Exposição: O olho e o brilho- Hoana Bonito

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Vestida com diversas camadas de roupa, como usavam as ceifeiras tradicionais, caminhei pelo centro histórico de Évora, vagarosamente, e em silêncio, para ter a sensação de me ver e de ser vista como uma mulher tradicional alentejana. Esta performance, que teve a duração aproximada de quarenta minutos, foi documentada em vídeos e fotos por alguns colegas que acompanharam no percurso. O interesse principal era o de tentar perceber a maneira como seria vista, por quem estava nas ruas. As muitas camadas de roupa e véus foram retiradas ao longo do percurso entre o Templo Romano e a Praça do Giraldo onde, no final, foram deitados ao chão os últimos véus e camadas do traje tradicional e, nesse momento, muito brilho foi descoberto nas roupas contemporâneas e na pele atual. O brilho simboliza o que há de mais autêntico em cada pessoa. Estive o tempo todo debaixo de tantos véus e camadas de pano, que entendi que estas mesmas camadas que me escondiam, não faziam parte de mim. E foi, enquanto deitava no chão cada uma dessas camadas de pano, que percebi e senti que, depois de mais de um ano a morar em Évora, em todo esse tempo o meu “eu” mais autêntico estava escondido por debaixo de muitas camadas. Camadas moldadas pelos longos olhares que eu recebia, quase como um julgamento. Olhares densos que faziam com que o meu corpo encolhesse. Tenho a certeza que é uma sensação que muitas alunas e, mesmo alguns, alunos já sentiram. Além disso, esta performance funcionou como um ritual. Afinal, era a semana da minha saída de Évora, e da minha mudança para Lisboa. O ritual pareceu mais intenso quando, ao terminar o trajeto e a performance, por acaso, eu me encontrei no monumento em homenagem às vítimas da inquisição, onde se podia ler: “Homenagem de Évora às vítimas da inquisição portuguesa e de todas as intolerâncias. Nos 480 anos da criação em Évora da inquisição 1536 - 2016”. E foi apenas naquele momento, que percebi que o monumento não trazia de facto uma data para o fim da inquisição, em Évora. Senti que, além de vestida, estava de alguma maneira a ver o mundo como uma ceifeira alentejana. Senti-me muito presa pelas roupas e pelo calçar de um sapato que não me servia bem. Era difícil caminhar e mesmo os movimentos eram limitados, devido a tantas camadas de roupas. Fiquei a imaginar como as mulheres da época se sentiam. Possivelmente sentiam-se confortáveis, mesmo com tantas camadas de roupas, muitas delas amarradas nas pernas, e um lenço na cabeça, e em volta do rosto. 23


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