ESPECIAL•JUL-2020
REGULATÓRIO
Enfim, um divisor Reprodução de de águas no setor de fotografias divulgadas Saneamento na internet pode ser gratuita SOCIETÁRIO E M&A
Investimento privado e a universalização do Acordo de básico saneamento coparticipação para áreas em cessão onerosa PROJECT FINANCE E MERCADO DE CAPITAIS e partilha de produção Financiamento de Projetos de Saneamento CVM edita nova instrução sobre processo Saneamento administrativoAmbiental sancionador AMBIENTAL
DIREITO ADMINISTRATIVO E RELAÇÕES GOVERNAMENTAIS
TCU e o Novo Marco do Saneamento A consolidação substancial no projeto de reforma da Lei de ARBITRAGEM Falências ANA e a ação mediadora ou arbitral nos conflitos
RELAÇÕES GOVERNAMENTAIS
Medidas em tramitação no Congresso podem afetar As utilidades da proa pauta do saneamento dução antecipada de provas noCódigo de TRIBUTÁRIO Processo Civil de 2015 Aspectos Tributários de Investimentos em Projetos de Saneamento Básico
Conciliação para Impactos da LGPD nos CONSUMIDOR resolução de infrações contratos de trabalho A Individualização das ambientais medições de consumo hídrico e o direito do consumidor
Sumário Experiência, agilidade e inovação: três competências que marcam o nosso DNA.
BMAReview® Especial CONSELHO EDITORIAL
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AMBIENTAL
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COMPLIANCE, INVESTIGAÇÕES E DIREITO SANCIONADOR
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CONCORENCIAL CONTENCIOSO E ARBITRAGEM CONTENCIOSO TRIBUNAIS SUPERIORES
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SOCIETÁRIO E M&A
DIREITO ADMINISTRATIVO E RELAÇÕES GOVERNAMENTAIS
INVESTIMENTO PRIVADO E A UNIVERSALIZAÇÃO DO SANEAMENTO BÁSICO
NOSSAS PRINCIPAIS ÁREAS DE ATUAÇÃO:
EDIÇÃO
DIAGRAMAÇÃO
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TCU E O NOVO MARCO DO SANEAMENTO
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REGULATÓRIO
ENFIM, UM DIVISOR DE ÁGUAS NO SETOR DE SANEAMENTO
DIGITAL E NOVAS TECNOLOGIAS ENERGIA
IMPRESSÃO
Copy House FOTOS
Shutterstock FECHAMENTO: JULHO 2020
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FRENCH DESK INFRAESTRUTURA, REGULAÇÃO E ASSUNTOS GOVERNAMENTAIS MERCADOS FINANCEIRO E DE CAPITAIS NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS
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ÓLEO E GÁS PENAL EMPRESARIAL PLANEJAMENTO PATRIMONIAL E SUCESSÓRIO
PROJECT FINANCE E MERCADO DE CAPITAIS
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ANA E A AÇÃO MEDIADORA OU ARBITRAL NOS CONFLITOS
FINANCIAMENTO DE PROJETOS DE SANEAMENTO
RELAÇÕES GOVERNAMENTAIS
MEDIDAS EM TRAMITAÇÃO NO CONGRESSO PODEM AFETAR A PAUTA DO SANEAMENTO
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ARBITRAGEM
18 TRIBUTÁRIO
ASPECTOS TRIBUTÁRIOS DE INVESTIMENTOS EM PROJETOS DE SANEAMENTO BÁSICO
20 AMBIENTAL
SANEAMENTO AMBIENTAL
A INDIVIDUALIZAÇÃO DAS MEDIÇÕES DE CONSUMO HÍDRICO E O DIREITO DO CONSUMIDOR
REGULATÓRIO
JUL-2020 | BMA REVIEW ESPECIAL SANEAMENTO
A
Lei nº 14.026/2020, o “Novo Marco Legal do Saneamento”, sancionada com vetos, em 15 de julho corrente, é recebida com alegria por todos os que se interessam pelo setor. É enorme a expectativa quanto à atração de grandes investimentos, públicos e privados, nacionais e estrangeiros, capazes de finalmente lançar as bases para a universalização do serviço.
Reprodução de fotografias divulgadas ENFIM, UM DIVISOR DE na internet pode ÁGUAS NO SETOR DEser gratuita SANEAMENTO
Várias são as razões para essa expectativa. A Lei encaminha, por exemplo, uma solução simples e criativa para federalizar a regulação de uma atividade de competência eminentemente municipal e/ou estadual: amplia a competência regulatória da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), para estabelecer regras gerais e de referência no setor de saneamento, elevando a adesão a essas normas e seu cumprimento a condição fundamental para o apoio financeiro da União. Um passo adiante, veda a celebração de novos Contratos de Programa, assim entendidos os acordos entre entidades públicas, sem licitação, para a prestação de serviços de saneamento. E elimina a necessidade de indenização prévia de investimentos não amortizados ou depreciados, na transferência de serviços por um prestador a outro, ao autorizar que a responsabilidade por essa indenização seja atribuída ao novo prestador que venha a assumir o serviço. Por fim, permite expressamente a inclusão nos contratos de concessão de cláusulas compromissórias, pelas quais eventuais divergências sejam resolvidas por arbitragem.
Tudo isso contribui para o aumento da percepção de segurança jurídica para o investidor no setor, tendendo a criar uma uniformidade das principais regras, em todo o País
Tudo isso contribui para o aumento da percepção de segurança jurídica para o investidor no setor, tendendo a criar uma uniformidade das principais regras, em todo o País, encorajando novas inversões privadas e reduzindo o temor de interferência estatal indevida. Nem mesmo os inesperados vetos presidenciais foram suficientes para a quebra dessa expectativa positiva no setor privado, embora alguns vetos tenham sido muito mal recebidos na área pública, em especial pelos Estados, correndo sério risco de serem derrubados.
