Representação brasileira / 56ª Bienal de Veneza (2015) - É tanta coisa que não cabe aqui

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Brazilian Pavilion PavilhĂŁo Brasileiro

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Antonio Manuel Berna Reale AndrĂŠ Komatsu

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Comissário Comissioner Luis Terepins Curador Curator Luiz Camillo Osorio Curador assistente Assistant Curator Cauê Alves Coordenador Coordinator Emilio Kalil Organização Organization Fundação Bienal de São Paulo 2015


PRESIDENTA DO BRASIL PRESIDENT OF BRAZIL

Dilma Rousseff

MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES MINISTRY OF EXTERNAL RELATIONS

Ministério da Cultura Ministry of Culture

Ministro das Relações Exteriores Minister of External Relations Embaixador Ambassador Mauro Vieira

Ministro da Cultura Minister of Culture Juca Ferreira

Secretário-Geral Secretary General Embaixador Ambassador Sérgio França Danese

Secretário Executivo Executive Secretary João Brant

Subsecretário-Geral de Cooperação, Cultura e Promoção Comercial Undersecretary General for Cooperation, Culture and Trade Embaixador Ambassador Hadil Fontes da Rocha Vianna

Presidente da Funarte President of Funarte Francisco Bosco

Diretor do Departamento Cultural Director of the Cultural Department Ministro Minister George Torquato Firmeza

Diretor Executivo Executive Director Reinaldo da Silva Verissimo

Chefe da Divisão de Operações de Difusão Cultural Head of the Division of Cultural Promotion Operations Conselheiro Counselor André Dunham Maciel

Centro de Artes Visuais Visual Arts Centre Xico Chaves

EMBAIXADA DO BRASIL EM ROMA BRAZILIAN EMBASSY IN ROME Embaixador Ambassador Ricardo Neiva Tavares Ministra-Conselheira Minister-Counsellor Cynthia Altoé Vargas Bugané Chefe do Setor Cultural Head of Cultural Section Caio Flávio de Noronha e Raimundo

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Coordenação de Artes Visuais Visual Arts Coordination Andréa Luiza Paes


Fundação Bienal de São Paulo Fundador Founder Francisco Matarazzo Sobrinho 1898–1977 Presidente perpétuo Chairman Emeritus Conselho de Honra Honorary Board Oscar P. Landmann † Presidente Chairman Membros do Conselho de Honra de ex-presidentes Honorary Board of former Presidents Alex Periscinoto Carlos Bratke Celso Neves † Edemar Cid Ferreira Heitor Martins Jorge Eduardo Stockler Jorge Wilheim † Julio Landmann Luiz Diederichsen Villares Luiz Fernando Rodrigues Alves † Maria Rodrigues Alves † Manoel Francisco Pires da Costa Oscar P. Landmann † Roberto Muylaert Conselho de Administração Management Board Tito Enrique da Silva Neto Presidente President Alfredo Egydio Setubal Vice Presidente Vice President Membros vitalícios Lifetime Members Adolpho Leirner Alex Periscinoto Álvaro Augusto Vidigal Carlos Bratke Carlos Francisco Bandeira Lins Gilberto Chateaubriand Hélène Matarazzo Jens Olesen Julio Landmann Marcos Arbaitman Pedro Aranha Corrêa do Lago Pedro Franco Piva Pedro Paulo de Sena Madureira Roberto Pinto de Souza Rubens José Mattos Cunha Lima

Membros Members Alberto Emmanuel Whitaker Alfredo Egydio Setubal Antonio Bias Bueno Guillon Antonio Bonchristiano Antonio Henrique Cunha Bueno Beatriz Pimenta Camargo Beno Suchodolski Cacilda Teixeira da Costa Carlos Alberto Frederico Carlos Jereissati Filho Cesar Giobbi Claudio Thomas Lobo Sonder Danilo Santos de Miranda Eduardo Saron Elizabeth Machado Emanoel Alves de Araújo Evelyn Ioschpe Fábio Magalhães Fernando Greiber Fersen Lamas Lembranho Geyze Marchesi Diniz Heitor Martins Horácio Lafer Piva Jackson Schneider Jean-Marc Robert Nogueira Baptista Etlin João Carlos de Figueiredo Ferraz José Olympio da Veiga Pereira Maria Ignez Corrêa da Costa Barbosa Marisa Moreira Salles Meyer Nigri Miguel Wady Chaia Nizan Guanaes Paulo Sérgio Coutinho Galvão Roberto Muylaert Ronaldo Cezar Coelho Sérgio Spinelli Silva Jr. Susana Leirner Steinbruch Tito Enrique da Silva Neto Tufi Duek

Conselho Fiscal Audit Board Carlos Alberto Frederico Carlos Francisco Bandeira Lins Claudio Thomas Lobo Sonder Pedro Aranha Corrêa do Lago Diretoria Board Luis Terepins Presidente President Flavia Buarque de Almeida João Livi Justo Werlang Lidia Goldenstein Rodrigo Bresser Pereira Salo Kibrit Consultor Advisor Emilio Kalil Superintendência Superintendence Rodolfo Walder Viana


A participação brasileira na Bienal de Veneza valoriza e reconhece a força de nossa produção artística como uma referência para a arte contemporânea internacional. Rica em proposições inovadoras, nossa arte já foi representada no pavilhão nacional por artistas que influíram nas linguagens e conceitos referenciais para o processo criativo moderno e contemporâneo, dentre eles, Burle Marx, Lygia Clark, Fayga Ostrower, Anna Bella Geiger, Ernesto Neto, Vik Muniz e Artur Barrio.

