ACORDO ORTOGRÁFICO OPORTUNIDADE PARA PENSAR A LÍNGUA E O SEU ENSINO
São João da Madeira, fevereiro de 2011 João Costa – FCSH/CLUNL – Universidade Nova de Lisboa
Acordo Ortográfico y Sumário
O que é a ortografia? { De que falamos quando falamos de variação? { O que não muda e o que muda? { Quais os instrumentos de apoio à transição para o AO? { Que impacto na sociedade e, em particular, no sistema educativo? {
Língua Portuguesa y O que é um falante de uma língua? y O que fazemos quando ouvimos uma frase como:
A professora viu os alunos.
Língua Portuguesa y Todos os falantes têm conhecimento linguístico. y Por que motivo existe a ideia de que uns “falam bem”
e outros “falam mal”?
Norma vs. Variação y Qualquer língua tem variantes:
- Variação histórica; - Variação regional; - Variação social; - Variação de registos. y Qualquer falante domina registos diferenciados.
O papel da norma y Língua é veículo de integração social. y Registos: { Formal; { Académico; { Familiar; Definidos por vocabulário específico, formas de tratamento, construções particulares, etc.
Como se define uma norma? y A norma é uma convenção social e abrange:
- Ortoépia; - Seleção vocabular; - Questões sintáticas; - Atribuição de significados; - Conetores; - Ortografia; - Princípios de interação conversacional; - Princípios de cortesia; - Outras convenções de escrita.
Como se define uma norma? y Convenção social; y Hábito; y Tradição culta.
Há muita arbitrariedade na norma! Nem sempre a justificação é óbvia… Ex: dupla negação nas línguas do mundo.
Para que serve uma norma? y Instrumento de integração social; y Garantia de alguma estabilidade na comunicação –
p.ex. interpretação de enunciados.
O que é a ortografia?
y Conjunto de regras que estabelecem a representação
gráfica correta das palavras da língua. É apenas uma convenção e afeta apenas a escrita!
Estado atual do Acordo Ortográfico
y Objetivo: unificação da ortografia entre países
lusófonos. y O Acordo Ortográfico já está em vigor:
Foi ratificado em Portugal em 2008, no Brasil em 2004, em Cabo Verde em 2006, em São Tomé e Príncipe em 2006, na Guiné Bissau em 2009…
O que não muda? y A gramática de cada variedade da língua portuguesa
não muda! {
Léxico Eu vou apanhar um autocarro. (PE) Ù Eu vou pegar um ônibus. (PB) Ù
{
Sintaxe Ele deu-me um livro. (PE) Ù Ele me deu um livro. (PB) Ù
{ {
Fonética/Fonologia Semântica Ù
O Pedro disse ao João que não tem trabalho.
O que muda na nossa escrita?
1.Alfabeto 2.Maiúsculas / minúsculas 3.Consoantes mudas 4.Acentos gráficos 5.Hífen
O que muda: as letras do alfabeto
O alfabeto português passa a incluir as letras “k”, “w” e “y”, passando a ter 26 letras.
O que muda: maiúsculas e minúsculas
Os nomes dos meses, dos dias da semana, dos pontos cardeais e das estações do ano passam a ser escritos com minúscula: - janeiro, fevereiro, março … - sábado, domingo… - norte, sul… - outono, inverno…
O que muda: as consoantes mudas y As consoantes mudas desaparecem sempre que
não são pronunciadas na variante culta do português europeu. {
Desaparecem em “ato”, “ação”, “detetive”, “Egito”, “eletricidade”, “ótimo”…
{
Mantêm-se em “facto”, “subtil”, “repto”….
Em caso de dúvida… consultamos o VOP!
O que muda: acentos gráficos y
Grafias duplas O Acordo Ortográfico prevê que se mantenha a tradição na grafia de algumas palavras, sobretudo quando correspondem a pronúncias cultas diferentes em diferentes países. {
{
{
Assim, palavras como “académico”/”acadêmico”, “cénico”/”cênico”, “bidé”/ “bidê”, “judo”/”judô” manterão a grafia tradicional. Portanto, em Portugal, mantém-se a grafia “académico”, “cénico”, “bidé” ou “judo”. O mesmo se aplica ao acento nas formas verbais como “parámos” ou “ficámos”, que se escrevem sem acento apenas nos países em que é essa a tradição.
O que muda: acentos gráficos
y Terminações verbais em“eem” { As terminações verbais em “êem” perdem o acento circunflexo, passando-se a escrever, por exemplo, “veem” ou “creem” ou “releem”. y Forma do verbo «parar» { A terceira pessoa do singular do verbo “parar” perde o acento, passando a escrever-se «para».
O que muda: acentos gráficos y Acento circunflexo { O acento circunflexo desaparece de palavras como “pelo” ou “pero”. Ù
Sempre houve palavras homónimas
y Ditongos { Deixa de ser acentuado o ditongo “oi”, exceto quando se encontra na última sílaba da palavra. Por exemplo,:“asteroide”, “joia”, “jiboia”. Ù Por exemplo: herói vs. heroico Ù
O que muda: hífen y No verbo haver { As formas do verbo «haver» passam a escrever-se sem hífen. Por exemplo, escreve-se “hei de”, “hás de” e não “hei-de” ou “hás-de”. y Nas palavras compostas { O hífen cai em palavras compostas em que se perdeu a noção de composição. Por exemplo, “mandachuva”, “paraquedas”.