Por Plínio Simões Barbosa e Ana Cândida de Mello Carvalho
É enorme a expectativa quanto à atração de grandes investimentos, públicos e privados, nacionais e estrangeiros, capazes de finalmente lançar as bases para a universalização do serviço.
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REGULATÓRIO
JUL-2020 | BMA REVIEW ESPECIAL SANEAMENTO
Uma Agência Federal para o Saneamento Básico Atingir os objetivos de uniformidade regulatória e incremento da segurança jurídica em um setor cuja competência para explorar os serviços é, por força da Constituição Federal, dos Municípios e, no caso de regiões metropolitanas, também dos Estados, não é tarefa simples. A fragmentação regulatória (são mais de 50 agências reguladoras) apresenta desafios para a estruturação e implantação de projetos, para a gestão dos serviços e contratos, para a transparência e, em última instância, cria barreiras para a atração de investimentos privados. Assim, desde o início do debate sobre o Novo Marco, a “federalização” de competências para o saneamento básico esteve no centro do debate. O caminho encontrado, tendo em vista a complexidade de alteração das competências originais, foi a ampliação do papel da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), até então de regulação e monitoramento dos recursos hídricos, para agregar a competência para instituir normas de referência para a regulação dos serviços públicos de saneamento básico (que incluem abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, além da drenagem e manejo das águas pluviais urbanas).
Outra dimensão da busca por uniformidade regulatória é a competência da ANA para indicar conteúdo mínimo para os contratos de delegação dos serviços à iniciativa privada. A chave do sucesso das normas de referência está no mecanismo de incentivo criado pelo Novo Marco à sua adoção pelos Municípios e Estados: apenas aqueles que adotarem e continuamente observarem tais normas terão acesso a recursos públicos federais e a financiamentos com recursos da União. O volume de recursos federais destinados historicamente ao saneamento (média de R$ 8,9 bilhões/ano entre 2007 e 2015 ) é emblemático da relevância do incentivo criado. O Novo Marco está longe de resolver todas as questões do setor, mas tem, sim, potencial para aumentar a estabilidade regulatória e a segurança jurídica necessárias à atração de investimentos privados e, o que é mais importante, diminuir o déficit de acesso da população brasileira aos serviços de saneamento básico no País.
Outra dimensão da busca por uniformidade regulatória é a competência da ANA para indicar conteúdo mínimo para os contratos de delegação dos serviços à iniciativa privada.
Essas normas de referência serão dirigidas aos titulares dos serviços e às agências reguladoras e fiscalizadoras, e terão por objeto temas relevantes, como: • padrões de qualidade e eficiência dos serviços; • metas de universalização; • regulação tarifária; • critérios para a contabilidade regulatória; • metodologia de cálculo de indenizações por investimentos não amortizados ou depreciados; e • governança das entidades reguladoras.
Plínio Simões Barbosa Sócio de Societário e M&A plinio@bmalaw.com.br
Ana Cândida de Mello Carvalho Sócia de Infraestrutura, Regulação e Assuntos Governamentais acmc@bmalaw.com.br
1. Informação disponível no link https://ceri.fgv.br/sites/default/files/publicacoes/2018-10/39_efetividade-dos-investimentos-em-saneamento-no-brasil-25-09-2016.pdf e acessada em 15.07.2020.
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SOCIETÁRIO E M&A
JUL-2020 | BMA REVIEW ESPECIAL SANEAMENTO
Investimento privado e a universalização do saneamento básico Por Luciana Marsal e Felipe Paschoalini
Muito já se especula sobre as potenciais empresas candidatas a processos de desestatização, com destaque para as companhias estaduais de São Paulo e Minas Gerais.
A
história do saneamento básico no Brasil é marcada pela carência de investimentos. Metade da população brasileira não tem acesso a uma rede de esgoto, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Regional, fato que pode ser atribuído à incapacidade do poder público de suprir as necessidades desse setor. A participação da iniciativa privada pode mudar esse cenário. Segundo levantamento da Abcon e do Sindcon (Associação e Sindicato das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto, respectivamente), o investidor privado está presente em apenas 6% dos municípios e, apesar do interesse no setor, é desestimulado pela insegurança jurídica e pela concentração das contratações em empresas estatais. Nesse cenário, o Novo Marco Legal do Saneamento básico (“Novo Marco”) busca atrair investimentos privados para dar impulso à universalização do serviço, apoiado em três pilares: (i) competitividade no acesso a novos contratos; (ii) segurança jurídica aos participantes do setor; e (iii) estímulo à desestatização. Com o objetivo de promover a competitividade no setor – primeiro pilar –, o Novo Marco veda a prestação de serviços por meio de contratos de
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programa. Esse tipo de contrato possibilitava que as empresas estatais prestassem serviços sem concorrência. Agora, torna-se obrigatória a celebração de contratos de concessão, que exigem prévia licitação. Um ponto de incerteza, no entanto, é a transição dos atuais contratos de programa e de outras contratações precárias (sem contrato assinado ou com contrato vencido) para o novo modelo. Na proposta original do Senado, o texto autorizava a renovação dessas contratações por 30 anos, com certas adaptações e desde que isso ocorresse até março de 2022. Esse trecho foi vetado pelo Presidente da República sob o argumento de que o prazo de 30 anos era excessivo e impediria a competividade pretendida pelo Novo Marco. Com o veto presidencial, a transição para o modelo de concessão seria iniciada de imediato, contudo, ainda é possível que o Congresso derrube referido veto. O Novo Marco também reforça a competividade criando novos parâmetros de eficiência. Os contratos de saneamento devem prever metas de universalização do serviço, visando garantir o atendimento de 99% da população com água potável e de 90% da população com coleta e tratamento de esgotos até 31 de dezembro de 2033. Os contratos em vigor que não estabele-