Brazil’s participation in the Venice Biennale values and recognizes the strength of our artistic output as a point of reference for international contemporary art. Rich in innovative propositions, Brazilian art has already been represented in the national pavilion by artists who have influenced the very languages and concepts underpinning modern and contemporary creative processes, including Burle Marx, Lygia, Clark, Fayga Ostrower, Anna Bella Geiger, Ernesto Neto, Vik Muniz and Artur Barrio.

A Fundação Nacional de Artes/Funarte e os Ministérios da Cultura e de Relações Exteriores patrocinam nossa presença neste evento considerado um dos mais importantes do mundo, para o qual convergem experiências e tendências estéticas e críticas de quase todos os países a fim de formar uma síntese de nosso momento histórico por meio da expressão artística.

Fundação Nacional de Artes (Funarte), the Ministry of Culture and the Ministry of Foreign Affairs have sponsored our participation in this, one of the most important events of its kind in the world, a magnet for aesthetic and critical experiences and trends from almost every corner of the globe in a bid to embody our historical moment in artistic expression.

Este ano, o Brasil está representado por Antonio Manuel, um dos principais nomes do nosso experimentalismo a partir dos anos 1960; Berna Reale, figura proeminente na linguagem da performance contemporânea, e André Komatsu, autor destacado de instalações que usam restos e entulhos urbanos. Em comum, esses artistas têm a capacidade de aliar formulações políticas com alta voltagem estética. A presença deles em Veneza confirma o Brasil como produtor de uma arte sincronizada às mutações sociais e políticas do nosso mundo.

This year, Brazil is represented by Antonio Manuel, one of Brazil’s leading exponents of experimentalism since the 1960s; Berna Reale, a prominent figure in the language of contemporary performance; and André Komatsu, notable for installations that make use of urban rubble and remains. What these artists have in common is their capacity to combine political formulations with high aesthetic tension. Their presence in Venice confirms Brazil as a hotbed for an art that is in tune with the social and political changes of the world in which we live.

Francisco Bosco Presidente da Funarte

Francisco Bosco President, Funarte


Para a Fundação Bienal de São Paulo, a participação brasileira na Bienal de Veneza é o evento mais importante no circuito internacional das artes. Não apenas por ser a mais antiga e tradicional das bienais, mas pela sua posição como uma espécie de evento catalisador das forças artísticas, políticas e éticas que perpassam o mundo atual. Nesta medida, o título/tema escolhido pelo curador nigeriano Okwui Enwezor para esta 56ª Edição – All the World’s Future – sublinha os amplos desafios propostos por ele, indo muito além de uma mera exposição de arte.

For the São Paulo Biennial Foundation, Brazil’s participation in the Venice Biennale is the most important event in the international art calendar. Not just because it is the oldest and most traditional of the biennials, but because of its position as a kind of catalyst for the artistic, political and ethical energies crossing the world today. As such, the title/theme chosen by Nigerian curator Okwui Enwezor for this, the 56th Biennale – All the World’s Future – underlines the breadth of the challenges laid down, taking it far beyond a mere exhibition of art.

O pavilhão brasileiro tomou as manifestações de 2013, que se espalharam pelo país, como ponto de partida. Em um dos cartazes mais emblemáticos que invadiram as ruas naquelas jornadas lia-se: “É tanta coisa que não cabe aqui”. Como uma síntese das insatisfações que mobilizavam milhões de manifestantes, esta frase parecia aos curadores Luiz Camillo Osorio e Cauê Alves interessante para resumir as intensidades políticas que marcam a arte brasileira desde os anos 1960 e que, mais recentemente, ganharam novas tonalidades.

The Brazilian pavilion has taken the mass protests around the country in 2013 as its starting point. One of the most emblematic posters seen on the streets bore the phrase, “So much that it doesn’t fit here”. Encapsulating the dissatisfaction that galvanized millions of protesters, it struck the curators, Luiz Camillo Osorio and Cauê Alves, as a pithy way of expressing the political intensity that has been a feature of Brazilian art since the 1960s, taking on new overtones in its more recent manifestations.

Assim sendo, ter no pavilhão um artista cuja carreira iniciou-se no enfrentamento da ditadura militar – Antonio Manuel – e que se mantém desde então com grande força poética, junto com dois artistas mais jovens – Berna Reale e André Komatsu – parece interessante para resumir esta articulação entre momentos históricos, enfrentamentos políticos e processos artísticos. Mais importante ainda, nenhum deles reduz a questão política a uma ilustração dos acontecimentos, assumindo a força simbólica da arte e a complexidade inerente às linguagens artísticas com sua polifonia intrínseca.

Presenting the work of an artist whose career began in direct resistance to the military dictatorship – Antonio Manuel – and has maintained great poetic force ever since alongside that of two younger artists – Berna Reale and André Komatsu – is a way of exemplifying the articulation between historical periods, political resistance and artistic processes. More importantly, rather than reducing the political question to the mere illustration of events, these artists harness the full symbolic power of art and the inherent complexity of artistic languages with their intrinsic polyphony.

Temos certeza que além de uma exposição contundente, reunindo nomes importantes e destacados na cena contemporânea brasileira, nosso pavilhão está em direta sintonia com os desafios civilizacionais do momento, cuja bienal aborda em sua curadoria geral, apontando para a necessidade de se abrirem possibilidades de futuro para o mundo.

We are sure that with this compelling exhibition of some of the most striking and prominent names in Brazil’s contemporary art scene, our pavilion is perfectly attuned with the challenges facing civilization today, addressed directly in the overall curatorial tone set for this biennial, and pointing to the need to forge new ways of living for all the world’s future.

