Rui viaja de avião com capa

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RUI VIAJA DE AVIÃO Curvado sobre a secretária, Rui observava atentamente o mapa-mundo estendido diante de si. Madalena olhava-o com ternura, através da porta entreaberta. Era a primeira vez que este passaria o aniversário longe de si. O ponteiro do relógio, pendurado sobre a cama, marcava já as nove horas, mas Rui permanecia abstraído e não tinha ainda notado a presença da mãe. - Filho, o jantar já está pronto. – interveio Madalena, quebrando o silêncio. - Fiz massa esparguete à bolonhesa, como tu gostas! - Que bom! Anda aqui ver! Anda, mamã! – respondeu com entusiasmo, apontando. – Olha, aqui é a África do Sul. Mas Madalena viu-o estremecer, de repente. - O que se passa, querido? – perguntou. - Já viste, mamã? É tão longe! Foram jantar.

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Os pais de Rui divorciaram-se pouco depois de este completar três anos. Manuel, o pai de Rui, viajou rumo a África em busca de emprego. Aí trabalha como zoólogo, desde então. Apesar das visitas frequentes de Manuel a Portugal, Rui sente a sua falta e ficou muito triste quando este lhe comunicou que não poderia passar consigo, o seu quinto aniversário. - Porquê, papá? Oh! Oh! – reclamou Rui. - Vamos ter um espetáculo muito importante aqui no Jardim Zoológico. Desculpa, filho… A menos que… venhas passar o teu aniversário comigo! – completou. A proposta de Manuel não foi, a princípio, do agrado de Madalena. Rui nunca viajara de avião, muito menos sozinho e numa viagem tão longa. A ideia assustava-a. No entanto, acabou por consentir.

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Um raio de sol começava já a entrar pela cortina, quando o despertador tocou. Eram seis horas. Rui espreguiçava-se, enquanto a mãe entrava pelo quarto. - Toca a levantar, dorminhoco! – disse, energicamente. – Temos de estar no aeroporto às oito horas. - Sim, mamã. Eu sei. – respondeu, com um grande bocejo. Ao lado da cama, encontrava-se a mala de viagem, preparada na véspera, com tudo o que Rui precisaria para aqueles dias. - O pequeno-almoço já está na mesa, querido. – disse Madalena, carinhosamente. A custo, Rui afastou os lençóis, calçou os chinelos e foi preparar-se. De seguida, foi comer as torradas de geleia e o leite com cacau que a mãe lhe preparara. Às sete horas saíram de casa.

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Quando chegaram ao aeroporto, dirigiram-se ao balcão para fazerem o check-in e Madalena aproveitou para fazer as últimas recomendações. Apresentaram os documentos necessários, bem como a bagagem, que foi identificada e despachada. A senhora de lábios encarnados emitiu o bilhete de passagem, sorrindo delicadamente e desejando uma boa viagem. Por fim, passaram pelo detetor de metais e dirigiram-se, calmamente, para o local onde o avião se encontrava, e onde os esperava a hospedeira que iria acompanhar Rui durante a viagem. - Olá, Rui! Eu sou a Ana. – disse, com voz angelical. – Vai correr tudo bem. É muito divertido andar de avião, vais ver! Rui despediu-se da mãe com um grande abraço, enquanto uma lágrima lhe escorregava pela face. -Adeus, mamã. – disse, melancolicamente. - Adeus, querido! Diverte-te! – respondeu. Rui entrou no avião.

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No avião, havia ainda poucas pessoas. Rui foi aninhar-se perto da hospedeira. - Anda, querido, acompanha-me. Vais sentar-te aqui ao fundo, ao lado deste menino. – indicou ela, delicadamente. - Ele está de regresso à sua terra natal, em África do Sul. Vão ter oportunidade para se conhecerem durante a viagem. O menino de cor negra sorriu, timidamente. Rui não retribuiu, acanhado no seu lugar. Após a ordem, os passageiros apertaram os cintos. O avião descolou.