çam as referidas metas terão até 31 de março de 2022 para instituí-las. A norma também passa a exigir comprovação da capacidade do prestador de serviços para atingir as metas, sendo que os critérios ainda precisam ser detalhados por decreto, o que deve ocorrer em até 90 dias. Vale destacar que apenas 6% dos municípios brasileiros cumprem os requisitos previstos no Novo Marco, o que pode representar oportunidade de entrada para investidores privados. A nova regulamentação estabelece, ainda, restrições para a distribuição de dividendos no caso de descumprimento das metas previstas nos contratos, ponto que pode gerar discussão em vista da necessidade de compatibilização com o dividendo obrigatório previsto na lei societária. A segurança jurídica – segundo pilar – é promovida de duas formas. Primeiro, tornando obrigatória a inclusão de cláusulas essenciais nos contratos de concessão, que exigem o tratamento de temas como reequilíbrio contratual e indenização. Segundo, estimulando a adoção de regulação uniforme pelos municípios. Apenas aqueles que adotarem diretrizes de referências instituídas pela Agência Nacional de Águas poderão receber novos financiamentos do Governo Federal. Assim, o Novo Marco reconhece que o financiamento federal continuará sendo essencial e o utiliza como ferramenta para direcionar a conduta dos municípios. Essa mesma ferramenta também poderá ser utilizada para alinhar os interesses dos investidores privados com o interesse público, pois o Novo Marco prevê que a União priorizará o financiamento de sistemas de prestação regionalizada, que geralmente agrupam municípios lucrativos
e deficitários. O Novo Marco busca estimular processos de desestatização – terceiro pilar – permitindo que os contratos de programa ou de concessão em vigor sejam substituídos por novos contratos de concessão sem a necessidade de consentimento das contrapartes (municípios), desde que o adquirente do controle não proponha alterações no objeto, na duração ou em outras cláusulas, excetuadas as adaptações necessárias para adequação ao Novo Marco. Muito já se especula sobre as potenciais empresas candidatas a processos de desestatização, com destaque para as companhias estaduais de São Paulo e Minas Gerais. É importante notar, no entanto, que eventuais participantes dos processos de privatização devem estar atentos a alguns riscos, como a necessidade de autorizações prévias (incluindo autorizações legislativas estaduais) e de término dos contratos de programa, em razão, por exemplo, de cláusulas de rescisão em caso de mudança de controle. Tendo em vista os estímulos previstos no Novo Marco, espera-se que as empresas atuantes no setor e eventuais novos entrantes busquem ganhar competitividade na disputa de novas concessões, seja por meio de aportes de investidores ou de operações de M&A. A universalização dos serviços de água e esgoto demandará investimentos expressivos – fontes do mercado estimam valores entre R$ 400 e R$ 750 bilhões. Nesse contexto, o investimento privado no setor tem potencial de gerar valor para os investidores e produzir grandes impactos econômicos e sociais no Brasil.
Luciana Marsal
Felipe Paschoalini
Sócia de Societário e M&A
Advogado de Societário e M&A
luciana@bmalaw.com.br
fep@bmalaw.com.br
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DIREITO ADMINISTRATIVO E RELAÇÕES GOVERNAMENTAIS
TCU e o Novo Marco do Saneamento Por André Macedo de Oliveira e José Guilherme Berman
Um dos reflexos dessa nova dinâmica interfederativa será visto nos sistemas de controle administrativo da ação estatal. Nesse cenário, é pertinente discutir o papel que o Tribunal de Contas da União (TCU) poderá assumir na fiscalização das ações a serem tomadas com base no Novo Marco.
A
Lei nº 14.026/2020, que modifica substancialmente o Marco Legal do Saneamento, acrescentou novos componentes à já complicada relação entre a estrutura federativa do estado brasileiro e a prestação do serviço público de saneamento básico. No plano da regulação, havia cerca de cinquenta agências reguladoras estaduais e municipais que eram responsáveis pela fiscalização dos serviços públicos concedidos. A partir de agora, todas elas deverão observar as diretrizes que serão elaboradas pela Agência Nacional de Águas, como abordado no artigo de abertura desta edição especial. Com isso, a ANA passa a exercer um papel de uniformização, concretizando uma política nacional aplicável a todos os entes federativos. Trata-se, contudo, de um papel sui generis, já que, conforme decidido pelo STF quando do julgamento da ADI nº 1.842/RJ, o serviço público de saneamento é de titularidade dos municípios, podendo ser regionalizado por meio do estabelecimento de regiões metropolitanas. Ou seja, a prestação do serviço insere-se na esfera de competência de estados e municípios, mas não da União. Embora sob o Novo Marco os entes locais e regionais mantenham a titularidade sobre o serviço, sendo responsáveis pelas suas respectivas regulação e prestação, a ANA assume uma
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função de meta regulação, devendo editar normas de referência e fiscalizar seu cumprimento pelos reguladores locais. Na prática, opera-se uma imbricação das estruturas administrativas do Governo Federal e de entes locais e regionais em prol da melhoria do serviço, o que demanda, por sua vez, um aprimoramento dos instrumentos federativos de cooperação. Um dos reflexos dessa nova dinâmica interfederativa será visto nos sistemas de controle administrativo da ação estatal. Nesse cenário, é pertinente discutir o papel que o Tribunal de Contas da União (TCU) poderá assumir na fiscalização das ações a serem tomadas com base no Novo Marco. O TCU é encarregado de exercer fiscalização de natureza financeira sobre as entidades federais, sob parâmetros de legalidade, legitimidade e economicidade. Agências reguladoras federais estão incluídas na jurisdição do TCU, mas seu controle deve ser exercido dentro de parâmetros e limites específicos, sob pena de se comprometer a autonomia regulatória das agências. Via de regra, o TCU atua com base na distinção entre atividade-fim e atividade-meio. Atividade-meio exercida por agências reguladoras (atos como contratações, concursos, etc) devem estar sujeitos ao mesmo tipo de controle exercido sobre os demais órgãos federais; já