Luis Terepins Comissário, Presidente da Fundação Bienal de São Paulo

Luis Terepins Comissioner, Presidente at São Paulo Biennial Foundation


Sumário Contents

É tanta coisa que não cabe aqui So much that it doesn´t fit here 20 Antonio Manuel 32 Berna Reale 52 André Komatsu 66

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Antonio Manuel

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Berna Reale

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AndrĂŠ Komatsu


É TANTA COISA QUE NÃO CABE AQUI

So much that it doesn´t fit here

A frase que dá título ao pavilhão brasileiro foi apropriada de um dos cartazes que ocuparam em 2013 as ruas brasileiras, em manifestações massivas cujas reivindicações eram, ao mesmo tempo, contundentes e generalizadas. Não havia uma questão mobilizadora, mas um malestar disseminado em relação ao estado de coisas do presente. Esta insatisfação, que não é de hoje, impulsiona os processos criativos dos três artistas aqui apresentados, aliando intensidades estéticas e políticas.

This epigraph for the Brazilian pavilion was appropriated from a poster seen in 2013 on the streets of Brazil in mass protests calling for change, both general and specific. There was no one pivotal issue, but a widespread disquiet about the current state of affairs. This dissatisfaction – which is nothing new – has driven the creative processes of all three of the artists presented here in a combination of aesthetic and political intensity. With its contradictory diversity, Brazil is emblematic of much that marks this current time, when we seem to be caught between promise and disillusionment. In the middle of the last century, Austrian writer Stefan Zweig coined a phrase, “Brazil is the country of the future”, which for years served to justify the discrepancy between its potential as a civilized nation and its social reality. The future would be our salvation. Yet looking at its prospects today, where the disparities that still exist in the country are now spreading around the world, it seems that, as anthropologist Eduardo Viveiros de Castro observed, it was the future that should have come to Brazil’s aid.

A realidade brasileira, na sua diversidade conflituosa, revela muito do nosso tempo em que parecemos encurralados entre promessa e desencanto. Em meados do século passado, o escritor austríaco Stefan Zweig cunhou uma frase – “O Brasil é o país do futuro” que serviu, durante anos, para justificar o desencontro entre o potencial civilizatório e a realidade social do país. O futuro nos salvaria. Todavia, olhando da perspectiva do presente, mantidas as disparidades brasileiras e percebendo-as disseminadas globalmente, parece que coube ao futuro, como observou o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, vir ao encontro do Brasil. Não se trata de apresentar trabalhos “sobre” temas políticos que nos afligem. Ao deixarem-se atravessar pelas inquietações de seu tempo, os artistas produzem deslocamentos poéticos que nos fazem imaginar outras formas de perceber a realidade. A dimensão política da arte não implica a representação direta de temas políticos. Ao menos, não seria por qualquer tipo de adequação ideológica, de adaptação programática a formas de pensar já instituídas, que nos interessa apresentá-la. A contribuição política da arte viria pela sua capacidade de deslocamento sensível, de produção de atrito e de complexidade, onde consensos tendem a se naturalizar. Desestabilizando qualquer evidência interpretativa, a força do acontecimento artístico deve nos seduzir e, simultaneamente, nos desorientar.

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PALOMO PALOMO BERNA REALE

It is not a matter of presenting works “about” the political issues that afflict us. Rather, having allowed themselves to absorb the troubles of their time, the artists have produced poetic displacements that help us imagine different ways of perceiving reality. In its political dimension, art is not about representing political topics directly. At least, what makes us want to present it is not any particular ideological bent or desire to influence established ways of thinking. The political contribution of art lies in its capacity to make a sensitive displacement, to introduce friction and complexity where mainstream thinking tends to be taken for granted. Destabilizing any interpretative signs, the force of the artistic act should seduce us while at the same time disorienting us.

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Diferentemente das vanguardas históricas que acreditavam em modelos sociais alternativos cuja realização não caberia no interior das instituições constituídas, a arte contemporânea, assumida certa deflação utópica, resiste de dentro das instituições sem, todavia, deixar-se acomodar nem aos padrões instituídos nem ao desencanto niilista. Se não parece haver um novo modelo de sociedade, cabe à arte produzir pequenas alteridades, abrindo brechas nas normatividades que inviabilizam a criação de outras formas de estar no mundo. Vivemos desde 1989 divididos entre a procura de aberturas democráticas, a inquietação diante de consensos inibidores e a angústia de que o fim do mundo não é mais uma conjectura ficcional, mas o desdobramento natural do desenvolvimento econômico e tecnológico. Ao mesmo tempo, a desigualdade e o deserto crescem. A entropia amplia tensões sociais e inviabiliza a convivência na diferença. O que podemos esperar do futuro? O que pode a arte diante desta crise? Em 1970, o artista Antonio Manuel realizou O corpo é a obra, uma performance no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro em que, inesperadamente, no dia da abertura do Salão Nacional de Arte Moderna em que fora recusado, despiu-se e fez do seu corpo nu um gesto de resistência à exclusão. Resistência afirmada enquanto obra, obra constituída como corpo – um corpo nu, frágil, desarmado. Diante da polêmica gerada e da ameaça de prisão do artista (o Brasil vivia uma ditadura militar violenta), o crítico Mario Pedrosa declara que a “arte é a única coisa contra a entropia do mundo”. É pela fragilidade de um corpo solitário, na recusa de projetos autoritários e/ou utópicos unidimensionais, que a arte parece resistir e deixar entrever uma linha de fuga possível.

