EXPOSIÇÃO
O OLHO E O BRILHO A LIBERDADE MORA ATRÁS DO OLHO
Hoana Bonito COMEMORAÇÕES DO DIA NACIONAL DO ESTUDANTE
24 MAR 2022 [Até 24 de maio 2022] NÚCLEO EXPOSITIVO
Corredor da Sala das Belas Artes
Centro do Mundo - Octógono
Colégio do Espírito Santo Universidade de Évora 1
FICHA TÉCNICA Título | O OLHO E O BRILHO. A LIBERDADE MORA ATRÁS DO OLHO Edição | Coordenação Editorial | SBID – Serviços de Biblioteca e Informação Documental da Universidade de Évora Produção Editorial | Rute Marchante Pardal Textos | Hoana Bonito, Rute Marchante Pardal Revisão Textos | SBID – Serviços de Biblioteca e Informação Documental UÉ Design Gráfico | Divisão de Comunicação Universidade de Évora Curadoria Exposição | Coletivo Hoana Bonito/SBID – Serviços de Biblioteca e Informação Documental UÉ Créditos das Fotografias | Hoana Bonito Edição de Imagem | Hoana Bonito Execução e Montagem da Exposição | SBID – Serviços de Biblioteca e Informação Documental UÉ Transportes | Serviços Técnicos UÉ Contactos Gerais | SBID – Serviços de Biblioteca e Informação Documental, Universidade de Évora Largo dos Colegiais, 2. 7004-516 Évora Telefone dinamização cultural SBID | 266 740 813 E-mail | din-cultural@bib.uevora.pt
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AGRADECIMENTOS Especial agradecimento, por parte da artista, à Universidade e à cidade de Évora, Artéria_Lab, Centro Magallanes_ICC para o Empreendimento de Indústrias Culturais e Criativas, Estúdio - Laboratório de Fotografia e Vídeo da Escola de Artes, pelas experiências, olhares, inspirações e inquietações que vivenciou e experienciou nos diversos e diferentes territórios e espaços da cidade e da Academia.
O presente Catálogo foi publicado por ocasião da Exposição, O Olho e o Brilho. A Liberdade mora atrás do olho de Hoana Bonito, realizada por ocasião das comemorações do Dia Nacional do Estudante, a 24 de março de 2022, nos espaços do corredor de acesso à sala das Belas Artes dos SBID-Serviços de Biblioteca e Informação Documental, e no Centro do Mundo - Octógono, no Colégio do Espírito Santo da Universidade de Évora.
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ÍNDICE SINOPSE O OLHO E O BRILHO. A LIBERDADE MORA ATRÁS DO OLHO
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Comemoração do Dia Nacional do Estudante
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FOTOGRAFIA
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Um Ato de Vandalismo
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Sobre a Intolerância e o Vandalismo da Obra
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VÍDEO PERFORMANCE
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INSTALAÇÃO
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O LIVRO ABERTO
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NOTA BIOGRÁFICA
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SINOPSE O OLHO E O BRILHO. A LIBERDADE MORA ATRÁS DO OLHO Esta exposição é um tributo a todo o brilho que existe ao se ser você mesmo. É um tributo ao brilho no olho - em especial ao da juventude estudantil (independente da idade) - que reflete o que há de mais autêntico em cada um. O brilho dentro é para que o estudante não se esqueça de todo o brilho que tem dentro de si. Como estamos a observar o mundo? Qual a intenção que colocamos ao olhar o mundo? Afinal, cada pensamento também é uma lente. As lembranças que tenho do meu primeiro ano em Évora têm a forma de olhares que me encaravam, ativamente. Essas memórias formaram o ponto de vista que tenho hoje, relativamente a cada meio em que estive nesta cidade, e em especial no meio académico. Experiências que alimentaram a minha arte, e com ela pretendo fazer expandir os sentidos do espectador, aguçar sensações e, assim, estimular a inteligência do corpo - que é a base da inteligência intelectual. Afinal, as inteligências emocionais, físicas, energéticas e espirituais são tão (ou mais) importantes que a inteligência racional, lógica e intelectual. A arte ajuda a expandir os sentidos, e as sensações estimulam a inteligência do corpo. No fim, o importante é jamais deixar que o olho que te olha tire o brilho de como você se vê. O essencial é jamais deixar que o olho que me olha, embioque, encapote e/ou cubra o brilho de quem sou. O importante é jamais deixar que o olho que me olha, oculte como me vejo.