JUL-2020 | BMA REVIEW ESPECIAL SANEAMENTO
quanto à atividade-fim, isto é, o próprio exercício da regulação, o tribunal deve preservar o espaço de deliberação técnica das agências que justificou sua criação. Na prática, contudo, o que se tem visto é que o TCU tem se valido com alguma frequência de recomendações e determinações para interferir no mérito da atuação de agências reguladoras, extrapolando a natureza eminentemente contábil de sua fiscalização. A peculiaridade do novo papel da ANA refere-se ao fato de que o objeto da sua atividade não é um serviço público federal, e que, portanto, não ensejaria fiscalização por parte do TCU. É verdade que o TCU já conduz há algum tempo ações de fiscalização sobre obras públicas relacionadas a atividades de saneamento, mas não
Assim, será preciso que o Tribunal adeque sua atuação, seja para garantir autonomia aos entes titulares do serviço e aos seus respectivos órgãos de controle, seja para assegurar à própria ANA o exercício de discricionariedade técnica na consecução de sua missão institucional propriamente sobre a regulação e prestação do serviço. Isso ocorre sobretudo quando são celebrados convênios entre prefeituras e entidades federais, o que atrai a competência do TCU por conta do emprego de recursos da União. O Novo Marco conserva a relevância dos recursos federais na gestão dos serviços de saneamento. O art. 4º-B da lei, por exemplo, afirma que ANA deve divulgar uma lista das entidades
reguladoras que adotam as normas de referência nacionais, de modo a viabilizar acesso a recursos públicos federais. Não obstante, o protagonismo dos entes locais e regionais também é preservado. Diante desse cenário, algumas questões podem ser suscitadas: se a atuação finalística da ANA não envolve serviços públicos federais, mas municipais (ou regionais), qual será o papel que o TCU assumirá sob o Novo Marco? O descumprimento das normas de referência pelas entidades reguladoras locais ensejará algum tipo de fiscalização do tribunal? E como compatibilizar a atuação dos tribunais de contas estaduais e municipais com a fiscalização desse órgão federal? É natural imaginar que a atuação do TCU há de ser subsidiária e deferente aos tribunais de contas locais, estes sim com jurisdição sobre os serviços municipais e regionais. Os efeitos decorrentes da atuação descoordenada de órgãos de controle são conhecidos, notadamente no campo sancionador, e causam grave insegurança jurídica. Se é inegável reconhecer a importância dos órgãos de controle na fiscalização da ação estatal, também não se pode aderir cegamente à lógica de que “quanto mais controle, melhor”. Não obstante a relevante missão atribuída à ANA, a competência do TCU é naturalmente limitada pelo fato de não se estar lidando com um serviço público federal. Assim, será preciso que o Tribunal adeque sua atuação, seja para garantir autonomia aos entes titulares do serviço e aos seus respectivos órgãos de controle, seja para assegurar à própria ANA o exercício de discricionariedade técnica na consecução de sua missão institucional.
André Macedo de Oliveira
José Guilherme Berman
Sócio de Direito Administrativo e Relações Governamentais
Sócio de Direito Administrativo e Relações Governamentais
and@bmalaw.com.br
jgb@bmalaw.com.br
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RELAÇÕES GOVERNAMENTAIS
JUL-2020 | BMA REVIEW ESPECIAL SANEAMENTO
Medidas em tramitação no Congresso podem afetar a pauta do saneamento
Em resumo, essa proposição sugere a criação de um novo tipo de debênture para investimento em infraestrutura, com o objetivo de atuar como mecanismo alternativo de financiamento de longo prazo para esses projetos.
Por Giovani Menicucci
A possibilidade de retomada do crescimento econômico com a participação de investimentos internacionais de infraestrutura em projetos no Brasil guarda relação direta com o setor de saneamento.
A
aprovação do Marco Legal do Saneamento básico (Projeto de Lei nº 4.162/2019) pelo Senado Federal e a entrada em vigor do texto sancionado pelo Presidente da República dá a impressão de que o ciclo de debates sobre a matéria no âmbito do Legislativo Federal se encerrou. Contudo, tramitam, tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal, uma série de proposições que, apesar de estarem temporariamente paralisadas, poderão afetar a pauta do saneamento após o fim da pandemia. Isso porque, em razão do estado de emergência, foi suspenso o funcionamento das Comissões, nas duas casas legislativas, o que comprometeu a análise e votação de propostas relacionadas, direta ou indiretamente, ao tema do saneamento. Como exemplo, entre dezenas de proposições relevantes, podemos citar o Projeto de Lei nº 7.063/17, que dispõe sobre o novo Marco Legal
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das Concessões (“Lei Geral de Concessões”). O projeto é, inclusive, mencionado como prioritário em ofício (Ofício SEI nº 84/2020/ME) encaminhado pelo Ministério da Economia, em março do corrente ano, ao Presidente do Senado Federal. A possibilidade de retomada do crescimento econômico com a participação de investimentos internacionais de infraestrutura em projetos no Brasil guarda relação direta com o setor de saneamento. Além disso, a busca por segurança jurídica e atualização, modernização e aprimoramento da legislação sobre concessões e infraestrutura é peça chave para a geração de incentivos para projetos de infraestrutura. No Senado, há proposições que buscam facilitar o investimento em saneamento, a exemplo do Projeto de Lei do Senado nº 1/2018, que propõe a criação do “Certificado de Recebíveis de Saneamento (CRS)”, como já ocorre nos setores imobiliários (CRI) e agrícola (CRA).