Unlike other historical vanguards, which believed in alternative social models that were incompatible with existing institutions, contemporary art – consciously less utopian in its outlook – resists from within these institutions, yet without surrendering to either conventional standards or nihilistic disenchantment. If there seems to be no new model for society, it is down to art to introduce small alterities, to prise open chinks in the prescriptive norms that prevent the creation of different forms of being in the world. Since 1989 we have been caught between a quest for democratic openness, misgivings about the restrictions of prevailing norms, and anxiety that the end of the world is no longer some fictional conjecture, but the natural outcome of economic and technological development. Meanwhile, inequality grows and deserts spread. Entropy entrenches existing social tensions and blocks the way for harmony between differences. What can we hope for in the future? What can art do in response to this crisis? In 1970, Antonio Manuel did a performance, O corpo é a obra (The Body is the Work), at Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro on the same day that the Nacional Salon of Modern Art was opening, from which he had been rejected. In the performance, he stripped naked and made of his bare body a gesture of resistance to exclusion. Resistance affirmed as an artwork, an artwork constituted as a body – a naked, fragile, defenceless body. During the ensuing controversy, amidst threats to have the artist arrested (Brazil was in the grip of a violent military dictatorship), art critic Mario Pedrosa declared that “art is the only thing against the entropy of the world”. It is in support of the fragility of a solitary body, standing up against one-dimensional utopian and/or authoritarian projects, that art seems to resist and give a glimpse of some other way out.

O CORPO É A OBRA The BODY IS THE WORK ANTONIO MANUEL

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Antonio Manuel is one of a whole generation of Brazilian artists who came of age in the resistance to the military dictatorship in the 1960s and 70s, articulating conceptual strategies, constructivist rigor and political engagement. Over the years, his poetic has gradually confirmed these affinities, rejecting any illustrative discourse while consistently holding true to his political tenor. His works operate by both confronting architectural space and appropriating journalistic images to resignify them outside the conventional narrative context. Friction is an expressive and political ally.

Antonio Manuel pertence a uma geração de artistas brasileiros que se formou na resistência à ditadura nos anos 1960 e 1970, articulando estratégias conceituais, rigor construtivo e engajamento político. Ao longo dos anos, sua poética foi afirmando estes laços, recusando qualquer discursividade ilustrativa sem, todavia, deixar de afirmar sua tonalidade política. Suas obras atuam tanto no enfrentamento do espaço arquitetônico, como se apropriam das imagens jornalísticas para resignificá-las fora do contexto narrativo convencional. O atrito é um elemento plástico e político. Este atrito se apresenta também no diálogo com o espaço arquitetônico, como ocorreu, por exemplo, em sua versão original de Ocupações/Descobrimentos, em 1998, no MAC de Niterói. Neste prédio futurista de Oscar Niemeyer, plantado como um disco voador diante da paisagem estonteante da Baía de Guanabara e do Pão de Açúcar, ele ocupou o espaço da varanda apostando no embate com a natureza. Intrometendo-se no circuito da promenade arquitetônica que se debruça sobre a natureza, Antonio Manuel construiu sete muros, mimetizando movimentos curvos de algumas paredes do arquiteto, que bloqueavam abruptamente a passagem deambulatória do visitante. Os buracos abertos com uma marreta eram o único modo de ultrapassar os muros para seguir seu percurso, sempre intrigado sobre o que estaria à frente. Do outro lado das paredes que estavam pintadas de branco, de amarelo e de vermelho, os tijolos expostos remetiam para as casas das favelas que se escondiam do lado velado da paisagem. Criando esta interrupção radical no movimento do visitante, completamente projetado na paisagem exterior, aquelas paredes faziam-no sentir melhor o espaço da arquitetura, seus materiais, o diálogo com a paisagem e com o seu próprio corpo. Os buracos abrem passagem e juntam o elemento construtivo da parede ao elemento concreto do tijolo, o desejo de forma da arquitetura moderna à forma do desejo de um obstáculo rompido, integram Brasília e a favela, o Brasil utópico e o Brasil distópico.

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a palavra, o pau, a pedra The Word, the Stick, the Stone ANTONIO MANUEL

This friction is also present in the way he interacts with architectural spaces, such as in his original version of Ocupações/Descobrimentos (Occupations/Discoveries) at Museu de Arte Contemporânea de Niterói in 1998. In this futuristic building designed by Oscar Niemeyer, poised like a flying saucer in the spectacular setting of Guanabara Bay and Sugar Loaf, he devised an occupation for the glass-enclosed walkway to take on the landscape outside. Disrupting the circular promenade that overlooks the natural environment, Antonio Manuel built seven walls that mimicked the curves of some parts of the museum’s architecture, abruptly blocking the way of the unsuspecting visitor. The holes he made in the walls with a sledgehammer were the only way of getting through and carrying on around the museum, arousing curiosity about what was to come. On one side the walls were painted white, yellow and red, while on the other they were all exposed brick, alluding to the houses in the favelas hidden from view. By abruptly upsetting the visitors’ perusal of the landscape outdoors, the walls actually made them notice the architectural space better – its materials and how it interacted with the landscape and their own body. The holes opened the way through and combined the constructive element of the wall with the concrete element of the brick, the formal will of modernist architecture with the formal will of a ruptured obstacle, integrating Brasilia and the favela, utopian Brazil and dystopian Brazil.

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Já em Nave, 2013, Antonio Manuel revisita elementos importantes na sua trajetória, o jornal e a imagem, só que ao contrário da estratégia dos antigos Flans, em que revelava no auge da ditadura imagens da repressão, ele vai agora velando, com as gotas que pingam sobre o monitor, a quantidade excessiva de imagens que nos atingem diariamente. Se a ditadura se mantinha pela censura da imagem, o consumismo e o consenso antidemocrático se sustentam sobre a banalização e a homogeneização dela. De certo modo, este jogo de velamento e desvelamento perpassa sua poética, dando-lhe uma indeterminação e uma abertura que nos engajam sem imposição de qualquer ordem.

