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III. OS SONHOS DO NOSSO TEMPO ( ORIGEM

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I. INTRODUÇÃO

I. INTRODUÇÃO

III. OS SONHOS DO NOSSO TEMPO

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Figura01

Ao assistirmos A Origem, podemos perceber que ele se passa como se fosse um sonho, um sonho acordado dirigido. Em toda obra de cinema, literatura e outros tipos de arte, durante o mergulho no universo da obra estamos como que sonhando que vivemos aquelas histórias e “somos” os personagens que habitam nelas. Em A Origem, estamos vivenciando o sonho do personagem principal, Cobb. Há uma sensação de que todo o filme se passa dentro de Cobb e assim dentro de nós mesmos. Essa sensação se dá, pois todo o drama do filme gira em torno desse personagem, e nós como espectadores vivemos esse mesmo drama quando o filme nos toca naquilo que temos em comum com o personagem.

O que digo agora será melhor compreendido mais à frente na análise do filme, pois acredito que o conflito principal é uma luta entre duas potências dentro do mesmo personagem: um lado acredita na realidade e luta por ela, o outro lado criou uma falsa realidade e tenta dominar todo o personagem.

No início do filme, vemos Cobb sentado a uma mesa de frente para um velho. Descobrimos na cena seguinte que esse mesmo velho, agora jovem, é Saito. Ele planejou uma espécie de teste para Cobb e sua equipe com o intuito de saber se este teria condições de realizar um serviço. Dentro do sonho, onde acontece o teste, surge Mal, a mulher de Cobb. Ela aparece no sonho como uma projeção do inconsciente de Cobb e acaba atrapalhando tanto o próprio Cobb quanto o teste de Saito.

No decorrer do filme descobrimos que Cobb está lutando para voltar para sua família, mas ele não pode voltar para seu país, onde seus filhos estão, pois acreditam que ele seja culpado da

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morte da mulher. Ele não consegue voltar para sua realidade.

O trabalho que Cobb deve realizar é implantar uma ideia na mente do filho do principal concorrente de Saito. A empresa desse competidor está quase se tornando um monopólio global. Se o filho, ao herdar a companhia, decidir continuar os passos do pai, logo não haverá mais lugar para a empresa de Saito.

Com isso, temos o conflito principal do filme. É como se tudo se passasse dentro do universo interior de Cobb, como um sonho. “Nós sonhamos que somos ele.” O nome Cobb pode significar pedaço, torrão, bocado, o personagem está realmente dividido entre duas vidas, duas realidades. O nome pode ser também uma abreviação de Jacó (Jacob). O personagem de Saito, no filme, representa o “EU final” de Cobb, aquele que ele será no fim de sua vida, estará consolidado, depois da morte nada poderá mudar quem ele foi durante a vida. Este “Eu final” é representado pelo velho Saito que surge na cena inicial do filme, ele é o reflexo do que Cobb se tornará se continuar a viver esta falsa realidade e fugindo da verdade, “um velho cheio de arrependimentos” . O Saito jovem é também este “Eu final” que está vivo agora em Cobb, lutando para que ele não se torne este velho arrependido pelas escolhas que fez. Por isso Saito faz aquele teste no início e depois contrata Cobb para um serviço. Primeiro ele quer saber se Cobb ainda quer ser salvo; depois, ele lança o desafio que pode colocá-lo de volta em sua realidade, tudo isto acontecendo dentro de Cobb.

O competidor principal de Saito é Maurice Fischer, que está morrendo e deixará todo o império para seu filho Robert Fischer. Se o filho seguir os mesmos passos do pai, logo a empresa se tornará um monopólio global e Saito perderá a competição. Maurice e sua empresa representam a falsa realidade que se apodera de Cobb. A morte do pai representa uma consolidação que se reflete no filho. A morte, ao mesmo tempo em que é um fim, também é uma consolidação, o que está finalizado está como que consolidado em sua forma final. A morte de pai simboliza essa consolidação de sua pessoa e de sua imposição racional sobre o filho. Se, com a morte do pai, o filho não aceitar que deve seguir seu próprio caminho, ele adotará esse padrão racional deixado pelo pai, vivendo não sua própria realidade, mas outra que se revelará espelhada nos erros do pai.