Ainda no campo de medidas de combate aos efeitos da retração econômica imposta pela pandemia, e com o objetivo de alavancar investimentos em infraestrutura, um grupo de doze deputados apresentou o Projeto de Lei nº 2.646/20. Em resumo, essa proposição sugere a criação de um novo tipo de debênture para investimento em infraestrutura, com o objetivo de atuar como mecanismo alternativo de financiamento de longo prazo para esses projetos. A entrada em vigor do Marco Legal do Sane-
amento básico e a possibilidade de geração de emprego e renda em um setor carente por investimento tendem a fortalecer o debate acerca desses temas no âmbito do Congresso Nacional. Temos observado que a correta identificação e análise das proposições legislativas em trâmite no Congresso Nacional, direta ou indiretamente relacionadas ao tema do saneamento, permite aos investidores antecipar riscos e prospectar oportunidades em um ambiente político e econômico que está em constante transformação.
Giovani Menicucci Advogado de Contencioso e Arbitragem, Tribunais Superiores, Compliance, Investigações e Direito Sancionador e Relações Governamentais gte@bmalaw.com.br
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PROJECT FINANCE E MERCADO DE CAPITAIS
JUL-2020 | BMA REVIEW ESPECIAL SANEAMENTO
Financiamento de Projetos de Saneamento Por Rafael Dutra e Gabriel Bürgel
Além dos investimentos e programas de incentivo de entidades públicas, governamentais e internacionais, o mercado de títulos de dívida deve ser outra fonte relevante de financiamento para os projetos.
A
sanção da Lei Federal nº 14.026/2020, que cria o Novo Marco legal do saneamento básico, que cria o Novo Marco Legal do Saneamento básico, foi comemorada pela sociedade em geral pois, de um lado, prevê a universalização do acesso à rede de esgoto e fornecimento de água potável no Brasil até 2033 e, de outro, traz segurança jurídica ao setor. Este último fator, aliado ao fato de que os investidores precisam buscar alternativas à renda fixa em um cenário de juros baixos, certamente encorajará a entrada de players privados. O BNDES, a Caixa Econômica Federal e o Ministério de Desenvolvimento Regional já anunciaram que apresentarão projetos estruturados, inclusive no âmbito do PPI, para a viabilização dos novos investimentos e é esperada a participação dos grandes bancos e seus veículos, como já ocorre em outros setores – especialmente no âmbito de programas de incentivo Por se tratar de um setor de grande interesse socioeconômico, socioambiental e de desenvolvimento humano, outra fonte de recursos para financiamentos dos projetos pode ser os organismos internacionais e agências de fomento e bancos de desenvolvimento estrangeiros, que têm histórico de participação relevante em grandes projetos de desenvolvimento no Brasil. Além dos investimentos e programas de incen-
tivo de entidades públicas, governamentais e internacionais, o mercado de títulos de dívida deve ser outra fonte relevante de financiamento para os projetos. Nesse contexto, se espera que as debêntures de infraestrutura, regulamentadas por meio da Lei nº 12.431/2011, se apresentem como um importante instrumento para a captação de recursos. Apesar das vantagens fiscais, das boas taxas de retorno oferecidas e do risco relativamente moderado, as debêntures de infraestrutura ainda enfrentam dificuldade em se popularizar junto ao público investidor, especialmente por conta dos longos prazos de vencimento e da pouca liquidez dos ativos no mercado secundário1. Vale ainda mencionar o Projeto de Lei nº 2.646/2020, atualmente em tramitação, que traz novas alternativas de financiamento para os projetos de infraestrutura, com a criação de uma modalidade de debênture de infraestrutura com incentivos e benefícios fiscais às emissoras dos papéis, além de alterações às regras das debêntures incentivadas regidas pela Lei nº 12.431/2011 e dos fundos de investimento em participações de infraestrutura, no sentido de expandir o alcance e a aplicabilidade dos incentivos. Os benefícios previstos pelo PL seriam ainda majorados caso as debêntures visem financiar projetos de infraestrutura relacionados ao desenvolvimento sustentável (“green bonds”), o que expressamente incluiria a gestão de águas e resíduos de saneamento,
1. Embora a questão da liquidez tenha sido endereçada temporariamente pela regra da EC nº 106, de 10 de maio de 2020, que permite que o BACEN negocie ativos com rating BB- ou maior no mercado secundário de capitais, a permissão só vale enquanto vigorar o estado de calamidade.
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bem como o tratamento de esgotos sanitários e resíduos sólidos2. Caso seja convertido em lei, o PL tem o potencial de ampliar ainda mais o leque de fontes de financiamento disponíveis para os players do setor de saneamento. Com relação às garantias, a expectativa é que sejam adotadas modalidades típicas de garantia usualmente utilizadas em financiamento de projetos, incluindo (i) fiança corporativa do sponsor, fiança bancária ou seguro garantia durante o período de construção e/ou financial completion; (ii) alienação fiduciária sobre as ações das SPEs, equipamentos e/ou imóveis do empreendimento; e (iii) cessão fiduciária sobre os direitos emergentes das respectivas concessões e sobre os direitos creditórios decorrentes dos contratos com o público consumidor. Vale notar que ainda se aguarda regulamentação específica sobre o tema a ser editada pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA).
Outra frente possível de recursos para os projetos na área com o Novo Marco é a captação junto ao mercado de capitais via equity. A abertura de um setor historicamente controlado por estatais, junto à promessa de segurança jurídica trazida pela nova regra, permitirá a entrada de diversos novos players nacionais e internacionais. Assim, empresas do setor podem aquecer ainda o mercado de ações, seja com a adesão aos projetos já previstos de privatização das companhias existentes, ou mesmo com a abertura de capital de veículos dos novos participantes. Nesse cenário, além dos relevantes impactos na infraestrutura nacional e na vida das pessoas, o Novo Marco do Saneamento tem potencial para movimentar bastante os mercados financeiro e de capitais – tanto de dívida, quanto de equity (a expectativa de investimentos gira entre R$ 500 bilhões e R$ 700 bilhões).