In Nave (2013), Antonio Manuel revisits some important elements from his career – newspapers and images – except that rather than employing the strategy from his Flans series, in which he revealed images of repression at the height of the dictatorship, he now uses drops of water dripping onto a television screen to veil the excessive number of images we are exposed to on a daily basis. If the dictatorship kept power by censuring images, consumerism and the anti-democratic mainstream hold sway by hackneying and homogenizing them. This play of veiling and unveiling is something that imbues his poetry, making it less deterministic and giving us a chance to engage without imposing any order.

Dialogando com sua obra temos dois artistas cujas trajetórias já nascem no século XXI: a paraense Berna Reale e o paulista André Komatsu. Nos dois artistas destacam-se o mesmo destemor no uso da imagem, do corpo, da arquitetura e da materialidade crua à nossa volta, trazendo à luz o que fica à margem do visível, mas que revela os conflitos de um país e de um mundo fragmentado e brutal. O confronto proposto na entrada do pavilhão entre os corpos massacrados de Semi Ótica retirados dos arquivos de jornais na década de 1970, cujo dilaceramento é potencializado pela música de Guilherme Vaz, e o corpo solitário da artista que percorre olimpicamente, em Americano, uma prisão no interior do país, revela uma situação de exclusão contínua e persistente, inviabilizando as condições mínimas de uma cidadania compartilhada. As grades e os muros espalhados pelas cidades, naturalizando a segregação, deslocam tragicamente este sentimento para o contexto urbano. Transitar pelas cidades brasileiras é um choque contínuo de diferenças, que ora se integram, ora se excluem, produzindo uma contradança de contrastes em que a alegria do carnaval e a dor do preconceito continuamente se tocam. O equilíbrio precário destes contrastes, sempre à beira de uma desagregação, perpassa muitas das instalações de Komatsu, cuja materialidade bruta interage, em seus pontos decisivos de equilíbrio, com elementos delicados no limite do colapso. Toda uma instabilidade social é visualizável nos blocos de concreto equilibrados sobre pequenos copos de cachaça.

Set alongside Antonio Manuel’s work are two artists whose careers have taken off in the twenty-first century: Berna Reale, from the northern state of Pará, and André Komatsu, from São Paulo city. What stands out in both their work is the bold way they employ the images, bodies, architecture and raw materiality that surround us, foregrounding what is often in the shadows and revealing the strife of a harsh and fragmented country and world. The impact prepared for the entrance to the pavilion, where Semi Ótica (Semi-Optic) presents images of massacred bodies taken from 1970s newspapers, intensified in their sheer brutality by a soundtrack by Guilherme Vaz, and Americano (American) depicts the solitary body of the artist making an Olympic circuit through a prison in the hinterland of Brazil, reveals a state of grinding, unrelenting exclusion that prevents even the most basic of conditions for shared citizenship. The railings and walls that encroach on our cities, making segregation the norm, tragically transfer this feeling to urban living. To walk around the streets of Brazil’s cities is to encounter a continuous clash of differences, sometimes integrating, sometimes excluding, producing an unsettling array of contrasts in which the joy of carnival and the pain of prejudice are repeatedly juxtaposed. The precarious equilibrium of these contrasts, forever teetering on the brink, is a feature of many of Komatsu’s installations, where at the most critical points of balance crude materials are made to interact with the most fragile of elements, pushing them to the verge of collapse. The instability of a whole society can be seen in the blocks of concrete balanced on small cachaça glasses.

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BASE HIERÁRQUICA HIERARCHICAL BASIS ANDRÉ KOMATSU

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Quando preparávamos o material do catálogo oficial da Bienal, enviamos um SMS para Berna para pedir-lhe umas imagens. Sua resposta veio rapidamente: “Estou na viatura, à noite envio sem falta”. A viatura, no caso, era da polícia, onde a artista trabalha como perita criminal. Trabalhar aí garantiu-lhe contato com a realidade sórdida do submundo brasileiro, que em uma cidade como Belém do Pará ganha tonalidades dramáticas. Foi assim também que teve acesso a espaços como um presídio masculino, em que jamais entraria não fosse ela daquele meio. Importante ressaltar, todavia, que este facilitador não significaria nada artisticamente sem a potência estética e simbólica de suas performances e filmes. Americano revela, por um lado, a solidão de uma corrida sombria no interior de uma prisão arruinada. Por outro, é uma crítica contundente às condições subhumanas dos presos no Brasil, solidarizando-se com os excluídos. Se somos capazes de sediar uma olimpíada, acumulamos índices vergonhosos de violência e exclusão. O silêncio e a calma de seu trajeto potencializam as tensões deixadas à sombra no percurso e que se insinuam por vozes dissonantes, nas mãos e nos pequenos espelhos postos para fora das grades pelos presos curiosos com a cena singular. Os contrastes de luz e sombra explicitam o abismo de nossas desigualdades.

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ORDINÁRIO GROSS BERNA REALE

When we were preparing the material for the official biennale catalogue, we sent an SMS to Berna to ask for some pictures. She was quick to reply: “Am in the car, will get back to you tonight”. The car in this case was a police car, for the artist works as a forensic expert. It is a profession that brings her into constant contact with the squalid reality of the Brazilian underbelly, which, in a city like Belém (capital of the Amazonian state of Pará), can take on dramatic overtones. Indeed, it was thanks to her day job that she gained access to a male prison, which would otherwise have been out of bounds. Yet this ease of access would signify nothing artistically if it were not for the symbolic and aesthetic potency of her performances and films. While Americano depicts the solitude of a dismal run inside a dilapidated prison, it also serves as a biting criticism of the inhumane conditions prisoners are subject to in Brazil, taking the side of the excluded. While we may be capable of hosting the Olympics, we have also managed to amass an appalling inventory of violence and exclusion. The peace and quiet she encounters as she runs through the prison is precisely what heightens the tension in the shadows along the way, suggested in the harsh voices, in hands and small mirrors stretched out through the bars by inmates keen to witness the unusual sight. The contrasts of light and shade only reinforce the depths of our inequality. 31