Hoana Bonito Évora, fevereiro 2022 2
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COMEMORAÇÃO DO DIA NACIONAL DO ESTUDANTE Através de diferentes processos artísticos orientados por Hoana Bonito (aluna de 2º ano de Mestrado em Práticas Artísticas da Escola de Artes da Universidade de Évora), pretende-se com a presente exposição comemorar o percurso individual da artista, enquanto aluna da Academia, naquelas que são as comemorações do Dia Nacional do Estudante, celebradas a 24 de março. São apresentados alguns trabalhos que resultam do seu percurso, enquanto estudante de artes na Universidade e na cidade de Évora, mas também o resultado do seu percurso, enquanto estudante internacional, no território nacional. Algumas das suas produções são trabalhos artísticos produzidos ao longo do último ano e meio e têm, também, como efeito, o enorme impacto da covid-19 na vida da artista que, tal como uma parte da população mundial, acabou vivenciando e experienciando o trabalho artístico, profissional, e enquanto aluna, confinada na sua própria residência. São, nesse sentido, trabalhos realizados no âmbito da sua pesquisa pessoal e profissional, e cruzam diferentes áreas artísticas, desde a fotografia, a instalação, o vídeo e a performance. No dia em que a Universidade de Évora presta homenagem a todos os Estudantes da Academia, pretendemos, através da produção artística de Hoana Bonito, realçar o trabalho artístico, e de pesquisa, dos alunos que aqui frequentam os diversos e diferentes cursos e espaços académicos. Através do seu trabalho artístico pretendemos realçar, também, o debate que este nos coloca. Ou seja, a possibilidade de, através da arte e da cultura, cruzar a multiculturalidade, e refletir sobre questões que questionam e debatem as dificuldades, as semelhanças, as diferenças e/ou divergências, no contexto de um processo de acolhimento intercultural, multicultural, e transcultural, enquanto estudante internacional na nossa Academia. Nesse sentido, através do seu trabalho artístico procuramos mostrar, não apenas, parte do seu percurso, enquanto aluna que se movimenta(ou) pelos múltiplos espaços e disciplinas académicas, mas mostrar também parte do seu percurso, enquanto cidadã do mundo que se movimenta(ou) pelos diferentes espaços sociais, culturais e urbanísticos de uma cidade e de um território tão diferente entre si. 4
Procuramos, assim, alavancar não apenas o resultado de um processo artístico, enquanto estudante de Artes, mas alavancar também todo o resultado de um processo vivencial que assimila(ou) as interpretações afetivas das diferentes dinâmicas, resultantes das relações ocorridas dentro, e fora da Academia. Por consequente, o seu processo artístico, desenvolvido ao longo deste último ano e meio, capta todo um percurso pessoal e subjetivo, que cruza assim as diferentes áreas artísticas, afetivas e humanas, desenvolvidas a partir de camadas da consciência de dentro (e por detrás do pano). Por outro lado, pretendemos com a presente mostra expositiva, envolver toda a comunidade académica de estudantes, que inicia, gradualmente, o seu percurso profissional e artístico, fora da Academia, à medida que finaliza a sua formação académica superior. Procuramos, também, que o vínculo de proximidade com os estudantes, que nos frequentam, possa subsistir no tempo e contribuir para uma maior e gradual relação de proximidade com a Biblioteca, na tentativa de procurar captar uma maior perceção para a importância da literacia, e para uma maior frequência e uso dos nossos acervos bibliográficos, no decurso de um percurso académico, bem como no decurso pessoal da vida de cada estudante. Pretende-se, deste modo, estimular uma maior expectativa quanto à aquisição de mais e melhor conhecimento científico e pensamento crítico, através da Literatura, e dos acervos bibliográficos disponibilizados nos diferentes polos e plataformas online dos recursos de informação eletrónicos, subscritos pela UE (B-on, JSTOR, SCOPUS, EBSCO), assim como através da Arte e da Cultura que propomos aos estudantes e visitantes da nossa Biblioteca. Esta é sem dúvida a melhor homenagem que poderíamos prestar aos estudantes da nossa Academia, na medida em que procuramos, através da Arte, da Cultura, e da Literatura estimular nos alunos que nos consultam, e nos visitam nas exposições, uma maior consciência para a importância da expressão, criação e reflexão crítica e artística, como elementos centrais do pensamento e da análise criteriosa sobre o mundo que nos rodeia. Muito para lá do nosso quintal.
