108. 6 Wayne Grudem, Negócios para a glória de Deus (São Paulo: Cultura Cristã, 2006), p. 25. 7 André Biéler, O pensamento econômico e social de Calvino (São Paulo, Cultura Cristã, s.d.). 8 Paul Stevens, A hora e a vez dos leigos (São Paulo: ABU, 1998), p. 89. 9 Kléos M. Lenz César, Vocação: perspectivas bíblicas e teológicas (Viçosa, MG: Ultimato, 1997), p. 30. 10 Veja Os Guinness, op. cit., p. 157. 11 John Stott, Ouça o Espírito, ouça o mundo (São Paulo: ABU, 1997), p. 114. 12 Paul Stevens, op. cit., p. 151. 13 Os Guinness, op. cit., p. 94. 14 J. D. Greear, op. cit. 15 Paul Stevens, op. cit., p. 16. 16 Katherine Leary Alsdorf, no prefácio de Como integrar fé & trabalho (São Paulo: Vida Nova, 2014), de Timothy Keller, p. 15. 17 Timothy Keller, op. cit., p. 62. 18 Ebenézer Bittencourt, “Formando líderes de dentro para fora”. Disponível em: http://www.institutojetro.com/ entrevistas/formando-lideres-de-dentro-para-fora/. Acesso em: 27 ago. 2014. 1


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