No caso de Status Quo, de André Komatsu, as grades não denunciam o sistema carcerário, mas reproduzem uma condição paradoxal da vida nas grandes cidades brasileiras: a demanda por segurança incorporou à cidadania o elemento básico das prisões – a segregação. Não há prédios em nossas capitais que não se protegem das ruas com grades de segurança. Naturalizamos a vida enclausurada. A instalação, na sua frieza minimalista, encurrala o corpo à parede, que paradoxalmente se sente livre ao entrar na prisão – símbolo de uma vida privada divorciada da rua, da privatização do comum.

In Status Quo by André Komatsu, railings are not a denouncement of the prison system, but a reproduction of the paradoxical state of life in Brazil’s big cities, where calls for tighter security mean citizens now coexist with the most fundamental tenet of the prison system: segregation. There are no more buildings in our big cities that do not protect themselves from the street with fences and railings. We take confinement for granted. His coldly minimal installation traps the body against the wall, then paradoxically makes it feel free when it reaches the prison within – a symbol of a private life divorced from the outdoors, the privation of sharing.

Todos os trabalhos no pavilhão brasileiro explicitam uma sensação de constrangimento, na qual não parece haver lugar para uma cidadania desimpedida, onde qualquer um pode participar sem que a diferença se transforme em risco e em ameaça. Os dilemas de uma liberdade controlada por grades e muros e de corpos excluídos de um mínimo de dignidade civilizada nos levam de volta ao pôster das manifestações: “É tanta coisa que não cabe aqui”.

All the works in the Brazilian pavilion display a sense of shame at a state of affairs in which there is apparently no place for the free exercise of citizenship by all without their differences being held as a risk or threat. The dilemma inherent to a freedom controlled by railings and walls, where bodies are excluded from the slightest civilized dignity, takes us back to the poster from the protests: so much that it doesn’t fit here.

A partir desta realidade adversa, a arte procura resistir e mobilizar energias de transformação. O futuro depende destas energias e de nossa capacidade de ainda nos deixarmos surpreender e incomodar.

Faced with this adverse reality, art strives to resist and galvanize its energy for transformation. The future depends on this energy and our capacity to retain our sense of surprise and indignation.

Luiz Camillo Osorio Curador

Luiz Camillo Osorio Curator

Cauê Alves Curador Assistente

Cauê Alves Assistant Curator

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ESTAMOS APENAS SEGUINDO ORDENS WE’RE JUST FOLLOWING ORDERS ANDRÉ KOMATSU

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Antonio Manuel 1947, AvelĂŁs de Caminha, Portugal Vive e trabalha no Rio de Janeiro 1947, AvelĂŁs de Caminha, Portugal Lives and works in Rio de Janeiro


A longa trajetória de Antonio Manuel é permeada por trabalhos de diferentes suportes: performances, objetos, instalações, pinturas, gravuras e filmes. Sua obra nos anos de 1960/70 trata primordialmente do corpo e do processo de construção de imagens em jornais. Sua pesquisa sobre a estrutura do desenho gráfico, série Flans, dialoga com a arte construtiva, com repertório das histórias em quadrinhos, abordando diretamente questões políticas durante a ditadura militar no Brasil. Esses trabalhos se desdobram nas décadas seguintes em pinturas geométricas, esculturas de ferro e instalações. Fantasma, 1994, é uma espécie de síntese em que corpo, espaço e imagem de jornal abordam a violência e as relações entre visibilidade e invisibilidade.

Over his extensive career, Antonio Manuel has produced works in a variety of media: performances, objects, installations, paintings, prints and films. His output from the 1960s and 70s mainly investigates the body and how newspaper images are constructed. His research into the structure of graphic design in his Flans series had some affinity with constructivism, drawing on a repertoire of cartoon stories that made direct reference to political issues during the military dictatorship in Brazil. In the subsequent decades these works developed into geometric paintings, iron sculptures and installations. Fantasma (Phantom), 1994, encapsulates this process, addressing violence and the relationship between visibility and invisibility through the body, space and newspaper pictures.

O filme Semi Ótica (35 mm, 1975) trata de um símbolo nacional a partir do enquadramento da fachada de uma casa simples, no morro do Borel, no Rio de Janeiro, em que está pintada a bandeira do Brasil. Em vez do círculo azul, no centro há uma janela quadrada e escura para onde a câmera se dirige. Além da ironia com o semiologia, moda acadêmica no período, o filme apresenta imagens com dados fictícios de fichas de criminosos, como nome, idade e cor. Há sempre uma alusão aos tons da bandeira brasileira na descrição da cor – semiverde, semiamarelo, semiazul e semibranco – se referindo às classificações raciais e sua relação com a violência.

The 35 mm film, Semi Ótica (Semi Optics), 1975, investigates a national symbol by showing the façade of a simple home in Borel favela in Rio de Janeiro on which the Brazilian flag is painted. Rather than a blue circle, this flag has a dark square window in the middle, which the camera focuses on. Alongside an ironic take on semiotics, in academic vogue at the time, the film shows details from fictitious criminal records bearing the name, age and colour of the putative offenders. There is a constant allusion to the colours of the Brazilian flag in the skin colours given – semi-green, semi-yellow, semiblue and semi-white – referring to racial classifications and their relationship with violence.