RuteMarchantePardal Dinamização Cultural | SBID - Serviços de Biblioteca e Informação Documental 5
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FOTOGRAFIA
FICHA TÉCNICA Título Permanente autoconstrução I, 2021 Dimensões 100cm x 70cm Materiais Fotografia sobre tela Sou a soma de todos os olhares que passaram por mim: pontos de vista são formados a partir do olho que olha.
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FICHA TÉCNICA Título Permanente autoconstrução II, 2021 Dimensões 100cm x 70cm Materiais Fotografia sobre tela Sou a soma de todos os olhares que passaram por mim: a história é um olhar em constante movimento.
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FICHA TÉCNICA Título Permanente autoconstrução III, 2021 Dimensões 100cm x 70cm Materiais Fotografia sobre tela Sou a soma de todos os olhares que passaram por mim: olhares que refletem os seus tempos. Então, o onde e o quando fazem toda a diferença quando se olha.
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FICHA TÉCNICA Título Permanente autoconstrução IV, 2021 Dimensões 100cm x 70cm Materiais Fotografia sobre tela Sou a soma de todos os olhares que passaram por mim: se os olhos descansam em movimento, então é movimentá-los em direção ao que irá nutrir um melhor olhar futuro.
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FICHA TÉCNICA Título Passado (2021) Dimensões 100cm x 70 cm Materiais Intervenção sobre fotografia O meu tempo não tem prazo ou hora para acabar. Mas o tempo é autoritário e soberano: a única certeza é a de que o fim vai chegar. Agradeço pelas experiências vividas nesta vida. São elas que levarei além do tempo. 11
FICHA TÉCNICA Título Presente (2021) Dimensões 100cm x 70 cm Materiais Intervenção sobre fotografia O ato da realização desta obra foi feito sob graves tempestades pandémicas. Entre as muitas camadas da consciência, a eterna aprendiz que sou. Tenho a certeza de que posso contar apenas com decisões e atitudes tomadas no tempo presente. 12
FICHA TÉCNICA Título Futuro (2021) Dimensões 100cm x 70 cm Materiais Intervenção sobre fotografia O futuro será de colaboração entre os seres humanos e mais cuidado com o meio ambiente. Ou, o futuro não será de maneira nenhuma. Desequilíbrios ambientais afetam o planeta em que vivemos e potenciam colapsos. Um vírus mortal, que é transmitido de pessoa para pessoa, abraçou o mundo em algumas semanas para nos mostrar que somos todos um. 13
FICHA TÉCNICA Título LIBERDADE: Dentro (2021) Dimensões 31cm x 47cm Materiais Intervenção sobre fotografia Obra produzida a partir da ideia de uma entrevista com o Ex-Presidente Uruguaio, Pepe Mujica.
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FICHA TÉCNICA Título LIBERDADE: Atrás do olho (2021) Dimensões 31cm x 47cm Materiais Intervenção sobre fotografia Obra produzida a partir da tensão na letra da música “Atrás do olho” da banda Saci Were: “O mundo novo mora atrás do olho. Mora dentro do tesouro que está dentro de você”.