Em caso de dúvida… consultamos o VOP!
O que muda: hífen • A fusão de palavras, em vez da utilização do hífen,
também ocorre quando é possível o uso dos dígrafos “ss” ou “rr”, como em “contrarregra” ou “antissemita”. • O mesmo princípio aplica-se quando o primeiro
elemento do composto termina em vogal e o segundo elemento do composto começa em vogal diferente, como em “autoestrada”, “contraintuitivo” ou “extraescolar”.
O que muda: hífen
• No caso dos compostos formados com co- , a palavra
funde-se mesmo quando o segundo elemento do composto começa por “o”, como em “coorganizador” ou “coocorrer”.
O que muda: hífen • O hífen é utilizado nos seguintes contextos: ¾ Em compostos que designam espécies botânicas
ou animais, como “bem-me-quer” ou “couve-flor”. ¾ Em compostos em que o prefixo termina em vogal e
o segundo elemento começa pela mesma vogal, como em “contra-almirante” ou “micro-ondas”.
O que muda: hífen • O hífen é utilizado nos seguintes contextos: ¾ Em compostos com prefixos circum- e pan-, quando
o segundo elemento começa por vogal, h, m ou n, como em “pan-africano”. ¾ Em compostos com os prefixos hiper-, inter- e
super-, quando o segundo elemento começa por r, como em “super-reacionário”.
Quais os instrumentos de apoio à transição para o AO? y O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa
(VOP) , tornado oficial em 2010. y O LINCE – conversor para a nova ortografia y O texto completo do Acordo Ortográfico
http://www.portaldalinguaportuguesa.org/index.php?action=main
ACORDO ORTOGRÁFICO IMPLICAÇÕES PARA A SOCIEDADE - O CASO DO SISTEMA EDUCATIVO -
Tentativas de escrita
As crianças que adquirem o domínio da escrita alfabética escrevem, em determinada fase da progressão gráfica, de forma diferente da proposta pela ortografia, e isto porque criam soluções espontâneas (Ferreiro e Teberosky 1979/1993).
Níveis de conceptualização sobre a linguagem escrita
y Escrita pré-silábica y Escrita silábica y Escrita com fonetização y Escrita alfabética
Martins (1996: 166)
Escrita silábica Exp: ‘Agora escreve lá gato.’ MJ: ‘Gá [escreve A] to [escreve E].’ Exp: ‘Lê lá o que escreveste, mostra-me com o teu dedo.’ MJ: ‘Gá [aponta o A] to [aponta o E].’ (...) Exp. [após a escrita de formiga]: ‘Se eu tapar este bocadinho do que tu escreveste [tapa as duas primeiras letras] como é que tu achas que se lê?’ MJ: ‘Lê-se fu.’ Martins (1996: 168)
Freitas & Santos (2001: 83)
Freitas & Santos (2001: 83)
Oportunidade aberta pelo AO y Aprofundar CONSCIÊNCIA LINGUÍSTICA
… em particular hábitos de reflexão sobre o que é usar a língua, o que é dominar registos e escrever.
Da ortografia à escrita: PPEB y PPEB (2009): algumas características essenciais.
Programa centrado em descritores de desempenho. Programa que privilegia princípio de progressão. Programa que se articula com competências do CNEB (Leitura, Escrita, Oral e Conhecimento Explícito) Programa que prevê desempenhos específicos nas VÁRIAS FASES de desempenho na escrita.
O que está em causa quando se escreve y Planificação
(o quê, para quem, que género, extensão, etc.) y Textualização (em que condições?) y Revisão (que instrumentos para rever? como rever?) y Divulgação (forma, etc.)
Alguns problemas no ensino da escrita y Abordagem muito centrada no “dom”; y Contextualização das tarefas de escrita; y Pouca diversificação de géneros; y Violação de etapas; y Subvalorização das produções; y Avaliação centrada em poucos aspetos (micro…); y Avaliação centrada em aspetos irrelevantes
(criatividade); y Pouca utilização de recursos de outras competências para fases da escrita (p. ex. funções sintáticas).
Alguns problemas no tratamento da escrita y Em síntese:
PPEB: oportunidade para repensar práticas. Prática essencial: Ensinar Língua Materna é promover hábitos de reflexão sobre a língua apoiados em conhecimento sustentado.
De volta à ortografia – algumas sugestões 1.º Ciclo: Não faz sentido estar a ensinar aos 1.ºs anos a ortografia que deixa de estar em vigor. y Promoção de atividades para consciência ortográfica: - Semana do Acordo Ortográfico; - Mostra de materiais que já estejam escritos com ortografia; - Mudança da sinalética das escolas, caça às palavras que mudam; - Concursos de ortografia; - Sensibilização dos Encarregados de Educação e restante comunidade educativa; - Trabalho com instrumentos de normalização. y
Essencial y Ortografia é apenas um microaspeto da língua e afeta
apenas uma dimensão da escrita. y Acordo Ortográfico deve ser, sobretudo, oportunidade para repensar níveis de consciência linguística e ativação dessa consciência.
Obrigado!