Nave é uma espécie de cabine feita com portas de madeira em que

pingos caem sobre televisores, como se borrassem as imagens. São goteiras que derretem de uma pedra de gelo ensacada, marcam o tempo e promovem um embate entre memória e esquecimento, ilusão e realidade. Já a instalação com muros coloridos de um lado e tijolos aparentes de outro, dialoga com a arquitetura do pavilhão e com a desordem brasileira. Ela é construída com marretadas que rompem à força passagens, rotas de fuga, possibilidades abertas e livres, entrelaçando o dentro e o fora.

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Nave is a kind of booth made of wooden doors in which drips of water drop onto television screens, blurring their images. The drops come from ice suspended in a bag, marking the passage of time and causing a clash between remembering and forgetting, illusion and reality. Finally, the installation made of walls that are coloured on one side and bare bricks on the other is designed to interact with the architecture of the pavilion and the disorder of Brazil. They are broken in places by a sledgehammer, creating ways through, escape routes, free, open possibilities that link the inside to the outside.

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ocupaçþes/descobrimentos, 2013 parede de tijolos, cimento e tinta Occupations/Discoveries, 2013 Brick walls, cement and paint 44

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até que a imagem desapareça, 2013 técnica mista Until the Image Disappears, 2013 mixed media 47


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nave, 2013 4 portas de madeira, monitor de tv, acrĂ­lico e vĂ­deo Nave, 2013 4 wooden doors, tv monitor, acrylic and video

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semi ótica, 1975 filme 35 mm, 7’ Semi-O(p)tics, 1975 35-mm film, 7’

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Berna Reale 1965, Belém, Brasil Vive e trabalha em Belém 1965, Belém, Brazil Lives and works in Belém

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Berna Reale trabalha com performances, vídeos e fotografias que abordam a violência exercida pelo Estado e pela sociedade. A artista, que também é perita criminal do Centro de Perícias Científicas do Estado do Pará, na região norte do Brasil, investiga questões ligadas ao corpo e agressões cotidianas sofridas pelos mais desfavorecidos. Em uma performance ao lado do mercado de Belém, Ver-o-Peso, em 2009, serviu vísceras em seu próprio corpo deitado numa mesa, como em um banquete para urubus. Em outra, em 2011, seu corpo nu foi carregado como carne de frigorífico pelas ruas da cidade. Em Cantando na Chuva, 2014, não sem ironia, a artista interpreta a clássica música eternizada por Gene Kelly, vestida de dourado e com uma máscara de gás, sobre um tapete vermelho em pleno lixão. Ao fundo, um catador exerce, indiferente à dança, seu trabalho insalubre. Os personagens escolhidos pela artista vão de indigentes, cujos ossos são transportados num carrinho de mão, porcos que puxam bigas, até mulheres tratadas pela cultura machista como meros objetos sexuais. Em Americano, 2013, a artista penetra no submundo das penitenciárias brasileiras. O Brasil é o quarto país com a maior população carcerária do mundo, 274 presos para cada 100 mil pessoas. Em meio a rebeliões frequentes devido à superlotação, grande parte da população brasileira aplaude chacinas e torturas historicamente praticadas contra os presos. Em meio aos preparativos para os Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro, levar para um presídio a tocha olímpica é uma provocação contundente. O fogo que Berna Reale carrega é símbolo da razão e da sabedoria que Prometeu roubou de Zeus e entregou aos homens. No interior do complexo penitenciário Santa Izabel do Pará, a tocha olímpica é uma espécie de índice da alforria, signo dos direitos fundamentais do homem, uma chama da liberdade.

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Berna Reale creates performances, videos and photographs that investigate state-sponsored and societal violence. Alongside her artistic pursuits, she works as a forensic expert at the Pará state forensic centre in the north of Brazil, examining the physical impacts and aggressions suffered on a daily basis by society’s least privileged people. In a performance next to the covered market in Belém (Vero-Peso, 2009), she made a platter of her own body, prone on a table, to serve up innards – a kind of feast for vultures. In another, in 2011, her naked body was borne like meat in a slaughterhouse through the streets of the city. In Cantando na Chuva (Singing in the Rain), 2014, she performed her own wry version of the classic musical number immortalized by Gene Kelly on a red carpet spread in the middle of a garbage dump, dressed in a gold suit and wearing a gas mask. In the background, a waste picker can be seen carrying on his insalubrious task, impervious to the dance. The characters the artist chooses range from beggars, whose bones are transported in a wheelbarrow, to pigs pulling carts, to women who are treated as mere sexual objects in male chauvinist cultures. In Americano (American), 2013, Reale reveals the underbelly of the Brazilian prison system. With 274 inmates per 100,000 people, Brazil has the fourth largest prison population in the world. While overcrowding sparks frequent prisoner uprisings, many Brazilian citizens still condone the killings and torture consistently dealt out to these people. With preparations for the 2016 Olympics underway in Rio de Janeiro, taking the Olympic torch into a prison is a clear provocation. The flame that Berna Reale carries is the symbol of reason and wisdom that Prometheus stole from Zeus and delivered to man. Inside the Santa Izabel prison complex in Pará, the Olympic torch is a kind of sign of liberty, an emblem of basic human rights, a fire of freedom.