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Ao início, a viagem foi um pouco atribulada. O sol ofuscante tinha dado lugar a nuvens escuras e chuva miudinha. Rui estava nervoso. - Não te preocupes, Rui. A primeira viagem é sempre assim. Ainda me lembro da minha… - disse o menino negro. Rui observou-o atentamente, pela primeira vez. Era diferente. Era bonito, pensou. A pele era da cor do chocolate de avelãs que Rui tanto gostava, os olhos pareciam pérolas cintilantes, o cabelo era farto e encaracolado. O sorriso era amigável. -Como foi a tua primeira viagem de avião? – inquiriu Rui, apreensivo. - Lembro-me que também estava muito nervoso. – explicou.- Olha pela janela! Olha o mar lá em baixo. Tão azul, tão bonito! – exclamou, de forma entusiástica, Amir. - É realmente bonito! – constatou Rui. - A minha mãe sempre me ensinou a encontrar no mar a calma, a serenidade, a paz. Durante estas viagens longas, o mar acalma-me. – afirmou Amir.

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Durante a viagem, Ana ofereceu-lhes todo o tipo de iguarias que eles aprovaram e devoraram com grande apetite. - Olha, Amir! Deve haver muitas lagostas como esta lá em baixo, não é? – disse Rui, apontando para o prato. Amir, pensativo, nem o ouvia. - Achas que os aviões poluem muito a atmosfera, Rui? Ana, que estava ali perto, interrompeu, mesmo antes de Rui responder: - Inicialmente os aviões poluíam muito a atmosfera, é verdade. Mas nos últimos anos os biocombustíveis têm vindo a substituir os combustíveis convencionais, permitindo, assim, reduzir a quantidade de gases com efeito de estufa emitidos para a atmosfera! Este avião utiliza apenas biocombustíveis. - Isso significa que as gerações futuras poderão continuar a respirar um ar puro e saudável… – disse Amir. - … e continuarão a ser protegidos dos raios solares pela camada de ozono. – completou Rui. Ana confirmou e afastou-se, deixando-os a refletir.

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Após longas horas de viagem, Ana informou-os de que o avião iria aterrar dentro de pouco tempo. A viagem tinha terminado. Rui e Amir foram os primeiros a sair, acompanhados pela hospedeira. Quando desceu as escadas, Rui avistou logo o pai. - Papá! Que saudades! – disse, correndo para os seus braços. - Olha, mamã, este é o Rui! – apresentou Amir, após dirigirse, também, para junto da sua mãe. - E este é o Amir, papá! – completou Rui. – Conhecemo-nos no avião! Foi muito divertido. - Estão convidados a assistir ao espetáculo, logo à noite, no ZooMagic. - Afirmou Manuel. - Podemos ir, mãe? Por favor! – implorou Amir. - Está bem, querido. Rui e Amir abraçaram-se. - Até logo, companheiro! - Até logo, amigo!

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A lua iluminava a noite escura, manchada de púrpura. À entrada do ZooMagic, encontrava-se um grupo de meninos junto de uma fogueira, entoando alegres músicas. Rui reconheceu Amir, entre eles e juntou-se-lhes. Entraram depois, pelas grandes portadas de madeira, para assistirem ao espetáculo. Rui estava fascinado pela quantidade de animais que se lhe afiguravam: O leão jogava futebol, o elefante dançava ao som da flauta que o macaco tocava! A zebra saltava por dentro de um arco em chamas. Todos aplaudiam vivamente cada manobra. À meia-noite, Manuel foi buscar o bolo de aniversário de Rui e todos lhe cantaram os parabéns. A noite foi longa.

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A casa de Manuel era mesmo ao lado do mar. Quando Rui acordou não encontrou o pai. Olhou pela janela e viu-o sentado na areia. - Já acordado, querido? – perguntou Manuel, quando se deu conta da presença de Rui. - Sim, papá. – respondeu. - Espera aqui. Manuel surgiu pouco depois com uma toalha vermelha e branca e uma cesta de verga. - Que te parece de tomarmos o pequeno-almoço aqui? - Fabuloso, pai! – respondeu Rui, entusiasmado. Comeram gulosamente uma omelete de ovos, feijão e sardinhas e beberam um líquido vermelho pegajoso que agradou a Rui. - Papá? - Sim, filho? - Adoro-te! - Eu também, querido!

Mais tarde, dirigiram-se para o aeroporto. Rui despediu-se do pai e entrou no avião. Sabia que a viagem seria muito mais divertida se Amir ali estivesse. Mas sabia também que o mar lhe traria a tranquilidade, a paz e a calma. E, afinal de contas, tinha sido o melhor aniversário de sempre! 10


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