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UM ATO DE VANDALISMO Um ato de vandalismo foi praticado sobre a obra de Hoana Bonito, mesmo de frente ao Município, em pleno centro histórico de Évora. A ausência de tolerância para com a palavra, e para com a expressão livre foi visível, e denunciou a suposta ausência de um olhar mais empático, no qual o trabalho da artista incide. Por sua vez, o ato de vandalismo e de intolerância praticado sobre uma obra de arte, em plena praça do centro histórico eborense, demonstra, em parte, a desumanidade a que a poética do olhar pode chegar, tendo em conta que as atitudes que poderão estar por detrás desses mesmos atos poderão ter como fio condutor o preconceito, a discriminação, a censura, e/ou considerações negativas sobre a personalidade do artista. Será este um ato de libertação que carece de denúncia? E nos convida a todos, alertando-nos, para o debate sobre o que é (e não é) válido defender, quando agimos e refletimos em sociedade? Seria esse um lugar válido (a própria obra de Arte) para deixar um voto de protesto? E o que é uma corrente de opinião e de informação esclarecida, livre e democrática? Mas, sobretudo, o que é a barbárie? Este tem sido um tema, e um debate bastante acesso nestes dois últimos anos, em particular, no que respeita ao contexto da arte urbana, da estatuária dos séculos XIX e XX. E ainda que, bastante impactantes, possamos, quiçá, afirmar que esses mesmos atos de vandalismos se insiram, contrariamente, num contexto de luta cívica e democrática contra o racismo (BlackLivesMatter), nalguns deles vimos, também, através dos Mídea, determinadas obras de Arte serem, com assumida legitimidade, jogadas, derramadas, arremessadas e apeadas pelas ruas e rios de muitas capitais, e centros históricos mundiais. Legítimo, é sempre possível questionar? Qual o papel que cumpre determinada obra de arte, em determinado contexto, e em que realidade histórica? E qual o posicionamento e o questionamento dessa mesma legitimidade do olhar, aos olhos do Presente? Muitas destas questões inquietam-nos e provocam-nos, ad nauseuam, sentimentos bastante díspares e polarizados entre si. Conflituosos, em determinadas situações, e profundamente obscuros, noutras. Não podemos, porém, decliná-los na interpretação, como se fosse possível não refletir sobre a própria História.
RuteMarchantePardal Dinamização Cultural| SBID - Serviços de Biblioteca e Informação Documental 16
Centro Histórico de Évora. Praça do Sertório 17
SOBRE A INTOLERÂNCIA E O VANDALISMO DA OBRA A obra é sobre a LIBERDADE, e a ideia que desejava fazer passar era a de que me sinto livre, mesmo por detrás de uma máscara de proteção coletiva no combate à pandemia da covid-19. Ao ver a minha obra vandalizada, percebi a capacidade que aquela peça artística tinha em tirar as pessoas do seu lugar de conforto. Era a única, entre dezenas de outras obras, que abordava o tema da liberdade. Ter inquietado um coração, no momento de olhar a liberdade, ao ponto de o espectador depredar a obra, só deixou claro para mim o provável desejo, e a necessidade pela libertação que o vândalo/dono desse coração sentiu. A arte pode ter a função de mexer com as pessoas e isso pode incomodar. A palavra LIBERDADE foi de novo reescrita. De certa forma não foi a única vez que a palavra liberdade foi deturpada. Reparei que não há, em toda a cidade, uma arte de rua com o termo Liberdade escrito, que não tenha sido arrancada, rasgada, deturpada, etc. Espero ver essa palavra escrita persistir pelas ruas da cidade. Afinal, quem permite às outras pessoas serem elas mesmas, liberta-se a si mesmo para as infinitas possibilidades de se ser quem é. Hoana Bonito Évora, fevereiro 2022
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Pormenor da obra, vandalizada, no centro histórico de Évora. Praça do Sertório 19
Pormenor da obra, vandalizada, no centro histórico de Évora. Praça do Sertório 20
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VÍDEO PERFOMANCE
FICHA TÉCNICA Título Descobrir o Brilho - o Brilho dentro, 2021 Dimensões Vídeo/registo de performance em loop Materiais Vídeo performance 22