A missão de Cobb é realizar essa reconciliação entre pai e filho, o filho tem que perdoar os erros do pai, por piores que sejam, para seguir com sua própria vida, seu próprio caminho. O que simboliza, então, uma reconciliação de Cobb com a realidade.

Mas para essa reconciliação, primeiro temos que saber qual é o erro de Cobb e porque ele foge dele. No decorrer do filme, vamos descobrindo que sua mulher morreu, e ele ainda não

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consegue conviver com isto, tanto que a projeção de sua mulher está sempre perseguindo Cobb nos sonhos. Essa projeção de sua mulher, Mal, sempre está atrapalhando suas missões, como se fosse uma espécie de culpa que sempre volta e fica martelando em sua cabeça.

Para realizar o trabalho designado por Saito, Cobb vai até Milles, pai de Mal, para que ele o ajude a encontrar um novo arquiteto que consiga elaborar os sonhos. Então, surge Ariadne que, como a personagem da mitologia, vai guiar Cobb dentro deste labirinto que ele mesmo criou. É ela quem vai ajudar Cobb a enfrentar e aceitar a verdade para uma reconciliação com a realidade.

Há uma cena em que Cobb está sonhando sozinho em uma sala. e Ariadne entra em seu sonho para saber o que se passa por lá. É um dos grandes momentos do filme. Há um elevador que leva para vários sonhos diferentes que, na verdade, são lembranças de Cobb, nas quais sua mulher está viva, e estava tudo bem. Ele criou esse mundo para fugir da realidade, onde ele sente alguma culpa em relação à morte da mulher, e neste lugar, digamos, ele se acha feliz. Mas Ariadne entra nesse sonho e leva Cobb até onde ele não queria ir, até o momento da morte de sua mulher, e lá ele é obrigado a enfrentá-la. Mal vai em direção a eles para atacá-los, como se pressentisse que Ariadne entrou nesse sonho para tentar destruí-lo, e ajudar Cobb a voltar a viver na realidade, não em sonhos.

Figura02

Quando eles entram no sonho de Fischer, é Ariadne quem ajuda Cobb a enfrentar os problemas com Mal lá dentro. Primeiro, ela questiona Cobb, quando eles vão entrar nos níveis mais profundos do sonho, pois quanto mais eles entrarem em níveis profundos da mente de Fischer, também estarão nas profundezas da mente de Cobb, e é lá que Mal pode aparecer. Então, Cobb revela que ele e Mal criaram um mundo dentro dos sonhos, onde eles habitaram por muitos anos, pois dentro dos sonhos o tempo passa mais devagar. Mas quando saíram desse mundo, Mal

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questiona a existência da própria realidade, acreditando que fosse tudo um sonho, e então ela fez um plano para se matar e obrigar Cobb a ir com ela. Percebemos então que foi a morte de Mal que levou Cobb a fugir da realidade, ele foi obrigado a fazer isso tanto fisicamente, pois teve que fugir de seu país para não ser acusado da morte dela, quanto psicologicamente, pois para fugir da culpa ele criou uma falsa realidade dentro de sua mente onde habita uma projeção de sua mulher, e onde eles estão juntos.

Figura03

Quando tudo dá errado dentro do sonho Mal aparece e mata Fischer fazendo-o cair nas profundezas do sonho, onde apenas Cobb havia estado e construído seu mundo junto com Mal. Como apenas Cobb havia estado lá, com certeza a projeção de Mal estaria com Fischer naquelas profundezas. Mas naquele momento Saito que estava ferido já havia morrido e caído também nesse lugar. Então Ariadne vai junto com Cobb para resgatar os dois e lá ela lhe dá forças para enfrentar seu conflito com Mal.

