CURSO NO ATELIÊ BINAH
25 PROFESSORAS
A idéia do curso era fazer uma imersão nas materialidades da cidade a partir de experiências coletivas teóricas e práticas. Estudar junto, explorar as ruas e enfim colocar a mão na massa.
Foram dois dias de muita produção, tentando compreender quais os convites que a cidade nos faz, quais as potências que aparecem nos nossos percursos diários, e quais as inúmeras possibilidades de relação a que cada materialidade nos convoca. mapa da conversa do primeiro dia
MATERIALIDADE NO / DO CAMINHAR
“O ato de atravessar o espaço nasce da necessidade natural de mover-se para encontrar alimento e as informações necessárias para a própria sobrevivência. Mas, uma vez satisfeitas as exigências primárias, o caminhar transformou-se numa forma simbólica que tem permitido que o homem habite o mundo.”
[FRANCESCO CARERI]
“O caminhar como forma de ver paisagem e, tambem, como modo não somente de ver, mas sobretudo de criar paisagens.”
“Caminhar como forma de intervenção urbana.”
[PAOLA B. JACQUES]
“E o que dizer do espaço sonoro criado por gotas d’água pingando numa abóbada escura e úmida, do espaço urbano criado pelo som dos sinos de uma igreja, a sensação de distância que temos quando o som de um trem noturno penetra em nossos sonhos, ou o espaço aromático de uma padaria ou loja de doces? Porque as casas abandonadas, sem aquecimento, têm o mesmo cheiro de morte em todos os lugares?”
[PALLASMAA]
“Eis por que a abordagem artística é tão importante para compreender o nosso modo de perceber o mundo através dos caminhos que o perpassam, na medida em que enfatizam a dimensão da experiência sensível e afetiva do caminhar”.
[GILLES TIBERGHIEN]
ESPAÇOS ENTRE
“É pela velocidade e lentidão que a gente desliza entre as coisas, que a gente se conjuga com outra coisa: a gente nunca começa, nunca se recomeça tudo novamente, a gente desliza por entre, se introduz no meio, abraça-se ou se impõe ritmos”.
[DELEUZE]
“Esse espaço seria aquele que construímos para o nosso habitar, e onde, para Foucault, “sempre nos tornamos algo diferente do que somos”, ou para Derrida, “onde se criaria a possibilidade de chegada de algo que não nos deixaria os mesmos”, ou ainda, para Gilles Deleuze, “onde se daria a possibilidade de ocorrência do “virtual”, ou seja, a realidade da qual ainda não possuímos o conceito”. Em suma, seria no espaço, não no espaço pré-determinado, mas nos “entres”, nos espaços livres de préconfigurações, que vivenciaríamos estes “momentos de invenção” e criaríamos condição para o devenir autre, indo além dos limites impostos pelo natural.
(...)
Um espaço suporte capaz de absorver e registrar as marcas deixadas sem, no entanto, adquirir um sentido que pudesse ser adotado como o mais adequado, e, no momento seguinte, capaz de voltar à sua situação de significante, à espera de novos significados, interpretações, intervenções por parte das pessoas. Nós poderíamos falar sobre um espaço baseado mais em acumulação que composição, um espaço urbano como uma máquina produtiva livre das intenções primárias do autor, permanecendo apenas como um traço, um traço demarcador sempre aberto à aceitação e pronto para fecundar.”
[IGOR GUATELLI]
“Partimos da premissa de que corpo e cidade se relacionam, mesmo que involuntariamente, através da simples experiência urbana. A cidade é lida pelo corpo como conjunto de condições interativas e o corpo expressa a síntese dessa interação descrevendo em sua corporalidade, o que passamos a chamar de corpografia urbana. A corpografia urbana seria um tipo de cartografia realizada pelo e no corpo, ou seja, a memória urbana inscrita no corpo, o registro de sua experiência da cidade, uma espécie de grafia urbana, da própria cidade vivida, que configura o corpo de quem a experimenta.”
[PAOLA B. JACQUES]
“O cartógrafo é antes de tudo um antropófago.”