Vestida com diversas camadas de roupa, como usavam as ceifeiras tradicionais, caminhei pelo centro histórico de Évora, vagarosamente, e em silêncio, para ter a sensação de me ver e de ser vista como uma mulher tradicional alentejana. Esta performance, que teve a duração aproximada de quarenta minutos, foi documentada em vídeos e fotos por alguns colegas que acompanharam no percurso. O interesse principal era o de tentar perceber a maneira como seria vista, por quem estava nas ruas. As muitas camadas de roupa e véus foram retiradas ao longo do percurso entre o Templo Romano e a Praça do Giraldo onde, no final, foram deitados ao chão os últimos véus e camadas do traje tradicional e, nesse momento, muito brilho foi descoberto nas roupas contemporâneas e na pele atual. O brilho simboliza o que há de mais autêntico em cada pessoa. Estive o tempo todo debaixo de tantos véus e camadas de pano, que entendi que estas mesmas camadas que me escondiam, não faziam parte de mim. E foi, enquanto deitava no chão cada uma dessas camadas de pano, que percebi e senti que, depois de mais de um ano a morar em Évora, em todo esse tempo o meu “eu” mais autêntico estava escondido por debaixo de muitas camadas. Camadas moldadas pelos longos olhares que eu recebia, quase como um julgamento. Olhares densos que faziam com que o meu corpo encolhesse. Tenho a certeza que é uma sensação que muitas alunas e, mesmo alguns, alunos já sentiram. Além disso, esta performance funcionou como um ritual. Afinal, era a semana da minha saída de Évora, e da minha mudança para Lisboa. O ritual pareceu mais intenso quando, ao terminar o trajeto e a performance, por acaso, eu me encontrei no monumento em homenagem às vítimas da inquisição, onde se podia ler: “Homenagem de Évora às vítimas da inquisição portuguesa e de todas as intolerâncias. Nos 480 anos da criação em Évora da inquisição 1536 - 2016”. E foi apenas naquele momento, que percebi que o monumento não trazia de facto uma data para o fim da inquisição, em Évora. Senti que, além de vestida, estava de alguma maneira a ver o mundo como uma ceifeira alentejana. Senti-me muito presa pelas roupas e pelo calçar de um sapato que não me servia bem. Era difícil caminhar e mesmo os movimentos eram limitados, devido a tantas camadas de roupas. Fiquei a imaginar como as mulheres da época se sentiam. Possivelmente sentiam-se confortáveis, mesmo com tantas camadas de roupas, muitas delas amarradas nas pernas, e um lenço na cabeça, e em volta do rosto. 23
Claro que para elas era costumeiro e, por isto, confortável estar vestida assim. Isto me fez pensar na ideia pessoal do conforto que cada pessoa tem, e de como essa ideia é formada de acordo com o seu quotidiano. Afinal, o ser humano se acostuma com qualquer situação, por mais difícil que seja. Então, quais seriam os meus condicionamentos? De toda a maneira, mesmo com mais de um ano a morar em Évora, não me acostumei com os tantos olhares intensos que sempre recebi na cidade. Sentia-me como se tivesse que esconder, através de muitas camadas, o brilho da minha autenticidade. Como se tivesse que, através de inúmeras camadas de comportamentos e roupas, esconder quem eu sou de verdade. Não me sentia à vontade para, entre tantas outras coisas, usar um batom ou brincos. Ser brasileira em Évora era ser mal vista, como nunca antes fui. Foi das piores experiências que já tive. Não é fácil para ninguém, e não foi fácil para mim. Vi tudo isso bem claro, de dentro (e por detrás) do véu da mulher alentejana. Senti, também, o silêncio implícito das mulheres, nos mais diferentes tempos e locais. Como já havia adiantado uma amiga alentejana, antes mesmo da performance acontecer: ninguém ousaria dirigir-me a palavra. Os locais iriam apenas olhar. E assim foi. No máximo, conversavam entre si. Os colegas que acompanharam a ação relataram que o véu parecia, de certa maneira, cortar a comunicação. E relataram, também, sentir um certo alívio quando tirei as tantas camadas de roupa e fiquei vestida apenas com meu traje básico, como se as peças de tecido, literalmente, pesassem, e como se cada olhar comunicasse com um olhar denso, e intenso. Um mês depois, na Espanha, mulheres mortas pela inquisição foram oficialmente consideradas "vítimas de perseguição misógina''. Tal reconhecimento há de chegar a Portugal visto que, segundo estudos, cerca de 80% das vítimas da inquisição portuguesa foram mulheres. Isso levanta muitas reflexões, uma delas prende-se com o facto da passagem de tantos séculos de inquisição poderem, também, moldar os olhares que os locais têm hoje sobre as mulheres, e o mundo.