Rafael Dutra
Gabriel Bürgel
Sócio de Mercados Financeiro e de Capitais, Projetos e Reestruturação
Advogado de Mercados Financeiro e de Capitais gcb@bmalaw.com.br
rdd@bmalaw.com.br
2. Uma vez concluído o processo legislativo, será possível confirmar a aplicabilidade e extensão dos benefícios fiscais aos projetos de saneamento.
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ARBITRAGEM
JUL-2020 | BMA REVIEW ESPECIAL SANEAMENTO
ANA e a ação mediadora ou arbitral nos conflitos Por Rafael da Rocha Castilho e Guilherme de Mello Franco Faoro
No que se refere à resolução de disputas, as mudanças trazidas pela Lei nº 14.026/2020 ao Marco Legal de Saneamento refletem, em essência, a orientação que já há algum tempo vem sendo adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Legal de Saneamento (Lei 11.445, de 5 de janeiro de 2017), as partes podem estabelecer em um contrato de prestação de serviços de saneamento a arbitragem como o método próprio de resolução de conflitos. De acordo com a Lei, a arbitragem deverá ser conduzida no Brasil e em língua portuguesa, nos termos da Lei de Arbitragem (Lei 9.307/96). Vale destacar que a Lei 9.307/96, após o advento da Lei nº 13.129/2015, já previa expressamente a utilização da arbitragem pela administração pública direta e indireta, seguindo orientação já consolidada pelos tribunais brasileiros. E mesmo antes disso, já havia previsão própria na lei de concessões de serviços públicos a respeito da utilização do instituto (art. 23-A da lei 8.987/95, incluído pela Lei nº 11.196/2005). Um exemplo prático dessa orientação é o edital para a concessão dos serviços de saneamento no Estado do Rio de Janeiro, que já previa a utilização da arbitragem para a resolução de disputas. Portanto, a alteração trazida pela Lei nº 14.026/2020 ao Marco Legal do Saneamento não constitui, a rigor, inovação no tratamento jurídico da matéria. De qualquer modo, a utilização do instituto para discussões envolvendo saneamento básico é muito bem-vinda, especialmente por trazer agilidade à resolução dos litígios – que no Judiciário podem se arrastar por anos – e uma maior especialização no julgamento das causas, uma vez que processos que tratam da matéria normalmente apresentam questões técnicas complexas, muito mais afeitas ao ambiente arbitral. De fato, o que se vê hoje é a prolação de decisões judiciais demoradas e, em muitos
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o que se refere à resolução de disputas, as mudanças trazidas pela Lei nº 14.026/2020 ao Marco Legal de Sanea-
mento refletem, em essência, a orientação que já há algum tempo vem sendo adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro em direção à utilização da arbitragem e demais métodos alternativos de resolução de conflitos no setor público.
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casos, lacunosas e tecnicamente deficientes. A segunda alteração promovida pela nova Lei é a disponibilização de ação mediadora e arbitral pela própria Agência Nacional de Águas (ANA), para dirimir conflitos entre os players desse mercado. Conforme a redação dada pelo seu art. 3º ao art. 4º-A, § 5º, da Lei 9.984/2000 (que dispõe sobre a criação da ANA), a ANA disponibilizará, em caráter voluntário e sujeito à concordância das partes, ação mediadora ou arbitral nos conflitos que envolvam titulares, agências reguladoras ou prestadores de serviços públicos de saneamento básico. A atuação da ANA nesse sentido ainda depende de regulamentação, motivo pelo qual seus contornos e características ainda estão indefinidos. Ao que tudo indica, a “ação mediadora ou arbitral” mencionada pela Lei refere-se à possibilidade de resolução de conflitos pela ANA por meio de processo administrativo instaurado pelas partes interessadas, o que não se confunde com o instituto da arbitragem, tal como disciplinado na Lei 9.307/96. A Lei nº 14.026/2020 parece caminhar, contudo, no sentido de reforçar o caráter voluntário da atividade mediadora/arbitral da ANA, podendo as partes, de acordo com essa interpretação, afastá-la nos respectivos contratos. Ao fim e ao cabo, é importante e necessária a familiarização dos participantes do setor de saneamento básico com o ambiente da arbitragem, especialmente os agentes públicos, ainda muito acostumados ao Poder Judiciário e às suas vicissitudes.
Dois pontos chamam a atenção na nova Lei nesse sentido. O primeiro deles é a previsão expressa da utilização da arbitragem para a solução de disputas derivadas de contratos envolvendo a prestação de serviços de saneamento básico.
Sócio de Contencioso
Guilherme de Mello Franco Faoro
e Arbitragem
Advogado de Contencioso
rrc@bmalaw.com.br
e Arbitragem
Rafael da Rocha Castilho
gff@bmalaw.com.br
Conforme a redação dada pelo art. 7º da Lei nova ao parágrafo único do art. 10-A do Marco 17
TRIBUTÁRIO
JUL-2020 | BMA REVIEW ESPECIAL SANEAMENTO
Aspectos Tributários de Investimentos em Projetos de Saneamento Básico Por Thais de Barros Meira e João Paulo M. Cavinatto
A autorização do Novo Marco de concessão de benefícios fiscais pela União para fomento da melhoria da prestação dos serviços de saneamento básico pode abrir espaço para pleitos junto ao Governo Federal de redução das contribuições ao PIS e da Cofins exigidas sobre o faturamento das sociedades responsáveis pela exploração de tais serviços.