Figura04

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Quando Cobb vai salvá-los vemos ai a solução para o conflito do filme. Primeiro Fischer, ele representa o eu presente de Cobb, aquele que deve se reconciliar com o pai para assim seguir seu próprio caminho. Em segundo lugar temos Saito, que representa o eu final de Cobb. Este Eu final, como vimos no inicio, está se perdendo e está lutando para não se tornar um velho cheio de arrependimentos. Para salvá-los Cobb então tem que enfrentar a projeção de Mal. A primeira coisa que ela faz é tentar convencê-lo de que é melhor continuar vivendo em fuga da realidade e ficar ali com ela. Mas ele já está disposto a enfrentá-la e para isso ele revela a verdade. A ideia que fez ela questionar a realidade veio de Cobb. E ele revela para Mal a verdade, como se estivesse se arrependendo e confessando que foi ele que colocou o pião para girar perpetuamente no ponto mais profundo de Mal, e foi assim que ela desistiu de acreditar na realidade. Cobb não tem uma culpa física direta da morte de sua mulher, não foi ele que a empurrou da janela. Mas ele tem que admitir a responsabilidade de ter feito a questionar a realidade e por isso ter suicidado. Portanto para salvar Fischer e Saito, ele tem que enfrentar essa culpa, e aceitar a realidade, para se perdoar. Ele então consegue salvar Fischer, mas tem que ficar ali para buscar Saito.

Em algumas cenas do filme, Ariadne brinca com espelhos, o reflexo. Faz Cobb olhar para si mesmo, para dentro de si, lembra-o que seu conflito está dentro dele mesmo, e não fora. Ela sempre está levando Cobb a enfrentar e a ver o que ele não quer aceitar.

Figura05

Quando na primeira cena do filme vemos Cobb de frente para um velho, é como se ele estivesse diante de um espelho, e vê o seu próprio eu se perder. Esta mesma cena está de forma espelhada no filme, ela se repete duas vezes. Há uma sensação de lembrança na segunda vez, ocasionada pela repetição, e percebemos Cobb estava ali para lembrar aquele velho de algo.

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A primeira fala de Saito, o velho, é: “Você está aqui para me matar?” . É realmente isso que Cobb foi fazer naquele lugar mais profundo de seu subconsciente, ele foi matar aquele velho cheio de arrependimentos, ele foi para salvar a si mesmo, para lembrá-lo de dar um voto de confiança. Confiar novamente na realidade.

Durante todo esse caminho de aceitação da realidade, os personagens vão lutando contra várias defesas que, como as defesas de nossas mentes tentam nos impedir. Criamos dentro de nós mesmos um mundo ideal, para fugirmos de nossos erros. Um mundo perfeito onde nossos erros são justificados e ou estão de acordo com a “realidade” , ou como que não significam nada dentro dela, os erros são como que varridos para debaixo do tapete. Com o tempo nós criamos varias defesas para sustentá-lo, e as defesas podem se tornar tão complexas que fica cada vez mais difícil sairmos de lá por conta própria. A única maneira de sair desse mundo irreal é aceitarmos e confiarmos que apesar de nossos erros, a realidade continuará.

Muitas vezes não conseguimos sair disso por conta própria é necessário um acontecimento ou alguém para quebrar essa falsa realidade. É preciso haver um choque, onde esse mundo falso perca sua razão de existência. O ser humano é responsável pelos seus atos quer ele queira o não, e a realidade sempre nos cobra isso. Criamos essas falsas realidades para não termos que enfrentar a responsabilidade, como Cobb fez, mas há sempre um momento onde teremos que enfrentar, mas isso pode se dar apenas no fim da vida quando nos tornamos um velho cheio de arrependimentos, e perdemos o tempo de nossas vidas. Cobb enfrentou suas responsabilidades e conseguiu se reconciliar.

Figura06

No fim, quando Cobb consegue chegar até seus filhos, ele ainda joga o pião para ter a

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prova de que está vivenciando realmente a realidade. Mas ele não espera o pião cair, ele confia na realidade e corre para seus filhos e, no fim, não sabemos se o pião cai ou não.

O pião que continua girando fica então para o espectador. Como durante todo o filme nós experimentamos essa historia como se fosse a nossa, um sonho acordado e dirigido. Aquele pião está girando para nós mesmos, não mais para Cobb. A câmera deixa Cobb e vai para o pião. O questionamento ai é para o espectador, estamos vivendo ou não na realidade? Buscamos uma prova para a realidade, ou confiamos e seguimos vivendo?

A realidade é assim, não existe algo que possa servir de prova para ela, a própria realidade é a prova de si mesma, temos apenas de confiar nela.

Figura07

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