Brilhemos.
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INSTALAÇÃO
FICHA TÉCNICA Título Olhares de Évora (2022) Dimensões Ocupação territorial - Instalação Materiais Papel e fio de nylon O olhar é dinâmico, o olhar não para. Os olhos descansam, até mesmo, em movimento. É um grande poder, o poder direcionar os olhos para onde se quiser. Mas, que intenção coloco no meu olhar? Como é que estou a ver o Mundo?
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O LIVRO A B E R T O
FICHA TÉCNICA
Título O cosmos no teu olho (ou a ser completado com a sua opinião), 2021 Dimensões 28cm x 41cm Materiais Intervenção (com espelho e fita cola) sobre enciclopédia escolhida ao acaso. 29
O Livro Aberto é um livro objeto que convida o expectador a participar do momento da obra, numa espécie de performance guiada. Já que apenas o olhar do expectador completa a obra, um olhar mais atento e alguma intenção podem dar o tom a qualquer mensagem. O que pretendo é comunicar, poeticamente. Que olhares compõem determinado olhar e como podem funcionar as formações do ponto de vista pessoal: De onde vêm as opiniões? Ao buscar rapidamente os significados, a opinião significa a manifestação de uma forma de ver, representando o estado de espírito e a atitude de um indivíduo, ou de um grupo em relação a um determinado parâmetro ou realidade. Deste modo, a forma de ver estaria ligada à atitude individual que, somada às informações que a pessoa tem sobre um assunto, a levaria a uma construção pessoal da noção que cada pessoa teria de uma determinada realidade. Cada ponto de vista, cada pessoa seria então um ângulo único. E tal ângulo é passível de mudanças e transformações. Procurei expandir o conceito de Umberto Eco sobre as obras de arte consideradas abertas: Na era das bolhas criadas pelos algoritmos na internet, o espectador vê informações cada vez mais incompletas e fragmentadas. Cada informação completa-se com o olhar do espectador e assim nascem as opiniões, formadas pelos sentidos e pela experiência de quem vê. Longe de sermos meros espectadores dos significados e sentidos do que vemos, somos ativos de acordo com os nossos pontos de vista (somatório de experiências, critérios e lastro cultural), e damos um significado particular a cada notícia, a cada aula, ao que vemos nas redes sociais, a cada livro que lemos, etc. Desse modo, uma enciclopédia desatualizada convida a uma atualização do olhar, por parte de quem a observa, para que se torne uma obra completa: “Afinal o que cada termo definido aqui significa para você?”. Invoco a crença que os povos antigos tinham no poder das mensagens dos livros, e solicito que feche os olhos, pense num tema da sua vida e escolha uma página. Abra os olhos, abra o livro e acredite na mensagem. A mensagem veio da sua intenção. A interpretação veio da sua intenção. Em tudo o que lês, em tudo o que vês, está também a força do teu único ângulo que é o teu olhar. A tua maneira de ver vai completar o que está a ser visto.
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Nota Biográfica
Fotógrafa, Artista plástica e jornalista de profissão, Hoana Bonito é licenciada em Artes visuais pela Universidade de Brasília, graduada em Relações Internacionais e especialista em Artes Visuais, Cultura e Criação. O seu trabalho tem refletido uma pesquisa que alude às diferentes perspetivas da (in) visualidade, dedicando estes últimos anos a criar um método para integrar, através do ensino da história da arte e da fotografia, pessoas cegas no universo das artes visuais, transformando-as em artistas visuais. Esse projeto culminou em vários prémios científicos de iniciação científica, com a temática da poética visual. Foi durante três anos a responsável pela equipa de acessibilidade e assessora de imprensa da equipa da Galeria Espaço Piloto, em Brasília (Brasil). Atualmente, frequenta o mestrado em Práticas Artísticas na Escola de Artes da Universidade de Évora, e dedica-se a pesquisar o olhar (de maneira poética e autobiográfica), numa intensa procura que capta as diferentes formas de ver. Reflete no seu trabalho sobre como as questões da relatividade, e como os pontos de vista são - ou podem ser – formados e transformados, a partir do brilho que cada pessoa tem de mais autêntico, dentro de si. 31
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