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Americano, 2013 vídeo, 3’42’’ American, 2013 Video 3’42’’

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André Komatsu 1978, São Paulo, Brasil Vive e trabalha em São Paulo 1978, São Paulo, Brazil Lives and works in São Paulo


André Komatsu trabalha com instalações, vídeos, ações, elementos arquitetônicos, como dry wall, além de uma série de projetos de intervenções em espaços públicos e privados. Seus trabalhos discutem a relação entre áreas internas e externas de galerias e instituições. É recorrente em sua trajetória a problematização dos limites entre dentro e fora. Em 2014, realizou na Itália o projeto Febre do Ouro, em que seis paralelepípedos de alambrado se articulavam com lâmpadas. Quanto menor o espaço, mais iluminado ele estava. Entre suas operações está a desconstrução e reconstrução de edificações a partir de materiais da construção civil. O artista tratou de mecanismos de vigilância e de controle como bunkers e guaritas. Se valendo de fragmentos da arquitetura, discute as contradições da tradição moderna e aborda conflitos sociais cotidianos. O mastro de bandeira com um par de velhos tênis pendurados representa a nação. Jogar sapatos usados nos fios elétricos urbanos é uma prática antiga e bastante comum nas periferias das grandes cidades brasileiras. Há algo de misterioso nesse gesto, como se fosse uma espécie de demarcação de território e sinal para consumidores de drogas. No mastro, é como se esse ato banal adquirisse um status mais nobre, os tênis pendurados pelos cadarços tornam-se emblema da nação e elemento simbólico da vida social do país. O projeto Status Quo, 2015, é também um modo de inverter as relações entre interior e exterior. O público pode entrar por um corredor estreito entre as paredes e o cercado central. Ao lado de fora, no corredor, é como se o corpo do visitante estivesse preso, oprimido pela falta de espaço. Caso ele atravesse o buraco no alambrado e entre no espaço central gradeado, sentirá uma espécie de alívio. É como se estivéssemos mais seguros presos do que livres.

André Komatsu has worked with installations, videos, actions, architectural elements (e.g. dry walls) and a number of interventions in public and private spaces. His works discuss the relationship between the inside and outside areas of galleries and institutions, often investigating what divides the internal from the external. In 2014 he presented Febre do Ouro (Gold Fever) in Italy, a work in which six rectangular prisms covered with wire fencing are placed against each other with a light inside each one. The smaller the space, the brighter the prism is lit. Another aspect of his work is the deconstruction and reconstruction of buildings using building materials. He has appropriated surveillance and control mechanisms like bunkers and guard booths. Taking fragments of architecture, he probes the contradictions in the modern tradition and comments on daily social conflicts. The flagpole with a pair of old running shoes hanging from it is a representation of the nation. For years, worn out trainers hanging from overhead electricity cables have been a common sight in the outskirts of Brazil’s biggest cities. There is something enigmatic in this gesture, as if it were designed to mark out territory or serve as a sign for drug users. On the flagpole, it is as if this banal act acquired a more noble status; the running shoes hung by their laces become the emblem of a nation and the symbol of its social life. Komatsu’s 2015 project, Status Quo, is also a way of inverting the relationship between inside and outside. The public can enter through a narrow corridor between the walls and the central fence. On the outside, in the corridor, the visitor is made to feel confined, oppressed by a lack of space. But if s/he goes through the hole in the fencing and gets into the central enclosed space, s/he will feel a sense of relief. It is as if we felt safer imprisoned than free.

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prÊ-moldado 1, 2013, grade de aço galvanizado, ferro e verniz spray 72 Pre-molded 1, 2013, galvanized fencing, iron and spray varnish

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Racionalidade Gradual, 2014, correntes de aรงo e pregos Gradual Rationality, 2014, steel chains and nails Dopo Domani 12, 2014, Aquarela sobre papel Dopo Domani 12, 2014, watercolor on paper

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sem tĂ­tulo, 2015 untitled, 2015

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Status Quo, 2015 tubo de aรงo galvanizado, abraรงadeiras, arame e alambrado de aรงo galvanizado Status Quo, 2015 Galvanized steel tube, iron grab, screw and galvanized steel grail

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la Biennale di Venezia 56a Exposição de Arte 9 de maio a 22 de novembro de 2015 56th Art Exhibition 9th May to 22nd November 2015 GIARDINI, arsenale venezia, italia

Pavilhão do Brasil GIARDINI DI CASTELLO veneza, itália Brazilian Pavilion GIARDINI DI CASTELLO venice, italy

exposição exhibition Comissário Comissioner Luis Terepins Curador Curator Luiz Camillo Osorio Curador Assistente Assistant Curator Cauê Alves Coordenação Geral General Coordination Emilio Kalil Produção Executiva Executive Production Robson Outeiro / Empório Empreendimentos Artísticos e Culturais Coordenação de Montagem Coordination of Installation Martin Weigert Conservação Registrar Izadora Bertussi Assistência de Producão Production Assistant Mary Helen Rodrigues Design Design Carla Marins, Mariana Boghossian Produção Gráfica Graphic Producer Ligia Pedra

Catálogo Catalogue Coordenação Coordinator Emilio Kalil, Luiz Camillo Osorio Produção Executiva Executive Production Robson Outeiro / Empório Empreendimentos Artísticos e Culturais Design Design Carla Marins, Mariana Boghossian Revisão Proof-Reader Beatriz Caillaux Versão em Inglês Translator Rebecca Atkinson Produção Gráfica Graphic Producer Ligia Pedra Foto da Capa Cover Photo Alexandre Soares (Rua do Catete, Rio de Janeiro, 2015) Fotos Photos Antonio Manuel: MAC-Niterói, Pedro Oswaldo Cruz (páginas pages 32, 33); CCBB SP, Romulo Fialdini (páginas pages 36-39); MAM Rio, Sergio Araujo (páginas pages 40 - 49) Fotos Photos André Komatsu: Eduardo Fraipont Impresso por Printed by Studio Fasoli, Verona

AGRADECIMENTOS acknowledgements Ministerio das Relacoes Exteriores, Embaixada do Brasil em Roma, Ministerio da Cultura, Funarte, Francisco Bosco, Marco Antonio Nakata, Miriam Lewin, Andrea Paes, Osvaldo Alves, Estela Alves, Rita Marinho



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