[SUELY ROLNIK]
“O mundo da fluidez, a vertigem da velocidade, a freqüência dos deslocamentos e a banalidade do movimento e das alusões a lugares e a coisas distantes, revelam, por contraste, no ser humano, o corpo como uma certeza materialmente sensível, diante de um universo difícil de apreender. “
[MILTON SANTOS]
“É diretamente atento à essa “materialidade sensível” do corpo e à constatação da aceleração do mundo contemporâneo que Milton Santos cunha a categoria “homem lento”. (...) Na relação corpoespaço a “contra-racionalidade” do homem lento ganha consistência material, mesmo que efêmera e passageira.”
[EDUARDO ROCHA LIMA]
Após uma intensa conversa sobre o que cada um traz como bagagem sobre o tema Materialidade e Cidade, e quais as inquietações que estavam pulsando em cada uma como expectativas para aquele dia que passaríamos juntas, partimos para leituras de alguns folhetos que preparamos com autores que nos inspiram.
A cada linha, novas descobertas, novos questionamentos e mais complexidade para os mapas mentais que se formavam pouco a pouco dentro de cada uma.
Com a cabeça recheada de referências, as professoras partiram para a rua em cinco percursos diferentes.
Para esse percurso atento, oferecemos uma pequena bandeja pendurada no pescoço e amarrada na cintura. Cada gaveta-ambulante seria preenchida com materiais de interesse de cada professora. A escolha para a composição era como fazer uma mala para viajar para um lugar novo, com olhares com extrema curiosidade, abertura e intencionalidade.
Lupas, óculos, lentes, tintas, canetas, tesouras, pincéis, espelhos, papéis, todos em suas mais variadas formas.
A experiência da caminhada foi transformadora. Cada professora voltou contando das singularidades do seu percurso. Algumas encontraram moradores, passantes, conversaram, fotografaram, desviaram dos caminhos, traçaram novas rotas, descobriram detalhes, ouviram rios submersos, perceberam a vida e o ritmo do bairro.
A conversa gerou um grande painel que nos conta tudo o que se despertou no caminhar.
Os grupos de cada percurso se reuniram e produziram cartazes individuais contando sobre tudo aquilo que os atravessaram, aproveitando para reunir desenhos, fotografias e pequenos objetos coletados.
Depois de um dia intenso, foi preciso muita conversa para compartilhar as infinitas experiências. Para encerrar o dia, cada grupo elegeu quais os “temas pulsantes”, que mais as instigaram nos caminhos, e que seriam então o ponto de partida para o segundo dia de pesquisa-ação.
os temas foram: - macro e micro - antigo e moderno - solidão observada - tempo - intervenção com palavras - espaços vazios - entulhos - espaço público / espaço de encontro - liberdade e repressão
No segundo dia de curso, retomamos a vivência anterior, encaminhando o diálogo para aquilo que faríamos na parte da tarde: ocupar e intervir no espaço público. Queríamos pegar a discussão que o prõprio território despertou em nós, e levar de volta as ruas em forma de intervenção artística.
O local escolhido foi o largo que se abre logo em frente ao ateliê. Um lugar que é acessado por vias bem diversas em cada um de seus lados: uma preferencial para carros, viela preferencial para pedestres e uma grande escadaria.
Como dar materialidade aos temas que estavam pulsando em nós? Como levar para o Fazer, com intencionalidade?
Para por a mão na massa: mais pesquisa! Cada grupo se reuniu em torno de seus temas, acompanhados de diversos livros, com fotografias e textos referentes à temática.
“O homem, ao deparar-se com a imensidão transforma-a em intimidade, pois o devaneio é sempre particular. Não é possível atingir o imenso se não pelas experiências íntimas de cada um; a ‘imensidão está em nós’... e ‘a grandeza progride no mundo à medida que a intimidade se aprofunda (1993, p.190)’
Karina de Castilhos Lucena, citando Bachelard
E enfim, aos poucos, foram surgindo as idéias, os materiais, as poéticas e as professoras foram às ruas com tintas, pincéis, martelos, stencils, madeiras e espelhos!
pequeno achado poético a 10m do ateliê