O
Novo Marco Legal do Saneamento Básico autoriza a concessão de benefícios fiscais pela União Federal para fomento à melhoria da prestação dos serviços públicos de saneamento básico como contrapartida ao alcance de metas de desempenho operacional previamente estabelecidas, sem mencionar incentivos específicos para redução do custo de ampliação da infraestrutura do setor. A seguir são analisados, brevemente, benefícios fiscais já existentes que são aplicáveis à captação de recursos financeiros e à implementação e expansão de projetos de saneamento, bem como algumas alterações legislativas propostas. A captação de recursos financeiros pode envolver a emissão das chamadas debêntures incentivadas, que precisam preencher alguns requisitos, dentre os quais se destacam a remuneração por taxas de juros prefixada, vinculada a índice de preço ou a taxa referencial (TR), o prazo médio ponderado superior a quatro anos e vedação à recompra do papel pelo emissor
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(ou parte a ele relacionada) nos dois primeiros anos e procedimento simplificado que demonstre o objetivo de utilização dos recursos captados no projeto de investimento. Os rendimentos das debêntures incentivadas são isentos de imposto de renda no caso das pessoas físicas brasileiras, isentos para investidores estrangeiros não residentes em paraísos fiscais e tributados à alíquota de 15% no caso das pessoas jurídicas. Referidos benefícios fiscais representam, consequentemente, uma menor taxa de captação para a sociedade emissora quando comparado à emissão de uma debênture comum (ou empréstimos tradicionais). Os rendimentos obtidos com cotas de Fundos Incentivados de Investimento em Infraestrutura (“FI-Infra”) também se beneficiam do tratamento tributário descrito acima. Dentre outros requisitos, os FI-Infra devem aplicar, no mínimo, 85% do patrimônio líquido do fundo em debêntures incentivadas ou CRI/FIDCs cujos recursos captados destinem-se à implementação de
projetos de investimento na área de infraestrutura que atendam a outros requisitos previstos na legislação aplicável.1 No que se refere à implementação e expansão dos projetos de saneamento básico, um dos mecanismos de potencial redução de custos tributários já vigentes na legislação trata-se do Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura – Reidi, instituído pela União para suspender a incidência de PIS e Cofins sobre a aquisição de bens e serviços destinadas ao ativo imobilizado para utilização em obras de infraestrutura, inclusive de saneamento básico. A suspensão é posteriormente convertida em alíquota zero a partir da aplicação do bem ou serviço na respectiva obra.
São muitas, portanto, as oportunidades para investidores interessados na abertura do mercado de saneamento básico no Brasil, que se bem acomodadas às especificidades de cada caso, podem representar importantes instrumentos de otimização de custos dos investimentos em infraestrutura. Há ainda na legislação brasileira possibilidade de desoneração da aquisição de bens de capital mediante obtenção dos denominados ex-tarifários, que podem reduzir as alíquotas de II (e mesmo de IPI) a 0%.
Thais de Barros Meira Sócia de Tributário tbm@bmalaw.com.br
Já nas esferas estadual e municipal é comum a negociação de incentivos fiscais para redução do ICMS e do ISS incidentes, respectivamente, na aquisição dos bens e dos serviços necessários à implantação e expansão de projetos de saneamento básico. São muitas, portanto, as oportunidades para investidores interessados na abertura do mercado de saneamento básico no Brasil, que se bem acomodadas às especificidades de cada caso, podem representar importantes instrumentos de otimização de custos dos investimentos em infraestrutura. A autorização do Novo Marco de concessão de benefícios fiscais pela União para fomento da melhoria da prestação dos serviços de saneamento básico pode abrir espaço para pleitos junto ao Governo Federal de redução das contribuições ao PIS e da Cofins exigidas sobre o faturamento das sociedades responsáveis pela exploração de tais serviços. Seria até mesmo possível negociar-se a concessão de créditos presumidos das referidas contribuições, em termos semelhantes àqueles originalmente idealizados pelo Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento do Saneamento Básico – REISB, que, contudo, vieram a ser vetados. Em âmbito municipal, porém, o investidor deve ficar atento ao Projeto de Lei Complementar nº 155/19, em trâmite no Senado Federal e já aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos, que autoriza a instituição do ISS sobre essas atividades. Se aprovado, tais serviços poderão ser tributados em alíquotas variáveis de 2% a 5%.
João Paulo Muntada Cavinatto Sócio de Tributação Indireta e de Legislação Aduaneira jpc@bmalaw.com.br
1. Os incentivos fiscais acima mencionados podem vir a ser ampliados por meio do Projeto de Lei nº 2.646/2020, mencionado no artigo Financiamento de Projetos de Saneamento.
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AMBIENTAL
JUL-2020 | BMA REVIEW ESPECIAL SANEAMENTO
Saneamento Ambiental Por Márcio Pereira
Há décadas, sem metas de universalização e de adequação ambiental, o lançamento de efluentes nos corpos hídricos comprometem a qualidade e os usos das águas, com implicações adversas à saúde pública e ao equilíbrio do meio ambiente.
O
matiz ambiental ficou mais perceptível no Novo Marco Legal do Saneamento, o que demandará ao investidor, atraído
por oportunidades no setor, uma análise cuidadosa de riscos e custos, inclusive na obtenção de financiamentos para a infraestrutura a ser instalada ou renovada. Segundo a Lei 14.026/2020, os esgotos e lixões não mais poderão ser deixados na natureza, o que era comum sobretudo nos locais desprovidos de saneamento. Embora já existisse o dever de não poluir, o setor carecia de metas obrigatórias para se alcançar o saneamento com responsabilidade ambiental.
A água, afetada pela falta de saneamento, tem inegável valor econômico. Com a nova lei, a conta e a forma de pagamento pela regularização do uso de recursos hídricos enfim chegaram, com anos de atraso, mas com previsão de quitação até 2033 (meta obrigatória de 99% da população com água potável e 90% com coleta e tratamento de esgotos). A poluição compromete a qualidade da água captada, o que torna mais dispendioso o tratamento para fins de abastecimento público (exemplo recente, rio Guandu na Região Metropolitana do Rio de Janeiro); ainda, a universalização do abastecimento pode ser afetada pela frequente utilização da mesma fonte hídrica
para diferentes usos, o que resulta em conflitos ligados à quantidade e à qualidade da água (p. ex., o aproveitamento hidroelétrico no rio Paraíba do Sul). A alocação desses riscos no âmbito dos contratos de concessão poderá influenciar a estratégia de investimentos, inclusive na adequação dos contratos em vigor (até 2022). A expansão dos serviços dependerá do plano de saneamento básico, que está conectado ao plano de bacia hidrográfica (uso racional dos recursos hídricos e respectiva cobrança, etc.) e às ações de segurança hídrica (p. ex., plano de contingência em caso de escassez hídrica e eventos climáticos extremos). Outras obrigações poderão ser reguladas pelas normas de referência, a serem editadas pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico, como a adoção de uma política tarifária que considere o uso racional de recursos naturais e o reuso de efluentes.
Em outra frente importante, a nova lei tratou dos serviços públicos de manejo de resíduos sólidos e sua sustentabilidade econômica. As taxas ou tarifas considerarão a destinação final adequada dos resíduos coletados.
As metas de controle de poluição continuarão a ser estabelecidas no licenciamento ambiental, ponderada a capacidade de pagamento das populações e os usuários envolvidos. Até 31 de dezembro de 2025, deverão ser promovidas medidas para a conexão das edificações à rede de esgoto disponível, sob pena de responsabilização ambiental. Em outra frente importante, a nova lei tratou dos serviços públicos de manejo de resíduos sólidos e sua sustentabilidade econômica. As taxas ou tarifas considerarão a destinação final adequada dos resíduos coletados. Estendeu-se o prazo previsto (até 2018) na Política Nacional de Resíduos Sólidos para o encerramento de lixões. O novo prazo vai de dezembro de 2020 a 2024, a depender de requisitos específicos (existência de plano de gerenciamento de resíduos e cobrança pelo serviço), além da localização e do porte dos municípios. Por fim, a adoção de procedimentos simplificados para o licenciamento ambiental de infraestrutura para os serviços continua a considerar o porte e os impactos ambientais esperados, incluindo, porém, um novo critério, o da resiliência do ambiente. A competência para o licenciamento ambiental não muda, a teor da Lei Complementar 140/2011 (Mensagem de Veto 396/2020).
Márcio Pereira Sócio de Ambiental marcio.pereira@bmalaw.com.br
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CONSUMIDOR
A Individualização das medições de consumo hídrico e o direito do consumidor Por Raquel Mansanaro e Renan Frediani
A previsão dessas exceções pelo §5º possivelmente levará à manutenção das discussões que há tempos vêm sendo submetidas ao poder judiciário: a cobrança do custo da instalação desses medidores do consumidor e o cabimento da realização de cobrança de tarifas sem medição precisa.
JUL-2020 | BMA REVIEW ESPECIAL SANEAMENTO
O
Projeto de Lei nº 4162/2019 (“PL4162/19”), sancionado em 15.7.2020, apresenta inovações que impactam as relações consumeristas, especialmente no tocante à Lei nº 11445/2007 (“Lei de Diretrizes Nacionais de Saneamento Básico”). Tendo em vista já ter sido pacificada pelo STJ a aplicação do CDC a tais relações de prestação de serviço público, e que o PL reforça a importância da prestação adequada e universal desses serviços, alguns dispositivos incluídos na Lei nº 11445/2007 eventualmente poderão ser objeto de questionamentos judiciais, como o art. 29, §§3º e 5º, e o art. 45, §12º, que confirmam e detalham a obrigação de individualização da medição do consumo hídrico por unidade, nos casos de edificações condominiais, e do dever do usuário de realizar a instalação desses medidores. Especificamente, o mencionado §5º trata da possibilidade de alguns prédios, edifícios e condomínios não cumprirem esse procedimento por terem sido construídos antes da entrada em vigor da Lei nº 13.312/2016, ou por ser inviável, seja em virtude de onerosidade ou razão técnica, de modo que deverá ser tratado diretamente com os prestadores de serviços para estabelecimento de responsabilidades, critérios de rateio e forma de cobrança em cada caso. A previsão dessas exceções pelo §5º possivelmente levará à manutenção das discussões que há tempos vêm sendo submetidas ao poder judiciário: a cobrança do custo da instalação desses medidores do consumidor e o cabimento da
realização de cobrança de tarifas sem medição precisa. Inobstante o PL defina como dever do usuário a instalação do medidor, o §5º, como visto, poderá ser utilizado como justificativa para relativizar essa obrigação e o eventual custo vinculado a ela, tendo em vista a maneira ampla com que definiu as exceções. As previsões em referência reforçam os riscos de confirmação dos atuais precedentes relacionados a casos envolvendo tais temas, pelos quais os Tribunais brasileiros na maioria das vezes consideram abusiva a cobrança pela prestadora de serviços de saneamento básico de (i) instalação de medidores, por configurar venda casada, prática vedada pelo art. 39, I, do CDC, e pelo fato de o art. 40, III, da Lei nº 11445/2007 prever a possibilidade de interrupção dos serviços por “negativa do usuário em permitir a instalação de dispositivo de leitura de água consumida”, pelo que se subentende ser obrigação da concessionária a instalação, independentemente de pagamento, e (ii) tarifas por consumo hídrico com base em estimativa quando não há hidrômetro instalado por inércia da concessionária (sendo cabível apenas a cobrança de tarifa mínima do consumidor). À luz dessas considerações, em razão da possibilidade concreta de discussões judiciais relacionadas a dispositivos legais incluídos ou alterados pelo PL, é recomendável a observância à legislação consumerista, bem como aos precedentes jurisprudenciais sobre o tema, a fim de mitigar os riscos de responsabilização da prestadora de serviços por eventuais danos, inclusive morais, porventura reclamados pelos consumidores.
Raquel Mansanaro
Renan Frediani
Sócia de Contencioso e Arbitragem
Advogado de Contencioso, Arbitragem e Reestruturação e Recuperação de Empresas
rmo@bmalaw.com.br
rft@bmalaw.com.br
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